Dependência de antidepressivos & interromper os ISRSs

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Dhealy

Após a crise dos benzodiazepínicos nos anos 80, psiquiatras e médicos de clínica geral voltaram-se com alívio para os antidepressivos; o Royal College of Psychiatrists & General Practitioners nos assegurou e aos nossos pacientes que não causariam dependência e que não eram viciantes. Eu compartilho dessa crença. Porque, de fato, os antidepressivos não são viciantes, no sentido de que acarretam alterações nas hierarquias motivacionais, tais como um indivíduo hipotecar seus meios de subsistência e tudo o que ele considera importante para obter mais suprimentos da droga. Mas os pacientes estão preocupados em ficar ‘presos’ aos antidepressivos, e os antidepressivos podem se ‘agarrar’ ao sujeito no sentido de torná-lo fisicamente dependente.

Na década de 1960 surgiu o conceito de dependência terapêutica de drogas antipsicóticas e de antidepressivos, ficando claro que alguns indivíduos talvez nunca seriam capazes de suspender o uso dessas drogas. A retirada de antipsicóticos, por exemplo, poderia levar a discinesia tardia, o que mais tarde foi reconhecido como podendo aparecer ao longo do tratamento (1). O fato de que ‘sintomas de abstinência’ pudessem ocorrer quando o sujeito estava em tratamento com drogas que não fossem euforizantes e que não interrompessem hierarquias motivacionais, isso era completamente incompatível com as teorias do vício de então e as de agora. Isso, aliado à necessidade de conter o uso de opiáceos, LSD e anfetaminas em 1960, levou a um eclipse do conceito de dependência terapêutica. Desde a década de 1960, tivemos uma demonização de algumas drogas e a glorificação de outras. As drogas más são supostamente caracterizadas pela dependência, mesmo que o LSD e outras drogas ruins não causem dependência física. As boas drogas são supostamente livres desse problema.

Neste contexto, a dependência de drogas terapêuticas benzodiazepínicas provocou uma crise. Pacientes ressentidos por serem viciados, ressentidos por não terem sido avisados sobre os riscos de ficarem viciados, e mais ainda ressentidos por serem culpados enquanto autores de sua própria desgraça. O surgimento dos antidepressivos ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina) ofereceu a possibilidade de um compromisso quase que ‘político’.

De 1960 a 1990, os antidepressivos eram geralmente prescritos apenas para pacientes gravemente deprimidos, e nestes pacientes as evidências de recaída com a interrupção podiam muitas vezes serem razoavelmente vistas como evidências de recaída de uma doença. Essa posição tornou-se mais difícil de ser mantida em pacientes que anteriormente haviam sido casos do Valium, mas que agora haviam passado a ser casos do Prozac (Fluoxetina), Seroxat (Paroxetina), Sertralina (Cloridrato de Sertralina) e Efexor (Velanfaxina). Esses doentes não apresentavam as condições severas que poderiam ter sido esperadas para levar a uma recaída precoce com a descontinuação do medicamento. Relatórios sobre os efeitos com a retirada desses medicamentos passaram a ser transmitidos às agências reguladoras.

ISRSs

ISRS (sigla conhecida em inglês como SSRI) significa ‘inibidor seletivo da recaptação da serotonina’. Isso não significa que esses fármacos sejam seletivos para o sistema de serotonina ou que sejam, em algum sentido, farmacologicamente ‘limpos’. Isso significa que eles têm pouco efeito sobre o sistema norepinefrina / noradrenalina. Existem seis ISRSs no mercado:

ISRS Nome comercial no Brasil
Fluoxetina Prozac
Paroxetina Aropax
Sertralina Zoloft
Citalopram Cipramil
Escitalopram Lexapro
Fluvoxamina Luvox
Venlafaxina Efexor

Nota: A Venlafaxina em doses até 150 mg é um ISRS, acima de 150 mg ela também inibe a recaptação da noradrenalina.

CARACTERÍSTICAS DA ABSTINÊNCIA / SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA

Os sintomas comuns na retirada dos ISRS dividem-se em dois grupos (2). O primeiro grupo pode ser diferente de qualquer coisa que você já teve antes, e seus sintomas incluem:

Tontura

Dor de cabeça

Espasmos musculares

Tremor

Sensações de choque elétrico

Outras estranhas sensações de formigamento ou dor

Náusea, diarreia, flatulência

Agitação

O segundo grupo se sobrepõe com nervosismo geral e pode levar você ou o seu médico a pensar que tudo o que você tem são características do seu problema original. Esses sintomas incluem:

Depressão

Incapacidade de humor

Irritabilidade

Agitação

Confusão

Fadiga / Mal-estar

Sentimentos semelhantes a gripe

Insônia ou Sonolência

Mudanças de humor

Sudorese

Sentimentos de perda da realidade

Sentimentos de estar quente ou frio

Esses sintomas aparecem entre 20% a 50% dos pacientes que tomam ISRSs, às vezes dentro de horas após a última dose. Paroxetina e Venlafaxina parecem ser os agentes mais problemáticos no momento, mas sintomas semelhantes são susceptíveis de ocorrer com todos os ISRS e, em menor grau, com antidepressivos tricíclicos. Em casos mais leves, os problemas podem desaparecer após uma semana ou duas, mas noutros os sintomas podem continuar semanas ou meses após a última dose, e para alguns doentes pode não ser possível parar o tratamento. A ajuda especializada pode beneficiar alguns pacientes desse último grupo, nem que seja apenas para fornecer sugestões sobre antídotos para os problemas induzidos pela droga, tais como problemas como a perda de libido.

É DEVIDO À RETIRADA?

Há três maneiras de distinguir os problemas com a retirada dos ISRSs daqueles problemas nervosos para os quais os ISRSs inicialmente podem ter sido usados para tratar.

Em primeiro lugar, se o problema começa imediatamente ao reduzir ou deixar de tomar uma dose, ou que começa dentro de horas ou dias ou talvez até semanas após a retirada, então é mais provável que seja um problema produzido pela retirada. Se o problema original foi tratado e você está indo bem, então ao interromper o tratamento nenhum novo problema deveria aparecer por vários meses.

Em segundo lugar, se o nervosismo ou outros sentimentos estranhos que aparecem na redução ou interrupção do ISRS (às vezes depois de apenas faltar uma dose) desaparecem quando você é colocado de volta ao ISRS ou quando a dose é colocada de volta, então isso também aponta para um problema produzido com a retirada do medicamento, ao em vez de ser um retorno da doença original. Quando as doenças originais retornam, elas levam muito tempo para responder ao tratamento. A resposta relativamente imediata dos sintomas na interrupção da reinstituição do tratamento aponta para um problema de abstinência.

Em terceiro lugar, as características da retirada podem sobrepor-se às características do problema nervoso para o qual você foi tratado pela primeira vez – ambos podem conter elementos de ansiedade e de depressão. No entanto a retirada também muitas vezes irá conter novas características distintas do estado original, como comichão, sensações de formigamento, sensações de choque elétrico, dor e uma sensação geral de gripe.

Antes de começar a retirar o medicamento, deve-se notar que muitas pessoas não terão problema algum. Muitas outras terão problemas mínimos, que podem chegar a um pico após alguns dias antes de diminuir. Os sintomas podem permanecer por algumas semanas ou meses. Outras pessoas terão maiores problemas, mas estes podem ser ajudados pelo plano de manejo descrito abaixo.

Finalmente, não obstante, haverá um pequeno grupo de pessoas que são simplesmente incapazes de parar. É importante reconhecer esta última possibilidade para evitar punir-se. A ajuda de especialistas pode fazer a diferença para algumas pessoas que fazem parte deste último grupo, como eu disse nem que seja para fornecer possíveis antídotos para atenuar os problemas com a continuação dos ISRS, como a perda da libido.

GESTÃO DA RETIRADA

A retirada de ISRSs é algo que deve ser feito em consulta com o seu médico. Você pode mostrar isso ao seu médico de família, por exemplo. A retirada brusca pode até ser medicamente perigosa, particularmente em pessoas idosas.

  1. Converta a dose de ISRS que você toma em uma dose equivalente de Prozac líquido. Aropax / Paxil 20mg, Efexor 75mg, Cipramil / Citalopram 20mgs, Sertralina / Zoloft 50mgs, essa são doses equivalentes a 20mg de Prozac líquido. A lógica para isso é que o Prozac tem uma meia-vida muito longa, o que ajuda a minimizar os problemas de abstinência. A forma líquida permite que a dose seja reduzida mais lentamente do que pode ser feito quando com pílulas.
  2. Estabilize o Prozac por uma semana, depois reduza para metade a dose.
  3. Se não houver qualquer problema com o passo 2, a dose pode ser ainda reduzida para metade. Alternativamente, se houver um problema a partir desse ponto, a dose pode ser reduzida ainda mais lentamente em incrementos semanais.
  4. A partir de uma dose de Prozac de 10mgs líquido, considere a redução de 1mg a cada poucos dias ao longo de várias semanas – ou meses, se for necessário. Com o líquido Prozac isso pode ser feito por diluição.
  5. Se houver dificuldades em qualquer fase em particular, a resposta é esperar nessa fase por um período de tempo mais longo, antes de reduzir ainda mais.
  6. Os sintomas de abstinência e a dependência são fenômenos físicos. Mas algumas pessoas podem ficar compreensivelmente fóbicas com a retirada, especialmente se a experiência for literalmente chocante. Se você acha que pode ter se tornado fóbico, um psicólogo clínico pode ser capaz de ajudar a gerenciar o problema fóbico.
  7. Grupos de apoio de autoajuda podem ser inestimáveis. Junte-se a um. Se não houver nenhum nas proximidades, considere configurar um. Haverá muitas outras pessoas com um problema semelhante.

Há evidências anedóticas e alguns fundamentos teóricos para acreditar que outra opção é substituir o ISRS pela Erva de São João. Se uma dose de 3 comprimidos de Erva-de-São João é tolerada em vez do ISRS, esta pode então ser reduzida lentamente – por uma pílula por quinzena ou mesmo por mês.

Algumas pessoas por razões compreensíveis podem preferir essa abordagem. Mas é preciso notar que a Erva de São João tem seu próprio conjunto de interações com outras pílulas e seus próprios problemas, e que você deve consultar o seu médico se for esta a opção que você escolher.

ACOMPANHAMENTO

Os problemas colocados com os sintomas de abstinência podem estabilizar-se a tal ponto em que você pode seguir em frente com a sua vida. Mas nesse caso ou em casos onde não é possível deixar de tomar tais medicamentos, é importante anotar problemas que estão ocorrendo e procurar se possível o seu médico ou alguém para relatá-los.

Há efeitos claros no âmago dos ISRSs. A lista acima não inclui problemas cardíacos ocorridos durante o período de pós-retirada. Tais problemas, se ocorrerem, podem, contudo, estar relacionados com a retirada e devem ser anotados e registados.

Os ISRSs são bem conhecidos por prejudicar o funcionamento sexual. A visão convencional foi que uma vez que a droga fosse interrompida, o funcionamento voltaria ao normal.  Existem indicadores contudo que isso pode não ser verdadeiro para muitos. Se o funcionamento sexual permanecer anormal, este deve ser trazido à atenção do seu médico, que esperamos ajude a resolver.

A retirada pode revelar outros problemas contínuos, semelhante ao problema de disfunção sexual em curso. É importante relatá-los. A melhor maneira de encontrar um remédio é levar o problema à atenção de tantas pessoas quanto for o possível.

(1) Healy D (2001). Drogas Psiquiátricas Explicadas. Churchill Livingstone, Edimburgo; Healy D (2001). A Criação da Psicofarmacologia. Harvard University Press, Cambridge Mass.

(2) Rosenbaum JF, Fava M, Hoog SL, Ashcroft RC, Krebs W (1998). Síndrome seletiva de descontinuação do inibidor da reabsorção de serotonina: um estudo clínico randomizado. Biological Psychiatry 44, 77-87;

 

Vozes que Curam, Orgulho Louco e Comunidade Recuperada

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Orix“Orgulho Louco é um movimento de massa dos usuários dos serviços de saúde mental nos Estados Unidos, reunindo ex-usuários e seus aliados. Os ativistas do Orgulho Louco buscam questionar termos tais como “louco”, “doidão”, “pirado” pelo seu mau uso. O Orgulho Louco visa educar o público em geral sobre questões como as causas dos ‘transtornos mentais’, as experiências daqueles que usam o sistema de saúde mental e a pandemia de suicídio.”

Source: https://en.wikipedia.org/wiki/Mad_Pride

Na produção do premiado documentário de ação social “Vozes que Curam“, uma das nossas esperanças foi que o filme diminuiria o medo em torno de estados alterados ou extremos de consciência, como ouvir vozes e ter visões – o que é muitas vezes chamado de “psicose” ou “doença mental ” -, de tal forma que as pessoas se sentiriam mais livres para falar abertamente sobre essas experiências com a família, os amigos e com os vizinhos – que as pessoas sairiam do armário, por assim dizer – e até teriam uma sensação de ‘orgulho louco’.

Tenho de admitir que fiquei apavorado com a experiência de falar sobre os detalhes da minha experiência pessoal com os meus vizinhos. Fui criado por dois hippies maravilhosos que me deram o nome de um antílope africano. Vivíamos em uma área com população de baixa renda da cidade. Apesar de trabalharem duro em empregos servis, na maioria das vezes eles não tinham dois tostões no bolso. Quando criança, lembro-me que às vezes não havia nada para comer, exceto tortilhas e mostarda.

Hoje estou aqui, me sentindo afortunado e privilegiado, por ter um bom trabalho e por possuir uma casa em um bairro agradável. É também uma vizinhança bastante unida. Todos nós nos conhecemos uns aos outros. Há áreas coletivas para vendas em nosso bairro, nos jardins de nossas casas. Jogamos nas mesmas equipes de basquetebol e de softbol da cidade. Temos uma noite de pôquer semanal. Mas eu tinha visões de meus vizinhos a descobrir a minha história e colocando a mim e a minha família no ostracismo, e com possibilidades de nos expulsar para fora da cidade.

No início de 2014, as coisas chegaram ao ponto máximo. Eu tinha acabado de passar por um intenso estado alterado no final de 2013, o que eu prefiro chamar de busca de visão, que finalmente me levou a ser hospitalizado em um hospital, por uma semana, e submetido a altas doses de drogas psiquiátricas pesadas. Eu sabia que eu estava lerdo e fora de mim, mas eu não tinha ideia de como eu estava sendo visto de fora. Eu sabia estar prestes a ter um rude despertar.

De alta, atravessei a rua até à casa do vizinho, sentindo-me finalmente pronto para enfrentar o mundo e participar da noite do pôquer semanal. Seria bom poder me sentir ligado às pessoas novamente, tentar seguir em frente, sabendo que isso teria que ser a partir do sentimento de ser diferente, de ser um outsider, e de haver sido hospitalizado pela terceira vez. No entanto, desta vez, eu não me senti como um dos caras que estavam jogando. Eu me senti como objeto de piada. Eles perguntaram de forma provocante: “Você está tomando drogas?” “Cara, você parece dopado!” Bem, eu estava tomando drogas, mas eu não sentia que seria bem recebido se falasse sobre o porquê e o que eu tinha acabado de passar. Eu pedi desculpas e sai naquela noite sentindo-me como um pária.

Escusado será dizer que eu estava bastante nervoso sobre o que meus vizinhos iriam pensar quando lançamos o filme “Vozes que Curam” em 2016, realizando várias exibições pelos bairros, incluindo várias não muito longe de onde moro. Minha história, incluindo a minha experiência em 2013, é destaque como parte do filme. Eu não havia estado com os vizinhos uma grande parte da minha vida, e agora eis que eu ali estava, na tela grande para todos me verem. Eu me sentia nu. E eu quase que não os convidei para ver a exibição do filme.

Então eu pensei, se eu não posso fazer isso, qual é a graça? Afinal de contas não foi essa uma das principais razões pelas quais fizemos o filme? Havia chegado a hora de eu apropriar a minha experiência de vida e ter um sentimento de orgulho por ela, com todos, e não apenas com as pessoas no meu trabalho e da minha vida pessoal que já conhecem o que no documentário é abordado. Então, convidei meus amigos e vizinhos. Aqueles com quem eu nunca tinha compartilhado profundamente as minhas experiências; ainda que com um medo muito real de que eles pudessem não querer ter nada a ver comigo depois de ver o filme.

Para minha surpresa, sem exceção, eles amaram o filme.  O filme nos fez ficar mais próximos – não o oposto. Eu penso que isso diga muito sobre o filme. Ele humaniza as pessoas.  Ali, nele, eu posso ver a minha própria vida, em tempo real: o poder que o filme provou ter.

Um dos subprodutos do filme é de diminuir o medo que pode separar as pessoas umas das outras, é despertar uma maior curiosidade e uma abertura para as experiências uns dos outros. Naquela noite do pôquer, no início de 2014, eu desejava que meus vizinhos estivessem genuinamente curiosos e empáticos sobre onde eu havia estado e o que estava se passando comigo. Eu queria que mostrassem que eles se importavam comigo. Mas parece que agora somos ensinados pela nossa sociedade a não sermos curiosos. Que se alguém está se comportando de uma forma diferente, essas pessoas necessitam ser encaminhadas para um profissional. Perdemos um senso de poder da comunidade em torno dessas questões. Muitas vezes isso leva a crianças a serem separadas dos pais, a casamentos serem despedaçados, e sim, a que os vizinhos sejam colocados no ostracismo em suas comunidades.

Comunidade que se recupera

Eu queria ilustrar a importância de sermos curiosos, através das minhas observações sobre a nossa recente estreia teatral em Bay Area, Oakland. Na manhã da Estreia, eu tive uma experiência muito estranha enquanto dando uma corrida. Eu estava em uma bela ciclovia em Berkeley, agindo como usualmente faço quando estou fazendo jogging: saúdo as pessoas, sorrio, faço acenos. Algumas pessoas acenam para trás, outras sorriem, algumas outras apenas olham para o chão. De repente, um jovem vestido de branco, andando com fones de ouvido, aproximou-se de mim e disse: “Vá louco! Turma de 2013!”

Levando em consideração que isso que ocorreu foi algo inusitado, pensei que esse incidente seria uma ilustração excelente da importância de se ser curioso.

Mais tarde, naquela noite, depois que os créditos do filme rolaram tela abaixo, eu peguei o microfone e disse, “Vá louco! Turma de 2013!”

Então, eu segui dizendo:

– Por que eu disse isso? Oh, bem, não ouça, ele é um louco. Mas esperem um pouco, por que é que eu comecei com isso? Vocês estão curiosos? Querem ouvir?

Eu continuei, a fim de compartilhar com o público como esse comentário aleatório, feito por essa pessoa aleatória, estava realmente muito relacionado com a minha experiência. “Vá louco! Classe de 2013!” Pois bem, em 2013 eu havida ido de fato à ‘loucura’, e que nesta mesma noite da Estreia centenas de pessoas estavam vendo essa experiência na tela grande. Uau! Quanta sincronicidade! Será que o jovem de branco tinha visto ‘Vozes que Curam’? Será que o mundo gira em torno de mim?

Deixando de lado o meu ego, seguindo a minha curiosidade perguntei a ele o que ele queria dizer, e descobri que ele estava na classe de 2013, e sem saber ao certo o que “Vá seu louco” queria dizer.

Eu ofereço essa história como algo para se pensar. Não acredito em coincidências, e acho que todos nós estamos conectados em um nível profundo que não entendemos completamente. E assim o meu ego aceitou de bom grado, com muita satisfação, aquela manhã como um belo presente espiritual.

A nossa visão de ‘Vozes que Curam’ sempre foi criar um filme de ação social. Inicialmente, lançamos o filme em abril de 2016, pela ocasião de um evento produzido por parceiros locais e comunitários. O objetivo principal era mobilizar a comunidade de saúde mental, nossa base, por assim dizer, demonstrando como o filme poderia ser usado em um nível comunitário, para estimular o diálogo em torno de questões de saúde mental. Perguntamos: “O que estamos falando quando falamos de” doença mental “? O objetivo era mudar nossa conversa do desespero e medo para a esperança e a cura.

A exibição em Oakland havia sido um exemplo do próximo passo para nosso filme de ação social. O primeiro do que estamos chamando de eventos ‘Recuperando a Comunidade’. Agora que temos mobilizada as nossas bases, é hora de estourar essa bolha de saúde mental, para que se saia totalmente do armário, porque essas questões nos tocam a todos. Queremos mudar a conversa, mas também queremos ampliar a conversa. Porque problemas de saúde mental não são uma questão singular.

Os panelistas de Oakland fizeram uma nova pergunta: “Dado o estado de loucura do mundo em que vivemos, como você acha que os temas abordados no filme se cruzam com a saúde mental das comunidades?”

Acho que mais e mais pessoas estão começando a ver que nosso mundo está ficando um pouco louco. Se você ligar a TV ou ler um jornal, você pode até dizer que isso é óbvio. O Projeto Ícaro e Madness Radio, duas iniciativas nossas, nacionais, do movimento dos usuários e ex-usuários dos serviços psiquiátricos, costumam perguntar: “O que significa ser louco em um mundo louco?” E uma pergunta que também é interessante para mim é a seguinte: “O que significa estar bem adaptado a um mundo louco?”

Um dos temas principais do filme é essa ideia de “canários na mina de carvão”. Os canários sentem o perigo e soam o alarme. Na minha experiência, esta é uma excelente metáfora para o que acontece quando as pessoas experimentam estados alterados ou extremos, o que os médicos chamam de “psicose” ou “doença mental”. E se, ao invés de rotular e suprimir essas experiências, tomássemos uma abordagem mais curiosa! Poderemos descobrir que muitas pessoas estão enfrentando um perigo significativo em suas vidas pessoais. Isso pode ser na forma de abuso, trauma, negligência, falta de amor, pobreza, ameaça da pobreza, e a lista continua. O canário soa o alarme: algo não está certo na minha vida!

Há um papel mais amplo que nós canários podemos ter a serviço da sociedade, se as pessoas reservarem um tempo para ouvir e para serem curiosas. Muitas vezes nossos estados alterados refletem não apenas nossas vidas pessoais, mas também a sociedade em geral. Uma das experiências mais comuns, para alguém que esteja passando por um estado extremo, é sentir que temos de salvar o mundo. Mais especificamente, que eu irei salvar o mundo; o que pode se transformar em “Eu sou Jesus”, “eu sou o Messias”. E o que vamos fazer? Nós não levamos essas pessoas a sério! Elas estão enchendo os nossos hospitais estaduais, as enfermarias psiquiátricas e outras instituições. Nós não as ouvimos! Eu sei disso, porque eu fui uma dessas pessoas. Bem, eu digo, não atirem no mensageiro! Podemos haver ficado confusos, nosso ego pode haver se perdido no caminho, mas ouçam a mensagem central: O mundo precisa ser salvo! Nós loucos conhecemos isso há muito tempo. E nós realmente não podemos fazer isso sozinhos, temos que fazer isso juntos.

Nossa intenção é que os próximos eventos – nossas sessões de “Recuperação da Comunidade” – traga tantos movimentos sociais diferentes quanto for possível. LGBTQIA, Direitos Civis, Direitos de Deficiência, Direitos Ambientais, Recuperação de Dependência, Justiça Criminal, Movimentos Espirituais, etc. Esses movimentos estão todos conectados. E é doloroso para mim que os movimentos progressistas ainda tenham tantos equívocos com relação às pessoas que são rotuladas de ‘doente mental’. Mesmo dentro desses movimentos, às vezes parece que somos o único grupo que é ‘ok’ ser rotulado, para que nos ‘tratem’ à força, para que nos tranquem em uma instituição psiquiátrica. Bem, enquanto é tempo para nós do movimento Orgulho Louco sair do armário, também é tempo para os chamados ‘normais’, para que não só nos recebam nesses grandes movimentos progressistas, mas também tempo de volta para a família humana.

Antes de concluir, eu queria voltar para o local, para o meu bairro, porque eu omiti algo importante. Havia realmente um vizinho em 2014 que estendeu a mão, que me fez sentir mais humano. Ele notou que eu não estava indo bem naquela noite. Ele me enviou uma mensagem de texto e me ofereceu para me levar para almoçar. No almoço, ele compartilhou sobre suas próprias lutas com a depressão e como correr havia, basicamente, salvado a sua vida. Ele é a razão pela qual eu estava fazendo jogging naquela manhã em Berkeley. Eu sou agora um corredor regular, graças a ele. Acho que correr é uma das coisas que me fazem estar de pé. Devo muito a ele ter me dado a coragem para compartilhar mais de mim com o resto de meus vizinhos, e uma grande razão porque eu sinto, mais do que nunca, conectado a eles e com outras pessoas.

Você vê, um simples ato de curiosidade, um simples ato de bondade, pode ir abrir um longo caminho para nos ajudar a recuperar um sentido de comunidade.

Então eu desafio o leitor para realmente ouvir a experiência da outra pessoa. Ao fazê-lo, você pode aprender muitas coisas profundas, não apenas o quanto a loucura com certeza é uma experiência difícil e dolorosa, mas também que ela é uma parte muito bonita e espiritual da condição humana. Você pode entrar em contato com sua própria loucura e perceber que não há nós e eles. Somente nós. E quem sabe, você pode até começar a sentir algum Orgulho Louco!

O psiquiatra que queria fazer com que a loucura fosse normal

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Da BBC: RD Laing, psiquiatra mais famoso da Escócia, que foi reverenciado como o “sumo sacerdote da anti-psiquiatria”, é o tema de um novo filme chamado Mad To Be Normal. O filme apresenta Kingsley Hall, um lar protegido por Laing, onde pessoas diagnosticadas com esquizofrenia poderiam receber apoio sem repressão ou tradicionais drogas pesadas.

Leia o artigo na íntegra.

A Velanfaxina. Você usa? Conhece alguém que usa? O que fazer?

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Você, como tantos outros, que começou a tomar Velanfaxina (Effexor), a pedido de seu(s) médico(s), preste bem atenção.

A Velanfaxina é usualmente prescrita para dar conta de problemas psicológicos, como a depressão, o transtorno de ansiedade e a insônia.

Basicamente: o medicamento é prescrito para ajudar as pessoas a darem conta de uma experiência de estresse. Como esse medicamento age?  Promovendo alterações nas estruturas no cérebro. Por que uma droga para alterar o funcionamento do cérebro? Porque se supõe que o sofrimento seja consequência de desequilíbrio na química do cérebro. E porque se supõe que o medicamento prescrito reequilibra o cérebro. Esse é o senso-comum. Não apenas seu, enquanto paciente. Mas tal pressuposto é igualmente compartilhado pela grande maioria dos profissionais de saúde mental e pela a sociedade em geral.

Após começar a tomar a Velanfaxina, o que muitas pessoas logo se dão conta é que – ao mesmo tempo que esse medicamento ajuda a acalmar as suas dores emocionais agudas, do momento – ao final das contas esse medicamento realmente não as ajuda a dar conta dos seus reais problemas. E que na verdade esse remédio é a droga que pode piorar a vida delas. A literatura científica a respeito é farta em evidências do quanto os antidepressivos, e em particular a Velanfaxina, produzem muito mais males do que benefícios.

E muitas pessoas sabem disso. Elas apenas querem algo para mascarar a sua dor. Elas sabem que a Velanfaxina não irá ‘dar conta’ da causa do seu sofrimento. Como sabem as pessoas que tomam qualquer tipo de droga psicoativa, como álcool, maconha, a cocaína e assim por diante.

E com o tempo, quando esse medicamento prescrito pelo médico e comprado em uma farmácia começa a aumentar os seus problemas e torná-los pior do que antes – aí há um problema de fato. Um problema a princípio não esperado.  É isso o que ocorre com muitas, senão com a maioria das pessoas

Você que está tomando essa droga e quer deixar de tomar.  Você que quer tentar uma outra abordagem para lidar com o seu sofrimento.  Pois então, o que ocorre com você e com a maioria das pessoas, ao querer deixar de tomar essa droga?

Você descobre que não lhe foi dito que a desintoxicação (detox) e os sintomas quando se abandona essa droga podem ser terríveis.

Se você se considera estar preparado para deixar de tomar essa droga, continue a ler.

Se for a primeira vez que você está considerando que a Velanfaxina irá tratar a sua depressão, o sugerido é que você de forma alguma deixe de discutir essa opção de tratamento com o seu médico. Sabe por que? Porque podem ocorrer seríssimas consequências para a sua vida e para o seu bem-estar, que escaparão da sua consciência no primeiro momento em que você se sinta melhor emocionalmente, mas que com o passar do tempo, na medida em que você queira reassumir a sua vida normal e as suas atividades, você pode vir a se sentir incapaz devido a seus efeitos colaterais.

Saiba que a Velonfaxina é considerada entre as drogas que mais causam problemas quando interrompida.  Leia com atenção a bula que acompanha a droga vendida na farmácia. Letras mínimas para serem lidas, ademais de haverem muitas informações. Senão, procure saber o que a literatura científica diz a respeito. Aqui no nosso site do Mad in Brasil, há boas referências – sempre atualizadas.

Iremos apresentar, suscintamente, alguns dos fatores que podem ajudar a você a escolher deixar ou a evitar a Velanfaxina.

Em primeiro lugar, saiba o que ocorre quando se interrompe essa droga.  E por aí dá para ter uma ideia do que você está colocando em seu corpo diariamente, ao longo de meses, com frequência anos.

Sintomas comuns quando se interrompe (se desintoxica) a Velanfaxina

  • Apatia
  • Dores de cabeça (com frequência nos seios faciais)
  • Náusea
  • Irritabilidade
  • Tremores
  • Sudorese
  • Aumento da ansiedade
  • Tontura
  • Desorientação
  • Sensações de calor/frio
  • Transpiração intensa
  • Pesadelos intensos/perturbadores
  • Insônia
  • Problemas estomacais
  • Urticária
  • Nevoeiro mental
  • Diarreia
  • Problemas de visão
  • Sentindo como se a glote esteja apertando
  • Dores no corpo
  • Juntas inchadas
  • Reflexo gástrico
  • Ausência de libido
  • Movimentos intestinais irregulares
  • Dormência

Sintomas mais severos com a abstinência da Velanfaxina

  • Uma contínua sensação de vertigem/estar bêbado/queda.
  • Contínuos ‘choques’ no cérebro/ vibrações dentro da cabeça.
  • Mudanças fortes de humor. Feliz em um momento, em prantos logo depois. Frequentes pensamentos suicidas.
  • Forte náusea e vontade de vomitar.
  • Pressão alta.
  • Síndrome da serotonina.
  • Incapacidade mental.
  • Alto colesterol.
  • Sentimento que está morrendo.

Esses são os sintomas mais frequentes da abstinência, que ocorrem quando alguém subitamente deixa de tomar Velanfaxina, ou quando deixa de tomar essa droga em um ritmo não adequado para dar conta do ‘tranco’.

Para a maioria das pessoas isso não dura mais do que três meses após completamente deixarem de tomar esse medicamento.  Mas para outros ainda os efeitos duram por um tempo bem maior.

O que é importantíssimo saber: se você está tomando Velanfaxina por um longo tempo, você não pode interromper abruptamente e esperar não ter efeitos colaterais severos.  A experiência acumulada sugere que deixar de tomar essa droga deve ser feito em um ritmo lento, porque sua ação está há tempos influenciando fortemente o equilíbrio no seu cérebro. O seu corpo necessita de tempo. Ele não tem condições de voltar a estar normal em um estalar de dedos, quer dizer, simplesmente pela vontade.

Como se livrar da Velanfaxina?

 Para ter retiradas MÍNIMAS é a melhor prática cortar a dosagem em uma taxa entre 5-10% de cada vez. A cada duas semanas, no mínimo. Não mais do que isso, em termos de dosagem, e não menos do que em duas semanas. Para que o seu corpo e a sua forma de estar no mundo se adaptem. É essa a experiência narrada pelos ‘sobreviventes da psiquiatria” dependentes químicos das drogas psiquiátricas.

Sabe-se que quase que a totalidade dos médicos desconhecem como fazer com que seus pacientes deixem de depender dos antidepressivos.

Para os médicos em geral, os sintomas que aparecem com a diminuição ou interrupção das drogas psiquiátricas são devidos ao suposto ‘transtorno mental’, e não à dependência química criada pelos medicamentos por eles prescritos.

Quando os pacientes reivindicam deixar de tomar antidepressivos, como a Velanfaxina, alguns médicos recomendarão a seus pacientes que diminuam progressivamente, cortando a dosagem pela metade. Por exemplo, de 150 mg para 75 mg, e daí para 37.5 mg, etc.

Mas a literatura científica e as experiências relatadas pelos pacientes estão aí a demonstrar que cortar a dosagem dessa forma pode causar alguns daqueles sintomas colaterais mencionados acima, que podem ser insuportáveis. O que reforça o suposto ‘desequilíbrio químico’ no paciente, a justificar a continuação do tratamento psicofarmacológico.

As dificuldades

Ao invés de contar os grânulos da Velanfaxina RX (cápsulas), para ir diminuindo a dosagem, o melhor seria usar Velanfaxina em comprimidos.  Algo que a indústria farmacêutica não quer.  Porque é muito mais prático cortar a dosagem em um comprimido do que ficar a contar os grânulos de uma cápsula. Contar grânulos, por dias, semanas, meses, é uma experiência degradante, venhamos e convenhamos.

Utilizando o Velanfaxina em comprimidos

A Velanfaxina em comprimidos aparece em doses: 25 mg., 37.5 mg, 50 g, 100 mg. Mas não é fácil ser  encontrada no mercado.

Porque com um cortador de comprimidos, você poderia dividir um comprimido pela metade. Ou em um quarto. Ou em um oitavo. Etc. E assim você teria controle sobre os passos que está tomando.

Para melhor dominar esse procedimento, veja esse link.

Qual é o tempo para deixar de tomar essa droga? 

Depende, realmente. A maioria das pessoas que estão tomando antidepressivos – como a Velanfaxina – podem esperar pelo menos um ano de processo de interrupção, se não querem experimentar graves efeitos colaterais.

Mas isso depende de cada um. Há pessoas que o processo dura entre duas semanas a três meses.

O que depende da dosagem. Do tempo de dependência criada. Do seu corpo. Mas igualmente, e muito em particular, do seu entorno social.  Embora se saiba que muitos dos usuários de antidepressivos destruiram as relações afetivas básicas, pela perda da libido e pelo embotamento das emoções.

O importante

Há uma abundante literatura a demonstrar o quanto faz mal o uso a médio e longo prazos de antidepressivos.

Além dos seus efeitos nocivos ao corpo, que são abundantes, há os efeitos psicossociais propriamente ditos, em particular, em termos afetivos, o que não é demais ser relembrado. Um grande número de divórcios são consequência dos antidepressivos, apenas para dar um exemplo entre os mais significativos.

E a indústria farmacêutica?

Ela nega. Sistematicamente nega os males produzidos.

Há uma luta internacional para que a Pfizer, produtora da Velanfaxina, ponha no mercado a sua droga em dosagens menores, para facilitar o trabalho de desintoxicação da droga comercializada.  Vide o site. Algo que aqui no Brasil deveria ser perseguido.

O recomendável?

Que os antidepressivos sejam proibidos. Segundo um dos mais famosos institutos de pesquisa sobre evidências da medicina, o Instituto Cochrane, os antidepressivos devem ser radicalmente proibidos.

E enquanto ainda é prescrita?

Por que não se começar a preparar os CAPS-AD, hoje destinados a viciados em álcool e drogas ilícitas, para que deem conta dos dependentes químicos produzidos pela própria Psiquiatria?

Certamente que os desafios são hoje, semelhantes, senão muito maiores, dos que enfrentamos com os dependentes químicos de álcool e drogas ilícitas.

O recomendável

O ideal é que você tenha um médico de confiança acompanhando o processo de desintoxicação de antidepressivos ou qualquer droga psiquiátrica.

Mad in Brasil: Um portal no debate da medicalização em saúde mental

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Matéria publicada no site da ABRASCO, assinada pelo jornalista Bruno C. Dias, apresenta o Mad in Brasil para a comunidade científica do campo da saúde coletiva do Brasil. Publicada em 

Lançado em novembro de 2016, o site Mad in Brasil insere o campo da Saúde Mental brasileira na linha de frente do debate sobre os limites e os excessos cometidos pela psiquiatria na sua estratégia de prescrição ilimitada de drogas produzidas pela indústria farmacêutica. Fruto da parceria entre os pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, ambos do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Laps/ENSP/Fiocruz), com o jornalista e escritor norte-americano Robert Whitaker, o site coloca em evidência pensadores de diversas origens, posicionamentos e movimentos que convergem na crítica e no questionamento da racionalidade psiquiátrica, buscando repensar, por meio de artigos, entrevistas e revisões sistemáticas, a necessidade da construção de novos paradigmas para a assistência psiquiátrica.

O Laps é a casa do Mad in Brasil, mas esta história começa com o trabalho de Whitaker que, em 2002, lançou o livro Mad in America: Bad Science, Bad Medicine, and the Enduring Mistreatment of the Mentally Ill. Ao investigar a fundo os procedimentos da indústria farmacêutica e das corporações e associações psiquiátricas norte-americanas para ampliar as prescrições e vendas de antidepressivos, Whitaker fez um alerta geral para a questão e colocou o tema em evidência internacional. Com mais de 20 anos de profissão, ele já havia sido finalista de premiações como o Pulitzer Prize for Public Service e o George Polk Awardeste voltado exclusivamente ao jornalismo científico e médico. Mad in America ganhou o prêmio de melhor livro-reportagem da Investigative Reporters and Editors no ano do lançamento.

“Em grosso modo, medicalização é o ato de tornar médico assuntos que competem a outras áreas, como temas sociais, econômicos e políticos. A institucionalização da assistência, a patologização de práticas e estilos de vida e a medicamentalização, que é a prescrição de drogas para fins da medicalização, são conceitos que vêm junto a este debate. O tema da medicalização sempre foi importante na psiquiatria e na saúde mental desde os primeiros grandes trabalhos de Ivan Illich e Michel Foucault. Outra fonte de inspiração foi o trabalho de Marcia Angell que, em verdade, deu destaque ao trabalho de Whitaker”, explica Paulo Amarante, fazendo referência à obra A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos, de autoria desta médica, pesquisadora associada (senior lecturer) da Harvard Medical School e ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine. A publicação de artigos de Marcia na imprensa especializada e leiga trouxe a referência de Whitaker. Desde então, o norte-americano já veio ao Brasil fazer palestras algumas vezes, como no 4º Congresso brasileiro de Saúde Mental e no 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, ambos organizados pela Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme – com apoio da Abrasco.

Produção global: Com a visibilidade do livro, Whitaker começou a receber um grande número de cartas e mensagens com palavras de apoio, críticas e denúncias às empresas farmacêuticas e às associações médicas, além de relatos de pessoas que buscaram outros caminhos para seus tratamentos. A quantidade e a qualidade do retorno mostrou a necessidade de haver um espaço para a troca sistemática de informações sobre o assunto. Para isso, foi criado o site Mad in America, em dezembro de 2011. As andanças e articulações do norte-americano pelo mundo abriram o diálogo com os pesquisadores brasileiros e também com o coletivo Locomún, sediado em Madri, Espanha, possibilitando o lançamento da edição brasileira – Mad in Brasil – e a edição hispânica, batizada de Locura, Comunidad y Direchos Humanos – Mad in America para el mundo hispanohablante. “O acordo possibilita que a produção dos três sites seja liberada para tradução entre os parceiros. A ideia é criar uma rede internacional, não meramente contra a indústria farmacêutica, mas que aponte para a construção de novos paradigmas na abordagem do sofrimento psíquico, colocando em questão a própria psiquiatria”, destaca Fernando Freitas. Há negociações também para a criação de uma versão editada no Japão.

Fernando Freitas (esquerda) e Paulo Amarante, editores do Mad in Brasil

O pesquisador detalha o funcionamento do novo site. Há espaço para falar de ações e debates voltados à desmedicalização e à desmedicamentalização (em Nas Notícias) e das repercussões sobre o tema na mídia (em Torno da Internet). Já na seção blogue, há espaço para textos autorais de pesquisadores nacionais e internacionais e para histórias e relatos de pacientes e ex-pacientes da psiquiatria tradicional. A revisão de artigos científicos sobre todas as classes de medicação psiquiátrica no intuito de ampliar o olhar da ciência sobre as drogas psiquiátricas tem uma seção especial (em Informações sobre drogas). “Essa é uma das áreas já mais acessadas. Ler um artigo científico não é fácil, e a maioria dos médicos psiquiatras lê só as conclusões. A ideia desta seção é mostrar como, por meio da própria ciência, a psiquiatria é falaciosa”, aponta Freitas. A produção das revisões é feita por uma equipe de estudantes da Universidade de Cambrigde, responsável por fazer varreduras nas publicações científicas em diversas revistas internacionais para a conferência das metodologias e dos resultados, publicando as revisões no site.

Já Amarante apresenta uma outra abordagem: “Temos de analisar racionalmente aquilo que se chama ciência, sempre histórica e conjuntural, e o uso que dela é feito. Ao explicitar os erros nos critérios e procedimentos dos estudos científicos, as  revisões mostram que estas pesquisas não passam de propaganda das grandes indústrias em forma de artigo, o que afeta cada vez mais a formação médica”.

Ambos concordam que o site vem potencializar o debate da Saúde Mental como um campo de construção de direitos e de justiça social. “Estamos só começando. Acho que o papel do site será de trazer outros olhares sobre a psiquiatria diferentes do senso comum, sempre relacionando Saúde Mental à justiça social e à política. Se a psiquiatria é utilizada de maneira irresponsável, convencendo os tomadores de decisão a distribuir remédios a torto e a direito para crianças, isso deixa de ser uma questão científica e torna-se uma questão política. Em ambos os campos, é um assunto para o nosso Mad in Brasil”, finaliza Paulo Amarante.

Medicalização em Psiquiatria, resenha de Robert Whitaker

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No último número do periódico científico Revista Trabalho, Educação e Saúde, há uma resenha feita por Robert Whitaker do livro Medicalização em Psiquiatria, escrito por Fernando Freitas e Paulo Amarante, publicado pela editora Fiocruz.

Uma leitura crítica da medicalização em psiquiatria

Robert Whitaker

medicalizacao em psiquiatria_imagem_topoA psiquiatria moderna tem nos proporcionado uma nova forma de pensar sobre nós mesmos, e nesse curto e fascinante livro, Medicalização em psiquiatria, Fernando Freitas e Paulo Amarante apresentam um conjunto de evidências e argumentos da percepção empobrecida feita sobre nós humanos. Os dois autores também detalham como o atual paradigma de cuidado da psiquiatria é construído sobre ‘ficções’. O livro é concluído com um olhar sobre terapias alternativas promissoras e, como tal, advoga fortemente a necessidade de se repensar os fundamentos do cuidado psiquiátrico.

Se o livro Medicalização em psiquiatria pode ser descrito como uma nova adição à crescente biblioteca internacional de livros de ‘psiquiatria crítica’, é notável que, nesse âmbito, ambos os autores têm posições de liderança dentro do establishment em Saúde Mental.

Paulo Amarante, psiquiatra, é reconhecido por décadas de trabalho e de luta pela reforma da atenção psiquiátrica no Brasil. No final da década de 1980, após ter estudado com Franco Basaglia e outros psiquiatras italianos que desenvolveram o cuidado comunitário em seu país de origem, Amarante militou e colaborou na redação da legislação de saúde mental que tem levado à desinstitucionalização no Brasil. Hoje, ele é o presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), e professor e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, unidade científica da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), instituição vinculada ao Ministério da Saúde. Fernando Freitas, psicólogo, é ex-diretor da Abrasme e, como Amarante, é professor e pesquisador da Ensp/Fiocruz.

A beleza do livro começa a se tornar evidente no primeiro capítulo, onde ambos proporcionam um contexto filosófico amplo para se entender o que a psiquiatria biológica moderna tem feito. Escrevem sobre a ‘medicalização’ da vida moderna e as consequências que ela tem para nós como indivíduos. É um fenômeno que surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial; e enquanto avanços médicos – como o descobrimento de antibióticos – ajudaram a pôr controle sobre muitas doenças, o crescimento da indústria médica encorajou o cidadão moderno a ver a si próprio através das lentes médicas de ‘o que há de errado comigo’. Isso é particularmente verdadeiro na psiquiatria.

Dessa forma, Freitas e Amarante lembram aos leitores o que está em jogo. Medicalização pode se tornar um meio de controle social, com o indivíduo encorajado a adotar o ‘papel de doente’, o que leva à perda da autonomia individual. Nós somos encorajados a pensar que é ‘anormal’ sofrer, ou experimentar dor em nossas vidas, quando, claro é que, como qualquer busca na literatura irá nos lembrar, o sofrimento é inerente ao ser humano.

No que diz respeito à medicalização de nossas vidas emocionais, ela tem sido alimentada por uma ‘aliança profana’ que foi formada – como os autores apontam – entre a psiquiatria acadêmica e a indústria farmacêutica nos Estados Unidos na década de 1980. As empresas farmacêuticas passaram a contratar psiquiatras de escolas médicas prestigiadas daquele país para servirem como seus consultores, conselheiros e porta-vozes. Tal aliança passou a contar ao público uma narrativa sobre grandes avanços científicos. Pesquisadores haviam descoberto que os transtornos mentais eram ‘doenças cerebrais’ causadas por ‘desequilíbrios químicos’ no cérebro, e que poderiam ser então corrigidas por uma nova geração de drogas psiquiátricas. Com a difusão dessa narrativa para o público, o consumo de drogas psiquiátricas nos Estados Unidos explodiu, e, rapidamente, essa ‘aliança profana’ conseguiu exportá-la para o Brasil e outros países desenvolvidos em todo o mundo.

Freitas e Amarante proporcionam uma desconstrução sucinta dessa narrativa, começando com a crise institucional que por fim levou a Associação Americana de Psiquiatria (APA, na sigla em inglês) a adotar sua narrativa de ‘modelo baseado na doença’. Nos Estados Unidos, assim como igualmente se passava em muitos outros países, os psiquiatras nos anos 1960 geralmente não eram vistos como ‘médicos de verdade’. Então, no início dos anos 1970, o psicólogo David Rosenhan, da Universidade de Standford, publicou um estudo que publicamente humilhou a profissão.

Rosenhan e outros sete voluntários ‘normais’ se apresentaram em hospitais psiquiátricos, afirmando que ouviam uma voz que dizia ‘vazio’ ou alguma outra palavra simples. Todos foram admitidos e diagnosticados como ‘esquizofrênicos’, e ainda que eles se comportassem normalmente dentro do hospital, nenhum membro da equipe hospitalar – incluindo psiquiatras – identificou-os como impostores. Em contraste, os outros pacientes no hospital os reconheceram. Os ‘loucos’ no hospital manifestaram muito mais discernimento que os profissionais.

Essa humilhação – e outros desafios sociais para a sua legitimidade – forçou a APA a refazer o seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM). A corporação profissional precisava apresentar os psiquiatras ao público como ‘médicos de verdade’, e, em 1980, foi publicado o DSM III, que passou a ser propagandeado como um grande avanço científico, por passar a ser um manual de ‘doenças’ e de ‘transtornos’ reais que poderiam ser confiavelmente diagnosticados. Mas, como Freitas e Amarante escrevem, o DSM – que se tornou a ‘bíblia’ mundial da psiquiatria – não é baseado na ciência. Os diagnósticos são ‘constructos’ com critérios de sintomas arbitrariamente definidos; 35 anos de pesquisa têm fracassado em validar qualquer um dos transtornos mentais como doenças distintas.

Com o DSM III em mãos, a psiquiatria americana passou a nos persuadir a acreditar na noção de que depressão, ansiedade, psicose e outros transtornos mentais são causados por desequilíbrios químicos no cérebro. Essa narrativa é a de que as doenças cerebrais podem ser tratadas com sucesso por meio de medicamentos. Mas, como os autores explicam, pode-se considerar que a hipótese química tenha sido derrubada em 1996, quando Stephen Hyman, à época diretor do Nacional Instituto de Saúde Mental (NIMH) nos Estados Unidos, escreveu um artigo sobre como as drogas psiquiátricas ‘perturbam’ a função normal do cérebro em vez de corrigir um desequilíbrio químico. Remédios psiquiátricos, conforme os autores corretamente explicam, fazem o seu ‘cérebro funcionar anormalmente’.

Dessa forma, Freitas e Amarante desconstroem o ‘mito’ da psiquiatria moderna passo a passo. Em seguida, revisam a literatura de resultados sobre antipsicóticos e antidepressivos. Essa sessão talvez pareça particularmente surpreendente para leitores leigos. Um olhar atento à pesquisa revela que as drogas não proporcionam particularmente um benefício maior em relação ao placebo, nem mesmo em curto prazo, e que, a longo prazo, pacientes sem medicação – e isso é verdade até para aqueles diagnosticados com esquizofrenia – têm melhores resultados.

Então, o que há para ser feito? Se o Brasil e outras sociedades têm organizado o seu cuidado em torno de uma falsa narrativa, quais novos caminhos podem ser achados para ajudar aqueles que sofrem com suas mentes? No seu capítulo de encerramento, Freitas e Amarante descrevem um caminho à frente. Eles discutem vários programas terapêuticos, no passado e no presente, que têm focado em proporcionar um cuidado psicossocial e fazendo uso limitado – ou não – de medicações, que têm provado ser bastante bem-sucedidos. Em particular, falam da abordagem do ‘Diálogo aberto’ (Open dialogue) empregada no norte da Finlândia, que tem produzido notáveis resultados a longo prazo para as pessoas diagnosticadas com transtornos psicóticos.

Em suma, os dois autores visam um novo paradigma de cuidados que possa ‘oferecer uma atenção psiquiátrica’ fora dos manicômios e que não crie pacientes crônicos. Em outras palavras, Freitas e Amarante visam um paradigma de cuidado que ajude as pessoas que lutam com as suas mentes a verdadeiramente se recuperarem e poderem levar as suas vidas da melhor forma possível.

Nota:

Tradução de Flávio Sagnori Mota e Nina Isabel Soalheiro, integrantes da equipe do Grupo de Pes- quisa Desinstitucionalização, Políticas Públicas e Cuidado da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Leia o texto na íntegra. Em português ou em inglês.

Psicoterapia química ou psicológica?

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Todos os tratamentos de transtornos mentais têm a tendência a alterar alguma coisa no cérebro. Por isso é que o psiquiatra infantil Sami Timimi sugeriu que nós chamemos psicoterapia a todos os tratamentos, incluindo o tratamento químico. Os tratamentos psicológicos visam mudar um cérebro, que não funciona normalmente, para que ele volte ao normal (veja a figura abaixo).

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A psicoterapia química é o que nós usualmente chamamos de drogas psiquiátricas. Elas igualmente produzem mudanças no cérebro, mas não trazem o cérebro para o normal. Ao contrário disso, as drogas psiquiátricas criam um terceiro estado artificial, que nem é normal e nem é o estado doentio que levou o sujeito a ser paciente. O que cria muitos problemas. Acima de tudo, leva a um final que é o inesperado, porque não se pode a partir desse estado artificialmente induzido voltar ao normal. Em suma: não há drogas psiquiátricas que sejam capazes de levar ao normal. Seus efeitos são muito inespecíficos.

A psicoterapia psicológica visa fortalecer as funções normais do cérebro, logo criando tantas reações normais quanto for o possível, para que a pessoa possa melhor lidar com os desafios que a vida lhe oferece. Muitos dos transtornos mentais envolvem o paciente respondendo a traumas e a mudanças emocionais; e, por isso mesmo, é que faz sentido ensinar o paciente a pensar e a reagir mais apropriadamente. Também faz muito sentido mudar o meio ambiente do paciente; porém isso é com frequência negligenciado.

As drogas psiquiátricas incapacitam um conjunto importante das funções do cérebro e podem levar a uma perda do interesse na vida em geral (apatia), a um afastamento das relações sociais, à falta de empatia e de cuidados para consigo próprio e para com os outros, e, o pior ainda, a um embotamento emocional. A empatia nos ajuda a reconhecer o sofrimento que infringimos aos outros, e assim a empatia nos ajuda a conter os nossos impulsos.[1] A redução da empatia é um dos mecanismos através do qual as drogas psiquiátricas podem causar o suicídio e a violência, e, na pior das hipóteses, o homicídio.

As drogas psiquiátricas podem levar à perda de importantes funções humanas que estão associadas com a motivação, criatividade e o amor. Esses efeitos tóxicos da droga nas funções cerebrais superiores são com frequência interpretadas como uma “melhora” (o paciente está aparentemente menos perturbado ou passa a menos incomodar a equipe de profissionais de saúde, a família e os amigos).[2]  Mas tais efeitos com o tratamento psicofarmacológico são de fato uma expressão de dano causado no cérebro.

O uso prolongado de drogas psicotrópicas pode causar permanentes danos no cérebro, o que pode tornar impossível para o paciente conseguir retornar ao normal, assim como pode ser a causa do retorno ao estado doentio original que o havia levado a buscar por psicoterapia, anulando as mudanças ambientais que poderiam ter um bom efeito.

O eletrochoque funciona da mesma maneira, quer dizer, danificando o cérebro, e os danos com frequência são para a vida inteira, especialmente na forma de perda da memória.[3]

Não há dúvida alguma que em todos os países onde isso foi estudado, o aumento do consumo de drogas psicotrópicas tem sido acompanhado pelo aumento do número de pessoas recebendo pensões por incapacidade.[4]

Um outro exemplo do que fazemos erradamente é o gigantesco consumo de antidepressivos. Os antidepressivos aumentam o risco de suicídio, não apenas em crianças e adolescentes, o que já é sabido há muitos anos, mas também nas pessoas idosas.[5] A psicoterapia reduz o risco de suicídio.[6] Essa é uma das várias razões para que os pacientes com depressão devam ser tratados com psicoterapia psicológica e não com psicoterapia química.[7]

Referências Bibliográficas:

[1] Breggin P. Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam. 01 Fev 2017.

[2] Breggin P. Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam. 01 Fev 2017.

[3] Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.

[4] Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/

[5] Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/.

[6] Hawton K, Witt KG, Taylor Salisbury TL, et al. Psychosocial interventions for self-harm in adults. Cochrane Database Syst Rev 2016;5:CD012189.

[7] Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/.

Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam

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O sargento do exército norte-americano Robert Bales ficou furioso em 11 de março de 2012 e, no escuro da noite, matou 17 homens civis afegãos, mulheres e crianças, que dormiam em suas aldeias. Perguntado como ele pode haver feito uma coisa tão terrível, Bales respondeu: “Eu fiz essa pergunta a mim mesmo um milhão de vezes, e não há uma boa razão no mundo para as horríveis coisas que eu fiz.”

O advogado de defesa de Bales, John Henry Browne, confirmou que o sargento Bales recebeu o medicamento antimalárico mefloquina em uma missão anterior no Iraque; mas Brown não tinha nenhuma evidência com referência à chacina no Afeganistão.

E quanto ao efeito da exposição anterior de Bales à mefloquina?

Em dezembro de 2016, um longo estudo de caso de um ex-soldado tratado por quatro meses com mefloquina foi publicado em Drug Safety-Case Reports. O caso ilustrou que a mefloquina pode causar lesões cerebrais persistentes, com problemas emocionais e cognitivos permanentes. Como meus colegas psiquiatras costumam fazer, eles diagnosticaram o ex-soldado com distúrbios psiquiátricos, incluindo Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), e eles o trataram com várias drogas psiquiátricas, agravando sua lesão cerebral e a sua condição mental e emocional.

De acordo com o relatório de dezembro, “O paciente e a sua esposa notaram maior labilidade emocional, tipicamente se manifestando com raiva e irritabilidade. O relatório também endossou dificuldades de concentração, diminuição do interesse na maioria das atividades, problemas persistentes da memória de curto prazo e dificuldades para encontrar palavras.” A longo prazo, ele passou a necessitar de ajuda para o manejo da raiva.

A angústia emocional do soldado – o aumento da labilidade emocional, manifestando-se tipicamente pela raiva e irritabilidade; dificuldade de concentração; um interesse reduzido na maioria das atividades; e por persistentes problemas de memória de curto prazo e dificuldades para encontrar palavras – isso daí pode ser causado por quase que qualquer droga psiquiátrica, enquanto um efeito agudo ou duradouro. Ver o dano causado pela mefloquina e outras drogas não-psiquiátricas, isso pode ajudar as pessoas a entenderem que são as drogas, e não a chamada doença mental do indivíduo, o que muitas vezes arruína vidas e causa comportamentos prejudiciais.

O sintoma específico de “interesse reduzido” induzido por fármacos é o efeito que mais comumente leva os pacientes e os que os rodeiam a pensar que estão melhorados. As pessoas que recebem drogas psiquiátricas, como mostrei em Medication Madness e em outros livros e artigos, frequentemente perdem a preocupação para consigo próprias, com os outros e para com a vida em geral. Muitos pacientes, famílias, terapeutas e prescritores confundem esse desengajamento como sendo melhoria; mas o desengajamento reflete uma lesão tóxica no cérebro, resultando na perda de funções humanas as mais elevadas e fundamentais, como as que estão relacionadas à motivação e ao amor. Se infligida por lobotomia e eletrochoque ou por um número interminável de drogas psiquiátricas, a perda de interesse ou de engajamento é um resultado comum de qualquer lesão generalizada do cérebro. As empresas farmacêuticas e psiquiatras veem essas lesões nos centros mais refinados do cérebro da pessoa como sendo uma “melhoria”.

A indiferença e a apatia causadas por lesões cerebrais produzidas por intervenções psiquiátricas são uma espada de dois gumes. Normalmente, a redução de carinho e empatia torna as pessoas menos envolvidas e mais retraídas, e aparentemente menos perturbadas ou perturbadoras. Contudo, a empatia nos ajuda a reconhecer o sofrimento que infligimos aos outros por meio de ações impulsivas e, portanto, ajuda-nos a ter limites. Reduzir a empatia é uma maneira como as drogas psiquiátricas podem levar ao suicídio e à violência.

Eu recentemente publiquei um capítulo de livro para advogados que trabalham com veteranos de combate, onde eu comparo o impacto do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) – uma lesão cerebral por um trauma de combate – com as drogas psiquiátricas. Todos esses traumas podem produzir perda de interesse, assim como a ampla gama de sintomas que afligiram o soldado que tomou mefloquina. É convincente o suporte de evidências de que drogas não-psiquiátricas – como a mefloquina – podem causar transtornos psiquiátricos graves, suicídio e violência. E afirmar as drogas psicoativas causam alterações cerebrais a longo prazo que perturbam a função mental e emocional não deveria ser surpresa para ninguém. Antipsicóticos, estimulantes, antidepressivos, estabilizadores do humor, benzodiazepínicos e outros sedativos e pílulas para dormir – a respeito dessas droga há fortes evidências,  produzidas através de exames cerebrais, testes neuropsicológicos e de avaliações clínicas, de que todas as classes de fármacos psiquiátricos causam danos irreversíveis ao cérebro, especialmente quando as pessoas ficam expostas a essas drogas por meses e anos.

Do PTSD às drogas psiquiátricas, um efeito compartilhado por todas as formas de trauma psicológico e físico é causar desinteresse e desengajamento. Essa observação chave ajuda a explicar por que a psiquiatria, em nome do tratamento, em toda a sua história tem recorrido a todas as formas de trauma . É hora de se encarar a verdade de que os tratamentos psiquiátricos funcionam danificando nossos cérebros o suficiente para retirar de nós a nossa humanidade – fazendo-nos menos cuidadosos e envolvidos com nossas vidas.

Pesquisador reconhece seus erros para entender a esquizofrenia

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Em um novo artigo, publicado no Schizophrenia Bulletin, o psiquiatra Sir Robin Murray reflete sobre a história da pesquisa em “esquizofrenia” e os erros cometidos. Murray é professor do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência em Londres. Esse renomado pesquisador afirma que por muito tempo ignorou os fatores sociais que contribuem para a “esquizofrenia”. Relata também haver negligenciado os efeitos negativos que a medicação antipsicótica tem sobre o cérebro.

Murray afirma:

“Surpreendentemente, tal é o poder do modelo kraepeliniano, alguns psiquiatras ainda se recusam a aceitar as evidências, e se apegam à visão niilista de que existe um processo esquizofrênico intrinsecamente progressivo, uma visão muito prejudicial para seus pacientes”.

Robin-murrary2Robin Murray, psiquiatra escocês e professor de pesquisa psiquiátrica no Instituto de Psiquiatria, Kings College em Londres

Murray, que começou seu trabalho como psiquiatra em 1972, descreve a mudança na psiquiatria dos EUA durante os meados da década de 1970: “quando a psiquiatria deixa de ser totalmente psicanalítica e passa a ser quase que totalmente biológica”. A partir dessa mudança, tem havido um maior enfoque no papel da dopamina e dos fatores genéticos na “esquizofrenia.” Durante a década de 1970, a “esquizofrenia” passou a ser entendida como uma doença neurodegenerativa. Essa teoria foi apoiada por um estudo que encontrou ventrículos aumentados no cérebro para indivíduos diagnosticados com “esquizofrenia.” Murray lamenta que ele e muitos outros tenham ignorado outro estudo publicado nessa mesma época, a mostrar o que pode resultar com o uso prolongado da medicação antipsicótica: alterações cerebrais persistentes, principalmente na sensibilidade dos receptores da dopamina, o que pode implicar em discinesia tardia.

Em 2008, ao ter contato com um estudo mais recente mostrando os efeitos da medicação antipsicótica sobre o volume ventricular, que Murray começou a prestar atenção aos efeitos a longo prazo do uso de antipsicóticos. Pra ele “ficou claro que os antipsicóticos em altas doses contribuem, não para as sutis alterações cerebrais presentes no início da esquizofrenia, mas para as subsequentes mudanças progressivas”. Murray também revisa a teoria do desenvolvimento neurológico da “esquizofrenia”, a ideia de que a doença é causada por problemas durante o nascimento e seu desenvolvimento precoce. Agora, Murray se refere a esta teoria como um “exagero” das evidências.

Murray também discute a supersensibilidade à dopamina, quer dizer, que o tratamento antipsicótico de longo prazo pode resultar em um aumento significativo nos receptores da dopamina, consequentemente aumentando a sensibilidade à dopamina e diminuindo a eficácia da medicação antipsicótica.

“Nós levantamos a possibilidade que a medicamentação antipsicótica pode fazer alguns pacientes esquizofrênicos mais vulneráveis à recaída futura do que seria o caso no curso natural da doença.” Murray acredita no uso da medicamentação antipsicótica para tratar a esquizofrenia, mas tornou-se mais cauteloso no seu uso a longo prazo, dizendo:

“Não há dúvida de que os antipsicóticos são necessários na psicose aguda ativa. Mas temos (nós) que continuar a prescrevê-los em alguns pacientes, porque tornamos o receptor D2 [dopamina] supersensível ao excesso de dopamina liberada? Eu, e na verdade a maioria dos pesquisadores, negligenciei esta questão vitalmente importante. “

Murray afirma que espera que o conceito de “esquizofrenia” – como uma desordem clara e objetiva – se torne obsoleto, assim como ocorreu com  a “hidropsia”. Ele escreve:

“Nas décadas seguintes à 1976, passei mais tempo e energia do que gostaria de recordar, tentando descobrir que mudanças a esquizofrenia causou no cérebro. Infelizmente, não percebi que os efeitos de fatores de risco, como eventos obstétricos adversos, na estrutura e função do cérebro, e que podem ser facilmente observados em amostras com os não-esquizofrênicos, são obscurecidos em pessoas com  a esquizofrenia estabelecida pelos efeitos com antipsicóticos e outros fatores não específicos. “

É significativo haver um psiquiatra proeminente admitindo erros da Psiquiatria e pedir mais investigação sobre fatores ambientais e epigenéticos. Talvez ele sinalize uma mudança no campo da psiquiatria se outros seguirem a liderança de Murray. Ele conclui,

“Se eu tivesse a chance de ter uma segunda carreira, eu me esforçaria mais para não seguir a moda do rebanho. Os erros que cometi, pelo menos aqueles em que tenho percepção, geralmente resultaram de haver aderido excessivamente à ortodoxia predominante “.

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Murray, R.M. (2016). Mistakes I have made in my research career. Schizophrenia Bulletin. Advance on line publication. ( o artigo na íntegra).

Allen Frances e o “excesso de diagnóstico” de crianças

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PhilipHickeyEm 31 de outubro de 2016, o eminente psiquiatra Allen Frances, MD, arquiteto do DSM-IV, publicou um artigo em seu blog Psychology Today, Saving Normal (Psicologia Hoje, Salvando Normal). O artigo é intitulado DSM-5 Diagnósticos em Crianças Devem Sempre Ser Escritos à Lápis. (A peça também apareceu no Huffington Post blog na mesma data.) O subtítulo é “A rotulagem inadequada de crianças e adolescentes é frequente e pode persegui-las ao longo de suas vidas.”

Como em muitos dos artigos recentes do Dr. Frances, a maior parte do texto é escrita por uma outra pessoa, e o Dr. Frances fornece uma introdução e um resumo / conclusão. Nesse caso, o núcleo do artigo foi escrito por Juan Vasen e Gisela Untoiglich do Fórum Infâncias http://foruminfancias.com.ar – uma organização argentina de profissionais de saúde mental dedicada ao “diagnóstico e tratamento adequados de crianças e adolescentes”.

O material escrito pelos Drs. Vasen e Untoiglich basicamente soa bem, como por exemplo, “As crianças e os adolescentes variam muito no modo como se desenvolvem e na cronologia dos seus marcos de desenvolvimento. A individualidade e a imaturidade não devem ser confundidas com doença “. Mas também no artigo vem a sugestão de que o TDAH é uma entidade de doença real e que possa ser identificada com uma avaliação cuidadosa e criteriosa.

“Diagnóstico preciso em crianças e adolescentes leva muito tempo em cada sessão e,        muitas vezes, muitas sessões ao longo de um número de meses.”

Dr. Frances abre o artigo lamentando o que ele descreve como as “três mais nocivas modas no diagnóstico psiquiátrico desses últimos 20 anos.” E que são:

“As taxas de Transtorno do Déficit de Atenção triplicaram, e as taxas de Autismo e Transtorno Bipolar da infância multiplicaram incrivelmente 40 vezes”.

Frances continua a escrever que “Poderosos fatores externos contribuíram grandemente para este massivo mal diagnóstico de crianças.” Retirado do contexto geral é claro que o que o Dr. Frances chama de “massivo mal diagnóstico ” não é inerente aos espúrios diagnósticos psiquiátricos, mas sim ao que ele chama de uso excessivo desses rótulos.

Ele então retoma ao seu alvo principal que é a indústria farmacêutia:

“Para o TDAH e o Transtorno Bipolar na infância ADHD, as empresas farmacêuticas de forma enganosa e agressiva venderam doenças para comercializar suas pílulas caras e rentáveis. Sua estratégia de marketing foi baseada no pressuposto cínico de que começar uma criança cedo com pílulas poderá torna-la um cliente para o restante da vida”.

Dr. Frances frequentemente culpa a indústria farmacêutica, ignorando o papel que desempenharam, a psiquiatria e ele próprio, na proliferação dos assim chamados diagnósticos psiquiátricos e no afrouxamento progressivo dos critérios para esses diagnósticos. Eu expliquei em um post anterior como os critérios para o TDAH foram marcadamente afrouxados no próprio DSM-IV do Dr. Frances.

A aplicação generalizada do “diagnóstico bipolar” às crianças foi a criação do psiquiatra de Harvard Joseph Biederman, MD, mas alguns dos fundamentos para isso já tinham sido estabelecidos no DSM-IV.

A edição anterior do manual (DSM-III-R) declarou que a idade de início dos episódios maníacos

“… é no início dos 20 anos de idade. No entanto, alguns estudos indicam que um número considerável de novos casos aparece após os 50 anos. “(p 216)

A declaração correspondente no DSM-IV diz:

“A idade média no início de um primeiro episódio maníaco é no começo dos 20 anos, mas alguns casos começam na adolescência e outros começam após 50 anos.” [Ênfase adicionada]

Assim, foi o próprio DSM-IV do Dr. Frances que primeiro legitimou a noção de que este chamado diagnóstico poderia ser aplicado às crianças.

Certamente que a indústria farmacêutica desempenhou seu papel, mas a psiquiatria foi uma mão na luva graças ao seu generoso benfeitor, como tem sido desde os anos 60 e 70.

. . . . .

“A explosão do autismo resultou da combinação de duas coisas: a introdução no DSM-IV de uma forma muito mais branda (Asperger), e a ligação demasiado estreita entre o diagnóstico e a elegibilidade de serviços escolares a receberem suporte financeiro. Quer dizer, os diagnósticos de DSM desenvolvidos para fins clínicos são referências inadequadas para a alocação de recursos educacionais. As decisões educacionais devem basear-se na necessidade educacional da criança, avaliada pelos educadores, usando ferramentas educacionais”.

A referência ao transtorno de Asperger é provavelmente exata, e representa uma admissão honesta por parte do Dr. Frances, mas a declaração:

“Os diagnósticos de DSM desenvolvidos para fins clínicos não são meios adequados para a alocação de recursos educacionais. As decisões educacionais devem basear-se na necessidade educacional da criança, avaliada pelos educadores, usando ferramentas educacionais “.

é extremamente enganosa.

A questão aqui é que, em geral, as escolas públicas são obrigadas por lei federal (nos Estados Unidos) a acolher crianças com deficiência. Também é necessário que essas crianças sejam ensinadas, não em ambientes de educação especial, mas sim em salas de aula regulares, sempre que possível.

A deficiência é obviamente um conceito complexo e difícil de definir. Mas, para fins práticos, a Social Security Administration (SSA) tem dois critérios gerais. Em primeiro lugar, a criança deve ter uma doença confirmada; e em segundo lugar, ela deve ter confirmadas as limitações funcionais relacionadas à doença. Tanto o distúrbio autista quanto o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade foram aceitos pela SSA como doenças a terem cobertura. Evidência de limitações funcionais geralmente é obtida a partir de provedores de tratamento da criança, complementada quando necessário por relatórios de consultores externos. Assim – e este é o ponto crítico – “diagnósticos do DSM” não estão sendo usados como referência para a alocação de recursos educacionais. Em vez disso, eles estão sendo usados como a primeira fase na determinação de incapacidade (i.e., a presença de doença). E é a determinação da inaptidão que conduz às decisões educacionais, e, em alguns casos, canaliza fundos adicionais à escola.

Assim quando o Dr. Frances lamenta o uso de “diagnósticos do DSM” para determinar a presença de “doença” psiquiátrica, parece que está a virar a face para outro lado, justamente quando ele rotineiramente afirma a validade e a utilidade desses “diagnósticos” precisamente para esses propósitos. O ponto é este: uma vez que o APA (Associação Psiquiátrica Americana) inventou a doença de TDAH, a porta foi aberta para que essa doença viesse a se tornar incapacidade-elegibilidade (quer dizer, por ser incapaz ter direito a determinadas vantagens).

E, incidentalmente, o enredo engrossa. Em 1985, a SSA contratou a APA para que fosse feito um grande estudo sobre as normas e diretrizes para a avaliação da deficiência mental. O estudo durou dois anos. A APA fez algumas pequenas recomendações, mas “Todas as recomendações foram feitas com base na premissa de que devesse ser preservado o constructo básico da SSA para as normas médicas e as orientações para a avaliação de alegações baseadas em deficiência mental.” [a ênfase em itálico está no original]. Por conseguinte, seja qual for a crítica que o Dr. Frances tenha do sistema atual, ele precisa, sugiro, reconhecer a parte que a sua própria profissão desempenhou na criação desse estado de coisas.

Mas o enredo engrossa ainda mais. A maior parte dos detalhes envolvidos na educação de crianças com deficiência estão estabelecidos na Lei de Educação de Pessoas com Deficiência (IDEA), de 1990. Quando este projeto estava sendo elaborado, havia uma controvérsia considerável sobre se o TDAH deveria ser incluído como uma “doença coberta”. “A oposição veio de organizações de professores e da NAACP. O ato original (1990) não incluiu o TDAH. No entanto, em 1991, o Departamento de Educação emitiu uma nota esclarecedora afirmando que “TDAH” é uma deficiência coberta pela IDEA. Esta alteração foi o resultado de um intenso lobby feito pelo CHADD[*] e outros. E a psiquiatria organizada tem sido um defensor de longa data da CHADD. No momento atual, há um documento para download intitulado ADHD: Parents Medication Guide no site da APA. 

CHADD é mencionada cinco vezes e é recomendada como uma fonte de informação. O documento foi preparado pela Academia Americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente e pela APA.

“EXCESSO DE DIAGNÓSTICO”

Dr. Frances continua:

“É muito tempo passado para domar o selvagem excesso do DSM em diagnosticar crianças.”

Em seguida, após o material escrito pelos Drs. Vasen e Untoiglich:

“Muito obrigado, Juan e Giselle, por advertir de forma poética os clínicos para que sejam conservadores, cuidadosos ou criativos, ao diagnosticarem crianças. O diagnóstico maldado tem consequências graves e, muitas vezes, de longa duração, sobre como a criança se vê, como a família vê a criança e sobre o uso indevido da medicação. O diagnóstico nunca deve ser dado de forma leviana. “

E

“Um diagnóstico correto em crianças é realmente difícil e consome tempo. Um diagnóstico maldado em crianças é realmente fácil e pode ser feito em 10 minutos. Um diagnóstico correto em crianças leva a intervenções úteis que podem melhorar muito a vida futura. O diagnóstico incorreto em crianças geralmente leva à medicação prejudicial e leva ao estigma. “

 E

” O que está em jogo não é pouco e os danos às vezes permanentes. A melhor maneira de proteger nossos filhos é respeitar sua diferença e aceitar a incerteza. Eu realmente amo a ideia de escrever diagnósticos psiquiátricos a lápis.”

Essa noção de diagnóstico conservador, cuidadoso e preciso é um tema comum na escrita do Dr. Frances, mas na verdade, é uma exortação vazia, porque os critérios são inerentemente vagos e mal definidos.

Consideremos o primeiro critério na lista da APA:

1 (a) “com frequência não dá atenção aos detalhes ou comete erros negligentes nas tarefas escolares, no trabalho ou em outras atividades” (DSM-IV, p 83)

A redação do DSM-5 é quase que idêntica, mas acrescenta dois exemplos: (p. e., “negligencia ou perde detalhes”, “o trabalho é impreciso”).

Para ilustrar o problema, vamos imaginar uma conversa entre dois psiquiatras experientes, Dr. I. Druggem e Dr. Ak Curate.

Dr. Curate: Você está diagnosticando muitas crianças com TDAH.

Dr. Druggem: Não, não estou. Eu sempre me certifico de que satisfaçam o número necessário de itens do critério.

Dr. Curate: Mas você está interpretando os critérios demasiado frouxamente.

Dr. Druggem: Você está interpretando-os muito rigidamente.

Dr. Curate: Bem, considere aquele garoto de seis anos que você diagnosticou na semana passada. Em que critérios ele se encaixou?

Dr. Druggem: Os critérios de ausência de atenção a, b, c, d, e. Ele também se encaixou em quatro dos critérios de hiperatividade-impulsividade.

Dr. Curate: Então ele cumpriu o critério 1 (a) – “muitas vezes não dá atenção aos detalhes ou comete erros descuidados nas tarefas escolares, no trabalho ou em outras atividades”?

Dr. Druggem: Sim, é isso aí.

Dr. Curate: Como você sabe?

Dr. Druggem: Porque eu fiz com que a sua professora preenchesse a lista com os critérios, e então ela verificou esse item.

Dr. Curate: Então a professora disse que ele se encaixa neste critério. Ela disse quantas vezes é frequente?

Dr. Druggem: Não, claro que não.

Dr. Curate: Quantas vezes é frequente?

Dr. Druggem: Não sei; suponho que duas ou três vezes por dia.

Dr. Curate: Eu acho que seria perfeitamente normal para um garoto de seis anos fazer erros descuidados ou se distrair dez ou mesmo quinze vezes por dia.

Dr. Druggem: De jeito nenhum.

Dr. Curate: Sim.

E o ponto crítico aqui é que não há nada no DSM, ou mesmo em qualquer diretriz psiquiátrica, que possa resolver esse desacordo. Não há como dizer qual psiquiatra está correto. E o problema é agravado quando reconhecemos que dificuldades de definição similares surgem quando perguntamos o que constitui uma atenção cuidadosa versus não tão cuidadosa; ou erros por desatenção versus outros tipos de erros. E quando reconhecemos que as mesmas dificuldades surgem com todos os critérios, é claro que o termo “diagnóstico preciso, criterioso, do TDAH” é um absurdo lógico. Se alguém inventa doenças sem patologia identificável, para serem diagnosticadas com base em listas de verificação inerentemente vagas, o conceito de prevalência verdadeira não tem sentido.

Assim, o que a psiquiatria criou é um algoritmo solto que pode ser expandido e contraído à vontade, sem que nenhuma culpa ou censura seja atribuída ao psiquiatra “diagnosticador”. Mas é ainda pior do que isso, porque este arbitrariamente flexível “diagnóstico” está sendo conduzido em um contexto onde há grandes incentivos para se fazer o “diagnóstico”, e penalidades consideráveis para a diminuição do “diagnosticar”.

Primeiramente são as empresas farmacêuticas cujos lucros estão correlacionados com o número de crianças “diagnosticadas”. Em segundo lugar, os pais que não sabem como disciplinar ou treinar seus filhos de forma eficaz. Em terceiro lugar, o “diagnóstico” pode dar direito à criança (ou melhor aos seus pais) a uma renda por incapacidade. Em quarto lugar, a escola pode ser elegível para financiamento adicional. Em quinto lugar, os psiquiatras têm uma boa chance de adquirir um cliente a longo prazo.

Então todo mundo ganha – exceto, é claro, a criança, que perde, especialmente no longo prazo. Este é o monstro que a psiquiatria criou. E o Dr. Frances desempenhou um papel fundamental.

O problema não é o excesso de diagnóstico. O problema é a medicalização espúria de problemas que não são de natureza médica. E essa foi a contribuição da psiquiatria para a grande fraude psiquiátrica-farmacológica, na qual eles entraram com os olhos bem abertos. O negócio era simples. Nós (psiquiatras) inventamos e legitimamos as doenças, e escrevemos as prescrições; vocês (indústria farmacêutica) enviam-nos muito dinheiro, validações e negócios. E Dr. Frances é muito bem informado sobre este assunto. Em 1995, ele e seus parceiros John Docherty, MD e David Kahn, MD, escreveram:

“Estamos também empenhados em ajudar Janssen a ter sucesso em seus esforços para aumentar sua participação de mercado e a ter visibilidade nas comunidades de acionistas, fornecedores e consumidores”.

Esta foi uma referência ao The Expert Consensus Guideline Series: Treatment of Schizophrenia produzido pelos Drs. Frances, Docherty e Kahn (The Journal of Clinical Psychiatry, 1996, Vol. 57, Suplemento 12B), com uma generosa doação de Johnson & Johnson (proprietários de Janssen). A citação é de um relatório de testemunha enquanto perito feita por David Rothman, PhD, professor de Medicina Social na Columbia University College of Physicians and Surgeons, p 15-16. Toda a questão foi abordada em grande profundidade por Paula Caplan, PhD, aqui (Mad in America), e pelo que eu sei, o Dr. Frances nunca reconheceu publicamente qualquer irregularidade ou emitiu quaisquer desculpas com relação ao assunto.

FINALMENTE

Dr. Frances foi uma peça-chave na promoção da fraude psiquiátrica. Como arquiteto do DSM-IV, ele teve a oportunidade de reverter a tendência iniciada por Robert Spitzer, MD, com DSM-III, mas em vez disso, o Dr. Frances não só permaneceu na trajetória de proliferação / expansionista, mas na verdade acelerou o seu ritmo. Sua atual preocupação com o diagnóstico mal feito e excessivo de crianças não é convincente.

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 TDAH não é algo que uma criança tem. É algo que uma criança faz.

[*] CHADD (Children and Adults with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder), é uma poderosíssima organização da sociedade civil que representa Crianças e Adultos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.  Seu site é http://www.chadd.org. (Nota dos Editores de Mad in Brasil.)

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