DESPATOLOGIZA

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As sociedades ocidentais vivem processo de patologização de todas as esferas da vida, associado à busca de padronização e homogeneização dos diferentes modos de viver. A diversidade e as diferenças que caracterizam e enriquecem a humanidade são tornadas problemas. Ocultam-se as desigualdades, reapresentadas como doenças. Problemas de diferentes ordens são transformados em doenças, transtornos, distúrbios que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos.

Reduzida a vida a seu substrato biológico, está preparado o terreno para a medicalização, ideário em que questões sociais são apresentadas como decorrentes de problemas de origem e solução no campo médico.

Deve ser ressaltado que quando se fala em reducionismo e medicalização, está-se referindo à concepção de medicina enraizada no paradigma positivista.

Ao ser a primeira ciência ligada aos seres humanos a se constituir como ciência moderna, a medicina se constitui, por sua vez, em modelo epistemológico para as ciências do homem. Daí decorre que os processos de medicalização da vida são concretizados por profissionais da medicina, da psicologia, da educação, da fonoaudiologia, de todas as áreas quando pensam e atuam em conformidade com o positivismo… Por este motivo, as expressões medicalização e patologização têm sido amplamente utilizadas como sinônimos.

Por sua vez, os discursos de inclusão, tão comuns nos processos patologizantes, ocultam uma segunda exclusão realizada pelo estigma da doença (ou do transtorno) daqueles já excluídos, social, educacional ou afetivamente. Hoje, esse processo vem, de modo crescente, se articulando à judicialização das relações, dos conflitos e dificuldades que permeiam o viver em sociedade; o passo seguinte, que vem sendo atingido com grande facilidade, consiste na criminalização das diferenças, das utopias e dos questionamentos à ordem estabelecida.

Especificamente em relação à medicalização da vida de crianças e adolescentes, ocorre a articulação com a medicalização da educação na invenção das doenças do não-aprender e das doenças do não-se-comportar. Os campos da saúde afirmam há mais de um século que os graves – e crônicos – problemas do sistema educacional e da vida em sociedade seriam decorrentes de doenças que eles seriam capazes de resolver; criam, assim, a demanda por seus serviços, ampliando a patologização.

O Brasil é um dos países em que a patologização da vida tem sido mais intensa e extensa, despontando em todas as estatísticas como um dos maiores consumidores de substâncias psicoativas legais. Também é um dos países em que a crítica à medicalização tem se fortalecido nos últimos anos, em diferentes campos do conhecimento.

O DESPATOLOGIZA – Movimento pela Despatologização da Vida – filia-se à utopia de outros futuros possíveis, de vidas despatologizadas, reunindo profissionais de diferentes áreas para refletir sobre processos de patologização e medicalização da vida, e propor e realizar enfrentamentos a esses processos.

O DESPATOLOGIZA é composto por vários grupos, em diferentes regiões, que se articulam pelas mesmas concepções de sujeito, de mundo e de ciência, embasados em referenciais epistemológicos e políticos semelhantes; cada grupo se organiza com reuniões periódicas, sempre abertas a todos os interessados.

Uma das ações mais visíveis do DESPATOLOGIZA tem sido a realização de encontros profissionais e acadêmicos, com o propósito de divulgar e aprofundar as discussões sobre o tema, sempre com a participação de profissionais e pesquisadores renomados e reconhecidos, das áreas de Educação, Fonoaudiologia, Medicina, Psicologia, Direito, entre outras. Entre esses eventos, destacamos aqui os “Encontro Despatologiza”.

Além disto, os membros do DESPATOLOGIZA têm participado de inúmeros eventos, organizados por outras entidades e movimentos; sempre que o tema da patologização está em pauta, estamos dispostos a colaborar com as reflexões e avanços nos modos de organização e propostas de ações no campo das políticas públicas.

Toda elaboração teórica e prática resultante do trabalho do grupo deve servir como suporte de qualidade para ações despatologizantes em diversas áreas de conhecimento e regiões do país.

Ao longo desses anos, o DESPATOLOGIZA já promoveu inúmeros debates, sempre buscando construí-los frutíferos, contando com contribuições riquíssimas de pesquisadores e profissionais reconhecidos em suas áreas de atuação. Os eventos  buscam sensibilizar profissionais e usuários e a sociedade em geral para temas polêmicos, geralmente naturalizados pela forma de vida que se adota hoje. Assim, temos discutido o conceito de patologização/medicalização e formas de enfrentamento; distúrbios de aprendizagem X fracasso escolar X supostos transtornos; os impactos da medicalização na educação e na saúde; a possibilidade de atuar de forma despatologizada e despatologizante em serviços públicos de diferentes campos; a judicialização da vida; relações do poder legislativo com os processos de patologização da sociedade; processos de subjetivação e a construção de vidas despatologizadas; medicina do marketing e marketing da medicina; medicalização e racismo;  disputas capitalistas e biomedicalização da infância; a  produção de sofrimento psíquico; pseudociência e o terrorismo nutricional; sociedade de desigualdades e seus produtos; preconceitos de todas as formas – as relações raciais, étnicas, de gênero, … Os temas elencados  para cada encontro têm sido selecionados em consonância com as discussões mais pertinentes daquele momento. Um tema recorrente tem sido as crianças e adolescentes encaminhadas aos equipamentos de saúde com a queixa de dificuldades de aprendizagem, transtornos e distúrbios, que nós, do DESPATOLOGIZA preferimos chamar de “crianças que não aprendem na escola”.

Um princípio fundante do DESPATOLOGIZA é a compreensão de que não se deve – nem se pode – criar amarras burocratizantes que dificultem ainda mais o trabalho em um terreno já tão minado e cheio de armadilhas, posto que situado contra hegemonias e interesses financeiros. Assim, entendemos que o grupo que constitui o DESPATOLOGIZA em cada região é quem pode saber das possibilidades e limites de suas ações a cada momento, pela avaliação de condições concretas, internas e externas ao grupo. Cada grupo constrói seu próprio caminho caminhando, não há metas pré fixadas, não há obrigatoriedade outra que o compromisso contra os processos que, pela naturalização, patologização, judicialização, retiram a vida de cena.

Venha também colaborar com a construção de vidas despatologizadas!

Próximo fórum: Políticas Públicas Socialmente Compromissadas, Vidas Despatologizadas. 29 e 30 de novembro. Auditório do Instituto de Economia – IE – UNICAMP.

 

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Maria Aparecida Affonso Moysés. Médica, Pediatra. Com doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1979) e Livre-Docência em Pediatria Social na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (1998). É professora Titular em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). É autora do livro A institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola.

AS MUDANÇAS NO CÉREBRO ATRAVÉS DOS ANTIPSICÓTICOS E CONSEQUÊNCIAS TERAPÊUTICAS

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Recentemente, em 15 de outubro de 2016, em Gotemburgo, na Suécia, foi realizado o Simpósio Científico: Drogas Psiquiátricas – riscos e alternativas. Mais de 220 pessoas, de 13 diferentes países, responderam ao convite de Carina Hakansson para ouvir e discutir as descobertas da pesquisa científica, novos conhecimentos e perspectivas com relação aos riscos dos psicofármacos e alternativas ao modelo biológico da psiquiatria. O resultado foi a criação do Instituto Internacional para Interrupção da Droga Psiquiátrica (International Institute for Psychiatric Drug Withdrawal).  Entre seus membros a destacar: Olga Runciman, Sami Timimi, Birgitta Alakare, Robert Whitaker, Will Hall, Carina Håkansson, Jaakko Seikkula, Volkmar Aderhold, John Read, Peter Gøtzsche and Magnus Hald.

O Mad in Brasil irá postar várias das apresentações feitas, destacando partes importantes traduzidas para o português. Iremos disponibilizar o vídeo de cada palestra. Será uma oportunidade para que os nossos leitores tenham acesso ao que certamente há hoje de mais avançado sobre a problemática. Na medida do possível, iremos disponibilizar links para que você leitor interessado possa aprofundar o que cada um dos palestrantes tem produzido.

A primeira palestra que iremos aqui resumir foi dada pelo Dr. Volkmar Aderhold. Ele é do Instituto de Psiquiatria Social, Departamento de Psiquiatria e Psicoterapia, em Ernst-Moritz-Arnd-University, Greifswald, Alemanha.

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A palestra do Dr. Volkmar Aderhold foi ilustrada por uma série de slides. É impossível para nós aqui do Mad in Brasil ter esses slides com as legendas em português. Mas você, caro leitor, ao ver o vídeo da sua apresentação terá acesso a cada slide e a todo o conteúdo da palestra.

Aderhold inicia a sua palestra dizendo haver se dedicado a ler a literatura sobre as drogas psiquiátrica; não se limitando à leitura dos Resumos (Abstracts), mas cada artigo em sua íntegra. E ficou chocado com o que leu. E decidiu confrontar esse sistema de evidências.

Ele diz textualmente:

“É uma história de crimes!”

  1. Os primeiros slides, como você pode acompanhar vendo o vídeo, mostram o cérebro, as sinapses da dopamina, o cérebro ‘normal’, o cérebro ‘psicótico’, os fenômenos no cérebro sob a ação dos antipsicóticos. Sabe-se que há aumento da liberação da dopamina no pré-sináptico, quando há estados psicóticos. Essa é a trilha final patofisiológica, não a causa, ele faz questão de sublinhar. E isso é chamado de ‘sensibilização fásica’, quando as pessoas estão em estados psicóticos. Nós não sabemos o por quê. Em esquizofrenia isso é episódico, em 60 a 70% dos casos.
  2. São apresentados vários slides a respeito dos fatores de risco para a ‘esquizofrenia’ – pesquisados e confirmados amplamente na literatura científica:
  • Complicações biológicas e psicológicas durante a gravidez.
  • O estresse durante a gravidez.
  • Uma gravidez indesejada.
  • Complicações perinatais.
  • Perda precoce de figuras parentais, por morte ou abandono.
  • Ambiente instável no começo da vida.
  • Separação dos pais.
  • Testemunhar violência entre os pais.
  • Uma educação familiar disfuncional (com frequência entre gerações).
  • Trauma sexual e físico.
  • Traumas emocionais e negligência.
  • Privações sociais.
  • Rejeição social e fracasso.
  • Discriminação racial e outras formas de discriminação.
  • Migração.
  • E a pobreza.
  1. Falando de medicamentos. Sabe-se que para que seja antipsicótico, o bloqueio do receptor dopamínico pós-sináptico é necessário e suficiente.
  2. Assim sendo, neurolépticos não são para cura, apenas filtram os problemas.
  1. Efeito dos antipsicóticos:

                                                 Eles apenas silenciam os problemas!

  1. Bloqueamos um sistema e as consequências?
  1. Há um bloqueio de cerca de 60% do D2, é isso o que os antipsicóticos fazem.
  2. E o que se tem como resultado?
  • Distúrbios extrapiramidais.
  • Acatisia acima de 78%.
  • Prejuízos cognitivos acima de 70%.
  • Disforia acima de 70%.
  • Aumento da depressão e mais sintomas negativos acima de 70%.
  • Elevação da prolactina acima de 72%.
  • (E não importa que tipo de antipsicótico, os chamados de primeira ou segunda geração. Efeitos metabólicos colaterais são similares.)
  • Maior mortalidade cerebrovascular.
  • Maior mortalidade cardiovascular.
  • Súbita morte cardíaca.
  • Infarto do miocárdio.
  • Efeitos sexuais colaterais.

9. Os efeitos? O bloqueio dos receptores: um “lindo termo” – como ele diz. Na realidade, a droga atinge o cérebro como um todo. Isto porque o cérebro é neuroplástico, se adapta na medida que ele pode.

10. As mudanças na regulação do cérebro são muito impactantes

11. O que se tem a médio e longo prazo, buscando bloqueadores de dopamina? Uma regulação intensa no estriado. Que cresce acentuadamente a cada ano. E há a supersensibilidade dos receptores de dopamina.

12. É mostrado um quadro onde se vê o aumento na proporção de receptores de dopamina com cada tipo de droga psiquiátrica. Basta ver o que cada droga faz.

13. E aí é criada uma dependência à dose. Se for usada em menores doses, a dependência é menor. Se for usada em maiores doses, maior será a dependência. Porque há uma hiper-regulação e uma sensibilização.

14. Que resultados são alcançados?

  • O aumento da dose necessária.
  • A diminuição da efetividade.
  • Os fenômenos conhecidos como ‘rebote’, com a redução da dose e com a sua interrupção.
  • Com a interrupção abrupta: acima de três vezes mais de taxas de recaída.
  • Há o aumento de sintomas positivos e negativos nas recaídas. Em intervalos cada vez menores entre os episódios. E psicoses super-sensitivas. E tudo isso, mesmo tomando as pílulas!

15. O que fazer?

É aumentar a dosagem?

É algo absurdo.

Então, o que fazer?

16. Alguns estudos de como retirar a dosagem até eliminar definitivamente as drogas antipsicóticas foram por ele apresentados.

Três estudos piloto ao longo de seis meses, como uma referência. Trata-se de pacientes com o diagnóstico de esquizofrenia estabilizado. E como?

  • Ingesta da droga a cada dois dias, durante três meses.
  • Após os três meses, a cada três dias a ingesta da droga;
  • O resultado é que houve menor taxa de hospitalização.
  • Outros estudos: prolongando os intervalos.
  •       Risperidona: entre 2 a 4 semanas.
  •        Flufenazina: entre 2 a 6 semanas.
  • Nas psicoses o que há é uma enorme heterogeneidade. Elas são muito diferentes entre si. E não se sabe o por quê. Antes da introdução dos neurolépticos como era o processo natural de evolução de diferentes tipos de psicose? A situação era bem melhor. Os antipsicóticos apenas pioram a situação.
  • Estudos sobre pacientes em primeiro episódio tratados com neurolépticos: Apenas 14,5% têm uma queda em seus sintomas.
  •  Após 4 semanas, nada de melhoria ocorre.
  • Pessoas que foram tratadas durante 17 anos com  Risperidona: 80% bem abaixo, sem resposta esperada.
  • Trajetórias de resposta ao tratamento e medicamentos antipsicóticos: 18 meses de tratamento na investigação sobre a esquizofrenia de CATIE. Mais uma vez, resultados chocantes. Vejam os resultados na tela. Quem toma as drogas fica pior!
  • A deterioração dos usuários de antipsicóticos ao longo do tempo é visível. Acompanhe a demonstração no vídeo.

Mas vejamos as suas recomendações:

Consequências possíveis:

  • As doses mais baixas possíveis para o controle dos sintomas
  • Extensão da dose por 2 ou 3 dias
  • Redução/ descontinuação guiada
  • Adiamento inicial no primeiro e no segundo episódios, uso seletivo após a terceira e a quarta semanas, porque 40% não necessitará de uso de antipsicóticos em momento algum.

O exemplo da experiência do Diálogo Aberto (Finlândia) é mais uma vez exemplar. Essa experiência será detalhada nas próximas postagens que faremos aqui no Mad in Brasil.

 

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(A seguir, no mesmo vídeo que você está acompanhando, em 10 minutos o Dr. Peter Gotzsche faz uma breve intervenção. Relembrando que Gotzsche é co-fundador do Cochrane (http://nordic.cochrane.org) , um dos mais renomados órgãos internacionais para pesquisar os resultados das evidências em Medicina.)

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As drogas psiquiátricas estão baseadas em uma má Ciência, de imediato é o que Peter afirma.

“Eu duvido que os antipsicóticos tenham um efeito de fato nas psicoses. Essas drogas deveriam ser chamadas de ‘psicóticas’ e não de ‘antipsicóticos’ “.

As pesquisas são feitas com muitos equívocos. A principal é que elas não são adequadamente ‘cegas’ (blinded). As drogas têm visivelmente efeitos colaterais, logo os médicos e os pacientes sabem bem disso, reconhecem isso, sabem se estão em antipsicóticos ou placebo. Se exagera os resultados subjetivos, por conseguinte.

Praticamente todas as pesquisas feitas com antipsicóticos têm vícios flagrantes, ele denuncia. Porque são pesquisas feitas com pessoas que estão usando drogas, e que são comparadas com um grupo ‘placebo’, p. ex. E se diz que tal droga é melhor do que o placebo. Isso não é uma boa Ciência, afirma Peter.

E ele continua: uma parcela significativa dos que fazem parte de grupos placebo morrem.  Morrem, porque estavam dependentes de algum antipsicótico. São pesquisas que nunca são relatadas quando se lança algum novo produto.  A maioria das mortes deve ser por suicídio, porque os sintomas de abstinência dessas drogas são terríveis, sabemos disso.

Além desses vieses, quando o que é enviado para aprovação pela FDA de algum novo antipsicótico, como a Risperidona e assim por diante, o que ocorre é que apenas 5% a 6% é superior ao placebo, e a menor diferença que pode ser notada é 15%. Então a média dos efeitos positivos é menor do que se pode perceber. Então a FDA aprova drogas que não funcionam.

Portanto, os efeitos dos antipsicóticos são menores do que é o relevante. E se sabe que a indústria farmacêutica manipula as suas pesquisas, seus resultados. O que foi feito com a aprovação do Prozac é um escândalo para a boa Ciência. Na verdade, segundo Peter, essas drogas não poderiam nunca chegar ao mercado. E são drogas campeãs de venda.

Peter diz que a pesquisa mostrada por Jaakko (Diálogo Aberto) é muito mais Ciência do que aquilo que costuma ser feita com o método randomizado. Em breve o Mad in Brasil irá mostrar os detalhes do método científico reivindicado por Jaakko.

Peter diz que as drogas mais tóxicas que ele já viu como médico e cientista são aquelas usadas para a terapia do câncer, que é a quimioterapia. Porém, tais drogas não destroem o cérebro humano. E o cérebro humano é o que há de mais sagrado!

E ele conclui:

“Não se deveria usar antipsicóticos em absoluto! “                                   

Quando ele, Peter, pergunta a pacientes, quando tiverem um novo episódio psicótico, vocês preferem um benzodizipínico ou um antidepressivo. Todos dizem, prefiro um benzo.

E as pesquisas do Cochrane mostram que os benzodiazepínicos são mais sedativos do que os antipsicóticos.

Na sua opinião, o tratamento forçado, quer dizer, o uso forçado de drogas psiquiátricas, deveria ser abolido por todas as nações. E se o paciente necessita de algo para se acalmar, que se tome um benzodiazipínico por alguns dias. E os efeitos desaparecem em alguns dias, na grande maioria dos casos.

    

“Indústria farmacêutica age como o crime organizado”, afirma Peter Gotzsche na Folha de São Paulo

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Em uma matéria publicada na edição de hoje de Folha de São Paulo, é reafirmado por Peter Gotzsche o que temos postado aqui em Mad in Brasil:

  “Não sei de outra especialidade médica onde haja tanto excesso de diagnóstico e de    tratamento ou onde os danos dos medicamentos sejam tão debilitantes e persistentes em relação aos benefícios.” (Peter Gotzsche).

Leia a matéria na íntegra

ANTIDEPRESSIVOS AUMENTAM O RISCO DE SUICÍDIO E VIOLÊNCIA EM TODAS AS IDADES

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Young man at the end of the road

ANTIDEPRESSIVOS AUMENTAM O RISCO DE SUICÍDIO E VIOLÊNCIA EM TODAS AS IDADES

Peter Gotzsche, MD.

As agências de medicamentos advertem contra o uso de antidepressivos em crianças e adolescentes, porque eles aumentam o risco de suicídio. É bem mais difícil saber qual é o risco em adultos, já que tem havido um sub-resgistro massivo e inclusive fraude nos informes dos suicídios, tentativas de suicídio e pensamentos suicidas nas pesquisas controladas com placebo (1, 2).   A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) tem contribuído para a obscuridade, por negligenciar os problemas, escolhendo confiar nas empresas farmacêuticas, mediante a supressão de informações importantes, assim como por outros meios (2).

Em uma meta-análise das pesquisas controladas com placebo de 2006, a FDA informou apenas cinco suicídios em 52.960 pacientes tratados com antidepressivos (um por cada 10.000 pacientes) (3), quando haviam muito mais suicídios nestas pesquisas. Cinco anos antes, em 2001, Thomas Laughren, que era o responsável pela meta-análise da FDA, publicou um documento a partir dos dados da FDA, no qual ele informou 22 suicídios em 22.062 pacientes escolhidos ao azar de pacientes em antidepressivos, o que é 10 por 10.000, ou seja 10 vezes mais do que havia sido informado em 2006.  No artigo de Laughren de 2001, havia quatro vezes mais o número de suicídios em pacientes com antidepressivos do que em placebo, o que foi estatisticamente significativo (P=0.03, meu cálculo).  Não obstante, Laughren não disse isso a seus leitores, embora tenha escrito: “Obviamente que não há sugestão que haja um excesso de risco de suicídio em pacientes tratados com placebo. “ Não, porém há sem dúvida entre os pacientes tratados com a droga!

Em sua meta-análise, a FDA encontrou que a paroxetina aumenta significativamente as tentativas de suicídio em adultos com transtornos psiquiátricos, probabilidade de 2.76 (intervalo de confiança de 95% 1.16 a 6.60) (3). A GlaxoSmithKline (GSK) também encontrou um aumento das tentativas de suicídio em adultos, e em 2006 a GSK EUA enviou uma carta ‘Estimado Doutor’ que sublinhou que o risco de comportamento suicida aumentou também para cima dos 24 anos de idade (2).

A FDA foi inconsistente. A agência afirmou em 2009 que é apenas nos menores de 24 anos de idade que essas drogas são perigosas (5).  Porém, em 2007, a agência admitiu, pelo menos indiretamente, que os ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina) podem causar suicídio em todas as idades (6):  “Todos os pacientes  que estão sendo tratados com antidepressivos, para qualquer indicação, devem ser monitorados de forma adequada e observados de perto por piora clínica, tendências suicidas e mudanças repentinas de comportamento, especialmente durante os primeiros meses de um processo de terapia com medicamentos, ou em momentos de mudanças de doses, para mais ou para menos. Os seguintes sintomas têm sido relatados em pacientes adultos e pediátricos que fazem uso de antidepressivos: ansiedade, agitação, ataques de pânico, insônia, irritabilidade, hostilidade, agressividade, impulsividade, acatisia (inquietação psicomotora), hipomania e mania”.  A FDA também observou que, “as famílias e os cuidadores dos pacientes devem ser advertidos para o aparecimento desses sintomas no dia-a-dia, visto que as mudanças podem ser abruptas. “ Parece que a FDA finalmente admitiu que os ISRSs podem causar a loucura em todas as idades e que as drogas são muito perigosas; de outro modo por que seria necessário um acompanhamento diário? Esse acompanhamento diário é, sem dúvida, uma solução falsa. As pessoas não podem ser controladas a cada minuto, e muitos se suicidaram por indução dos ISRSs em poucas horas depois que todo o mundo pensava que eles estavam perfeitamente bem.

Visto que há má conduta científica onipresente na literatura das pesquisas publicadas com relação às tendências suicidas e à agressão de quem está em tratamento com antidepressivos, decidimos buscar em outro lugar. Obtivemos 64.381 páginas de relatos de estudos clínicos da Agência Europeia de Medicamentos, o que resultou ser muito revelador (7).  Em janeiro de 2016, foi mostrado pela primeira vez que os ISRSs em comparação com o placebo aumentam a agressão em crianças e adolescentes, em média 2.79 (IC de 95%: 1,62 a 4,81). Este é um achado importante, levando em conta os numerosos tiroteios nas escolas, onde os assassinos estavam tomando os ISRSs.

Em outubro passado, eu coloquei uma revisão sistemática de pesquisas controladas com placebo em adultos voluntários sadios mostrando que os antidepressivos dobram a ocorrência de eventos que podem conduzir ao suicídio e à violência, probabilidade de 1,85 (IC de 95% 1.11. a 3.8) (8) .  O número necessário para causar danos a uma pessoa adulta sadia é apenas 1,6 (IC do 95%: 8 a 100).

Em 14 de novembro, demonstramos que os efeitos adversos que aumentam o risco de suicídio e violência eram 4 a 5 vezes mais comuns com duloxetina (cymbalta) que com placebo, em pesquisas clínicas em mulheres com incontinência urinária sob estresse (9). Os resultados foram similares para os eventos de ativação definidos pela FDA, e também houve mais mulheres em duloxetina que experimentaram um núcleo ou potencial evento psicótico, risco relativo: 2,25 (IC do 95%: 1,06 a 4,81). Muitas mulheres se viram afetadas pelos danos da duloxetina. Haviam 187 que tinham pelo menos um núcleo ou evento potencial de ativação com a duloxetina de 958, enquanto que apenas 42 de 955 mulheres com placebo experimentaram esse tipo de eventos; quer dizer, 15% mais de mulheres foram prejudicadas quando com o medicamento em comparação com o placebo, ou seja: uma de cada sete mulheres tratadas com essa droga.

A duloxetina nunca foi aprovada nos EUA ou no Canada, para uso na incontinência por estresse, enquanto que está aprovada na Europa. Foi realizada uma meta-análise das 4 pesquisas aleatórias controladas com placebo de duloxetina (com um total de 1913 pacientes), que foram apresentadas à Agência Europeia de Medicamentos para a aprovação de sua comercialização.  Nós utilizamos os dados dos informes dos estudos clínicos (para um total de 6870 páginas e que incluem dados de pacientes individuais). Teria sido impossível demonstrar como a duloxetina é perigosa, se apenas se tivesse tido acesso à investigação publicada.

Nossa revisão sistemática sublinha que os antidepressivos não apenas aumentam o risco de suicídio e violência em crianças e adolescentes, senão também nas pessoas com muito mais idade: as mulheres nas pesquisas tinham uma idade média de 52 anos. De acordo com isso, a própria FDA havia anunciado previamente que as mulheres que foram tratadas com duloxetina para a incontinência na fase de extensão aberta dos estudos clínicos tinham 2.6 vezes mais tentativas de suicídio que as outras mulheres com a mesma idade (2).

Eu não tenho nenhuma dúvida que os fabricantes de antidepressivos e seus aliados pagos entre os psiquiatras argumentam que não há nada para se preocupar, porque não temos encontrado um aumento nos suicídios ou tentativas de suicídios, em voluntários adultos sadios ou em mulheres com incontinência urinária, apenas há o aumento dos precursores desse tipo evento. Contudo, essa argumentação é falaciosa. Com relação a eventos precursores de suicídio é como se olhar os fatores de prognóstico para a enfermidade cardíaca. Dizemos que o aumento de colesterol, o tabagismo, e a inatividade física, aumentam o risco de ataques cardíacos e mortes cardíacas, e, por conseguinte recomenda-se às pessoas que façam algo a respeito. Os líderes psiquiátricos costumam fazer tiradas insustentáveis. Muitos dizem, por exemplo, que os antidepressivos podem ser administrados com segurança em crianças, argumentando que não havia mais suicídio nas pesquisas, apenas mais tentativas de suicídio, como se não houvesse nenhuma relação entre os dois; ainda que todos saibamos que um suicídio começa com tendências suicidas, pensamentos, seguido de preparações em uma ou mais tentativas.

Conclusões

Apesar de que a indústria farmacêutica, nossos reguladores de medicamentos, bem como os líderes psiquiatras, tenham feito tudo o que é possível para ocultar os fatos (2), não se pode de maneira alguma por em dúvida que os antidepressivos são perigosos e podem causar suicídio e homicídio em qualquer idade (2,10,11). Os antidepressivos têm muitos outros danos importantes e seus benefícios clínicos são duvidosos (2). Por conseguinte, a minha conclusão é que em absoluto eles não podem ser utilizados. É particularmente absurdo utilizar medicamentos para a depressão que aumentam o risco de suicídio, quando sabemos que a psicoterapia diminui o risco de suicídio. As pesquisas de psicoterapia têm sido criticadas pela falta da ‘ocultação’ (blinding) (12), porém é difícil ‘cegar’ (blind) nesse tipo de pesquisa. Por outra parte, a tendência suicida é um resultado bastante difícil.

                    Devemos fazer todo o possível para evitar colocar as pessoas em           drogas antidepressivas; e ajudar a aqueles que já estão nelas, para deter o seu uso, reduzindo lentamente o consumo da droga  – com uma rigorosa supervisão.

                                                  As pessoas com depressão devem receber psicoterapia, apoio psicossocial, e não drogas.

Referências:

  1. Healy D. Did regulators fail over selective serotonin reuptake inhibitors? BMJ 2006;333:92–5.
  2. Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.
  3. Laughren TP. Overview for December 13 Meeting of Psychopharmacologic Drugs Advisory Committee (PDAC). 2006 Nov 16. www.fda.gov/ohrms/dockets/ac/06/briefing/2006-4272b1-01-FDA.pdf.
  4. Laughren TP. The scientific and ethical basis for placebo-controlled trials in de¬pression and schizophrenia: an FDA perspective. Eur Psychiatry 2001;16:418-23.
  5. Stone M, Laughren T, Jones ML, et al. Risk of suicidality in clinical trials of antidepressants in adults: analysis of proprietary data submitted to US Food and Drug Administration. BMJ 2009;339:b2880.
  6. FDA. Antidepressant use in children, adolescents, and adults. http://www.fda.gov/drugs/drugsafety/informationbydrugclass/ucm096273.htm.
  7. Sharma T, Guski LS, Freund N, Gøtzsche PC. Suicidality and aggression during antidepressant treatment: systematic review and meta-analyses based on clinical study reports. BMJ 2016;352:i65.
  8. Bielefeldt AØ, Danborg PB, Gøtzsche PC. Precursors to suicidality and violence on antidepressants: systematic review of trials in adult healthy volunteers. J R Soc Med 2016;109:381-392.
  9. Maund E, Guski LS, Freund N, Gøtzsche PC. Considering benefits and harms of duloxetine for treatment of stress urinary incontinence: a meta-analysis of clinical study reports. CMAJ 2016;14 November. http://www.cmaj.ca/lookup/doi/10.1503/cmaj.151104.
  10. Healy D. Let them eat Prozac. New York: New York University Press; 2004.
  11. Breggin P. Medication madness. New York: St. Martin’s Griffin; 2008.
  12. Hawton K, Witt KG, Taylor Salisbury TL, Arensman E, Gunnell D, Hazell P, Townsend E, van Heeringen K. Psychosocial interventions for self-harm in adults. Cochrane Database Syst Rev 2016; 5: CD012189.

 

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Deadly Psychiatry and Organised Denial: Professor Peter C. Gøtzsche, MD, co-founded the Cochrane Collaboration. He has published more than 70 papers in the top 5 general medical journals and 5 books, most recently, Deadly Psychiatry and Organised Denial.

 

Sociedade Britânica de Psicologia: contra o modelo biomédico da Psiquiatria

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Em um movimento audaz e sem precedente para qualquer corporação profissional, a divisão de Psicologia Clínica (DCP) do Reino Unido, que é uma sub-divisão da Sociedade Britânica de Psicologia, emitiu uma tomada de posição que é muito pouco conhecida entre nós brasileiros.  Merece que o maior número de pessoas tenha essa informação.

Nessa declaração o que é reivindicado é o fim do modelo biomédico, por falta de evidências científicas, modelo esse que está implicado no diagnóstico psiquiátrico. Veja o documento.

O DCP é da opinião ser oportuno e apropriado afirmar publicamente que o atual sistema de classificação presente no DSM e CID, com relação aos diagnósticos psiquiátricos funcionais, tem limitações conceituais e empíricos significativos. Em consequência, existe uma necessidade de mudança de paradigma em relação com às experiências referidas nesses Manuais, em vistas de se ter um sistema conceitual que não esteja baseado em um modelo de ‘enfermidade’. ”

Resumindo, o argumento é que os diagnósticos dos chamados ‘transtornos mentais’ funcionais – esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno da personalidade, o TDAH, e assim sucessivamente – não são categorias cientificamente válidas, e que com frequência são prejudiciais na prática clínica, e, sobretudo, na vida dos diagnosticados.

A declaração afirma que já contamos com alternativas reais e eficazes, como é a formulação psicológica para abordar tais ‘transtornos’, e que existe uma necessidade de se trabalhar em colaboração com os usuários do serviço e os grupos profissionais, incluindo os psiquiatras, com a finalidade de se desenvolver ainda mais as alternativas a esse modelo ‘iatrogênico’.

Essa tomada de posição da Sociedade Britânica de Psicologia ultrapassou em muito a comunidade dos profissionais de saúde, ao aparecer na primeira página de jornais de grande circulação no Reino Unido, como foi no The Guardian, que dedicou duas páginas internas para discutir o assunto, com os títulos ‘Um novo grande campo de batalha de medicamentos? Existe realmente uma enfermidade mental’ , e ‘Os psiquiatras sob fogo na batalha da saúde mental’.

Em questão de horas, milhares de comentários começaram a ser feitos na página na internet do The Guardian, e os artigos estavam sendo re-twiteados ao redor do mundo.

Não faz falta dizer, que a postura assumida pela Sociedade Britânica de Psicologia teve reações de aprovação como de reprovação.

Talvez a mais previsível tenha sido a reação de Allen Frances, quem recentemente esteve no Brasil para o lançamento em português do seu último livro.  Frances passou a ser conhecido recentemente como um opositor declarado do DSM-5. Porém, como seria o esperado de quem foi o coordenado-chefe da força tarefa que elaborou o DSM-IV, Frances reagiu a essa declaração como sendo uma  “postura extremista da Sociedade Britânica de Psicologia, igual ao que foi feito pelo DSM-5 e o NIMH“.

Sendo ele um dos nomes de ponta do modelo biomédico da psiquiatria, muitos foram aqueles que tomaram o posicionamento de Frances, , como seu suporte ideológico (quer dizer, supostamente científico) para o debate entre os profissionais; uns a dizer que tudo isso não passa de “guerras territoriais”, enquanto que outros acusaram o DCP de ignorar o papel da biologia.

Quem lê a declaração do DCP pode constatar o quanto as reações em contrário mal escapam do ideológico, portanto, em nada científicas. O DCP estabelece especificamente que “Esta posição não deve ser interpretada como uma negação do papel da biologia na mediação em todas as formas da experiência, do comportamento e da angústia, humanas.” A declaração também diz explicitamente que o argumento diz respeito às formas de pensar, e não sobre determinadas profissões.

A acusação ‘guerras pelo território’ é particularmente algo muito longe da realidade, visto que a declaração do DCP é simplesmente uma reiteração, aliás bem equilibrada, dos comentários recentes de alguns dos psiquiatras mais eminentes no mundo.  O próprio Allen Frances descreve o DSM-5 como “profundamente defeituoso e que carece de rigor científico”. Enquanto que o Dr. Thomas Insel, diretor do NIMH (National Institute of Mental Health), disse “… os pacientes merecem algo melhor”.  E o ex-diretor do mesmo NIMH, o doutor Steven Hyman, foi ainda bem mais contundente: chamou o DSM-5 de “totalmente equivocado, um pesadelo científico absoluto”. Em resposta, o Presidente do Comitê do DSM-5, o Dr. David Kupfer admitiu: “Temos estado a dizer aos pacientes há várias décadas que estamos buscando pelos bio-marcadores.  E ainda estamos esperando.”

A principal diferença – e, por suposto, muito importante – entre a posição desses eminentes psiquiatras e o DCP é que a primeira se caracteriza pela perseguição do modelo biomédico a todo o custo. De fato, o NIMH anunciou a intenção de colocar como prioridade um programa de 10 anos para definir, de uma vez por todas, os bio-marcadores que até agora têm se esquivado aos investigadores. O projeto parte da posição muito pouco científica de assumir o que necessita ser demonstrado: em suas palavras que “os transtornos mentais são transtornos biológicos”.  Um projeto viciado por natureza, porque ele permite que os conservadores do ‘biologicismo’ continuem afirmando que “estamos nos aproximando – honestamente”. Enquanto tal, a avassaladora quantidade de evidências de fatores causais de natureza psicossocial é relegada, sistematicamente, a um segundo plano.

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Se pensarmos na situação nossa aqui no Brasil. O que as entidades representativas das diversas profissões que trabalham no campo da saúde mental têm a dizer?  O que as organizações sociais de defesa dos interesses dos usuários do sistema de saúde têm a dizer?

A informação precisa chegar ao público dos profissionais de saúde, e em particular aos próprios usuários do sistema de saúde, público e privado.

Ajude a qualificar o debate!

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Transgênero, Assexualidade e os Antidepressivos

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Recentemente, o renomado psiquiatra David Healy postou em sua página um blog onde ele coloca para o debate público a questão dos possíveis impactos que o uso de antidepressivos pode estar tendo em nossa própria sexualidade e questões de gênero.

Resolvi escrever algo a partir da leitura desse blog.

A imagem acima é de Ben, que acredita que ele na verdade possa ser a Amy.  É por isso/ou para isso, que ele está tomando hormônios para prevenir a puberdade. Esse tema faz parte de um programa da rede de televisão pública britânica BBC, dirigido a crianças a partir dos seis anos de idade.

Just  Girl, o nome do seriado, é a respeito de uma criança que no começo da sua puberdade é um ‘transgênero’ que tenta dar sentido a seu mundo, lidando com bullying e se esforçando para manter suas amigas.

Trata-se de uma problemática muito contemporânea. Sexualidade e gênero: o que é que é da ordem do biológico por natureza?  Por outro lado, o que é socialmente construído? Quais as relações entre esses termos? Quais são os limites para a intervenção no biológico? Que mundo se quer construir socialmente?

Um debate aberto, cujos ‘topos’ são ocasião para acaloradas defesas de posições.

Por exemplo, há muitos que consideram que dar hormônios a crianças antes da puberdade para prevenir o desenvolvimento natural é uma forma de ‘abuso infantil’. Há outras pessoas que dizem que quanto mais se promove a ideia que um garoto possa ter nascido em um corpo de menina, e que uma menina possa ter nascido em um corpo de garoto, e que drogas e cirurgia podem colocar as coisas em seu lugar, isso pode levar as crianças a se sentirem profundamente confusas.

Pois bem, nesse debate David Healy coloca algo a tornar mais complexa a discussão sobre essa problemática.  A pergunta que Healy formula é:

                    Que relações podem haver de fato entre problemas de transgênero ou   disforia sexual e os antidepressivos? 

De imediato, é verdade que cada vez mais há mais pessoas tomando antidepressivos. Afinal de contas, é uma das modas dos tempos atuais buscar nos antidepressivos a solução para as diversas manifestações de infelicidade.  E entre os inúmeros efeitos colaterais, os antidepressivos estão associados a um grande número de efeitos na função sexual, incluindo desejo sexual alterado, dificuldades de excitação (ereção nos homens, falta de lubrificação, nas mulheres), problemas de orgasmo, etc. [1]

Esses são efeitos colaterais dos antidepressivos já bem conhecidos e relatados. O que já é por si algo bastante alarmante!  Pouco a pouco se vem conhecendo o impacto dos antidepressivos na destruição das relações amorosas, estando fortemente associados ao crescimento das possibilidades de divórcio quando um ou os dois parceiros faz uso dessas drogas.

E quantos efeitos adversos ainda são desconhecidos?

Por exemplo, o que ocorre com filhos de pais que na sua gestação estavam fazendo uso de antidepressivos? Senão, quantas crianças, adolescentes e jovens adultos são pacientes de drogas antidepressivas?  Como a explosão do consumo dos antidepressivos se deu a partir dos anos 1990, ainda há muito o que desconhecemos.

A questão da relação entre os antidepressivos e a ‘disforia sexual’ tratada pela psiquiatria tem antecedentes na própria ciência que está na base dos atuais psicotrópicos prescritos.  Healy lembra que o primeiro artigo de língua inglesa sobre a imipramina, que foi o primeiro inibidor relativamente potente da reabsorção de serotonina, em 1958, já era mencionado que algumas pessoas com uma orientação homossexual transitariam ou se converteriam à heterossexualidade. Isso foi motivo de celebração na época. O que quer dizer, que já se sabe há muito que os antidepressivos têm impactos na sexualidade.

O tempo passa, mudanças socioculturais ocorrem. Mas, como mais uma vez Healy nos lembra,  em 1993, portanto muito mais recentemente, Peter Kramer, o autor do famoso livro Ouvir o Prozac  dizia algo muito parecido. O que foi comemorado, como um meio para se construir o mundo de relações, conforme o desejo.

A orientação sexual, como é mudada?

São questões que ainda temos respostas quase que absolutamente provisórias.

Quem pode ajudar na construção desse conhecimento, são as próprias pessoas que estão passando por tais experiências. Como é bem observado por Healy, as pessoas mais bem colocadas para descobrir o que pode estar acontecendo é a própria comunidade dos que vivem essa ‘fluidez’ de gênero.

Healy organizou uma plataforma na internet muito importante, que é uma comunidade virtual dos que comungam a problemática dos efeitos colaterais das drogas psiquiátricas prescritas por médicos. Como você pode se dar conta, ao se conectar a essa página, lá você tem disponibilizadas várias maneiras para se manter em comunicação com pessoas que sofrem os efeitos adversos das drogas psiquiátricas, e que querem compartilhar ideias e experiências com os demais.

Nesse sentido, precisamos de relatos de pessoas cuja orientação e auto-visão mudaram dramaticamente com exposição a essas drogas ou retirada de alguma dessas drogas. Mas por trás da mudança no exterior, precisamos saber mais sobre quaisquer mudanças no interior. Como foi a mudança? O que mudou para provocar a mudança? Essas coisas poderiam estar ligadas a efeitos ‘primitivos’, como efeitos sobre nosso cheiro ou olfato. E assim por diante.

Esse programa da BBC é eloquente sobre a atualidade dessa ‘problemática’, não é mesmo?

Quanto mais bem informados somos, as nossas decisões podem ser tomadas com mais consciência.  E o debate público passa a ser mais bem qualificado.

 

 

 

 

 

A ‘medicalização’ da miséria humana e o crescimento do consumo de antidepressivos

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Médicos em toda a Europa estão advertindo que o vertiginoso aumento da prescrição de antidepressivos ocorre devido à pressão de ‘medicalizar’ a infelicidade.  Eles se queixam que por falta de tempo na consulta e pela pouca disponibilidade de terapias alternativas, recorrem com demasiada frequência ao seu bloquinho de prescrição de medicamentos.

Esse é o resultado de um questionário enviado pelo jornal britânico The Guardian e cinco outros grandes jornais europeus. Foram entrevistados 100 médicos e psiquiatras europeus, cuja maioria disse que há uma ‘cultura de prescrição’ em seus países, na medida em que as pessoas com depressão não encontram uma ajuda adequada.

Muitos dos médicos – da Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Espanha, Luxemburgo, Bélgica e Holanda – disseram que eles acreditam que os antidepressivos sejam o tratamento efetivo para casos de depressão grave. Não obstante, dezenas dos médicos expressaram frustração que por falta de tempo e de outras alternativas o que fazem é prescrever antidepressivos para todas as demandas que lhes chegam, independentemente de uma avaliação clínica realmente cuidadosa.

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Entre as várias declarações feitas pelos médicos, há por exemplo essa de Gladys Mujica Lescano, médica de um hospital de Barcelona:

                “Nós estamos medicalizando situações comuns: conflito, separação e          vicissitudes da vida”.

Confira a reportagem completa do The Guardian.

DEIXAR DE TOMAR DROGAS PSIQUIÁTRICAS: UM GUIA PARA A REDUÇÃO DE DANOS

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fernando_foto_definitivaUm importante guia para todos aqueles que querem deixar de tomar drogas psiquiátricas. A cartilha é gratuita e você pode baixa-la na internet (versão em espanhol). Ela está traduzida em diferentes línguas; infelizmente ainda não está disponível em português.

Essa cartilha foi criada a partir das informações e experiências de pessoas que sofrem tentando parar de fazer uso de medicação psiquiátrica. Will Hall iniciou a experiência em 2004, no oeste de Massachusets. Em princípio, eram reuniões mensais entre pessoas que compartilhavam do sofrimento de serem vítimas da psiquiatria, e pouco a pouco essas reuniões passaram a serem feitas em intervalos menores de tempo, até chegar ao estágio atual. É o Projeto Ícaro (Icarus Projet) e o Centro Liberdade (Freedom Center), experiências que se espalham pelos Estados Unidos a dar suporte a todos os que sofrem com o processo de deixar de tomar medicamentos psiquiátricos, com iniciativas como classes de Yoga, grupos de caminhada, reuniões de mútuo suporte, escutando vozes (hearing voices), orientação dietética, meditação, etc. Quando estava em seus vinte anos, Hall foi diagnosticado como esquizofrênico e ficou internado em hospital psiquiátrico. E hoje  não toma mais drogas psiquiátricas.

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Assim como Hall, outros e muitos outros após haverem conseguido se libertar do sistema psiquiátrico querem contribuir para ajudar todos os que passam por dificuldades semelhantes. Participam usuários de drogas psiquiátricas, ‘sobreviventes da psiquiatria’ e familiares.

As pessoas costumam ter questões básicas que não conseguem formular aos seus médicos. Como p. e., se os benzodiazepínicos criam dependência química? Se interromper o tratamento com os antidepressivos leva à recaída da temida depressão? Ou, por que mesmo tomando os antipsicóticos conforme o que foi prescrito pelo psiquiatra não conseguem ter uma vida normal?

É possível se parar de tomar esses medicamentos? Há pessoas que conseguem, outras não. Umas com mais facilidade do que outras.  Por que?

A cartilha não é um protocolo ou uma receita de procedimentos.  Mas cria espaço para que cada um encontre o seu melhor caminho e que possa contar com o suporte de quem já passou ou está passando por experiências parecidas.

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O sumário dos principais conceitos:

Quando a medicação psiquiátrica está em questão, duas visões se confrontam:

“Centrada na doença”  VERSUS  “Centrada na Droga”

O que resulta que conforme uma ou a outra visão, as seguintes questões serão respondidas de forma distinta por natureza:

  • O que são as drogas psiquiátricas?
    • Tratamento para doença mental X Substâncias psicoativas que alteram a mente e que podem ser úteis ao mesmo tempo que com riscos.
  • Como funcionam?
    • As drogas corrigem um processo anormal, uma doença de desequilíbrio químico no cérebro X As drogas criam um processo químico anormal no cérebro, como todas as substâncias psicoativas.
  • Quando usá-las?
    • Quando um transtorno mental particular está presente X Quando experiências particulares dos efeitos da droga são úteis no contexto.
  • Por que elas são úteis?
    • Os efeitos terapêuticos surgem da ação da droga no processo causador da doença X Os efeitos terapêuticos surgem por estarem sendo induzidos pela droga psicoativa que produz alteração dos estados mentais
  • O alvo?
    • Sintomas da doença X Corpo + Mente de quem toma a droga
  • E os riscos?
    • Os riscos da droga são necessários para tratar a doença X Os riscos da droga podem ser graves e podem ser piores do que a experiência para a qual a droga foi prescrita
  • Paradigma?
    • “Como a insulina para diabetes” X “Como o álcool para a ansiedade social”
  • Questões chaves:
    • Você tem uma doença mental?  X  É a droga útil para você levando em consideração os seus riscos?

Quem quiser aprofundar as diferenças entre o “modelo de uso de drogas centrado na doença” e o “modelo de uso de drogas centrado na própria droga”, vale a pena ler o artigo de Joanna Moncrieff e David Cohen, publicado no British Medical Journal “How do psychiatric drugs work?” É imperdível a palestra dada por Joanna Moncrieff sobre essa problemáticas na Universidade da Nova Inglaterra, com o título O Mito da Cura Química: A Política do Tratamento da Droga Psiquiátrica. (Lembre-se, o youtube oferece a ferramenta de legenda, em inglês, mas também em português. Não deixa de ser uma ajuda!)

COMO FAZER COM QUE A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA ASSUMA AJUDAR OS DEPENDENTES DAS SUAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS?

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As drogas psiquiátricas prescritas, são drogas psicoativas por natureza. Estamos falando de antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos, muito em particular. Em comum: drogas prescritas por psiquiatras; mas, e sobretudo, por clínicos em geral.

Quem prescreve tais drogas não se importa com a experiência de todos aqueles que sofrem ao que querer interrompe-las, ao tomarem a decisão de continuarem a viver normalmente.

O que os médicos dizem é que parar de tomar os medicamentos psiquiátricos por eles prescritos é uma decisão perigosa. Porque a suposta ‘doença’ do paciente irá se manifestar: são as chamadas ‘recaídas”.

O curioso é que para os médicos e para a indústria farmacêutica, as suas drogas são distintas por natureza da cocaína, a heroína, o crack, e assim por diante. Jamais falam da ‘dependência química’ que eles criam!

Crescem movimentos de busca por alternativas. E muito em particular, com que diz respeito aos modos como deixar de ser ‘viciado’ pela própria droga prescrita como um medicamento. Entre as iniciativas, são os movimentos sociais para obrigar a indústria farmacêutica a ajudar os dependentes das suas drogas.

Como exemplo, essa iniciativa que vale a pena ser vista.

A ALIANÇA ESPÚRIA ENTRE A MEDICINA E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

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A ALIANÇA ESPÚRIA ENTRE O FDA E AS EMPRESAS FARMACÊUTICAS

É senso-comum que o que é autorizado pelo FDA é eficaz e seguro para a saúde. O FDA como é conhecido por todos, é a agência dos Estados Unidos responsável pelo controle de alimentos e drogas. O pressuposto é que a avaliação dos riscos e benefícios para a saúde seja feita por médicos especialistas, funcionários de uma agência governamental – independente, portanto, de interesses mercadológicos. O que um novo artigo aponta, publicado pelo prestigiado periódico British Medical Journal (BMJ), é que uma parcela significativa dos médicos do FDA são igualmente funcionários da Indústria Farmacêutica.  O que os autores desse artigo mostram é que está ocorrendo o que em inglês é chamado de ‘revolving door”,  o que em português seria algo como ‘porta-giratória’.  Quer dizer, o que entra enquanto ‘pedidos’ – para a avaliação da agência reguladora FDA – é inseparável dos ‘interesses’ mercadológicos que de lá saem; assim como os próprios interesses mercadológicos que entram no FDA são iguais aos resultados que saem do FDA.

Isso ocorre com a saúde em geral.

O que ocorre com a Psiquiatria é igual, senão  ainda muito mais alarmante.

A matéria no Times.

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