Rachaduras na Porta para uma Revolução na Psiquiatria

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robert-whitakerO Hospital Psiquiátrico Åsgård, em Tromsø, na Noruega, é uma instalação com uma aparência bastante consumida pela passagem do tempo, com seus prédios desproporcionalmente amplos conforme a arquitetura institucional da era da Guerra Fria, e, em termos de sua localização geográfica, dificilmente poderia estar localizado mais longe dos centros da psiquiatria ocidental. Tromsø fica a 215 milhas ao norte do Círculo Ártico, com turistas que lá vão durante os meses de inverno para desfrutar de um vislumbre da aurora boreal. No entanto, é nesse remoto posto avançado, em um andar que fica em um hospital fechado, mas que foi recentemente remodelado, que se pode encontrar um sinal surpreendente na porta da enfermaria: “medikamentfritt behandlingstilbud”.A tradução para o português seria: tratamento livre de medicação‘.

Trata-se de uma iniciativa que o Ministério da Saúde norueguês ordenou que seja criada em todo o país, por meio de suas quatro autoridades regionais de saúde.

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A placa com o título – tratamento livre de medicação – não capta precisamente a natureza dos cuidados prestados ali. Essa é uma enfermaria para pacientes psiquiátricos que não querem tomar medicações psiquiátricas, ou que querem ajuda para diminuir o uso de tais drogas. O princípio que governa esta ala, que tem seis leitos, é que os pacientes devem ter o direito de escolher o seu tratamento, e que o cuidado deve ser organizado em torno dessa escolha.

“É uma nova maneira de pensar”, disse Merete Astrup, diretora da unidade sem medicação. “Antes, quando as pessoas queriam ajuda, era sempre com base no que os hospitais queriam, e não no que os pacientes queriam. Nós estávamos acostumados a dizer aos pacientes: ‘Isto é o que é melhor para vocês.’ Mas agora estamos dizendo a eles, ‘o que vocês realmente querem?’  E eles podem dizer: ‘Eu sou livre; posso decidir’. ”

Estando localizada bem longe dos centros de poder na psiquiatria ocidental, essa ala pode ser vista como uma “trincheira” para mudanças profundas, disse Magnus Hald, chefe de serviços psiquiátricos no Hospital Universitário do Norte da Noruega. “Temos de considerar a perspectiva do paciente como tão valiosa quanto a perspectiva do médico. Se os pacientes dizem que é isso o que eles querem, isso é bom o suficiente para mim. Trata-se de ajudar as pessoas a avançar em suas vidas da melhor maneira possível, e devemos ajudar as pessoas a continuar com o uso de drogas se é isso o que elas querem, e se elas querem cantar uma canção livre de drogas, devemos estar apoiando a elas. Devemos fazer com que isso aconteça. ”

Como era de se esperar, essa iniciativa, que há muito vem sendo preparada, está a incomodar a psiquiatria norueguesa. É uma história de muitas dimensões: a organização política bem-sucedida dos grupos de usuários; as respostas negativas dos psiquiatras acadêmicos; os debates sobre os méritos das drogas psiquiátricas; e um esforço – sobretudo em Tromsø, mas também em outras regiões do país – para repensar a assistência psiquiátrica.

“O debate é muito parecido com o que você vê quando há uma mudança de paradigma ameaçando acontecer”, disse Hald.

A voz do usuário é ouvida

A portaria do Ministério da Saúde para o tratamento sem remédios é o resultado de anos de luta e pressão de cinco organizações de usuários, que se reuniram em 2011 para formar Fellesaksjonen para Medisinfrie Behandlingsforlop (Ação Conjunta para Tratamento Livre de Drogas em psiquiatria). O que é particularmente notável nessa portaria é que ela exigiu que o ministério da saúde superasse as objeções da corporação médica, e que ouvisse os argumentos de um grupo de pessoas que geralmente têm pouca posição política na sociedade.

Quando perguntei aos líderes dos grupos de usuários sobre isso, eles falaram – com algum orgulho – de uma cultura política na Noruega que se esforça para ser inclusiva de todos os grupos. Esta prática vem evoluindo há décadas, e vários se referiram a uma mudança na lei do aborto como um momento crucial nessa transformação de sua sociedade.

Antes de 1978, uma mulher que procurava um aborto tinha que se candidatar a uma comissão de dois médicos para ter a permissão de interromper a sua gravidez, com a solicitação feita por seu médico. Se casada, o marido teria que dar o seu consentimento. No entanto, com um forte movimento feminista empurrando para a mudança, naquele ano a Noruega aprovou a lei Aborto por Demanda, que deu à mulher o direito de fazer essa escolha.

Nesse mesmo ano, a Noruega aprovou uma Lei de Igualdade de Gênero, que afirmava que mulheres e homens deveriam ter oportunidades iguais em educação, emprego e promoção cultural e profissional. Hoje, as leis de igualdade de gênero exigem que cada gênero represente pelo menos 40% dos membros dos comitês oficiais, das diretorias das empresas públicas e dos órgãos governamentais locais. Na mesma linha, os sindicatos mantiveram-se forte na Noruega, e as empresas hoje devem realizar reuniões anuais com os seus empregados para discutir suas operações empresarias e como elas podem ser melhoradas.

Tudo isso fala de um país que está determinado a criar uma sociedade onde as vozes de todos os seus cidadãos possam ser ouvidas, e essa ética se espalhou para os cuidados de saúde. Tornou-se habitual para os hospitais e outros prestadores de cuidados de saúde criar ‘conselhos de usuários’, com a compreensão de que “os usuários devem ter uma voz e devem ser ouvidos”, disse Håkon Rian Ueland, líder do Nós Devemos Superar – um grupo de sobreviventes da psiquiatria. “E isso não é apenas em cuidados psiquiátricos. Os usuários e os familiares dos usuários em todas as áreas da medicina devem ser ouvidos. ”

Se por um lado isso criava um solo fértil para o surgimento de grupos de usuários em psiquiatria que teriam acesso a políticos e ao ministério da saúde, por outro lado o seu potencial poder político foi atenuado pelo fato de que os vários grupos tinham filosofias diferentes sobre a psiquiatria e os méritos de seus tratamentos. Por um lado, houve Nós Devemos Superar. Fundado em 1968, pode ser melhor descrito enquanto um grupo de sobreviventes psiquiátricos, com a intenção de lutar – como o próprio nome indica – pelos direitos civis dos ‘ex-pacientes’.  Por outro lado, há grupos mais moderados como Mental Helse, que com seus 7.500 membros, é a maior organização de saúde mental na Noruega. Durante muito tempo, essas diferenças tornaram difícil para os grupos de usuários pressionarem com sucesso o governo para a mudança.

“Nós não concordamos em nada”, disse Anne Grethe Terjesen, líder da LPP, uma associação nacional para famílias e ‘cuidadores’ em saúde mental. “Então o governo diz, ‘vocês querem isso, mas há outros que querem outra coisa.’ Isso permitiu que eles nos ignorassem.”

No entanto, durante os últimos 15 anos, todos os grupos de usuários assistiram com consternação como um aspecto particular da psiquiatria moderna – um aumento no tratamento forçado – havia tomado posse na Noruega. Pelo menos um estudo descobriu que a Noruega tem a maior taxa de tratamento forçado de qualquer país na Europa, e tais ordens compulsórias acompanham os pacientes após a sua alta, o que os grupos de usuários consideram vergonhoso e horrivelmente opressivo. Hoje, as equipes ambulatoriais chegam ao domicílio de uma pessoa para garantir o cumprimento de uma ordem para tomar medicamentos, que podem ser para a ‘vida’, disseram os líderes dos grupos de usuários.

“Esse é o problema” – disse Terjesen. “Uma vez que eles tenham escrito que você tem que usar a medicação, é muito, muito difícil sair dessa ordem. Se você disser que não quer, pode queixar-se a uma comissão, mas a maioria perde lá. ”

Overrein, um líder de um grupo de usuários chamado Aurora, adiciona: “Eu nunca ouvi falar de um paciente vencedor” em uma audiência.

Em 2009, Grete Johnsen, ativista de saúde mental de longa data, se uniu a outros ativistas para escrever um manifesto para a mudança intitulado Cooperação para a Liberdade, Segurança e Esperança. “Queríamos criar uma alternativa à psiquiatria”, disse ela. “Queríamos criar algo nosso. Nosso objetivo era criar um lugar, ou um centro, com liberdade e sem tratamento forçado, e sem a medicação como eixo organizador da assistência “.

Em um tempo baste curto, cinco organizações diversas uniram-se para forçar os políticos e as autoridades sanitárias para tal mudança. Muito parecido com Mental Helse, LPP é uma organização mais moderada. O Aurora, Nós Devemos Superar, e o Águia Branca se colocam no mais extremo do espectro psiquiátrico-sobreviventes.

“Os grupos são muito diferentes, e por isso foi preciso um pouco de discussão sobre como dizer as coisas, como chegar a diferentes níveis de governo, e como escolher a melhor pessoa para encontrar uma mensagem unida e unificada, ” disse Ueland.

Embora os grupos estivessem focados em acabar com o tratamento forçado com drogas, eles não pensaram que pudessem atingir esse objetivo, e por isso se concentraram em conseguir que o governo apoiasse o tratamento ‘livre de medicação’ para aqueles que não queriam tomar os remédios. Este não era um pedido tão radical, pois se encaixava no princípio de que os hospitais e outros prestadores de cuidados de saúde deveriam ouvir os grupos de ‘usuários’ e desenvolver cuidados que respondessem aos seus desejos. A partir de 2011, o Ministro da Saúde começou a publicar uma ‘carta’ a cada ano, informando as quatro autoridades regionais de saúde do país para que criassem pelo menos algumas vagas que pudessem fornecer tais cuidados. No entanto, ano após ano, as cartas do ministro foram regularmente ignoradas pelas quatro autoridades, disse Terjesen.

“Eles não queriam ouvir. Os hospitais não estavam fazendo nada. Nada acontecia. Estávamos muito frustrados. Ninguém na Noruega parecia se importar. ”

E então, ela disse, “algo aconteceu.”

O “algo” foi uma cascata de notícias negativas sobre o estado da psiquiatria na Noruega. Havia histórias sobre ‘coisas ilegais acontecendo nas enfermarias psiquiátricas’ e como ‘as camisas de força estavam sendo usadas com tanta frequência’, disse Ueland. Um estudo relatou que o tratamento forçado era 20 vezes mais comum na Noruega do que na Alemanha. E os resultados para pacientes psiquiátricos também não eram particularmente bons.

2“Tivemos sorte”, disse Terjesen. “O tratamento não era bom. Se o tratamento tivesse sido muito bom, teria sido mais difícil. Mas tudo vindo do governo agora é que não temos bons resultados, as pessoas estão morrendo cedo, estamos usando muito dinheiro, os usuários não estão satisfeitos, o pacote inteiro não é bom. O ministro diz que não podemos ter isso.“

Em 25 de novembro de 2015, o ministro norueguês da Saúde, Bent Høie, emitiu uma diretriz que transformou efetivamente a ‘recomendação’ contida em cartas anteriores em uma ‘ordem’. As quatro autoridades regionais de saúde do país, em ‘diálogo com organizações de usuários’ necessitavam criar um plano para ‘medidas de tratamento sem drogas’.

“Muitos pacientes em cuidados de saúde mental não querem tratamento com medicamentos”, escreveu ele. “Devemos escutá-los e levá-los a sério. Ninguém será forçado a tomar medicação, na medida em que hajam outras maneiras de fornecer os cuidados necessários e tratamento. Penso que a criação de um tratamento sem drogas está demasiado lenta e, por conseguinte, solicito a todas as autoridades sanitárias regionais que estabeleçam esta oferta (de tratamento sem drogas) até 01 de junho de 2016. ” Além disso”, disse ele, “as autoridades deverão oferecer uma redução planejada da terapia da droga para aqueles pacientes que a quiserem.”

O Ministério da Saúde demarcou o terreno. Essa iniciativa se encaixava com um objetivo maior que Høie havia definido em uma de suas primeiras cartas. “Vamos projetar um sistema de saúde que coloque o paciente no centro. . . O que envolve dar-lhes direitos. . . Os direitos dos pacientes devem ser reforçados “.

A resistência vinda da Psiquiatria

Os líderes de Fellesaksjonen falam hoje sobre como isso foi algo ‘corajoso’ da parte de Høie, e como ele mostrou que ele era ‘uma pessoa que escuta’. Mas eles também sabiam que essa portaria ministerial, que levantava questões sobre os méritos dos antipsicóticos e outras classes de drogas psiquiátricas, iria agitar a oposição vinda de muitos cantos da psiquiatria. O que provou ser o caso. Nenhuma autoridade regional cumpriu o prazo de 1 de junho de 2016 e, em muitos setores da psiquiatria norueguesa, psiquiatras se manifestaram em feroz oposição ao Ministro. Tor Larsen, professor de psiquiatria na Universidade de Stavanger, publicamente ridicularizou-o chamando a sua iniciativa de “erro gigantesco”.

“Tratamento livre de drogas não é apenas uma má ideia, mas simplesmente pode acabar sendo uma introdução de negligência sistemática na psiquiatria norueguesa. E, na pior das hipóteses, vidas perdidas “, escreveu ele. “Aqueles mais seriamente doentes muitas vezes não têm compreensão de sua doença. . . (Eles) não se veem como doentes. A liberdade de escolha que o ministro da saúde quer agora impor levará assim a que muitas pessoas gravemente doentes sejam privadas do direito ao melhor tratamento possível “.

Estes eram os argumentos centrais repetidamente feitos pelos psiquiatras noruegueses contra a iniciativa: as drogas são eficazes; não há tratamentos não-medicamentosos que tenham demonstrado ser eficazes para a psicose; e os pacientes que não querem os medicamentos não entendem que estão doentes e que precisam dos medicamentos.

Esta iniciativa “criará uma atitude que apoia em grande parte um ceticismo pronunciado sobre a terapia medicamentosa”, escreveu Jan Ivar Røssberg, professor de psiquiatria na Universidade de Oslo, em Aftenposten, o maior jornal da Noruega. “Meu medo é que a medida vai significar que as pessoas com transtornos psicóticos venham atrasadas para o tratamento ideal que se sabe que funciona. . . Eu não posso ser responsável pelo ensino de psiquiatria na Universidade de Oslo que apoie este desenvolvimento ” de tratamento sem medicação”.

O debate prosseguiu desde então e, depois de Tromsø ter aberto a sua sala livre de medicamentos no início de janeiro, permaneceu a questão de saber se outras autoridades territoriais iriam aderir ao espírito da diretiva do ministério da saúde. Por sua vez, a Associação Psiquiátrica Norueguesa decidiu oficialmente “manter uma mente aberta” e abordar o tema em sua reunião anual. “Os antipsicóticos funcionam?”, escreveu Anne Kristine Bergem, presidente da Associação. – “Ou não tem o efeito que acreditamos ter? “

O Donald Trump da Antipsiquiatria

A Associação identificou a questão científica no centro desta iniciativa. O tratamento forçado significava o uso involuntário de antipsicóticos. E com a controvérsia em curso, uma organização sem fins lucrativos, Stiftelsen Humania, se juntou com Fellesaksjonen para organizar um debate público sobre essa iniciativa, que foi realizada em 8 de fevereiro último, em Oslo. Eles o intitularam: “Qual é a base de conhecimento para o tratamento com ou sem o uso de drogas psicotrópicas?”

“Eu gostaria de ver isso argumentado”, disse Ueland, na tarde anterior ao debate. “Eles dizem que querem a prova de que as alternativas funcionam. Eu digo, ‘por que você não fornece provas de que seu tratamento funciona? Eu li um monte de artigos e um monte de livros, e eu ainda não vi provas de que seus medicamentos funcionam. Tenho visto provas de que eles fazem as pessoas se sentirem doentes, que lhes tiram as emoções, que tratam os sintomas, mas me deem a prova de que trabalham na psicose, que trabalham no que chamam de esquizofrenia. Sente-se lá com a gente e diga-nos que nós não podemos ter o tratamento sem drogas. ”

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O líder da Stiftelsen Humania é Einar Plyhn, um empresário cuja a empresa, Abstrakt Forlag, publica textos acadêmicos. Ele veio para esta batalha depois de sofrer a perda de sua esposa e de seu filho devido ao seu suicídio, nenhum deles havia encontrado alívio vindo da psiquiatria. “Minhas experiências com dois lutos por suicídio me levaram a uma enfermaria psiquiátrica, onde o único tratamento que recebi foi medicação e ECT”, disse ele. “Depois de deixar de tomar todos os remédios, comecei a publicar livros críticos à psiquiatria e organizando conferências”.

Um dos livros que publicou foi uma tradução norueguesa de Anatomia de uma Epidemia. Nesse livro, eu tinha escrito sobre os efeitos a longo prazo dos antipsicóticos (concluindo que a pesquisa mostrou que, no geral, eles pioram os resultados de longo prazo), e por isso Plyhn tinha pedido que eu falasse nesse debate. Os outros oradores foram Ueland, Røssberg e Jaakko Seikkula, que apresentaram sobre a terapia de diálogo aberto no norte da Finlândia (onde pacientes psicóticos não são regularmente colocados em antipsicóticos). Magnus Hald fazia parte do painel.

O debate teve lugar na Litteraturhuset de Oslo e, meia hora antes das portas do auditório se abrirem, havia uma grande multidão de pessoas esperando para entrar, evidência de como a iniciativa ‘sem medicação’ despertou um interesse público considerável. O auditório rapidamente se encheu, com uma sala adjacente totalmente lotada igualmente, onde as pessoas podiam assistir ao debate em vídeo que estava sendo transmitido pela Internet. A audiência incluía profissionais de saúde mental, membros de organizações de usuários e um ou mais representantes da indústria farmacêutica.

Ueland falou primeiro, lendo um poderoso blog de uma mulher de 25 anos em uma enfermaria que descreveu o trauma de ser tratada com força. Então foi a vez de Røssberg, e, é justo dizer, ele veio pronto para a batalha.

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Røssberg disse que três dos grupos de usuários eram organizações ‘antipsiquiátricas’; argumentou que não havia terapias não medicamentosas que houvessem sido comprovadamente eficazes enquanto tratamentos de curto prazo para a psicose; e criticou os artigos publicados de Seikkula sobre Diálogo Aberto como sendo cientificamente inúteis. Ele me descreveu como o “Donald Trump da Antipsiquiatria”, e enquanto eu não tinha certeza da analogia que estava sendo feita, todos entenderam que não era um elogio. Ele então apontou para o estudo TIPS da Noruega como prova de que os antipsicóticos proporcionavam um benefício a longo prazo.

Esse estudo foi desenhado para testar o benefício da detecção precoce de um ‘primeiro episódio de psicose não afetiva’. Um grupo amostral teve uma ‘duração de psicose não tratada’ de 5 semanas antes de entrar no tratamento, versus 16 semanas para o grupo de comparação. Ambos os grupos foram tratados convencionalmente com antipsicóticos e seguidos durante 10 anos. No final desse período, entre os pacientes ainda vivos e no estudo, 31% no grupo de tratamento inicial estavam em recuperação, contra 15% no grupo de 16 semanas. Se antipsicóticos piorassem os resultados a longo prazo, argumentou Røssberg, então o grupo de tratamento precoce – porque tinham 11 semanas de exposição adicional a antipsicóticos – deveria ter se saído pior.

“Se você tomar uma pílula que mostra que você irá ter um mau prognóstico, então se você tiver um começo mais cedo com uma pílula, você deve ter um pior resultado. Está claro? “, Ele disse.

Eu apresentei a seguir, contando a história da ciência que eu tinha publicado em Anatomia de uma Epidemia (e desde então sendo atualizada), e então Seikkula revisou o programa do Open Dialogue, com seus bons resultados de longo prazo. O debate do painel foi na maior parte mais do mesmo, com Hald adicionando seus pensamentos à confusão. Ele levantou uma pergunta que parece ressoar em cada psiquiatra.

“Há muitos pacientes que a psiquiatria pensa que não precisam dos medicamentos”, disse ele.  “Mas não sabemos quem são eles. E uma vez que não sabemos quem são, poderíamos optar por não dar qualquer medicação, ou poderíamos optar por dar os medicamentos a todos. A psiquiatria escolhe dar todos os medicamentos. Damos neurolépticos às pessoas que vemos que não melhoram com seus sintomas psicóticos. Mas eles continuam recebendo neurolépticos. Então, como é que eles continuam recebendo neurolépticos se não sentem melhoras? ”

Posteriormente, perguntei a Plyhn o que ele pensava sobre o debate. Eu estava um pouco desanimado, em grande parte porque eu pensei que tinha sido mostrado uma vez mais quão difícil é ter uma discussão pública sobre os méritos das drogas psiquiátricas, mas Plyhn teve uma visão mais longa. As mudanças no pensamento social – o que é necessário para que esta iniciativa sem medicação ganhe apoio público – vêm lentamente.

“Minha impressão é que há uma preocupação crescente entre alguns psiquiatras, psicólogos e enfermeiros sobre como a evidência baseada no uso crescente de drogas psicotrópicas realmente é”, disse ele. “Com as conferências que tivemos, esperamos contribuir para alguns repensar” o seu uso.

O estudo TIPS em revisão

Após o debate, lamentei não ter encontrado tempo para discutir o estudo TIPS em detalhe, dado que Røssberg apresentou-o como evidência da eficácia a longo prazo dos antipsicóticos. O estudo foi concebido para avaliar a eficácia do tratamento precoce, em vez dos efeitos a longo prazo desses fármacos, e, embora existissem doentes em ambos os grupos que deixaram de tomar antipsicóticos, não houve relato de resultados de 10 anos agrupados por uso de medicação. Também havia razões para questionar se o grupo de tratamento precoce apresentou melhores resultados. O grupo de comparação era formado por pessoas mais velhas e mais gravemente doentes no início do estudo, embora a sua sintomatologia fosse semelhante ao do grupo de tratamento precoce de 10 anos e uma maior porcentagem neste grupo estava ‘vivendo independentemente’ no final do estudo. Mas indo mais direto ao ponto, os resultados no grupo do tratamento precoce, que enfatizaram o uso imediato e a longo prazo dos antipsicóticos, não indicaram a forma eficaz da assistência.

Esse foi um estudo de pacientes mais jovens experimentando um primeiro episódio de psicose, e muitas vezes esses episódios podem desaparecer sozinhos com o tempo. Havia 141 pacientes no grupo de tratamento inicial, e, no final de 10 anos, aqui estavam seus resultados coletivos:

  • 12 morreram (9%)
  • 28 tinham haviam abandonado o tratamento e por isso não mais acompanhados (20%)
  • 70 ainda estavam no estudo e não se recuperaram (50%)
  • 31 estavam ainda no estudo e tinham se recuperado (22%)

Em outras palavras, uma vez que os resultados para os pacientes que morreram ou foram perdidos para o tratamento forem adicionados aos achados, quase 80% deles não se saíram bem (se perder o tratamento for visto como um mau resultado). Esses resultados contrastam com os resultados a longo prazo com a terapia de Diálogo Aberto no norte da Finlândia, onde ao fim de cinco anos 80% estão trabalhando ou de volta à escola, assintomáticos e fora de antipsicóticos. Fico pensando que bem que eu poderia ter preparado um slide comparando os dois, e perguntado ao público norueguês qual dos dois programas eles prefeririam abraçar.

Esses dados por si só teriam permitido uma discussão pública mais interessante, mas depois, algumas semanas a seguir, foi publicado um estudo que acrescentou novas informações sobre o estudo TIPS. Para obter uma visão do processo de recuperação, os pesquisadores do TIPS – uma equipe que incluiu Tor Larsen da Universidade de Stavanger – entrevistaram uma amostra de 20 pacientes ‘totalmente recuperados’ de seu programa. Enquanto muitos dos 20 disseram que pensavam que os antipsicóticos foram úteis durante a fase aguda do tratamento, o uso a longo prazo foi “considerado como comprometendo a contribuição do esforço individual na recuperação” e foi “percebido como uma redução da probabilidade de recuperação funcional”, os pesquisadores relataram.

Sete dos 20 pacientes totalmente recuperados se recusaram a tomar antipsicóticos desde o início e, portanto, “nunca usaram” as drogas. Outros sete tinham parado de tomá-las, significando que 14 dos 20 pacientes completamente recuperados entrevistados para o estudo estavam fora dos antipsicóticos. Røssberg havia citado o estudo TIPS como uma evidência que argumentava contra a iniciativa sem remédios, mas esses dados de resultado falavam de “recuperação total” em pacientes tratados inicialmente sem antipsicóticos e em pacientes que foram deixando de tomar os medicamentos – as formas gêmeas da assistência que a iniciativa se destina a fornecer.

Repensando os medicamentos psiquiátricos

Conforme o debate revelou, a implementação da diretiva do Ministério da Saúde sem remédios está em fluxo. Em Tromsø, onde Magnus Hald é o diretor de serviços psiquiátricos, a autoridade sanitária regional abriu uma enfermaria dedicada a esses cuidados. No resto do país, as autoridades sanitárias regionais dispõem de camas individuais para atendimento sem remédio e, na maior parte, reservam os seis leitos para pacientes não psicóticos, o que significa que a iniciativa ainda não está servindo de alternativa ao tratamento forçado com antipsicóticos.

Mesmo assim, a diretiva é um mandato para a mudança e, no dia seguinte ao debate, dirigi-me com Einar Plyhn e Inge Brorson, um dos membros do conselho de administração da Stiftelsen Humania, ao Hospital Lier, a 25 milhas a sudoeste de Oslo, que é do Grupo no Vestre Viken Trust desenvolvendo tratamento livre de medicamentos para as regiões da Autoridade Sanitária Sul e Oeste. Brorson costumava trabalhar para o trust que opera em vários hospitais psiquiátricos e presta serviços a uma região com cerca de 500.000 habitantes (cerca de 1/10 da população norueguesa), e ele tinha ajudado a suscitar o interesse na iniciativa, incentivando os psiquiatras e as equipes de saúde para a investigação da literatura médica sobre os efeitos a longo prazo de drogas psiquiátricas.

O psicólogo Geir Nyvoll, que liderou o encontro, começou por se referir a esse corpo de pesquisas científicas. Ele havia dedicado quatro meses sem trabalhar para poder estudar de perto a literatura de pesquisa para neurolépticos, e então ele e o psiquiatra Odd Skinnemoen apresentaram suas descobertas à clínica. “O conhecimento e a conscientização são a base da mudança”, disse ele. “Aqui é onde estamos.”

Como um primeiro passo para criar essa mudança, a sua organização está desenvolvendo um ‘programa de melhoria contínua’, que tem como título ‘Direito e Uso Reduzido de Medicamentos.’ No âmbito do programa, o pessoal irá prescrever medicamentos psiquiátricos em doses mais baixas; acompanhar cuidadosamente os efeitos secundários das drogas; evitar o uso de medicação quando  ‘tratar problemas normais na vida, tais como eventos negativos da vida’, e interromper medicamentos quando eles não estão produzindo um bom efeito.

Em resposta à diretriz do ministro da Saúde, a organização criou uma cama sem medicação no Hospital Lier para pacientes psicóticos e cinco camas em dois outros hospitais para pacientes com transtornos menos graves. Está sendo adotado o princípio de que “os pacientes devem ter o direito de escolher o tratamento sem medicação”, disse o psiquiatra Torgeir Vethe.

“Cada paciente deve ter essa possibilidade. E se um paciente não quer usar a medicação, devemos dar a melhor ajuda que pudermos, mesmo que nós, como profissionais, possamos dizer que o melhor tratamento é que use a medicação. ”

Com esses dois esforços ‘paralelos’ agora em andamento, está se organizando um programa de pesquisa para avaliar a sua eficácia. A esperança é que isso irá fornecer uma melhor ‘base de evidência’ para a iniciativa livre de medicamentos, e para a ‘tomada de decisão compartilhada’ com os pacientes. “Então estamos nos perguntando, estamos no limiar de algo novo?”, perguntou o psicólogo Bror Just Andersen.

Nas regiões Sul e Oeste foi desenvolvido um registro de pesquisa para o que chamam de terapia de exposição basal, introduzida em 2007, com o objetivo de reduzir a polifarmácia em pacientes ‘resistentes ao tratamento’. A crença por trás dessa terapia é que os hospitais “super-regulam” os pacientes psiquiátricos, o que significa que os funcionários estão constantemente controlando seu comportamento e ajudando-os a evitar situações que provocam uma “ansiedade catastrófica existencial”, disse o psicólogo Didrik Heggdal. Com terapia de exposição basal, o objetivo é o oposto. Eles “sub-regulam” os pacientes, forçando-os a procurar pessoal quando eles querem ajuda e encorajando-os a enfrentar sua ansiedade existencial.

“Damos liberdade ao paciente”, disse Heggdal. “O nível de controle é extremamente baixo na ala. Tratamos o paciente como um adulto, como um igual e com o respeito por uma pessoa que está lá para trabalhar consigo mesma. Estamos aqui para ajudá-los a todos nesse trabalho consigo mesmos. E quando fazemos isso, eles mobilizam seus recursos. Não devemos nos surpreender. “

Num estudo de 38 doentes tratados com terapia de exposição basal (14 dos quais tinham um diagnóstico do espectro da esquizofrenia), o uso de antipsicóticos e outros fármacos psiquiátricos diminuiu notavelmente ao longo de 13 meses. Nove dos 26 que entraram no estudo sobre antipsicóticos estavam fora dessas drogas até o final; 7 de 10 em estabilizadores de humor (antiepilépticos) conseguiram interromper com sucesso esses medicamentos.

Vethe, Andersen, Heggdal e outros falaram de como eles pensavam que estavam entrando numa nova era de assistência, era essa que apresentava oportunidades e desafios. Os desafios eram familiares: colegas que são céticos em relação ao que está sendo feito; as expectativas da sociedade de que eles usam antipsicóticos para lidar com pacientes “violentos”; e preocupações que se eles não seguirem os padrões aceitos de cuidado algo dará errado, eles podem acabar em apuros com as autoridades sanitárias. Suas preocupações são muitas, mas a linha de fundo, disseram vários, é que eles sentem que estão se aproximando de “tempos novos e melhores”.

“Tenho 35 anos de atividade como psiquiatra e diretor clínico, e estou muito grato por poder participar da mudança que vem lentamente para a psiquiatria agora, porque era realmente, realmente necessário”, disse o psiquiatra Carsten Bjerke, chefe médico do Hospital Psiquiátrico Blakstad.

Uma Mudança de Paradigma em Completo Giro

Nos últimos anos, o programa Diálogo Aberto em Tornio, na Finlândia, passou a ser visto nos EUA e em outros países como uma terapia que oferece a promessa de tratar os pacientes psicóticos de uma nova maneira, o que pode levar a uma melhoria muito maior a longo prazo.  Envolve a prescrição de antipsicóticos de forma cautelosa e seletiva. Talvez não surpreendentemente, o pensamento e as crenças de Magno Hald – e, portanto, a ideologia presente na enfermaria de Tromsø para o tratamento sem medicação – estão intimamente alinhados com a abordagem do Diálogo Aberto.

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Hald era amigo íntimo de Tom Andersen, professor de psiquiatria social da Universidade de Tromsø, quem hoje é lembrado como um dos fundadores dos processos ‘dialógico’ e ‘reflexivo’. Eles começaram a trabalhar juntos no final da década de 1970 e, à medida que desenvolveram ‘equipes de reflexão’, incorporaram a abordagem de Milão à terapia familiar – que envolveu ‘pensamento e práticas sistêmicas’ – em seu trabalho. Um princípio-chave desta abordagem, escreveu Hald, é que “as pessoas mudam de acordo com as circunstâncias em torno delas, e uma parte importante dessas circunstâncias consiste na vida familiar na comunidade local”. Os dois viajaram muito, ensinando seus novos caminhos e, durante a década de 1980, desenvolveram um relacionamento com Jaakko Seikkula e a equipe do Open Dialogue em Tornio, na Finlândia.

Nos anos subsequentes, o grupo finlandês foi mais capaz de documentar seus resultados com práticas dialógicas, porque acreditavam em diagnóstico psiquiátrico, ou pelo menos acreditaram no uso de diagnósticos de DSM III, para relatarem os resultados, enquanto que o grupo de Tromsø não, disse Hald. Em Tromsø, eles também não se concentraram tanto em limitar o uso de antipsicóticos, mesmo que Andersen se tornasse “cada vez mais oposto” ao seu uso. “Em termos de não usar drogas, era difícil de praticar isso, e não tínhamos um compromisso real com essa parte”, disse ele.

Mesmo assim, Hald tinha visto pessoas com diferentes tipos de sintomas psiquiátricos se saírem bem sem drogas, e foi essa filosofia e a sua experiência que o fez ansioso para abraçar a diretiva do ministro da saúde. “Para mim, é uma possibilidade de organizar algo que é muito claro. Devemos dar às pessoas a possibilidade de escolher não serem tratadas com neurolépticos quando estão experimentando um grave problema mental. Eu sempre achei que era uma boa ideia. ”

Com Hald entusiasmado com o mandato, a Northern Regional Health Authority deu ao Hospital Universitário do Norte da Noruega um orçamento anual de 20 milhões de coroas norueguesas (US $ 2,4 milhões EUA) para disponibilizar um tratamento de seis leitos, livre de remédios na sua unidade de Åsgård. Esse apoio permitiu que Hald e seu hospital começassem do zero na contratação de pessoal, com Merete Astrup, uma enfermeira psiquiátrica, trabalhando como diretora da ala desde agosto passado. Ela sempre quis trabalhar em um ambiente que proporcionasse aos pacientes o direito de ‘escolher’ se eles queriam tomar medicamentos, e essa atitude agora está presente com todo o pessoal, que será em número de 21, quando a contratação estiver concluída.

“Estou muito feliz por estar aqui e sei que estou trabalhando da maneira que meu coração quer trabalhar”, disse a arte-terapeuta e enfermeira Eivor Meisler. “Eu tenho sonhado em trabalhar sem medicação.”

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Tore Ødegård, um enfermeiro psiquiátrico, disse que tinha crescido resistente ao trabalho em unidades onde as pessoas são coagidas regularmente, razão pela qual ele agarrou-se na oportunidade de trabalhar aqui. “Eu discutia com as pessoas para levá-las a tomar suas drogas. Eu fazia parte desse sistema e agora faço parte de um sistema que não tem como objetivo principal dar drogas, mas ajudar as pessoas a lidar com os problemas, e fazer isso sem medicação. Acho isso muito fascinante, e é um privilégio fazer parte disso. ”

E então Ødegård encolheu os ombros: “Mas nós realmente não sabemos como fazer isso ainda. As pessoas querem vir aqui para se livrar das drogas, e isso pode ser uma luta, com diferentes problemas. O psiquiatra dirá: ” ‘Nós não fomos educados para tirar as pessoas de drogas, apenas para adicionar drogas.’ Nós temos que experimentar isso, e aprender a tirar as pessoas de drogas. ”

Um dos funcionários que tem tal experiência é Stian Omar Kistrand. Ele lutou com a toxicodependência de 2001 a 2002, que se transformou em ataques de mania, depressão, pensamentos suicidas e ouvir vozes. Seu próprio caminho para a recuperação, disse ele, veio “da busca da minha história. Eu me dou conta que eu tenho que aceitar tudo, e então eu acordo em uma manhã e o mundo está totalmente diferente. Eu vi uma luz acerca de aceitar tudo no meu passado e a minha vida. ”

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Ele vê as pessoas que vêm para esta unidade assistencial através dessa perspectiva. “As pessoas que vêm aqui não querem remédios. Este é o seu desejo mais profundo. Dizemos: ‘você pode vir até nós, queremos você como você é, venha até nós com suas ilusões, sua doença, seus pensamentos e sentimentos e história – tudo é bom’. Nós podemos encontrá-los como eles são. Quando as pessoas experimentam isso, algo essencial acontece. Desaparece a desconfiança e o medo, e é dito para a pessoa, isso está bem. E então a pessoa pode começar a crescer. Essa é a coisa mais importante.”

“A enfermaria ainda não está servindo como uma alternativa ao tratamento forçado com drogas. Os pacientes vêm aqui como referências de outros hospitais e ambientes psiquiátricos, e eles podem ser transferidos para aqui apenas se eles pedirem por este cuidado e seu psiquiatra supervisor concordar com ele. Mas uma vez que estão aqui, eles estão agora em um ambiente centrado no paciente, que lhes dá autonomia. Não há portas fechadas, e eles são livres para verificar se querem ir para casa, se for isso o que eles querem. E enquanto eles estão ficando aqui, eles podem organizar seu tempo como desejarem. Um dia eu estava lá, e os pacientes saíram ao meio-dia para ir às compras na cidade. ”

Os quartos na divisão de seis camas são bastante espartanos, cada um com uma cama de solteiro e uma escrivaninha, como se fosse um dormitório de uma faculdade. As refeições são preparadas em uma cozinha na ala e servidas em uma grande sala comum, onde as pessoas muitas vezes passam o tempo falando, as janelas emoldurando uma paisagem reconfortante do mar e das montanhas cobertas de neve para o oeste. O sol havia feito a sua primeira aparição de inverno apenas uma semana antes de eu chegar, e  a luz da tarde agora demorava horas, banhando as montanhas em um suave brilho rosa.

Os programas terapêuticos fazem para do dia que se desenrola de uma forma bastante preguiçosa, e muito amável. Sessões de terapia reflexiva, caminhadas diárias pelo ar frio, e exercício em um ginásio no andar inferior, fazem parte de uma programação semanal. Na medida em que esta ‘terapia’ ocorre, os pacientes escrevem seus próprios relatos de como foi, o que se torna parte de seus registros de saúde.

“Isso nos dá uma visão muito melhor da perspectiva do paciente”, disse Dora Schmidt Stendal, uma enfermeira psiquiatra e arte-terapeuta. “Normalmente (em espaços anteriores), eu escrevia um relatório de uma conversa, e eu pensava que eu estava transmitindo a voz de meus pacientes, mas a voz dos pacientes em seus próprios termos é muito diferente. Devemos respeitar seu mundo quando eles têm a oportunidade de se expressar livremente. Esta documentação nos torna mais conscientes de suas perspectivas.”

Os pacientes também conseguem ver o que os terapeutas escrevem. “Você tem que pensar com muito cuidado sobre o que você escreve”, disse Dora Stendal. “Os pacientes podem não concordar, e então você pode ter uma conversa sobre isso. Sua opinião importa. Eles estão sendo levados a sério. ”

Embora a equipe não use diagnósticos de DSM para descrever seus pacientes, os pacientes chegam à enfermaria com tais categorizações, e os quatro que estavam lá quando eu visitei poderiam ser descritos – em termos de DSM – em luta contra a depressão, mania e transtorno bipolar, sendo que um ou dois ‘usuários’ com sintomas “psicóticos”. Um falou de ser um para-raios para o mal no mundo, enquanto outro falou de terrores que o vêm visitar à noite. Três dos quatro estavam dispostos a se sentar comigo e contar suas histórias.

*   *    *

Merete Hammari Haddad, que é em parte Sami (o povo indígena do norte da Noruega), viveu com um diagnóstico de ‘bipolar’ por quase uma década.

Durante a primeira parte de sua vida adulta, tudo tinha ido razoavelmente bem. Ela trabalhou como professora e por um tempo como diretor da escola, e tinha obtido um mestrado, sua pesquisa focada em como as pessoas atingiriam seu maior potencial. Ela se envolveu em treinamento dos outros, residindo por um tempo em Dublin e, em seguida, Oslo. “Eu estava tendo sucesso”, disse ela.

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Seu marido também faz parte do povo Sami, e há algum tempo, eles voltaram para Alta, uma comunidade Sami na costa norte da Noruega. Como muitos povos indígenas, a comunidade Sami tem lutado para manter sua cultura e auto-governança, e quando Merete voltou para Alta, ela estava determinada a ajudar a comunidade a se tornar mais otimista e feliz. “Eu fui para lá tão alegre, e eu queria trazer isso para a minha comunidade. Mas eu era ingênua. As pessoas não queriam isso, e eu fui atacada. Eu era tão estúpida. Eu passei a ser negativa comigo mesma. Meu marido via mudanças em mim, só que ele não gostava de falar. Senti-me sozinha.

Por fim, seu marido a hospitalizou. Foi-lhe dito que era bipolar e que teria de tomar lítio pelo resto da vida. “Eu me sentia péssima com a droga”, disse ela. “Eu não tinha sentimentos. Era como se não estivesse viva. ”

Há dois anos atrás, ela decidiu que não poderia mais continuar assim. “Eu precisava me sentir feliz novamente. Eu queria me sentir feliz novamente. E eu aceitei meus sentimentos. Eu conhecia minhas tristezas, meus medos. Quando eu parei, eu podia sentir. Eu podia deixar minhas lágrimas correrem, e eu poderia encher a sala com as minhas tristezas. Mas ninguém aceitou. A minha família não me aceitou, e nem o meu marido. O que me restava era confiar em mim mesma. ”

O tempo que se seguiu continuou a ser tumultuado. Seus relacionamentos familiares e seu relacionamento com sua comunidade permaneceram tensos. Mesmo assim, ela continuou pensando em como poderia ajudar as “pessoas a perceber seu potencial humano”, e em dezembro passado, ela começou uma empresa para perseguir esse fim, obtendo uma subvenção do governo de 100.000 coroas para fazer pesquisa sobre o tema. Mas na medida em ela prosseguia em seu negócio, o seu isolamento com o marido foi crescendo. No final de janeiro, seu marido concluiu que ela estava “demasiadamente entusiasmada” e a internou. “

“Eu fui levada pela força em algemas”, disse ela. “E tudo o que tive foram remédios, remédios, e me forçaram a tomá-los.”

No entanto, depois de pouco mais de uma semana naquele primeiro hospital, ela conseguiu convencer o pessoal para ser transferida para a enfermaria livre de medicamentos em Tromsø. Depois de cinco dias aqui, durante o qual ela e seu marido tinham confrontado seus problemas, ela estava indo para a sua casa.

“Meu marido e eu estamos tão conscientes agora do que estava errado. Encontramos uma nova direção juntos. Estávamos aqui para ter um novo diálogo, e agora temos uma nova direção sobre como queremos estar no futuro “.

Em termos dialógicos, sua angústia tinha sido causada pelos ‘espaços intermediários’ entre ela e seu marido, e assim o alívio do estresse necessário consertou aquele espaço, em oposição a corrigir sua química cerebral. “Eu só precisava de uma cama, comida e cuidados”, disse ela. “Aqui eu fui vista, fui ouvida, e posso falar sobre tudo. Eles nunca disseram que eu estava doente. Agora eu não sinto que há algo de errado em ser um humano. ”

*   *   *

Quando fui apresentado pela primeira vez a Mette Hansen, durante uma discussão de grupo na sala comum, ela me fez, com um sorriso travesso, uma pergunta que ficou comigo desde então. “Quando você olha no espelho”, ela disse, “o que você vê?”

Aquela é uma pergunta fascinante para qualquer um perguntar, e eu pensei ser o dito de uma sensação da liberdade que ela havia encontrado ao estar nesse novo serviço de assistência. A sua mente podia falar aqui.

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Ela tinha sido diagnosticada pela primeira vez com bipolar em 2005, quando tinha 40 anos de idade e sobrecarregada com o trabalho e as obrigações familiares – como uma mãe de três. “Eu não tinha tempo para mim,” ela explicou. “Eu não podia fazer o que as pessoas queriam que eu fizesse.”

Ela achou o lítio útil, porque a acalmou. Depois de um tempo em licença por doença, ela voltou a trabalhar em um supermercado, e sua vida permaneceu estável durante anos. Mas então, em 2015, ela foi diagnosticada com câncer de mama, e depois que ela fez a cirurgia, ela passou vários meses lutando para dormir. Em dezembro daquele ano, ela ‘ficou louca de novo’, o que a levou a um outro período em um hospital. Então, em setembro, com os efeitos colaterais do lítio se acumulando – ganho de peso, mãos inchadas, tremores e problemas de tireoide – decidiu que gostaria de reduzir a medicação.

Este foi um passo dramático para ela tomar. Seu marido e sua família não queriam que ela tentasse isso, porque a droga estava ‘funcionando’, mas ela precisava tomar o controle de sua vida. “Eu disse, depois de 12 anos em lítio, eu tenho que tentar isso. Eu sou meu próprio patrão, e se meu marido não pode aceitar isso, é seu problema. ”

A enfermaria, ela disse, estava deixando-lhe “calma” e ajudando-a a ficar segura no processo de redução do lítio. “Eu não tenho que me preocupar com meus vizinhos ou minha família em casa. Eu posso falar sobre coisas diferentes, sobre a doença e como me comportar. Merete (Astrup) é o primeiro que me tratou com polidez .  É algo diferente, e isso é muito bom. Eu adoro isso aqui. ”

Agora que ela estava com a dose de lítio 1/4 a menos do que tinha em setembro, ela também estava começando a questionar se uma droga tão poderosa tinha sido tão necessária. “Eu estou um pouco melhor. Eu chamo isso de mágica. O lítio é como usar um colete salva-vidas quando você está em uma viagem de montanhismo, você não está indo a pescar. Por que você deveria ter um colete salva-vidas? Talvez você precise de um saco de dormir ou de um pouco de madeira. ”

Enquanto olha para o futuro, ela vê agora esta ala no hospital como um refúgio, para onde ela poderá voltar, depois de ir para a casa. “É importante saber que eu poderei voltar aqui e decidir por mim mesmo o que fazer”, disse ela.

*   *   *

Muito do meu tempo com Hanna Steinsholm foi gasto discutindo seu amor pela música, e nossa memória compartilhada de leitura de On the Road de Jack Kerouac, e os pensamentos sobre Sal Paradise e seu amigo maníaco, Dean Moriarty. “Eu amo a ilustração da mania”, ela disse em um ponto. “Há muita dor e lágrimas para ir para ir ao encontro da sua meta. Há sempre escuridão na luz. ”

Sua entrada no sistema psiquiátrico tinha começado quando ainda era uma criança, quando  foi diagnosticada com TDAH, e também por conflitos com outros jovens em sua pequena cidade. “Fui ridicularizada quando era criança. Sentia que algo me faltava quando eu era adolescente. ” Em seguida, ela recebeu outros diagnósticos, e ela lutou de várias maneiras: auto-ferir, lutar contra os pensamentos do mal, e com sentimentos de ansiedade sobre como fazê-lo no mundo como uma cantora popular “Eu sempre pensei que as pessoas esperavam que eu escrevesse uma canção que as explodisse.”

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Ela sentiu que era importante que ela pudesse estar aqui sem ter que tomar Abilify, a droga antipsicótica em que estivera até então. Ela precisava de alguma estrutura, e ajudar com seus comportamentos auto-prejudiciais.

“Estar em Abilify foi chato e me deu um sentimento de desespero, e eu não queria fazer isso. Eu não conseguia pensar na droga. E se eu vou estar no mundo, tenho que ser inteligente e ser uma versão de mim que as pessoas gostam. As pessoas sabem que estou doente. Eu tenho que provar que eu posso fazer algo com a destruição, e fazer algo grande fora dela. ”

Ela estivera na enfermaria sem remédios por várias semanas, e não havia horário real para ela sair. “Eu achei melhor do que eu pensava. É fácil ir com o fluxo, e não ser questionada todo o tempo todo, como fazem em outros hospitais, e sempre sob suspeitas, pensando que você vai se tornar um assassino. Isto está levando algum tempo para eu aceitar, que eu não serei questionada o tempo todo. ”

E então voltamos a falar sobre as aventuras de Sal Paradise e Dean Moriarty, personagens de um romance publicado há 60 anos e que ainda de alguma forma permanece tão vivo em ambas as nossas memórias.

Os Desafios a Vencer

Tais são os relatos dos primeiros pacientes a serem tratados nesta enfermaria ‘sem medicação ‘. Mas para este esforço em Tromsø ter um impacto no mundo maior da psiquiatria, os resultados dos pacientes terão de ser rastreados e relatados em revistas médicas. Está ainda a ser elaborado um plano para a realização dessa investigação.

Não será possível fazer um estudo randomizado, observou a psicóloga Elisabeth Klaebo Reitan. Como tal, eles terão principalmente de se basear em entrevistas periódicas, que “descrevem quem são as pessoas que estão recebendo tratamento” e fornecem instantâneos de acompanhamento de “sintomas, funcionamento e atividade social e outras medidas de recuperação” por períodos de cinco e dez anos. Em certo sentido, o resultado final será se eles podem “fazer mudanças” em suas vidas, disse ela.

Os cépticos da iniciativa sem remédios da Noruega já estão levantando dúvidas sobre os tipos de pacientes que serão tratados na ala de Tromsø (e nos outros leitos sem remédios que estão sendo criados no país). O pensamento é que serão pacientes que estão ‘menos doentes’ e sem os problemas comportamentais – comportamentos violentos, e assim por diante – que ‘exigem’ o uso de antipsicóticos. Uma enfermaria livre de medicamentos não pode apresentar-se como uma verdadeira alternativa ao tratamento forçado a menos que possa assumir pacientes mais difíceis também.

11Esse será um desafio que gostaríamos de tentar entender”, disse Astrup.

A expectativa é que eles vão trabalhar com pacientes agitados da mesma maneira que eles trabalham com todos os pacientes, envolvendo-se em um diálogo respeitoso com eles, e que a atmosfera da ala irá fornecer seus próprios efeitos calmantes. Se um paciente ficar agitado, eles vão querer saber: “Por que você está tão agitado? Já fizemos alguma coisa contra você que o deixaria tão agitado? O que podemos fazer para torná-lo melhor para você? ”

Será importante, acrescentou, que “não façamos regras que digam, ‘você não deve quebrar um copo’ . Precisamos criar uma atmosfera onde este é um lugar em que tais coisas não acontecem. E se alguém jogou um copo, vamos olhar para ele como a comunidade que se quebra. Nós não queríamos (a pessoa) ter que jogar um copo para chamar nossa atenção.”

Uma e outra vez, Astrup e sua equipe falou sobre como tudo isso é tão novo, e como eles têm muito a aprender. Ao mesmo tempo, eles falaram com confiança de poderem responder bem aos desafios que virão, e com confiança também que sua ala, uma vez que foi criada em resposta a uma diretiva do Ministério da Saúde, terá uma chance real ter sucesso.

Hald, por sua vez, vê esta enfermaria como um passo em direção a uma mudança enorme na psiquiatria norueguesa. “Isso vai funcionar? Eu penso que sim, mas eu não estou certa como nós o faremos. Vai ser um desafio. Mas se isso funcionar bem, todo o sistema de saúde mental tem que mudar. Isso transformaria o sistema. “.

[trad. e edição Fernando Freitas]

Por que eu não gosto da ideia que o transtorno mental é uma doença

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Tenho estado recentemente muito ocupada organizando o programa RADAR, para ter tempo suficiente para blogs, e no momento estou me preparando para dar uma palestra na conferência da Associação Americana de Filosofia e Psiquiatria em maio. O título dessa palestra é: Muitas maneiras de ser humano: desafiar a visão médica dos transtornos mentais e as implicações para a psiquiatria.

Este é o primeiro de uma série de curtos blogs em que eu apresento o meu pensamento que está por trás desse título.

O título foi tirado de um livro do psiquiatra britânico Alec Jenner e de três colegas portugueses: Schizophrenia: A Disease or Some Ways of Being Human?  O livro esboça uma abordagem para a compreensão da esquizofrenia que desafia a ideia de que a esquizofrenia pode ser entendida usando o paradigma causa e efeito das ciências naturais.

Se alguns ou todos os transtornos mentais são doenças no sentido médico essa é tanto uma questão filosófica quanto empírica. Vou abordar ambas as áreas em blogs futuros, olhando em particular o trabalho de Thomas Szasz, mas primeiro eu quero expor o que eu não gosto com a ideia de que os transtornos mentais são doenças ‘como qualquer outra’.

Se a doença mental é uma doença cerebral, então o comportamento que é manifestado é irrelevante e sem interesse. Isso não teria nada a ver com o ser humano enquanto tal. Não haveria nada a aprender com isso, e nós poderíamos simplesmente eliminar o comportamento intruso na medida do possível. Por conseguinte, de acordo com essa forma de pensar temos uma obrigação de libertar a pessoa ‘normal’ que está enterrada em algum lugar por trás da doença. Os comportamentos e experiências (ou sintomas) não têm nada a ver com essa pessoa como uma pessoa, eles são apenas uma parte aberrante de seu corpo físico.  Erradicando a condição sem deixar rastro, nada seria perdido, não se incorrendo em nenhum custo inerente a esse procedimento.

O que me atraiu para a psiquiatria (e acredito que a muitos outros) não é que os sintomas da doença mental são curiosidades bizarras decorrentes de irregularidades cerebrais. Se fosse esse o caso, eu poderia ter estudado e me formado em neurologia. O que de fato me atraiu à psiquiatria, e o que ainda me interessa, é a intuição de que o transtorno mental tem algo de profundo para nos ensinar sobre a natureza do ser humano. E não se consegue isso refletindo anormalidades cerebrais, mas sim por o que consistem as manifestações extremas, bizarras, geralmente disfuncionais e às vezes insondáveis, para o ser humano enquanto tal.

O título da palestra também pretende enfatizar que os distúrbios mentais precisam ser entendidos da mesma forma que entendemos outros tipos de comportamento humano. Não há uma distinção categórica entre comportamento normal e emoções e o que poderíamos chamar de transtorno mental. Isto não é o mesmo que dizer que todo o transtorno mental está em um continuum com a normalidade. Depressão e ansiedade podem ser familiares a todos nós até certo ponto, mas apesar da pesquisa dizer que todos nós ouvimos vozes, eu acho que as experiências psicóticas autênticas são raras, e a maioria das pessoas provavelmente só obtêm um vislumbre do que tais experiências podem ser quando elas estão muito cansadas ou tomaram certas drogas que alteram a mente. Portanto, eu não acho que faça sentido sugerir que a psicose está em um contínuo com a experiência normal. No entanto, não é tampouco uma coisa do tipo diferente. Como Luc Ciompi, o fundador do projeto suíço Soteria comentou (citado no livro de Jenner e colegas), estados psicóticos, como é o que às vezes é chamado de “esquizofrenia”, são melhor pensados enquanto um processo de vida do que enquanto uma doença.

Como outro psiquiatra suíço disse, Manfred Bleuler (também citado em Jenner et al.), as pessoas com ‘esquizofrenia ‘ se “debatem contra as mesmas dificuldades que todos nós lutamos em nossas nossas vidas “.

Para tentar entender esses estados extremos e incomuns de ser, o que precisamos não são métodos especializados da ciência natural. Ao contrário, são os modos pelos quais entendemos o comportamento comum e cotidiano que podem ajudar (se for possível) a revelar a natureza e o significado da loucura. A loucura é uma maneira incomum de ser humano, mas, não obstante, uma maneira de ser humano!

Eu entendo que isso possa não ser uma ideia nova para os leitores do Mad in Brasil, mas é por isso que eu queria compartilhar isso aqui – Estou interessada em suas respostas.

(trad. Fernando Freitas)

“Os antidepressivos funcionam”? É uma equivocada questão

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Shanon

Um estudo recente, publicado em BMC Psychiatry, explora a experiência vivida de indivíduos que tomam medicação antidepressiva. O estudo qualitativo, realizado na Nova Zelândia, mostra a complexidade e a diversidade de experiências para os usuários de antidepressivos. Os autores relatam que 54% dos entrevistados tiveram experiências predominantemente positivas, enquanto 44% tiveram experiências negativas ou misturadas. Os pesquisadores, liderados por Kerry Gibson, professor associado da Universidade de Auckland na Nova Zelândia, escrevem: 

“Essa pesquisa aponta para a inadequação de se fazer a pergunta simples: ‘Os antidepressivos funcionam?’ Em vez disso, o valor ou não dos antidepressivos precisa ser entendido no contexto da diversidade de experiências e do significado particular que eles têm na vida das pessoas”.

 Farol

Antidepressivos são comumente prescritos em países desenvolvidos, com 1/9 adultos na Nova Zelândia recebendo prescrições de antidepressivo a cada ano. Este uso generalizado de antidepressivos continua, apesar de um número crescente de estudos que questionam a eficácia dos antidepressivos. Grande parte da pesquisa sobre antidepressivos examina sua eficácia neuroquímica com base em alterações nos escores numéricos em questionários de sintomas de depressão. Esses estudos não fornecem informações sobre a experiência vivida de pessoas tomando antidepressivos. Os poucos estudos qualitativos que foram feitos, usando amostras pequenas, tendem a notar as experiências negativas ou ambivalentes dos usuários de antidepressivos

Os autores destacam “que na medida em que as pessoas produzem ativamente sentido de suas experiências de uso de medicação, elas o fazem no contexto de ideias sociais prevalecentes que ajudam a moldar a maneira que estas podem ser pensadas”. Em um ambiente que promove o uso de antidepressivos, ainda que cada vez mais se questione se os antidepressivos são eficazes, é importante entender melhor as experiências qualitativas dos usuários.

Em um estudo qualitativo em larga escala realizado na Nova Zelândia, os pesquisadores pretendem “explorar a diversidade potencial de experiências com antidepressivos e os significados atribuídos a eles”. Os autores analisaram dados de 1.747 participantes que usaram antidepressivos nos últimos cinco anos. Em uma pesquisa on-line, com uma pergunta aberta, foi proposta a seguinte questão: “Em minha vida antidepressivos foram …”

A maioria (77%) dos participantes eram mulheres. Metade dos participantes (52%) tomou antidepressivos há mais de três anos, e 69% estavam tomando antidepressivos no momento em que completaram a pesquisa. Os pesquisadores organizaram as respostas em três categorias: experiências positivas, experiências negativas e experiências misturadas com relação aos antidepressivos.

Experiências positivas:

Pouco mais da metade (54%) dos entrevistados descreveu experiências positivas com antidepressivos. Seus relatos se encaixam em cinco temas.

Necessário para o tratamento da doença“: Os pesquisadores relatam que “muitos participantes descreveram os antidepressivos como um tratamento necessário para uma ‘doença mental’, muitas vezes referindo-se à ‘hipótese de deficiência de serotonina’, que vê a depressão como resultado de um desequilíbrio químico. ” Esse tema é observado em participantes que compararam antidepressivos com diabetes ou com medicação cardíaca.

“Um salvador da vida”: Muitos entrevistados descreveram o intenso alívio da angústia. Alguns dizem que a medicação evitou o suicídio. Um participante escreveu: “Eu realmente sinto que não estaria vivo se eu não tivesse tomado.”

“Cumprir as obrigações sociais: Os participantes também descreveram como a medicação os ajudou a regressar ao funcionamento “normal”. Uma pessoa escreveu: “[Os antidepressivos são] a única razão pela qual agora posso funcionar tão normalmente quanto possível como um ser humano e um membro participante da minha família e da comunidade”.

Passando por momentos difíceis: Os autores relatam que os antidepressivos também foram vistos por alguns “como uma forma temporária de lidar com circunstâncias desafiadoras – incluindo problemas interpessoais e sociais”.

“Um trampolim para ajudar“: Alguns participantes viam a medicação como uma solução temporária para ser usada como um passo em direção a outras estratégias ou suportes de enfrentamento. Isto é ilustrado por um entrevistado que escreveu, “Eu tive uma terapia tão boa que eu fui capaz de abordar as questões mais amplas que tinham contribuído para o meu estado mental … Sem a medicação, porém, eu nunca teria tido a capacidade para fazer isso. ”

Experiências Negativas:

Os pesquisadores relatam que 16% dos participantes relataram experiências negativas com antidepressivos. Essas experiências foram categorizadas em cinco temas.

“Ineficaz”: Um participante destacou esse tema escrevendo: “Eles foram um desperdício de tempo e não me ajudaram.” Outros participantes relataram sentir-se decepcionados com a medicação, ou que descobriram mudanças de estilo de vida como dieta e exercícios físicos.

“Efeitos colaterais insuportáveis: Muitos participantes descreveram os efeitos colaterais negativos da medicação antidepressiva. Uma pessoa escreveu:

             “Cada um produziu um pior efeito do que o anterior …. Eu não consigo me lembrar de todos. Começou com perda de memória, em seguida, evoluiu eu me tornando borderline catatônica a olhar para a parede por horas e incapaz de me levantar. Em algumas semanas e genuinamente apavorado. Foi um alívio voltar à miséria da depressão depois dessas experiências “.

“Perda de autenticidade / entorpecimento emocional”: Os autores relatam que sentir-se “como um zumbi”, “entorpecido” e “alienado de outros” foi uma resposta comum dada pelos usuários de antidepressivos.

Mascarar problemas reais“: Os pesquisadores também descrevem que “o uso de antidepressivos foi sentido como um invalidando o sofrimento genuíno que os participantes haviam experimentado”. Um participante escreveu: “Na minha vida os antidepressivos foram receitados para encobrir o que estava errado e para mim foram uma solução falsa. ”

Perda de controle”: Os autores relatam que alguns participantes sentiram que o seu uso de antidepressivos foi “um sinal de fracasso em saber ‘lidar’ ou como um sinal de dependência”. Alguns participantes relacionaram isso a não se sentir com o controle de suas decisões ou se sentindo “Intimidado” em continuar a medicação por seus provedores.

Experiências Mistas:

Mais de um quarto (28%) dos participantes relataram experiências mistas enquanto tomavam antidepressivos. Essas respostas foram categorizadas em quatro temas.

“Benefícios vs efeitos colaterais”: Os autores relatam: “Muitos participantes escreveram sobre como o uso de antidepressivos envolveu uma luta constante para equilibrar os benefícios percebidos da medicação com os efeitos colaterais”. Disfunção sexual foi o principal efeito adverso discutido. No entanto, para esses indivíduos, os efeitos colaterais eram um “mal necessário”.

“Mais calmo, porém não eu mesmo: Segundo os pesquisadores, outro tema demonstrou que “os participantes se sentiam agradecidos de que os antidepressivos lhes tiraram do abismo de sua angústia, mas também que lutavam com a sensação de que não se sentirem “como eles mesmos “.

“Medo de dependência versus interrupção da medicação”: Muitos participantes relataram não querer depender da medicação, mas temendo o que aconteceria se a descontinuassem. Alguns participantes também descreveram receber pouca informação ou conselhos sobre como abandonar a medicação ou ter medo de efeitos de abstinência. Um participante ilustra este tema:

“A coisa é que eu tenho tomado eles por tão longo tempo que eu não tenho ideia do que seria ou será de mim sem eles. Eu adoraria abandonar os antidepressivos, mas eles se tornaram uma parte tão “normal” da minha vida desde que eu tinha aproximadamente 15 anos de idade que eu não tenho certeza se consigo viver sem eles. ”

“Encontrar um que funciona”: Alguns participantes descreveram experiências misturadas por causa da luta para encontrar o antidepressivo “certo”. Por exemplo, uma pessoa escreveu: “Estive em muitos diferentes antidepressivos. Nenhum deles foi útil para mim até que eu tentei fluoxetina há 4 anos. Minha vida agora é muito melhorada por tomar este medicamento e a qualidade de vida voltou. ”

“Nossa pesquisa sugere que os significados que sustentam experiências positivas de antidepressivos são muito menos homogêneos do que poderíamos ter antecipado”. Eles ressaltam que 44% da amostra relatou alguma quantidade de insatisfação com suas experiências antidepressivas. No entanto, eles também enfatizam que apenas experiências negativas eram muito menos comuns do que experiências positivas ou misturadas, falando de quão complexo o processo de tomada de decisão é quando se considera a medicação antidepressiva. Os autores também observam o impacto do discurso geral sobre a medicação antidepressiva:

“Apesar do limitado apoio científico à ideia de que os antidepressivos corrigem um desequilíbrio químico, os participantes foram claramente influenciados por mitos sobre a” deficiência de serotonina “, que são amplamente divulgados ao público em geral”.

Os autores concluem: “É importante que os profissionais de saúde mental reconheçam que os antidepressivos não são uma solução única para todos”. Os autores exortam os prescritores a não confiarem em “informações enganosas” sobre teorias químicas para a depressão e, em vez disso, informações sobre as evidências de eficácia antidepressiva, incluindo informações sobre efeitos colaterais e efeitos de abstinência, para que os pacientes possam tomar decisões genuinamente informadas sobre seu tratamento de depressão.

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Gibson, K., Cartwright, C., & Read, J. (2016). ‘In my life antidepressants have been…’: A qualitative analysis of users’ diverse experiences with antidepressants. BMC Psychiatry, 16(1), 135. (Abstract).

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Tradução: Fernando Freitas

As pílulas antidepressivas sabotaram a minha vida amorosa

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  • Há quatro anos atrás, Katinka Blackford Newman finalmente colocou fora seus 5 medicamentos
  • Como disse previamente aqui no Mad in Brasil, Katinka reagiu muito mal às drogas antidepressivas
  • A medicação a colocou deprimida e suicida, alucinando como matar a si própria e os seus próprios filhos
  • Ela revela que a droga também leva a ter problemas sexuais – em até 58% dos casos
  • Suprimiu a sua libido, mas que readquiriu o seu desejo por sexo após interromper as pílulas
  • É muito triste, mas há uma minoria de usuários que se queixam de nunca mais haver recuperado a sua  função sexual.

É raro passar um dia que eu deixe de fazer uma oração de gratidão que minha experiência com antidepressivos não tenha terminado em minha morte ou em uma incapacidade permanente. Eu sou um dos estimados 1 a 4 por cento das pessoas que reage mal aos inibidores seletivos da reabsorção da serotonina (ISRS), que incluem Prozac, Seroxat, Cipramil e Cetralina.

A minha história começou quando me foi prescrito o antidepressivo Escitalopram para as noites de insônia, quando eu estava atravessando por um divórcio.

Em poucas horas eu me tornei perigosamente uma psicótica, alucinando que eu iria matar as minhas crianças.

Quando fui levada ao hospital, os médicos falharam em não reconhecer que eu estava sofrendo uma reação adversa à droga e me deram mais pílulas. Ao longo de um ano, eu me tornei tão doente que não conseguia sair de casa.

Por um golpe de sorte, eu fui levada a um outro hospital que me deixou de fora de todos os cinco medicamentos que estava a tomar – e em semanas eu estava melhor, de volta a trabalhar como cineasta e a treinar para uma meia-maratona.

Katinka3

Isso foi há quatro anos atrás, e apartando os pesadelos e os flashbacks, eu saí ilesa e grata por estar viva.

Recentemente, eu cruzei com um grupo de pessoas que me deram uma outra razão para estar grata.

É porque – como um dos resultados de tomar antidepressivos – muitos não podem fazer sexo e eu posso.

Não é algo sobre o qual muitas pessoas ou médicos irão falar, mas a disfunção sexual é um conhecido efeito colateral dos ISRSs (inibidores seletivos de recaptação da serotonina).

Os sintomas podem incluir disfunção erétil, inabilidade para o orgasmo nas mulheres e dormência genital.

Ao redor de cinco milhões de pessoas no Reino Unido tomam ISRSs, e 58% delas podem estar experimentando esses tipos de efeitos colaterais de natureza sexual, conforme um estudo abalizado, publicado no Journal of Clinical Psychiatry em 2001.

Levando-se em consideração de que se trata de um dos estudos mais aprofundados sobre o tema, foi analisada a incidência de disfunção sexual provocada por antidepressivos em mais do que 1.000 pacientes tratados fora de hospital, e todos tinham uma vida sexual normal antes de serem tratados com antidepressivos.

Os pesquisadores investigaram o fenômeno com alguns dos mais populares ISRSs, incluindo a fluoxetina, melhor conhecida como Prozac.

David Healy, professor de psiquiatria em Cardiff University, acredita que a verdadeira dimensão da disfunção sexual devida aos ISRSs é muito mais elevada.

“A maioria das pessoas terá a experiência de entorpecimento genital 30 minutos após tomar uma pílula”, diz ele.

Por que os ISRSs fazem isso? A teoria do professor Healy é que eles causam danos nas células nervosas na medula espinal ligada à área genital.

“Nós sabemos, quando testadas em animais, que elas causam uma desintegração nas células nervosas da medula espinal.”

Durante o ano em que estive com antidepressivos, sexo era a última coisa que passava pela minha cabeça.

Eu também suponho que isso também era a última coisa na cabeça das pessoas que me encontravam na época, na medida em que a medicação me fez ganhar peso, emocionalmente instável, incapaz até mesmo de concluir uma sentença.

Depois que me livrei dos cinco diferentes medicamentos, o renascimento das emoções foi espantoso.

Mas eu levei um mês para que o meu interesse por sexo retornasse e ser eu mesma como era antes.

Eu fui muito sortuda, na medida em que o efeito na função sexual pode permanecer mesmo após você tenha parado de tomar antidepressivos.

A Disfunção Sexual Pós ISRS (conhecida como PSSD, porque em inglês é Post SSRI Sexual Dysfunction), é exatamente o que ela diz.

Tanto o homem quanto a mulher podem ser afetados, e isso dura semanas, meses, anos ou, em alguns casos, indefinidamente.

O professor Healy, que mantém um sítio na internet (website) onde as pessoas relatam efeitos adversos das drogas,  diz que há muitas pessoas entrando em contato se queixando de serem pacientes com a experiência desses sintomas.

Disfunção sexual não é algo que muitas pessoas se sentem à vontade para discutir, mas Kevin Bennet, 39 anos de idade, de County Durhan, decidiu heroicamente falar em nome dos que sofrem com PSSD.

A sua história começou em 1996, quando ele tinha 18 anos. Seus pais insistiram para que ele fosse a um médico, porque ele havia abandonado a Faculdade.

O clínico geral da atenção primária que tratou Kevin prescreveu Prozac para reduzir a sua ansiedade, na esperança que ele retomasse os seus estudos.

Em quatro dias, Kevin estava totalmente impotente. “Eu fiquei surpreso que a droga fosse tão poderosa ao ponto de causar impotência, porque eu pensava que isso fosse um problema que afetasse os homens idosos. ”

“Contudo, eu não estava em uma relação, e não estava particularmente preocupado com isso porque achava que o problema fosse um efeito colateral temporário. ”

Haviam outros problemas também: Kevin passou a ficar esquecido e sonolento durante o dia. Seu médico, pensando que fosse um sinal de depressão, dobrou a medicação.

As coisas não melhoravam, e por essa época Kevin decidiu fazer um treinamento para engenheiro de aquecimento central. Após quatro meses, Prozac não lhe trazendo benefício algum, Kevin resolveu interromper radicalmente o tratamento.

Em poucas semanas a sonolência de Kevin desapareceu, mas não houve nenhuma melhora em seu funcionamento sexual.

“Quando semanas se tornaram meses, eu comecei a ficar preocupado. ”  O seu primeiro encontro sexual, alguns meses após haver deixado de tomar Prozac, foi um desastre embaraçante.

Um ano mais tarde, em 1997, quando não aparecia sinal algum de melhora, Kevin escreveu à empresa que fabrica a droga, Eli Lilly, pedindo conselho.

Eles escreveram respondendo que Prozac não era a causa do problema, e que por conseguinte ele deveria consultar o seu clínico geral para buscar soluções.

(Desde 2011, a informação do produto tem trazido uma advertência que sintomas de disfunção sexual ocasionalmente persistem após a descontinuação do tratamento com Prozac).

Kevin1

O médico de Kevin insistiu que a sua impotência deveria ser psicológica, assegurando-lhe que ele estaria bem assim que estivesse em uma relação.

Kevin continuo tentando ter relacionamentos, mas eles eram sempre inibidos pela sua impotência.

“As meninas achavam difícil aceitar que eu estivesse me sentindo atraído por elas, mas impotente, e assim os relacionamentos com frequência eram um fracasso. ”

Em 2002, Kevin conseguiu se envolver em um relacionamento de longo-prazo com uma garota que era muito compreensível, mas o fato persistiu com eles não tendo vida sexual.

Kevin finalmente persuadiu o seu médico da clínica geral para que o enviasse a um especialista, e nos próximos 18 meses ele se consultou com dois urologistas, um radiologista, um neurologista e um endocrinologista.

Testes, incluindo ultrassons e medidas de fluxo sanguíneo, mostraram que tudo estava funcionando normalmente.

Os especialistas concluíram que deveria ser o Prozac que estava sendo a causa, e Kevin foi aconselhado que o melhor a fazer seria terapia injetável, onde um relaxante muscular é injetado exatamente antes da relação sexual.

Com a idade de 27 anos, Kevin voltou a fazer sexo pela primeira vez.

Kevin2

O inconveniente é que o sexo tinha que ser um evento planejado e as ereções podiam durar horas – “mas tendo sexo isso já era o máximo”.

Dez anos depois, a sua condição não melhorou. “É humilhante”, ele diz. “O que eu acho difícil aceitar é como me tornei impotente. ”

Kevin estava tão irritado que em 2007 ele tomou um voo para os Estados Unidos para dar uma palestra a profissionais a respeito de sua experiência.

Quais são os efeitos colaterais mais comuns?

Efeitos colaterais comuns devidos ao uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) podem incluir:

  • Sentir-se agitado, instável ou ansioso
  • Sentir-se e estar doente
  • Indigestão e dores no estômago
  • Diarreia ou constipação
  • Perda de apetite,
  • Tontura,
  • Não dormir bem (insônia), ou sentir muita sonolência
  • Dores de cabeça
  • Pouca motivação sexual
  • Dificuldades para alcançar o orgasmo durante o sexo ou masturbação
  • Nos homens, dificuldades para obter ou manter uma ereção (disfunção erétil)

NHS (National Health Service*) escolhe

Uma das reações dos médicos era que seus pacientes relutariam a tomar ISRSs, se eles soubessem que poderiam afetar de forma permanente as suas vidas sexualmente.

“Eu fiquei abismado que médicos poderiam realmente pensar que é OK não advertir as pessoas”, diz Kevin.

Ele também perguntou aos médicos do Reino Unido e a Autoridade Reguladora de produtos de Cuidados de Saúde (MHRA) se eles tinham outros casos relatados nas três últimas semanas.

Eles responderam dizendo que tiveram 1.420 casos relatados de disfunção sexual, com 290 persistindo após a droga ter sido interrompido.

Pode não parecer muito, mas o número de pessoas que relatam efeitos colaterais adversos ao sistema de MHRA é uma fração mínima daqueles afetados.

Quando as pessoas experimentam efeitos colaterais sexuais, um outro problema é que os médicos atribuem isso à doença mental que as drogas supostamente tratam.

Evidentemente, a indiferença sexual e a perda de libido são sintomas de depressão, mas qualquer um que experimentou entorpecimento genital causado por um antidepressivo sabe que não é psicossomático.

Para se ter uma ideia do impacto que o efeito colateral pode ter, basta você dar uma olhada em algumas das postagens do grupo de apoio na internet SSRIsex que tem 3.800 membros todos sofrendo de PSSD.

A postagem mais preocupante é o relato de um jovem com 28 anos de idade que se matou em outubro de 2010.

Ele escreveu: “Eu amo muito a vida, e isso tem sido muito difícil para todos. Eu não posso expressar o quanto estou triste com essa minha decisão. Eu estou com muito medo de viver uma vida com impotência e incapacidade.

Não permita que eles lhe convençam que isso é apenas depressão. Essas drogas são o problema, Fim da história. ”

Um porta-voz da Eli Lilly disse: “Não há nada mais importante para nós do que a segurança dos nossos remédios,

Quaisquer questões médicas sobre a fluoxetina foram abordadas em nossas apresentações de dados para reguladores e em revistas científicas e conferências há mais de 20 anos. ”

Texto Original: Katinka Blackford Newman. Publicado em The Daily Mail Em 20 de março de 2017.

Nota do Editor:

* National Health Service (NHS) é o equivalente ao nosso SUS, enquanto sistema de saúde público e universal.

** Não deixe de ver o vídeo de Katinka que está postado na seção Vídeos na página principal do Mad in Brasil, onde ela mostra ao público em geral um pouco de sua experiência de vida com as drogas psicotrópicas.

Katinka_livro

 

E há o seu livro, onde Katinka narra em detalhes a sua experiência

Dependência de antidepressivos & interromper os ISRSs

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Dhealy

Após a crise dos benzodiazepínicos nos anos 80, psiquiatras e médicos de clínica geral voltaram-se com alívio para os antidepressivos; o Royal College of Psychiatrists & General Practitioners nos assegurou e aos nossos pacientes que não causariam dependência e que não eram viciantes. Eu compartilho dessa crença. Porque, de fato, os antidepressivos não são viciantes, no sentido de que acarretam alterações nas hierarquias motivacionais, tais como um indivíduo hipotecar seus meios de subsistência e tudo o que ele considera importante para obter mais suprimentos da droga. Mas os pacientes estão preocupados em ficar ‘presos’ aos antidepressivos, e os antidepressivos podem se ‘agarrar’ ao sujeito no sentido de torná-lo fisicamente dependente.

Na década de 1960 surgiu o conceito de dependência terapêutica de drogas antipsicóticas e de antidepressivos, ficando claro que alguns indivíduos talvez nunca seriam capazes de suspender o uso dessas drogas. A retirada de antipsicóticos, por exemplo, poderia levar a discinesia tardia, o que mais tarde foi reconhecido como podendo aparecer ao longo do tratamento (1). O fato de que ‘sintomas de abstinência’ pudessem ocorrer quando o sujeito estava em tratamento com drogas que não fossem euforizantes e que não interrompessem hierarquias motivacionais, isso era completamente incompatível com as teorias do vício de então e as de agora. Isso, aliado à necessidade de conter o uso de opiáceos, LSD e anfetaminas em 1960, levou a um eclipse do conceito de dependência terapêutica. Desde a década de 1960, tivemos uma demonização de algumas drogas e a glorificação de outras. As drogas más são supostamente caracterizadas pela dependência, mesmo que o LSD e outras drogas ruins não causem dependência física. As boas drogas são supostamente livres desse problema.

Neste contexto, a dependência de drogas terapêuticas benzodiazepínicas provocou uma crise. Pacientes ressentidos por serem viciados, ressentidos por não terem sido avisados sobre os riscos de ficarem viciados, e mais ainda ressentidos por serem culpados enquanto autores de sua própria desgraça. O surgimento dos antidepressivos ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina) ofereceu a possibilidade de um compromisso quase que ‘político’.

De 1960 a 1990, os antidepressivos eram geralmente prescritos apenas para pacientes gravemente deprimidos, e nestes pacientes as evidências de recaída com a interrupção podiam muitas vezes serem razoavelmente vistas como evidências de recaída de uma doença. Essa posição tornou-se mais difícil de ser mantida em pacientes que anteriormente haviam sido casos do Valium, mas que agora haviam passado a ser casos do Prozac (Fluoxetina), Seroxat (Paroxetina), Sertralina (Cloridrato de Sertralina) e Efexor (Velanfaxina). Esses doentes não apresentavam as condições severas que poderiam ter sido esperadas para levar a uma recaída precoce com a descontinuação do medicamento. Relatórios sobre os efeitos com a retirada desses medicamentos passaram a ser transmitidos às agências reguladoras.

ISRSs

ISRS (sigla conhecida em inglês como SSRI) significa ‘inibidor seletivo da recaptação da serotonina’. Isso não significa que esses fármacos sejam seletivos para o sistema de serotonina ou que sejam, em algum sentido, farmacologicamente ‘limpos’. Isso significa que eles têm pouco efeito sobre o sistema norepinefrina / noradrenalina. Existem seis ISRSs no mercado:

ISRS Nome comercial no Brasil
Fluoxetina Prozac
Paroxetina Aropax
Sertralina Zoloft
Citalopram Cipramil
Escitalopram Lexapro
Fluvoxamina Luvox
Venlafaxina Efexor

Nota: A Venlafaxina em doses até 150 mg é um ISRS, acima de 150 mg ela também inibe a recaptação da noradrenalina.

CARACTERÍSTICAS DA ABSTINÊNCIA / SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA

Os sintomas comuns na retirada dos ISRS dividem-se em dois grupos (2). O primeiro grupo pode ser diferente de qualquer coisa que você já teve antes, e seus sintomas incluem:

Tontura

Dor de cabeça

Espasmos musculares

Tremor

Sensações de choque elétrico

Outras estranhas sensações de formigamento ou dor

Náusea, diarreia, flatulência

Agitação

O segundo grupo se sobrepõe com nervosismo geral e pode levar você ou o seu médico a pensar que tudo o que você tem são características do seu problema original. Esses sintomas incluem:

Depressão

Incapacidade de humor

Irritabilidade

Agitação

Confusão

Fadiga / Mal-estar

Sentimentos semelhantes a gripe

Insônia ou Sonolência

Mudanças de humor

Sudorese

Sentimentos de perda da realidade

Sentimentos de estar quente ou frio

Esses sintomas aparecem entre 20% a 50% dos pacientes que tomam ISRSs, às vezes dentro de horas após a última dose. Paroxetina e Venlafaxina parecem ser os agentes mais problemáticos no momento, mas sintomas semelhantes são susceptíveis de ocorrer com todos os ISRS e, em menor grau, com antidepressivos tricíclicos. Em casos mais leves, os problemas podem desaparecer após uma semana ou duas, mas noutros os sintomas podem continuar semanas ou meses após a última dose, e para alguns doentes pode não ser possível parar o tratamento. A ajuda especializada pode beneficiar alguns pacientes desse último grupo, nem que seja apenas para fornecer sugestões sobre antídotos para os problemas induzidos pela droga, tais como problemas como a perda de libido.

É DEVIDO À RETIRADA?

Há três maneiras de distinguir os problemas com a retirada dos ISRSs daqueles problemas nervosos para os quais os ISRSs inicialmente podem ter sido usados para tratar.

Em primeiro lugar, se o problema começa imediatamente ao reduzir ou deixar de tomar uma dose, ou que começa dentro de horas ou dias ou talvez até semanas após a retirada, então é mais provável que seja um problema produzido pela retirada. Se o problema original foi tratado e você está indo bem, então ao interromper o tratamento nenhum novo problema deveria aparecer por vários meses.

Em segundo lugar, se o nervosismo ou outros sentimentos estranhos que aparecem na redução ou interrupção do ISRS (às vezes depois de apenas faltar uma dose) desaparecem quando você é colocado de volta ao ISRS ou quando a dose é colocada de volta, então isso também aponta para um problema produzido com a retirada do medicamento, ao em vez de ser um retorno da doença original. Quando as doenças originais retornam, elas levam muito tempo para responder ao tratamento. A resposta relativamente imediata dos sintomas na interrupção da reinstituição do tratamento aponta para um problema de abstinência.

Em terceiro lugar, as características da retirada podem sobrepor-se às características do problema nervoso para o qual você foi tratado pela primeira vez – ambos podem conter elementos de ansiedade e de depressão. No entanto a retirada também muitas vezes irá conter novas características distintas do estado original, como comichão, sensações de formigamento, sensações de choque elétrico, dor e uma sensação geral de gripe.

Antes de começar a retirar o medicamento, deve-se notar que muitas pessoas não terão problema algum. Muitas outras terão problemas mínimos, que podem chegar a um pico após alguns dias antes de diminuir. Os sintomas podem permanecer por algumas semanas ou meses. Outras pessoas terão maiores problemas, mas estes podem ser ajudados pelo plano de manejo descrito abaixo.

Finalmente, não obstante, haverá um pequeno grupo de pessoas que são simplesmente incapazes de parar. É importante reconhecer esta última possibilidade para evitar punir-se. A ajuda de especialistas pode fazer a diferença para algumas pessoas que fazem parte deste último grupo, como eu disse nem que seja para fornecer possíveis antídotos para atenuar os problemas com a continuação dos ISRS, como a perda da libido.

GESTÃO DA RETIRADA

A retirada de ISRSs é algo que deve ser feito em consulta com o seu médico. Você pode mostrar isso ao seu médico de família, por exemplo. A retirada brusca pode até ser medicamente perigosa, particularmente em pessoas idosas.

  1. Converta a dose de ISRS que você toma em uma dose equivalente de Prozac líquido. Aropax / Paxil 20mg, Efexor 75mg, Cipramil / Citalopram 20mgs, Sertralina / Zoloft 50mgs, essa são doses equivalentes a 20mg de Prozac líquido. A lógica para isso é que o Prozac tem uma meia-vida muito longa, o que ajuda a minimizar os problemas de abstinência. A forma líquida permite que a dose seja reduzida mais lentamente do que pode ser feito quando com pílulas.
  2. Estabilize o Prozac por uma semana, depois reduza para metade a dose.
  3. Se não houver qualquer problema com o passo 2, a dose pode ser ainda reduzida para metade. Alternativamente, se houver um problema a partir desse ponto, a dose pode ser reduzida ainda mais lentamente em incrementos semanais.
  4. A partir de uma dose de Prozac de 10mgs líquido, considere a redução de 1mg a cada poucos dias ao longo de várias semanas – ou meses, se for necessário. Com o líquido Prozac isso pode ser feito por diluição.
  5. Se houver dificuldades em qualquer fase em particular, a resposta é esperar nessa fase por um período de tempo mais longo, antes de reduzir ainda mais.
  6. Os sintomas de abstinência e a dependência são fenômenos físicos. Mas algumas pessoas podem ficar compreensivelmente fóbicas com a retirada, especialmente se a experiência for literalmente chocante. Se você acha que pode ter se tornado fóbico, um psicólogo clínico pode ser capaz de ajudar a gerenciar o problema fóbico.
  7. Grupos de apoio de autoajuda podem ser inestimáveis. Junte-se a um. Se não houver nenhum nas proximidades, considere configurar um. Haverá muitas outras pessoas com um problema semelhante.

Há evidências anedóticas e alguns fundamentos teóricos para acreditar que outra opção é substituir o ISRS pela Erva de São João. Se uma dose de 3 comprimidos de Erva-de-São João é tolerada em vez do ISRS, esta pode então ser reduzida lentamente – por uma pílula por quinzena ou mesmo por mês.

Algumas pessoas por razões compreensíveis podem preferir essa abordagem. Mas é preciso notar que a Erva de São João tem seu próprio conjunto de interações com outras pílulas e seus próprios problemas, e que você deve consultar o seu médico se for esta a opção que você escolher.

ACOMPANHAMENTO

Os problemas colocados com os sintomas de abstinência podem estabilizar-se a tal ponto em que você pode seguir em frente com a sua vida. Mas nesse caso ou em casos onde não é possível deixar de tomar tais medicamentos, é importante anotar problemas que estão ocorrendo e procurar se possível o seu médico ou alguém para relatá-los.

Há efeitos claros no âmago dos ISRSs. A lista acima não inclui problemas cardíacos ocorridos durante o período de pós-retirada. Tais problemas, se ocorrerem, podem, contudo, estar relacionados com a retirada e devem ser anotados e registados.

Os ISRSs são bem conhecidos por prejudicar o funcionamento sexual. A visão convencional foi que uma vez que a droga fosse interrompida, o funcionamento voltaria ao normal.  Existem indicadores contudo que isso pode não ser verdadeiro para muitos. Se o funcionamento sexual permanecer anormal, este deve ser trazido à atenção do seu médico, que esperamos ajude a resolver.

A retirada pode revelar outros problemas contínuos, semelhante ao problema de disfunção sexual em curso. É importante relatá-los. A melhor maneira de encontrar um remédio é levar o problema à atenção de tantas pessoas quanto for o possível.

(1) Healy D (2001). Drogas Psiquiátricas Explicadas. Churchill Livingstone, Edimburgo; Healy D (2001). A Criação da Psicofarmacologia. Harvard University Press, Cambridge Mass.

(2) Rosenbaum JF, Fava M, Hoog SL, Ashcroft RC, Krebs W (1998). Síndrome seletiva de descontinuação do inibidor da reabsorção de serotonina: um estudo clínico randomizado. Biological Psychiatry 44, 77-87;

 

Vozes que Curam, Orgulho Louco e Comunidade Recuperada

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Orix“Orgulho Louco é um movimento de massa dos usuários dos serviços de saúde mental nos Estados Unidos, reunindo ex-usuários e seus aliados. Os ativistas do Orgulho Louco buscam questionar termos tais como “louco”, “doidão”, “pirado” pelo seu mau uso. O Orgulho Louco visa educar o público em geral sobre questões como as causas dos ‘transtornos mentais’, as experiências daqueles que usam o sistema de saúde mental e a pandemia de suicídio.”

Source: https://en.wikipedia.org/wiki/Mad_Pride

Na produção do premiado documentário de ação social “Vozes que Curam“, uma das nossas esperanças foi que o filme diminuiria o medo em torno de estados alterados ou extremos de consciência, como ouvir vozes e ter visões – o que é muitas vezes chamado de “psicose” ou “doença mental ” -, de tal forma que as pessoas se sentiriam mais livres para falar abertamente sobre essas experiências com a família, os amigos e com os vizinhos – que as pessoas sairiam do armário, por assim dizer – e até teriam uma sensação de ‘orgulho louco’.

Tenho de admitir que fiquei apavorado com a experiência de falar sobre os detalhes da minha experiência pessoal com os meus vizinhos. Fui criado por dois hippies maravilhosos que me deram o nome de um antílope africano. Vivíamos em uma área com população de baixa renda da cidade. Apesar de trabalharem duro em empregos servis, na maioria das vezes eles não tinham dois tostões no bolso. Quando criança, lembro-me que às vezes não havia nada para comer, exceto tortilhas e mostarda.

Hoje estou aqui, me sentindo afortunado e privilegiado, por ter um bom trabalho e por possuir uma casa em um bairro agradável. É também uma vizinhança bastante unida. Todos nós nos conhecemos uns aos outros. Há áreas coletivas para vendas em nosso bairro, nos jardins de nossas casas. Jogamos nas mesmas equipes de basquetebol e de softbol da cidade. Temos uma noite de pôquer semanal. Mas eu tinha visões de meus vizinhos a descobrir a minha história e colocando a mim e a minha família no ostracismo, e com possibilidades de nos expulsar para fora da cidade.

No início de 2014, as coisas chegaram ao ponto máximo. Eu tinha acabado de passar por um intenso estado alterado no final de 2013, o que eu prefiro chamar de busca de visão, que finalmente me levou a ser hospitalizado em um hospital, por uma semana, e submetido a altas doses de drogas psiquiátricas pesadas. Eu sabia que eu estava lerdo e fora de mim, mas eu não tinha ideia de como eu estava sendo visto de fora. Eu sabia estar prestes a ter um rude despertar.

De alta, atravessei a rua até à casa do vizinho, sentindo-me finalmente pronto para enfrentar o mundo e participar da noite do pôquer semanal. Seria bom poder me sentir ligado às pessoas novamente, tentar seguir em frente, sabendo que isso teria que ser a partir do sentimento de ser diferente, de ser um outsider, e de haver sido hospitalizado pela terceira vez. No entanto, desta vez, eu não me senti como um dos caras que estavam jogando. Eu me senti como objeto de piada. Eles perguntaram de forma provocante: “Você está tomando drogas?” “Cara, você parece dopado!” Bem, eu estava tomando drogas, mas eu não sentia que seria bem recebido se falasse sobre o porquê e o que eu tinha acabado de passar. Eu pedi desculpas e sai naquela noite sentindo-me como um pária.

Escusado será dizer que eu estava bastante nervoso sobre o que meus vizinhos iriam pensar quando lançamos o filme “Vozes que Curam” em 2016, realizando várias exibições pelos bairros, incluindo várias não muito longe de onde moro. Minha história, incluindo a minha experiência em 2013, é destaque como parte do filme. Eu não havia estado com os vizinhos uma grande parte da minha vida, e agora eis que eu ali estava, na tela grande para todos me verem. Eu me sentia nu. E eu quase que não os convidei para ver a exibição do filme.

Então eu pensei, se eu não posso fazer isso, qual é a graça? Afinal de contas não foi essa uma das principais razões pelas quais fizemos o filme? Havia chegado a hora de eu apropriar a minha experiência de vida e ter um sentimento de orgulho por ela, com todos, e não apenas com as pessoas no meu trabalho e da minha vida pessoal que já conhecem o que no documentário é abordado. Então, convidei meus amigos e vizinhos. Aqueles com quem eu nunca tinha compartilhado profundamente as minhas experiências; ainda que com um medo muito real de que eles pudessem não querer ter nada a ver comigo depois de ver o filme.

Para minha surpresa, sem exceção, eles amaram o filme.  O filme nos fez ficar mais próximos – não o oposto. Eu penso que isso diga muito sobre o filme. Ele humaniza as pessoas.  Ali, nele, eu posso ver a minha própria vida, em tempo real: o poder que o filme provou ter.

Um dos subprodutos do filme é de diminuir o medo que pode separar as pessoas umas das outras, é despertar uma maior curiosidade e uma abertura para as experiências uns dos outros. Naquela noite do pôquer, no início de 2014, eu desejava que meus vizinhos estivessem genuinamente curiosos e empáticos sobre onde eu havia estado e o que estava se passando comigo. Eu queria que mostrassem que eles se importavam comigo. Mas parece que agora somos ensinados pela nossa sociedade a não sermos curiosos. Que se alguém está se comportando de uma forma diferente, essas pessoas necessitam ser encaminhadas para um profissional. Perdemos um senso de poder da comunidade em torno dessas questões. Muitas vezes isso leva a crianças a serem separadas dos pais, a casamentos serem despedaçados, e sim, a que os vizinhos sejam colocados no ostracismo em suas comunidades.

Comunidade que se recupera

Eu queria ilustrar a importância de sermos curiosos, através das minhas observações sobre a nossa recente estreia teatral em Bay Area, Oakland. Na manhã da Estreia, eu tive uma experiência muito estranha enquanto dando uma corrida. Eu estava em uma bela ciclovia em Berkeley, agindo como usualmente faço quando estou fazendo jogging: saúdo as pessoas, sorrio, faço acenos. Algumas pessoas acenam para trás, outras sorriem, algumas outras apenas olham para o chão. De repente, um jovem vestido de branco, andando com fones de ouvido, aproximou-se de mim e disse: “Vá louco! Turma de 2013!”

Levando em consideração que isso que ocorreu foi algo inusitado, pensei que esse incidente seria uma ilustração excelente da importância de se ser curioso.

Mais tarde, naquela noite, depois que os créditos do filme rolaram tela abaixo, eu peguei o microfone e disse, “Vá louco! Turma de 2013!”

Então, eu segui dizendo:

– Por que eu disse isso? Oh, bem, não ouça, ele é um louco. Mas esperem um pouco, por que é que eu comecei com isso? Vocês estão curiosos? Querem ouvir?

Eu continuei, a fim de compartilhar com o público como esse comentário aleatório, feito por essa pessoa aleatória, estava realmente muito relacionado com a minha experiência. “Vá louco! Classe de 2013!” Pois bem, em 2013 eu havida ido de fato à ‘loucura’, e que nesta mesma noite da Estreia centenas de pessoas estavam vendo essa experiência na tela grande. Uau! Quanta sincronicidade! Será que o jovem de branco tinha visto ‘Vozes que Curam’? Será que o mundo gira em torno de mim?

Deixando de lado o meu ego, seguindo a minha curiosidade perguntei a ele o que ele queria dizer, e descobri que ele estava na classe de 2013, e sem saber ao certo o que “Vá seu louco” queria dizer.

Eu ofereço essa história como algo para se pensar. Não acredito em coincidências, e acho que todos nós estamos conectados em um nível profundo que não entendemos completamente. E assim o meu ego aceitou de bom grado, com muita satisfação, aquela manhã como um belo presente espiritual.

A nossa visão de ‘Vozes que Curam’ sempre foi criar um filme de ação social. Inicialmente, lançamos o filme em abril de 2016, pela ocasião de um evento produzido por parceiros locais e comunitários. O objetivo principal era mobilizar a comunidade de saúde mental, nossa base, por assim dizer, demonstrando como o filme poderia ser usado em um nível comunitário, para estimular o diálogo em torno de questões de saúde mental. Perguntamos: “O que estamos falando quando falamos de” doença mental “? O objetivo era mudar nossa conversa do desespero e medo para a esperança e a cura.

A exibição em Oakland havia sido um exemplo do próximo passo para nosso filme de ação social. O primeiro do que estamos chamando de eventos ‘Recuperando a Comunidade’. Agora que temos mobilizada as nossas bases, é hora de estourar essa bolha de saúde mental, para que se saia totalmente do armário, porque essas questões nos tocam a todos. Queremos mudar a conversa, mas também queremos ampliar a conversa. Porque problemas de saúde mental não são uma questão singular.

Os panelistas de Oakland fizeram uma nova pergunta: “Dado o estado de loucura do mundo em que vivemos, como você acha que os temas abordados no filme se cruzam com a saúde mental das comunidades?”

Acho que mais e mais pessoas estão começando a ver que nosso mundo está ficando um pouco louco. Se você ligar a TV ou ler um jornal, você pode até dizer que isso é óbvio. O Projeto Ícaro e Madness Radio, duas iniciativas nossas, nacionais, do movimento dos usuários e ex-usuários dos serviços psiquiátricos, costumam perguntar: “O que significa ser louco em um mundo louco?” E uma pergunta que também é interessante para mim é a seguinte: “O que significa estar bem adaptado a um mundo louco?”

Um dos temas principais do filme é essa ideia de “canários na mina de carvão”. Os canários sentem o perigo e soam o alarme. Na minha experiência, esta é uma excelente metáfora para o que acontece quando as pessoas experimentam estados alterados ou extremos, o que os médicos chamam de “psicose” ou “doença mental”. E se, ao invés de rotular e suprimir essas experiências, tomássemos uma abordagem mais curiosa! Poderemos descobrir que muitas pessoas estão enfrentando um perigo significativo em suas vidas pessoais. Isso pode ser na forma de abuso, trauma, negligência, falta de amor, pobreza, ameaça da pobreza, e a lista continua. O canário soa o alarme: algo não está certo na minha vida!

Há um papel mais amplo que nós canários podemos ter a serviço da sociedade, se as pessoas reservarem um tempo para ouvir e para serem curiosas. Muitas vezes nossos estados alterados refletem não apenas nossas vidas pessoais, mas também a sociedade em geral. Uma das experiências mais comuns, para alguém que esteja passando por um estado extremo, é sentir que temos de salvar o mundo. Mais especificamente, que eu irei salvar o mundo; o que pode se transformar em “Eu sou Jesus”, “eu sou o Messias”. E o que vamos fazer? Nós não levamos essas pessoas a sério! Elas estão enchendo os nossos hospitais estaduais, as enfermarias psiquiátricas e outras instituições. Nós não as ouvimos! Eu sei disso, porque eu fui uma dessas pessoas. Bem, eu digo, não atirem no mensageiro! Podemos haver ficado confusos, nosso ego pode haver se perdido no caminho, mas ouçam a mensagem central: O mundo precisa ser salvo! Nós loucos conhecemos isso há muito tempo. E nós realmente não podemos fazer isso sozinhos, temos que fazer isso juntos.

Nossa intenção é que os próximos eventos – nossas sessões de “Recuperação da Comunidade” – traga tantos movimentos sociais diferentes quanto for possível. LGBTQIA, Direitos Civis, Direitos de Deficiência, Direitos Ambientais, Recuperação de Dependência, Justiça Criminal, Movimentos Espirituais, etc. Esses movimentos estão todos conectados. E é doloroso para mim que os movimentos progressistas ainda tenham tantos equívocos com relação às pessoas que são rotuladas de ‘doente mental’. Mesmo dentro desses movimentos, às vezes parece que somos o único grupo que é ‘ok’ ser rotulado, para que nos ‘tratem’ à força, para que nos tranquem em uma instituição psiquiátrica. Bem, enquanto é tempo para nós do movimento Orgulho Louco sair do armário, também é tempo para os chamados ‘normais’, para que não só nos recebam nesses grandes movimentos progressistas, mas também tempo de volta para a família humana.

Antes de concluir, eu queria voltar para o local, para o meu bairro, porque eu omiti algo importante. Havia realmente um vizinho em 2014 que estendeu a mão, que me fez sentir mais humano. Ele notou que eu não estava indo bem naquela noite. Ele me enviou uma mensagem de texto e me ofereceu para me levar para almoçar. No almoço, ele compartilhou sobre suas próprias lutas com a depressão e como correr havia, basicamente, salvado a sua vida. Ele é a razão pela qual eu estava fazendo jogging naquela manhã em Berkeley. Eu sou agora um corredor regular, graças a ele. Acho que correr é uma das coisas que me fazem estar de pé. Devo muito a ele ter me dado a coragem para compartilhar mais de mim com o resto de meus vizinhos, e uma grande razão porque eu sinto, mais do que nunca, conectado a eles e com outras pessoas.

Você vê, um simples ato de curiosidade, um simples ato de bondade, pode ir abrir um longo caminho para nos ajudar a recuperar um sentido de comunidade.

Então eu desafio o leitor para realmente ouvir a experiência da outra pessoa. Ao fazê-lo, você pode aprender muitas coisas profundas, não apenas o quanto a loucura com certeza é uma experiência difícil e dolorosa, mas também que ela é uma parte muito bonita e espiritual da condição humana. Você pode entrar em contato com sua própria loucura e perceber que não há nós e eles. Somente nós. E quem sabe, você pode até começar a sentir algum Orgulho Louco!

O psiquiatra que queria fazer com que a loucura fosse normal

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Da BBC: RD Laing, psiquiatra mais famoso da Escócia, que foi reverenciado como o “sumo sacerdote da anti-psiquiatria”, é o tema de um novo filme chamado Mad To Be Normal. O filme apresenta Kingsley Hall, um lar protegido por Laing, onde pessoas diagnosticadas com esquizofrenia poderiam receber apoio sem repressão ou tradicionais drogas pesadas.

Leia o artigo na íntegra.

A Velanfaxina. Você usa? Conhece alguém que usa? O que fazer?

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Você, como tantos outros, que começou a tomar Velanfaxina (Effexor), a pedido de seu(s) médico(s), preste bem atenção.

A Velanfaxina é usualmente prescrita para dar conta de problemas psicológicos, como a depressão, o transtorno de ansiedade e a insônia.

Basicamente: o medicamento é prescrito para ajudar as pessoas a darem conta de uma experiência de estresse. Como esse medicamento age?  Promovendo alterações nas estruturas no cérebro. Por que uma droga para alterar o funcionamento do cérebro? Porque se supõe que o sofrimento seja consequência de desequilíbrio na química do cérebro. E porque se supõe que o medicamento prescrito reequilibra o cérebro. Esse é o senso-comum. Não apenas seu, enquanto paciente. Mas tal pressuposto é igualmente compartilhado pela grande maioria dos profissionais de saúde mental e pela a sociedade em geral.

Após começar a tomar a Velanfaxina, o que muitas pessoas logo se dão conta é que – ao mesmo tempo que esse medicamento ajuda a acalmar as suas dores emocionais agudas, do momento – ao final das contas esse medicamento realmente não as ajuda a dar conta dos seus reais problemas. E que na verdade esse remédio é a droga que pode piorar a vida delas. A literatura científica a respeito é farta em evidências do quanto os antidepressivos, e em particular a Velanfaxina, produzem muito mais males do que benefícios.

E muitas pessoas sabem disso. Elas apenas querem algo para mascarar a sua dor. Elas sabem que a Velanfaxina não irá ‘dar conta’ da causa do seu sofrimento. Como sabem as pessoas que tomam qualquer tipo de droga psicoativa, como álcool, maconha, a cocaína e assim por diante.

E com o tempo, quando esse medicamento prescrito pelo médico e comprado em uma farmácia começa a aumentar os seus problemas e torná-los pior do que antes – aí há um problema de fato. Um problema a princípio não esperado.  É isso o que ocorre com muitas, senão com a maioria das pessoas

Você que está tomando essa droga e quer deixar de tomar.  Você que quer tentar uma outra abordagem para lidar com o seu sofrimento.  Pois então, o que ocorre com você e com a maioria das pessoas, ao querer deixar de tomar essa droga?

Você descobre que não lhe foi dito que a desintoxicação (detox) e os sintomas quando se abandona essa droga podem ser terríveis.

Se você se considera estar preparado para deixar de tomar essa droga, continue a ler.

Se for a primeira vez que você está considerando que a Velanfaxina irá tratar a sua depressão, o sugerido é que você de forma alguma deixe de discutir essa opção de tratamento com o seu médico. Sabe por que? Porque podem ocorrer seríssimas consequências para a sua vida e para o seu bem-estar, que escaparão da sua consciência no primeiro momento em que você se sinta melhor emocionalmente, mas que com o passar do tempo, na medida em que você queira reassumir a sua vida normal e as suas atividades, você pode vir a se sentir incapaz devido a seus efeitos colaterais.

Saiba que a Velonfaxina é considerada entre as drogas que mais causam problemas quando interrompida.  Leia com atenção a bula que acompanha a droga vendida na farmácia. Letras mínimas para serem lidas, ademais de haverem muitas informações. Senão, procure saber o que a literatura científica diz a respeito. Aqui no nosso site do Mad in Brasil, há boas referências – sempre atualizadas.

Iremos apresentar, suscintamente, alguns dos fatores que podem ajudar a você a escolher deixar ou a evitar a Velanfaxina.

Em primeiro lugar, saiba o que ocorre quando se interrompe essa droga.  E por aí dá para ter uma ideia do que você está colocando em seu corpo diariamente, ao longo de meses, com frequência anos.

Sintomas comuns quando se interrompe (se desintoxica) a Velanfaxina

  • Apatia
  • Dores de cabeça (com frequência nos seios faciais)
  • Náusea
  • Irritabilidade
  • Tremores
  • Sudorese
  • Aumento da ansiedade
  • Tontura
  • Desorientação
  • Sensações de calor/frio
  • Transpiração intensa
  • Pesadelos intensos/perturbadores
  • Insônia
  • Problemas estomacais
  • Urticária
  • Nevoeiro mental
  • Diarreia
  • Problemas de visão
  • Sentindo como se a glote esteja apertando
  • Dores no corpo
  • Juntas inchadas
  • Reflexo gástrico
  • Ausência de libido
  • Movimentos intestinais irregulares
  • Dormência

Sintomas mais severos com a abstinência da Velanfaxina

  • Uma contínua sensação de vertigem/estar bêbado/queda.
  • Contínuos ‘choques’ no cérebro/ vibrações dentro da cabeça.
  • Mudanças fortes de humor. Feliz em um momento, em prantos logo depois. Frequentes pensamentos suicidas.
  • Forte náusea e vontade de vomitar.
  • Pressão alta.
  • Síndrome da serotonina.
  • Incapacidade mental.
  • Alto colesterol.
  • Sentimento que está morrendo.

Esses são os sintomas mais frequentes da abstinência, que ocorrem quando alguém subitamente deixa de tomar Velanfaxina, ou quando deixa de tomar essa droga em um ritmo não adequado para dar conta do ‘tranco’.

Para a maioria das pessoas isso não dura mais do que três meses após completamente deixarem de tomar esse medicamento.  Mas para outros ainda os efeitos duram por um tempo bem maior.

O que é importantíssimo saber: se você está tomando Velanfaxina por um longo tempo, você não pode interromper abruptamente e esperar não ter efeitos colaterais severos.  A experiência acumulada sugere que deixar de tomar essa droga deve ser feito em um ritmo lento, porque sua ação está há tempos influenciando fortemente o equilíbrio no seu cérebro. O seu corpo necessita de tempo. Ele não tem condições de voltar a estar normal em um estalar de dedos, quer dizer, simplesmente pela vontade.

Como se livrar da Velanfaxina?

 Para ter retiradas MÍNIMAS é a melhor prática cortar a dosagem em uma taxa entre 5-10% de cada vez. A cada duas semanas, no mínimo. Não mais do que isso, em termos de dosagem, e não menos do que em duas semanas. Para que o seu corpo e a sua forma de estar no mundo se adaptem. É essa a experiência narrada pelos ‘sobreviventes da psiquiatria” dependentes químicos das drogas psiquiátricas.

Sabe-se que quase que a totalidade dos médicos desconhecem como fazer com que seus pacientes deixem de depender dos antidepressivos.

Para os médicos em geral, os sintomas que aparecem com a diminuição ou interrupção das drogas psiquiátricas são devidos ao suposto ‘transtorno mental’, e não à dependência química criada pelos medicamentos por eles prescritos.

Quando os pacientes reivindicam deixar de tomar antidepressivos, como a Velanfaxina, alguns médicos recomendarão a seus pacientes que diminuam progressivamente, cortando a dosagem pela metade. Por exemplo, de 150 mg para 75 mg, e daí para 37.5 mg, etc.

Mas a literatura científica e as experiências relatadas pelos pacientes estão aí a demonstrar que cortar a dosagem dessa forma pode causar alguns daqueles sintomas colaterais mencionados acima, que podem ser insuportáveis. O que reforça o suposto ‘desequilíbrio químico’ no paciente, a justificar a continuação do tratamento psicofarmacológico.

As dificuldades

Ao invés de contar os grânulos da Velanfaxina RX (cápsulas), para ir diminuindo a dosagem, o melhor seria usar Velanfaxina em comprimidos.  Algo que a indústria farmacêutica não quer.  Porque é muito mais prático cortar a dosagem em um comprimido do que ficar a contar os grânulos de uma cápsula. Contar grânulos, por dias, semanas, meses, é uma experiência degradante, venhamos e convenhamos.

Utilizando o Velanfaxina em comprimidos

A Velanfaxina em comprimidos aparece em doses: 25 mg., 37.5 mg, 50 g, 100 mg. Mas não é fácil ser  encontrada no mercado.

Porque com um cortador de comprimidos, você poderia dividir um comprimido pela metade. Ou em um quarto. Ou em um oitavo. Etc. E assim você teria controle sobre os passos que está tomando.

Para melhor dominar esse procedimento, veja esse link.

Qual é o tempo para deixar de tomar essa droga? 

Depende, realmente. A maioria das pessoas que estão tomando antidepressivos – como a Velanfaxina – podem esperar pelo menos um ano de processo de interrupção, se não querem experimentar graves efeitos colaterais.

Mas isso depende de cada um. Há pessoas que o processo dura entre duas semanas a três meses.

O que depende da dosagem. Do tempo de dependência criada. Do seu corpo. Mas igualmente, e muito em particular, do seu entorno social.  Embora se saiba que muitos dos usuários de antidepressivos destruiram as relações afetivas básicas, pela perda da libido e pelo embotamento das emoções.

O importante

Há uma abundante literatura a demonstrar o quanto faz mal o uso a médio e longo prazos de antidepressivos.

Além dos seus efeitos nocivos ao corpo, que são abundantes, há os efeitos psicossociais propriamente ditos, em particular, em termos afetivos, o que não é demais ser relembrado. Um grande número de divórcios são consequência dos antidepressivos, apenas para dar um exemplo entre os mais significativos.

E a indústria farmacêutica?

Ela nega. Sistematicamente nega os males produzidos.

Há uma luta internacional para que a Pfizer, produtora da Velanfaxina, ponha no mercado a sua droga em dosagens menores, para facilitar o trabalho de desintoxicação da droga comercializada.  Vide o site. Algo que aqui no Brasil deveria ser perseguido.

O recomendável?

Que os antidepressivos sejam proibidos. Segundo um dos mais famosos institutos de pesquisa sobre evidências da medicina, o Instituto Cochrane, os antidepressivos devem ser radicalmente proibidos.

E enquanto ainda é prescrita?

Por que não se começar a preparar os CAPS-AD, hoje destinados a viciados em álcool e drogas ilícitas, para que deem conta dos dependentes químicos produzidos pela própria Psiquiatria?

Certamente que os desafios são hoje, semelhantes, senão muito maiores, dos que enfrentamos com os dependentes químicos de álcool e drogas ilícitas.

O recomendável

O ideal é que você tenha um médico de confiança acompanhando o processo de desintoxicação de antidepressivos ou qualquer droga psiquiátrica.

Mad in Brasil: Um portal no debate da medicalização em saúde mental

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Matéria publicada no site da ABRASCO, assinada pelo jornalista Bruno C. Dias, apresenta o Mad in Brasil para a comunidade científica do campo da saúde coletiva do Brasil. Publicada em 

Lançado em novembro de 2016, o site Mad in Brasil insere o campo da Saúde Mental brasileira na linha de frente do debate sobre os limites e os excessos cometidos pela psiquiatria na sua estratégia de prescrição ilimitada de drogas produzidas pela indústria farmacêutica. Fruto da parceria entre os pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, ambos do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Laps/ENSP/Fiocruz), com o jornalista e escritor norte-americano Robert Whitaker, o site coloca em evidência pensadores de diversas origens, posicionamentos e movimentos que convergem na crítica e no questionamento da racionalidade psiquiátrica, buscando repensar, por meio de artigos, entrevistas e revisões sistemáticas, a necessidade da construção de novos paradigmas para a assistência psiquiátrica.

O Laps é a casa do Mad in Brasil, mas esta história começa com o trabalho de Whitaker que, em 2002, lançou o livro Mad in America: Bad Science, Bad Medicine, and the Enduring Mistreatment of the Mentally Ill. Ao investigar a fundo os procedimentos da indústria farmacêutica e das corporações e associações psiquiátricas norte-americanas para ampliar as prescrições e vendas de antidepressivos, Whitaker fez um alerta geral para a questão e colocou o tema em evidência internacional. Com mais de 20 anos de profissão, ele já havia sido finalista de premiações como o Pulitzer Prize for Public Service e o George Polk Awardeste voltado exclusivamente ao jornalismo científico e médico. Mad in America ganhou o prêmio de melhor livro-reportagem da Investigative Reporters and Editors no ano do lançamento.

“Em grosso modo, medicalização é o ato de tornar médico assuntos que competem a outras áreas, como temas sociais, econômicos e políticos. A institucionalização da assistência, a patologização de práticas e estilos de vida e a medicamentalização, que é a prescrição de drogas para fins da medicalização, são conceitos que vêm junto a este debate. O tema da medicalização sempre foi importante na psiquiatria e na saúde mental desde os primeiros grandes trabalhos de Ivan Illich e Michel Foucault. Outra fonte de inspiração foi o trabalho de Marcia Angell que, em verdade, deu destaque ao trabalho de Whitaker”, explica Paulo Amarante, fazendo referência à obra A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos, de autoria desta médica, pesquisadora associada (senior lecturer) da Harvard Medical School e ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine. A publicação de artigos de Marcia na imprensa especializada e leiga trouxe a referência de Whitaker. Desde então, o norte-americano já veio ao Brasil fazer palestras algumas vezes, como no 4º Congresso brasileiro de Saúde Mental e no 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, ambos organizados pela Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme – com apoio da Abrasco.

Produção global: Com a visibilidade do livro, Whitaker começou a receber um grande número de cartas e mensagens com palavras de apoio, críticas e denúncias às empresas farmacêuticas e às associações médicas, além de relatos de pessoas que buscaram outros caminhos para seus tratamentos. A quantidade e a qualidade do retorno mostrou a necessidade de haver um espaço para a troca sistemática de informações sobre o assunto. Para isso, foi criado o site Mad in America, em dezembro de 2011. As andanças e articulações do norte-americano pelo mundo abriram o diálogo com os pesquisadores brasileiros e também com o coletivo Locomún, sediado em Madri, Espanha, possibilitando o lançamento da edição brasileira – Mad in Brasil – e a edição hispânica, batizada de Locura, Comunidad y Direchos Humanos – Mad in America para el mundo hispanohablante. “O acordo possibilita que a produção dos três sites seja liberada para tradução entre os parceiros. A ideia é criar uma rede internacional, não meramente contra a indústria farmacêutica, mas que aponte para a construção de novos paradigmas na abordagem do sofrimento psíquico, colocando em questão a própria psiquiatria”, destaca Fernando Freitas. Há negociações também para a criação de uma versão editada no Japão.

Fernando Freitas (esquerda) e Paulo Amarante, editores do Mad in Brasil

O pesquisador detalha o funcionamento do novo site. Há espaço para falar de ações e debates voltados à desmedicalização e à desmedicamentalização (em Nas Notícias) e das repercussões sobre o tema na mídia (em Torno da Internet). Já na seção blogue, há espaço para textos autorais de pesquisadores nacionais e internacionais e para histórias e relatos de pacientes e ex-pacientes da psiquiatria tradicional. A revisão de artigos científicos sobre todas as classes de medicação psiquiátrica no intuito de ampliar o olhar da ciência sobre as drogas psiquiátricas tem uma seção especial (em Informações sobre drogas). “Essa é uma das áreas já mais acessadas. Ler um artigo científico não é fácil, e a maioria dos médicos psiquiatras lê só as conclusões. A ideia desta seção é mostrar como, por meio da própria ciência, a psiquiatria é falaciosa”, aponta Freitas. A produção das revisões é feita por uma equipe de estudantes da Universidade de Cambrigde, responsável por fazer varreduras nas publicações científicas em diversas revistas internacionais para a conferência das metodologias e dos resultados, publicando as revisões no site.

Já Amarante apresenta uma outra abordagem: “Temos de analisar racionalmente aquilo que se chama ciência, sempre histórica e conjuntural, e o uso que dela é feito. Ao explicitar os erros nos critérios e procedimentos dos estudos científicos, as  revisões mostram que estas pesquisas não passam de propaganda das grandes indústrias em forma de artigo, o que afeta cada vez mais a formação médica”.

Ambos concordam que o site vem potencializar o debate da Saúde Mental como um campo de construção de direitos e de justiça social. “Estamos só começando. Acho que o papel do site será de trazer outros olhares sobre a psiquiatria diferentes do senso comum, sempre relacionando Saúde Mental à justiça social e à política. Se a psiquiatria é utilizada de maneira irresponsável, convencendo os tomadores de decisão a distribuir remédios a torto e a direito para crianças, isso deixa de ser uma questão científica e torna-se uma questão política. Em ambos os campos, é um assunto para o nosso Mad in Brasil”, finaliza Paulo Amarante.

Medicalização em Psiquiatria, resenha de Robert Whitaker

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No último número do periódico científico Revista Trabalho, Educação e Saúde, há uma resenha feita por Robert Whitaker do livro Medicalização em Psiquiatria, escrito por Fernando Freitas e Paulo Amarante, publicado pela editora Fiocruz.

Uma leitura crítica da medicalização em psiquiatria

Robert Whitaker

medicalizacao em psiquiatria_imagem_topoA psiquiatria moderna tem nos proporcionado uma nova forma de pensar sobre nós mesmos, e nesse curto e fascinante livro, Medicalização em psiquiatria, Fernando Freitas e Paulo Amarante apresentam um conjunto de evidências e argumentos da percepção empobrecida feita sobre nós humanos. Os dois autores também detalham como o atual paradigma de cuidado da psiquiatria é construído sobre ‘ficções’. O livro é concluído com um olhar sobre terapias alternativas promissoras e, como tal, advoga fortemente a necessidade de se repensar os fundamentos do cuidado psiquiátrico.

Se o livro Medicalização em psiquiatria pode ser descrito como uma nova adição à crescente biblioteca internacional de livros de ‘psiquiatria crítica’, é notável que, nesse âmbito, ambos os autores têm posições de liderança dentro do establishment em Saúde Mental.

Paulo Amarante, psiquiatra, é reconhecido por décadas de trabalho e de luta pela reforma da atenção psiquiátrica no Brasil. No final da década de 1980, após ter estudado com Franco Basaglia e outros psiquiatras italianos que desenvolveram o cuidado comunitário em seu país de origem, Amarante militou e colaborou na redação da legislação de saúde mental que tem levado à desinstitucionalização no Brasil. Hoje, ele é o presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), e professor e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, unidade científica da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), instituição vinculada ao Ministério da Saúde. Fernando Freitas, psicólogo, é ex-diretor da Abrasme e, como Amarante, é professor e pesquisador da Ensp/Fiocruz.

A beleza do livro começa a se tornar evidente no primeiro capítulo, onde ambos proporcionam um contexto filosófico amplo para se entender o que a psiquiatria biológica moderna tem feito. Escrevem sobre a ‘medicalização’ da vida moderna e as consequências que ela tem para nós como indivíduos. É um fenômeno que surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial; e enquanto avanços médicos – como o descobrimento de antibióticos – ajudaram a pôr controle sobre muitas doenças, o crescimento da indústria médica encorajou o cidadão moderno a ver a si próprio através das lentes médicas de ‘o que há de errado comigo’. Isso é particularmente verdadeiro na psiquiatria.

Dessa forma, Freitas e Amarante lembram aos leitores o que está em jogo. Medicalização pode se tornar um meio de controle social, com o indivíduo encorajado a adotar o ‘papel de doente’, o que leva à perda da autonomia individual. Nós somos encorajados a pensar que é ‘anormal’ sofrer, ou experimentar dor em nossas vidas, quando, claro é que, como qualquer busca na literatura irá nos lembrar, o sofrimento é inerente ao ser humano.

No que diz respeito à medicalização de nossas vidas emocionais, ela tem sido alimentada por uma ‘aliança profana’ que foi formada – como os autores apontam – entre a psiquiatria acadêmica e a indústria farmacêutica nos Estados Unidos na década de 1980. As empresas farmacêuticas passaram a contratar psiquiatras de escolas médicas prestigiadas daquele país para servirem como seus consultores, conselheiros e porta-vozes. Tal aliança passou a contar ao público uma narrativa sobre grandes avanços científicos. Pesquisadores haviam descoberto que os transtornos mentais eram ‘doenças cerebrais’ causadas por ‘desequilíbrios químicos’ no cérebro, e que poderiam ser então corrigidas por uma nova geração de drogas psiquiátricas. Com a difusão dessa narrativa para o público, o consumo de drogas psiquiátricas nos Estados Unidos explodiu, e, rapidamente, essa ‘aliança profana’ conseguiu exportá-la para o Brasil e outros países desenvolvidos em todo o mundo.

Freitas e Amarante proporcionam uma desconstrução sucinta dessa narrativa, começando com a crise institucional que por fim levou a Associação Americana de Psiquiatria (APA, na sigla em inglês) a adotar sua narrativa de ‘modelo baseado na doença’. Nos Estados Unidos, assim como igualmente se passava em muitos outros países, os psiquiatras nos anos 1960 geralmente não eram vistos como ‘médicos de verdade’. Então, no início dos anos 1970, o psicólogo David Rosenhan, da Universidade de Standford, publicou um estudo que publicamente humilhou a profissão.

Rosenhan e outros sete voluntários ‘normais’ se apresentaram em hospitais psiquiátricos, afirmando que ouviam uma voz que dizia ‘vazio’ ou alguma outra palavra simples. Todos foram admitidos e diagnosticados como ‘esquizofrênicos’, e ainda que eles se comportassem normalmente dentro do hospital, nenhum membro da equipe hospitalar – incluindo psiquiatras – identificou-os como impostores. Em contraste, os outros pacientes no hospital os reconheceram. Os ‘loucos’ no hospital manifestaram muito mais discernimento que os profissionais.

Essa humilhação – e outros desafios sociais para a sua legitimidade – forçou a APA a refazer o seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM). A corporação profissional precisava apresentar os psiquiatras ao público como ‘médicos de verdade’, e, em 1980, foi publicado o DSM III, que passou a ser propagandeado como um grande avanço científico, por passar a ser um manual de ‘doenças’ e de ‘transtornos’ reais que poderiam ser confiavelmente diagnosticados. Mas, como Freitas e Amarante escrevem, o DSM – que se tornou a ‘bíblia’ mundial da psiquiatria – não é baseado na ciência. Os diagnósticos são ‘constructos’ com critérios de sintomas arbitrariamente definidos; 35 anos de pesquisa têm fracassado em validar qualquer um dos transtornos mentais como doenças distintas.

Com o DSM III em mãos, a psiquiatria americana passou a nos persuadir a acreditar na noção de que depressão, ansiedade, psicose e outros transtornos mentais são causados por desequilíbrios químicos no cérebro. Essa narrativa é a de que as doenças cerebrais podem ser tratadas com sucesso por meio de medicamentos. Mas, como os autores explicam, pode-se considerar que a hipótese química tenha sido derrubada em 1996, quando Stephen Hyman, à época diretor do Nacional Instituto de Saúde Mental (NIMH) nos Estados Unidos, escreveu um artigo sobre como as drogas psiquiátricas ‘perturbam’ a função normal do cérebro em vez de corrigir um desequilíbrio químico. Remédios psiquiátricos, conforme os autores corretamente explicam, fazem o seu ‘cérebro funcionar anormalmente’.

Dessa forma, Freitas e Amarante desconstroem o ‘mito’ da psiquiatria moderna passo a passo. Em seguida, revisam a literatura de resultados sobre antipsicóticos e antidepressivos. Essa sessão talvez pareça particularmente surpreendente para leitores leigos. Um olhar atento à pesquisa revela que as drogas não proporcionam particularmente um benefício maior em relação ao placebo, nem mesmo em curto prazo, e que, a longo prazo, pacientes sem medicação – e isso é verdade até para aqueles diagnosticados com esquizofrenia – têm melhores resultados.

Então, o que há para ser feito? Se o Brasil e outras sociedades têm organizado o seu cuidado em torno de uma falsa narrativa, quais novos caminhos podem ser achados para ajudar aqueles que sofrem com suas mentes? No seu capítulo de encerramento, Freitas e Amarante descrevem um caminho à frente. Eles discutem vários programas terapêuticos, no passado e no presente, que têm focado em proporcionar um cuidado psicossocial e fazendo uso limitado – ou não – de medicações, que têm provado ser bastante bem-sucedidos. Em particular, falam da abordagem do ‘Diálogo aberto’ (Open dialogue) empregada no norte da Finlândia, que tem produzido notáveis resultados a longo prazo para as pessoas diagnosticadas com transtornos psicóticos.

Em suma, os dois autores visam um novo paradigma de cuidados que possa ‘oferecer uma atenção psiquiátrica’ fora dos manicômios e que não crie pacientes crônicos. Em outras palavras, Freitas e Amarante visam um paradigma de cuidado que ajude as pessoas que lutam com as suas mentes a verdadeiramente se recuperarem e poderem levar as suas vidas da melhor forma possível.

Nota:

Tradução de Flávio Sagnori Mota e Nina Isabel Soalheiro, integrantes da equipe do Grupo de Pes- quisa Desinstitucionalização, Políticas Públicas e Cuidado da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Leia o texto na íntegra. Em português ou em inglês.

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