O Estado Neoliberal Promove a Indústria Farmacêutica no Chile

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A revista Psicología, Conocimiento y Sociedad, da Universidad de la República – Uruguai, traz em sua recente edição o artigo de Juan Carlos Cea Madrid, entitulado “Estado neoliberal y gasto público en psicofármacos en el Chile contemporáneo”.  O artigo aborda o lugar do Estado neoliberal chileno nos gastos em saúde mental favoráveis ao mercado farmacêutico. Para tal, são usados  dois eixos articuladores: a extensão da atenção ambulatorial e o aumento da prescrição de psicofármacos.

O artigo inicia com informações sobre o desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental no Chile. Houve a ampliação das consultas nos centros de atenção primária e a organização de serviços ambulatórios com raiz territorial, complementando serviços tradicionais. Porém, apesar do foco comunitário destas políticas públicas, a ampliação da rede de atenção se desenvolveu de acordo com critérios neoliberais de eficiência e racionalização do gasto, incentivando a mercantilização dos serviços sanitários no território e a privatização da gestão hospitalar. Conjuntamente, houve o aumento do consumo de psicofármacos.

Entre as poucas pesquisas que abordam o fenômeno do consumo de psicofármacos no Chile, o autor aponta para o trabalho de Jirón, Machado e Ruiz (2008). Segundo estes autores, o consumo total de doses diárias de antidepressivos para cada 1.000 habitantes sofreu um aumento de 470% em 12 anos, ou seja, passou de 2,5 em 1992 para 11,7 em 2004. Também detectou que o antidepressivo mais consumido é a Fluoxetina. Outro estudo, também realizado em 2004, demonstrou que 6,4% da população entrevistada em Santiago de Chile estavam consumindo algum psicofármaco no momento da entrevista. Um estudo mais recente, realizado entre 2009 – 2010 demonstrou que 7,8% da população disse consumir estimulantes e antidepressivos, assim como 5,6% ansiolíticos, hipnóticos e antipsicóticos. O autor também cita outras pesquisas a respeito.

Segundo o autor os psicofármacos são relevantes para entender os vínculos entre saúde mental e o neoliberalismo. Existe um predomínio do discurso psiquiátrico na sociedade de que os psicofármacos funcionam e ajudam as pessoas a levar uma vida “normal”. Porém, é sabido que ainda não foram estabelecidas as causas biológicas dos transtornos mentais e os medicamentos psiquiátricos não vem se mostrando benéficos dentro dos critérios da ciência médica.  No entanto, os psicofármacos expressam o cenário neoliberal, onde o bem estar é responsabilidade do próprio indivíduo, que deve ser autossuficiente. Dessa forma, o aumento do interesse pelos psicofármacos aumenta, já que a sociedade neoliberal é marcada pelo individualismo, consumismo, competitividade e produtividade. Além de o Estado neoliberal promover mercantilização do direito a saúde e a privatização dos serviços públicos.

“Para Moncrieff (2006), esta individualização e naturalização do mal estar social, se articula com as políticas neoliberais, possibilitando a proliferação de rótulos psiquiátricos e o expressivo aumento de pessoas diagnosticadas com ‘transtornos mentais’, assim como a expansão de serviços de saúde mental e o consumo de psicofármacos.”

O artigo então apresenta dados da Central Nacional de Abastecimento (CENABAST), durante o período de 2011-2017. A CENABAST é a responsável por realizar compras de insumos clínicos e medicamentos para hospitais, consultórios e centros de saúde administrados pelo Estado. Através desses dados, é possível observar que a soma de dinheiro usado para compra de antipsicóticos e antidepressivos sofreu crescimento, 119,9% no caso de antipsicóticos e 162,5% para antidepressivos. Em relação às empresas beneficiadas, 15 foram as beneficiadas por licitações públicas, das quais 4 foram as que mais lucraram com antidepressivos: Laboratório Chile S.A., Laboratórios Andromaco S.A., Opko Chile S.A. e Socofar S.A., representando 56,2% do gasto público em antidepressivos. Já em relação aos antipsicóticos, 18 empresas participaram de licitações públicas, das quais os laboratórios Pfizer Chile S.A. e Ascend Laboratories SPA representam 46,2% do total de compras efetuadas pelo Estado, entre os anos de 2011 e 2017. Nesse sentido, não houve uma diminuição da participação do Estado neoliberal no investimento em saúde, pelo menos em quanto ao incentivo e patrocínio da indústria farmacêutica, através da obtenção de psicofármacos.

Como conclusão, o autor considera que o aumento do consumo de medicamentos representa um grave problema de saúde pública. Ele cita Peter Gotzsche, ao se referir que mais de meio milhão de pessoas com mais de 65 anos morrem em consequência do uso de medicamentos psiquiátricos no mundo ocidental todo ano. Ou seja, o uso de psicofármacos é a terceira causa de morte, depois de doenças cardíacas e câncer. Ainda destaca que é possível reduzir o atual consumo de psicofármacos em 98% e aumentar os níveis de bem estar subjetivo com apoio psicossocial e comunitário.

“A respeito, é necessário articular ações consistentes e progressivas destinadas a diminuir radicalmente o gasto público como psicofármacos e reorientar esses recursos para serviços sociais, comunitários e participativos, com o objetivo de combater as injustiças e desigualdades que geram mal estar no campo da subjetividade em um contexto neoliberal.”

Outro elemento destacado pelo autor é a necessidade de se prevenir ou diminuir a incidência de iatrogenia, consequência de atividade desnecessária ou excessiva do sistema médico na população. Neste caso, o autor considera o consumo ampliado e prolongado dos psicofármacos como iatrogênico. Para tal, os atores da saúde mental devem conhecer os graves prejuízos que os medicamentos psiquiátricos podem causar no paciente, para que  dessa forma, possam adotar medidas a fim de minimizar esse dano.

Por último, é destacado o horizonte de autonomia que devem ter as comunidades. Para alcançar esse horizonte, é necessário um olhar crítico sobre o Estado neoliberal, principalmente as práticas e discursos institucionais que considera bem estar segundo os parâmetros do mercado e patrocina a indústria farmacêutica com recursos públicos. É necessário promover participação cidadã e dialogar com possibilidades alternativas aos psicofármacos. Participação comunitária e mais democracia são as chaves para a autonomia.

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MADRID, Juan Carlos Cea. Estado neoliberal y gasto público en psicofármacos en el Chile contemporáneo.Psicol. Conoc. Soc.,  Montevideo ,  v. 8, n. 2, p. 39-52,  nov.  2018 . (link)