POR QUE EU PENSO QUE OS ANTIDEPRESSIVOS CAUSAM MAIS DANOS DO QUE BENEFÍCIOS

Peter C Gotzsche (Nordic Cochrane Center)

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peter-gotzscheEm The Lancet Psychiatry, David Nutt e colegas (1)  afirmaram que manchetes tais como “Antidepressivos fazem mais mal do que bem”, ao explorarem “um novo patamar baixo de uma polêmica irracional”. Eu descordo e descrevo aqui as evidências que dão sustentação ao meu argumento, e com isso os leitores podem julgar por eles próprios o que eles pensam acerca da defesa dessas drogas por Nutt e seus colegas.

Com relação aos benefícios dos antidepressivos, a agência reguladora estudunidense FDA, em sua grande meta-análise de 100.000 pacientes, metade deles de deprimidos, observou que 10% mais pacientes responderam aos antidepressivos do que a placebo (2), e a revisão do Cochran (3) de pacientes deprimidos registrou resultados semelhantes (i.e, de cada dez pacientes tratados um pode se beneficiar).

Contudo, eu acredito que tais resultados foram exagerados, e por várias razões (4). A mais importante, as pesquisas não foram blindadas o suficientemente. Os antidepressivos têm efeitos colaterais evidentes e, por conseguinte, muitos pacientes e seus médicos irão saber se a droga testada é ativa ou é um placebo. Uma revisão sistemática de 21 pesquisas (5) em uma variedade de doenças, que tiveram avaliadores dos resultados mascarados e não-mascarados, descobriu que o efeito do tratamento foi exagerado por 36% em média (razão de chances) quando observadores não mascarados mais do que mascarados acessaram o efeito. O efeito de antidepressivos é acessado por escalas fortemente subjetivas (ex., a escala Hamilton), e se nós assumimos que o ‘cegamento’ (‘o mascaramento’) é quebrado por todos os pacientes nas pesquisas e ajustados pelo preconceito, nós encontraremos que os antidepressivos não têm efeito (razão de chance de 1.02) (4).

Contudo, eu não acredito que o ‘cegamento’ (‘mascaramento’) seja sempre quebrado, apenas que o efeito relatado seja muito provavelmente exagerado. Muitos anos atrás, pesquisas adequadamente ‘cegadas’ com antidepressivos tricíclicos foram feitas, nas quais o placebo continha atropina, que causa secura na boca como as drogas ativas assim o fazem. Essas pesquisas relataram efeitos muito pequenos, clinicamente insignificantes, dos antidepressivos tricíclicos comparados com o placebo (diferença da média padrão 0.17, 95% Cl 0.00-0.34) (6).

Um outro achado preocupante nas pesquisas randomizadas é que, por alguma razão, muitos pacientes interrompem o tratamento tanto com SSRIs quanto com placebos (7). Após apenas 2 meses, metade dos pacientes pararam de tomar a droga (8). Esse achado sugere que, em geral, considerando benefícios e danos juntos, os pacientes consideram as drogas sem utilidade. Mais importante ainda, nenhuma pesquisa mostra se essas drogas funcionam de fato para os resultados que realmente importam, tais como salvar relações e permitir que as pessoas retornem ao trabalho.

Com respeito aos danos dos antidepressivos, a maioria dos pacientes que tomam essas drogas experimentará efeitos colaterais.  A bula lista muitos efeitos colaterais comuns, dos quais os mais frequentes são problemas sexuais. Em um estudo (9) desenhado para avaliar esses efeitos colateral, problemas sexuais foram desenvolvidos em 604 (59%) dos 1022 pacientes que relataram não haverem tido problemas com a função sexual antes de começarem a usar antidepressivo. Os sintomas incluíram libido diminuída (50% dos pacientes em fluoxetina), orgasmo ou ejaculação retardados (também 50%), sem orgasmo ou ejaculação (39%), e disfunção erétil ou queda da lubrificação vaginal (22% para ambos combinados).

Mesmo quando diminuem lentamente a dose, metade dos pacientes têm dificuldade para interromper as drogas por causa dos efeitos de abstinência, que podem ser severos (10) e duradouros (4). Nós notamos que os sintomas de abstinência foram descritos em termos similares para benzodiazipinas e SSRIs, bem como para 37 dos 42 sintomas identificados (11). Contudo, tais sintomas não foram descritos como dependência para SSRIs (11). Definir como problemas similares a “dependência”, no caso dos benzodiazepínicos, e  ‘reações pela interrupção”, no caso dos SSRIs, é irracional. Para os pacientes, os sintomas são exatamente os mesmos; pode ser muito difícil interromper as drogas, as de um tipo ou as de outro.

Psiquiatras com frequência argumentam, como fizeram Nutt e colegas (1), que os antidepressivos protegem contra o suicídio. Contudo, eu acredito que não exista nenhuma  evidência clara para afirmar isso. Bons estudos de observação refutaram isso (12), e resultados de pesquisas randomizadas (13) mostraram que os antidepressivos estão associados com o aumento de risco de tentativas de suicídio (5.6 mais tentativas de suicídio para 1000 pacientes-anos de exposição aos SSRIs comparados com o placebo). Antidepressivos não apenas têm sido associados com o suicídio, mas também com o homicídio (4,14,16).  A análise da FDA mostrou que o comportamento suicida é aumentado com antidepressivos até a idade de 40 anos – mas de fato, a situação é muito pior do que isso. Suicídios e tentativas de suicídio foram amplamente não relatadas na análise do FDA por várias razões (4). Por exemplo, apenas cinco mortes por suicídio foram relatadas em 52 960 pacientes em antidepressivos na análise do FDA (2) em 2006, enquanto que cinco mortes por suicídio foram relatadas em 2963 pacientes em paroxetina apenas em uma meta-análise de 1993 (17).

Os SSRIs são particularmente daninhos para pacientes idosos. Resultados de estudo de uma amostra cuidadosamente controlada (18) com pessoas com mais de 65 anos de idade com depressão mostrou que SSRIs levaram a quedas em número maior do que  os antigos antidepressivos ou se a depressão não houvesse sido tratada. Para cada 28 pessoas idosas tratadas por 1 com um SSRI, houve uma morte adicional, comparado com os não tratados (18). SSRIs têm também efeitos estimulantes e podem precipitar a conversão para o transtorno bipolar em cerca de 10% das crianças entre 10-14 anos sendo tratadas pelos serviços de saúde mental (19).

“Os SSRIs são drogas muito pobres e eu duvido que elas possam ser seguras em qualquer idade. “

O primeiro SSRI foi a fluoxetina, com o regulador de drogas da Alemanha julgando ser “totalmente inadequada para o tratamento da depressão” (14,20) . Eu, e outros, (4,21) escrevemos sobre a controvérsia ao redor dessa droga e o seu processo para aprovação, não obstante ter sido aprovada e amplamente usada.

Eu escrevi previamente (4) que tem havido uma intensa comercialização e um crime generalizado cometidos pelas empresas farmacêuticas, incluindo fraude, promoção ilegal e corrupção de psiquiatras. Nos Estados Unidos, os psiquiatras recebem mais dinheiro da indústria farmacêutica do que nenhuma outra especialidade médica (4,22). Como resultado, a quantidade de antidepressivos prescritos todo ano na Dinamarca é suficiente para fornecer tratamento para todas as pessoas no país por 6 anos de suas vidas (4). Eu acredito que essa situação não parece boa e que também retrata o fato que muitos pacientes não podem interromper essas drogas, devido aos intoleráveis sintomas de abstinência.

Os SSRIs têm mostrado terem benefícios mínimos ou não-existentes em pacientes com depressão leve ou moderada (23), e eu penso que até mesmo essas drogas não podem sequer funcionar para a depressão severa (4). Elas devem ser usadas muito cuidadosamente, se de todo, e sempre com um plano claro para eliminá-los paulatinamente. Os assim chamados estudos de manutenção, nos quais pacientes após um tratamento bem sucedido recebem aleatoriamente ou uma droga ou um placebo, não podem ser interpretados como mostrando que os pacientes ainda necessitem a droga, por ser devido aos sintomas de abstinência, o que pode incluir depressão, e que são infligidas no grupo placebo.

Nutt e dois dos seus co-autores, Guy M Goodwin e Stephen Lawrie, têm entre eles declarado 22 conflitos de interesse em relação às companhias farmacêuticas (1). Eu pergunto-me se essa declaração não explica a sua renúncia à psicoterapia (embora seja efetiva e recomendada pelo NICE) e a descrição deles da minha visão como uma polêmica irracional que estaria insultando a disciplina da psiquiatria e reforçando o estigma contra as doenças mentais. Eles também falam de anti-psiquiatria, anti-capitalismo e de uma teoria conspiratória. Essa é a linguagem das pessoas que são curtas de argumentos.

Bibliografia:

1              Nutt DJ, Goodwin GM, Bhugra D, Fazel S, Lawrie S. Attacks on antidepressants: signs of deep-seated stigma? Lancet Psychiatry 2014 ; 1: 103–04.

2              Laughren TP. Overview for December 13 Meeting of psychopharmacologic drugs advisory committee (PDAC). 2006 Nov 16. http://www.fda.gov/ ohrms/dockets/ac/06/briefing/2006-4272b1-01-FDA.pdf (accessed Oct 22, 2012).

3              Arroll B, Elley CR, Fishman T, et al. Antidepressants versus placebo for depression in primary care. Cochrane Database Syst Rev 2009; 3: CD007954.

4              Gøtzsche PC. Deadly medicines and organised crime: how big pharma has corrupted health care. London: Radcliffe Publishing, 2013.

5              Hróbjartsson A, Thomsen AS, Emanuelsson F, et al. Observer bias in randomised clinical trials with binary outcomes: systematic review of trials   with both blinded and non-blinded outcome assessors. BMJ 2012; 344: e1119.

6              Moncrieff J, Wessely S, Hardy R. Active placebos versus antidepressants for depression. Cochrane Database Syst Rev 2004; 1: CD003012.

7              Barbui C, Furukawa TA, Cipriani A. Effectiveness of paroxetine in the treatment of acute major depression in adults: a systematic re- examination of published and unpublished data from randomized trials. CMAJ 2008; 178: 296–305.

8              Serna MC, Cruz I, Real J, et al. Duration and adherence of antidepressant treatment (2003 to 2007) based on prescription database. Eur Psychiatry 2010; 25: 206–13.

9              Montejo A, Llorca G, Izquierdo J, et al. Incidence of sexual dysfunction associated with antidepressant agents: a prospective multicenter study of 1022 outpatients. Spanish Working Group for the study of psychotropic- related sexual dysfunction. J Clin Psychiatry 2001; 62 (suppl 3): 10–21.

10           Fava GA, Bernardi M, Tomba E, et al. Effects of gradual discontinuation of selective serotonin reuptake inhibitors in panic disorder with agoraphobia. Int J Neuropsychopharmacol 2007; 10: 835–38.

11           Nielsen M, Hansen EH, Gøtzsche PC. What is the difference between dependence and withdrawal reactions? A comparison of benzodiazepines and selective serotonin re-uptake inhibitors. Addiction 2012; 107: 900–08.

12           Zahl PH, De Leo D, Ekeberg Ø, et al. The relationship between sales of SSRI, TCA and suicide rates in the Nordic countries. BMC Psychiatry 2010; 10: 62.

13           Fergusson D, Doucette S, Glass KC, et al. Association between suicide attempts and selective serotonin reuptake inhibitors: systematic review of randomised controlled trials. BMJ 2005; 330: 396.

14           Healy D. Let Them Eat Prozac. New York: New York University Press; 2004.

15           Moore TJ, Glenmullen J, Furberg CD. Prescription drugs associated with reports of violence towards others. PLoS One 2010; 5: e15337.

16           Lucire Y, Crotty C. Antidepressant-induced akathisia-related homicides associated with diminishing mutations in metabolizing genes of the CYP450 family. Pharmgenomics Pers Med 2011; 4: 65–81.

17           Montgomery SA, Dunner DL, Dunbar GC. Reduction of suicidal thoughts with paroxetine in comparison with reference antidepressants and placebo. Eur Neuropsychopharmacol 1995; 5: 5–13.

18           Coupland C, Dhiman P, Morriss R, et al. Antidepressant use and risk of adverse outcomes in older people: population based cohort study. BMJ 2011; 343: d4551.

19           Martin A, Young C, Leckman JF, et al. Age effects on antidepressant-induced manic conversion. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158: 773–80.

20           Internal Eli Lilly memo. Bad Homburg. 1984 May 25 (available on request).

21           Virapen J. Side effects: death. College Station: Virtualbookworm.com Publishing, 2010.

22           Insel TR. Psychiatrists’ relationships with pharmaceutical companies: part of the problem or part of the solution? JAMA 2010; 303: 1192–93.

23           Fournier JC, DeRubeis RJ, Hollon SD, et al. Antidepressant drug effects and depression severity: a patient-level meta-analysis. JAMA 2010; 303: 47–53.

Este artigo foi originalmente publicado em  The Lancet.

 

Peter Gotzsche (Nordic Cochrane Centre), Dept 7881 Righospitalet, Copenhagen, Denmark [email protected]

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Peter C. Gøtzsche, MD, publicou mais de 100 artigos nas cinco principais revistas médicas gerais e seus trabalhos científicos foram citados mais de 150.000 vezes. Ele publicou vários livros relevantes para a psiquiatria, incluindo Deadly Psychiatry and Organised Denial, Mental Health Survival Kit and Withdrawal from Psychiatric Drugs e Critical Psychiatry Textbook. Atualmente, ele está financiando por meio de crowdfunding seu Institute for Scientific Freedom com o objetivo de preservar a honestidade e a integridade na ciência.