Pesquisadora critica a cobertura enganosa da mídia sobre a metanálise do antidepressivo publicada em Lancet

O editor clínico do BMJ discorda da cobertura midiática não-crítica da meta-análise de rede sobre antidepressivos, delineando erros de reportagem

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RebeccaEm um comentário publicado no BMJ, com o título “Alardear um milhão de pílulas da felicidade?”, a editora clínica do jornal, Kate Adlington, sugere que a maior parte da cobertura da mídia que tem sido dada ao estudo da metanálise sobre antidepressivos publicado em The Lancet foi insuficientemente diferenciada. Desde a sua publicação em fevereiro último, o estudo tem recebido ampla atenção e tem sido objeto de um forte debate entre pesquisadores, clínicos e pacientes.

” ’Deem mais pílulas da felicidade’, gritava a primeira página do The Sun no dia 22 de fevereiro … Muitas agências de notícias reivindicaram mais prescrição “, escreve Adlington. “Mas e quanto ao tratamento excessivo, com as suas incontáveis implicações práticas e financeiras?”

Photo Credit: Max Pixel
Photo Credit: Max Pixel

Em fevereiro deste ano, Andrea Cipriani, John Geddes e colegas publicaram os resultados de uma metanálise em rede comparando a eficácia e a aceitabilidade de 21 antidepressivos no tratamento do transtorno depressivo maior em adultos. Por haver sido a primeira grande metanálise de rede (n = 116.477) desse tipo, o estudo recebeu ampla atenção da mídia e resultou em manchetes atraentes, como as incluídas nos comentários de Adlington (por exemplo, ‘incentivo às pílulas para mais felicidade’ no The Sun). O estudo e sua subsequente cobertura noticiosa suscitaram debates que vem de longa data sobre a eficácia dos antidepressivos e provocaram vários artigos como resposta, bem como entrevistas na TV e cartas ao editor, conforme já detalhado aqui neste site.

Em seu comentário, Adlington destaca a forma confusa e, às vezes, sensacionalista, da apresentação da metanálise tal como vem sendo feita por muitos veículos tradicionais da mídia. Por exemplo, a manchete da BBC sobre o estudo declarou: “Os antidepressivos: um grande estudo descobriu que funcionam”. Outras fontes promoveram essencialmente o aumento da prescrição para dar respostas aos resultados do estudo; um artigo no The Telegraph sugeriu que “um milhão a mais de britânicos” deveria receber antidepressivos.

Essas manchetes e seus conteúdo produzidos em grandes pinceladas não refletem com precisão o escopo e os resultados do estudo, afirma Adlington. Por exemplo, a pesquisa não enfocou a “prática de prescrição”, nem os resultados publicados referem-se ao número de “pessoas não tratadas”. Em vez disso, esse número “um milhão” se originou em uma entrevista ao The Guardian com um dos coautores do estudo, John Geddes, em que ele afirmou que “pelo menos mais um milhão de pessoas por ano [no Reino Unido] deve ter acesso a um tratamento eficaz para a depressão, seja medicamentoso ou psicoterapia.” O reconhecimento de Geddes que antidepressivos são uma das múltiplas opções possíveis de tratamento foi assim perdido na matéria do Telegraph; ainda que os números apresentados por Geddes também tenham sido contestados.

Além disso, muitas notícias sobre o estudo não abordaram totalmente as limitações do estudo. Uma dessas limitações é a discrepância entre o período de referência nos estudos incluídos na metanálise (8 semanas) e a duração média que é  muito maior do uso de antidepressivos na prática. E mais ainda, Adlington ressalta que muitas das reportagens não discutiram “os pequenos efeitos, os efeitos colaterais, a predominância de ensaios clínicos patrocinados pela indústria farmacêutica, assim como outras opções de tratamento, como psicoterapia ou terapia cognitivo-comportamental”.

Adlington prossegue em sua argumentação, observando que os resultados do estudo também receberam amplo “endosso profissional”. As respostas das pessoas no campo incluíram a declaração de Carmine Pariante em nome do Royal College of Psychiatrists de que “essa metanálise finalmente coloca um fim à controvérsia sobre os antidepressivos.” Sobre este assunto, Adlington escreve:

“O que o estudo achou se transformou em uma mensagem midiática de que todos os antidepressivos são eficazes em toda depressão. Não obstante, parece que as comunidades psiquiátricas e de pesquisa cautelosamente confirmaram que a cobertura positiva da mídia seria justificável”.

Concluindo, Adlington reconhece o contínuo e controverso “debate ideológico” sobre o uso de antidepressivos, um debate que antecede o estudo da The Lancete em sua cobertura feita pela mídia. À luz das hashtags do Twitter que surgiram em resposta à reportagem sobre o estudo – # medsworkedforme e #medsdidntworkfor me – Adlington sugere que, “o estudo pode muito bem levar o debate adiante para os pacientes”. Ela fecha com uma citação de Cipriani e Geddes, que disse ao BMJ: “Talvez o resultado mais impressionante da mídia para todos nós tenha sido a conversa no Twitter. Isso pareceu refletir a verdadeira experiência vivida de pessoas com depressão e nós achamos os tweets ao mesmo tempo humilhantes e comoventes”.

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Adlington, K. (2018). Pop a million happy pills? Antidepressants, nuance, and the media. BMJ: British Medical Journal (Online)360. (Link)