Dois anos reduzindo um antidepressivo – uma experiência de mudança de vida que eu não queria

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Comecei a redução do meu antidepressivo em 12 de maio de 2017. Pouco mais de dois anos depois, através de uma determinação muito séria e severa, consegui chegar hoje a 25% da minha dose inicial. Os últimos 755 dias têm sido uma batalha quase que constante, enfrentando uma série de desafios físicos e psicológicos. Eu acordo de manhã sentindo-me completamente exausto e tão fatigado que não consigo pensar direito, e o dia geralmente se passa desse modo.

Meus próprios desafios de saúde mental têm sido terríveis para mim e para a minha família. Luto com pensamentos ansiosos, uma intensa sensação de desolação e uma fobia de vômito, e essas questões me custaram a minha carreira, a nossa família em casa, a perda de amigos e colegas, juntamente com minha dignidade e qualquer auto-respeito. Em retrospecto, minha experiência de retirada parece muito pior do que aqueles momentos duros e cheios de terror de antes. Meus sentimentos de desespero absoluto ou pânico absoluto e irracional não são constantes, eles diminuíram, há vezes em que desaparecem completamente. A experiência de abstinência não é algo a ser simplesmente abatido, é um companheiro indesejável, quase que enjoativo e permanente, e que passou a dominar minha vida e a afetar fundamentalmente a minha família.

Embora eu perceba que nem todo mundo experimenta tanta dificuldade saindo das drogas, tem ficado evidente que a retirada do antidepressivo necessita de mais atenção. Uma revisão sistemática recentemente feita pelo professor John Read e o doutor James Davies descobriu que, em média, em vários estudos, 56% dos usuários de antidepressivos relataram sintomas de abstinência. Críticos (principalmente pesquisadores psiquiátricos proeminentes) foram rápidos em apontar que pesquisas auto-selecionadas não são necessariamente livres de preconceitos e que uma pequena amostra não prova que o problema seja considerável. No entanto, aqui está a coisa, essas drogas estão em uso há décadas, milhões de libras foram gastas investigando-as para tentar entender como elas funcionam. Então, por que não sabemos mais sobre os efeitos a longo prazo, incluindo as dificuldades de retirada e a capacidade desses medicamentos de resultar em dependência? Efeitos de abstinência foram observados durante o estágio de uso da técnica de ‘washout placebo’,  em ensaios clínicos de drogas psiquiátricas. No início do estudo, os participantes são retirados de medicamentos ativos e recebem um placebo. A intenção é reduzir a influência de drogas concorrentes e identificar os respondentes ao placebo. O que isso realmente faz é colocar os participantes do estudo em retirada quando eles já estavam a usar uma droga psiquiátrica. Sabemos que esses efeitos foram observados em ensaios clínicos, ainda que os defensores dos pacientes muitas vezes enfrentem denúncias e acusações falsas de terem ‘vergonha da droga’ ou de serem adeptos da anti-ciência.

Os artigos que discutem a retirada são quase impossíveis de serem encontrados nos destacados periódicos médicos, muitas vezes aparecendo em publicações menores e independentes. Quando um artigo aparece, como o recente estudo do Doutor Mark Horowitz em Lancet Psychiatry, fica claro que as únicas respostas permitidas são aquelas críticas ao que o artigo mostra. Eu sei porque enviei minha própria resposta e auxiliando a redação de uma outra resposta feita por vários colegas profissionais; ambas apoiando o estudo e ambas foram recusadas, pois só o que desejavam era publicar respostas críticas ao artigo do Dr. Horowitz. Isso apesar de Lancet Psychiatry querer encorajar mais ‘opiniões de pacientes’, com a sessão Service User Reviewers (‘Revisões feitas por Usuários dos Serviços’), em seu número de setembro de 2018,  ao ser feia a seguinte pergunta:

“Como se pode garantir que aqueles com maior participação nas decisões tomadas sobre o futuro da psiquiatria – pessoas com experiência pessoal de problemas de saúde mental – sejam uma parte substancial, na verdade, uma parte importante do impulso em direção a um melhor atendimento?”

Em toda a Inglaterra, em 2018, foram prescritos 71 milhões de antidepressivos, quase o dobro em uma década. Esta figura surpreendente não apresenta de fato a história completa, pois exclui a prescrição em prisões, hospitais e clínicas psiquiátricas privadas. O The Guardian informou recentemente que existem 4 milhões de usuários de antidepressivos a longo prazo na Inglaterra. Algumas dessas pessoas podem querer confiar nas drogas para o resto de suas vidas, essa é a escolha delas e que deve ser respeitada, mas algumas pessoas terão tentado e não conseguiram sair dos antidepressivos. Elas podem ter visitado seu médico ou psiquiatra, reclamando de sintomas de abstinência, mas foram informadas de que haviam tido recaída e que seus problemas de saúde mental haviam ressurgido. É uma cruel ironia que os sintomas de abstinência sejam, às vezes, muito difíceis de serem distinguidos dos problemas de saúde mental, pois abrangem uma gama muito ampla de efeitos físicos e psicológicos adversos. Muitas pessoas que experimentaram a abstinência, no entanto, descreverão sintomas indicadores que nunca apareceram como parte de sua condição originalmente diagnosticada, mas que só se tornaram manifestados quando começaram a reduzir as drogas. Para mim, isso significa dores de cabeça esmagadoras e visão turva, um sinal claro de que meu corpo está a implorar para que eu ‘diminua a velocidade’.

Agora é geralmente aceito pelos médicos que as drogas benzodiazepínicas, como Valium e Lorazepam, podem muito rapidamente resultar em dependência e que deve-se ter cuidado ao prescreve-las. Muitos psiquiatras proeminentes têm insistentemente afirmado que os antidepressivos não resultam em dependência. Recentemente o Royal College of General Practitionersfez circular um guia para os ‘Dez Medicamentos que mais criam Dependência’, do qual os medicamentos antidepressivos estão omitidos. Na minha opinião, nunca foi provado que os antidepressivos não criam dependência quando tomados por mais de alguns meses. Cabe, portanto, à psiquiatria provar o que ela diz é evidentemente verdadeiro. Em 2014, o professor Peter Gøtzsche na época diretor da Cochrane Collaboration, escrevendo para Lancet Psychiatry, fez a seguinte declaração:

“Notamos que os sintomas de abstinência foram descritos em termos semelhantes para benzodiazepínicos e ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina) e foram muito semelhantes em 37 dos 42 sintomas identificados. No entanto, eles não foram descritos como dependência para ISRSs. Definir problemas semelhantes como ‘dependência’ no caso dos benzodiazepínicos e como ‘reações de abstinência’ no caso dos ISRSs é irracional. Para os pacientes, os sintomas são os mesmos; pode ser muito difícil para eles interromper qualquer tipo de droga. ”

Em 29 de maio, o Royal College of Psychiatrists emitiu um comunicado de imprensa que sinalizou uma mudança de posição, ao aceitar que algumas pessoas lutam com experiências difíceis de retirada. Também publicou uma declaração de revisão da política, pedindo ao NICE (National Institute for Care and Health Excellence) para atualizar suas diretrizes de retirada. Este desenvolvimento, que é bem-vindo, segue os muitos meses de trabalho do Council for Evidence-based Psychiatry (Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências), junto com membros da comunidade de antidepressivos prescritos. Embora devamos celebrar esse significativo progresso, precisamos estar cientes do posicionamento das declarações formais. No final da declaração de posição sobre antidepressivos e declaração de política revista para a depressão, há uma seção que observa que a dependência de antidepressivos é uma questão de ‘percepção pública’. Portanto, embora essa mudança de posição seja bem-vinda, ainda há claramente um abismo entre o conhecimento experiencial adquirido ao tomar e tentar parar as drogas e aquele conhecimento adquirido através da leitura de artigos e da observação clínica. No entanto, pontes estão sendo construídas e eu gostaria de reconhecer publicamente todos os esforços que têm sido feitos para nos levar a esse ponto.

“Se não há luta, não há progresso” – Frederick Douglass

Ao longo de minha própria retirada, eu tenho me interessado por soluções para esse problema e tenho feito ativamente campanhas por uma maior conscientização e compreensão, lançando um podcast e iniciando uma petição que agora tem mais de 10.000 assinaturas. Aplaudo em voz alta o excelente trabalho realizado pelo doutor Peter Groot, na Holanda, para desenvolver as tiras de afunilamento. Uma solução baseada em evidências, desenvolvida a partir de uma perspectiva de experiência vivida e independente dos fabricantes de medicamentos. Esperemos que possamos ir adiante, pensando o suficiente para adotar soluções, em vez de fazer grandes declarações e, ao mesmo tempo, alcançar pouco valor prático para aqueles que estão sofrendo.

Nos meus esforços de campanha, ao lado de outros, eu defendo:

  • Suporte para aqueles afetados pela dependência aos antidepressivos.
  • Verdadeiro consentimento informado e discussão no momento da prescrição, que ajude a minimizar as chances de alguém se tornar dependente.
  • Adequadas ao propósito, que existam diretrizes baseadas em evidências que forneçam fatos não adulterados, não meramente teóricos.
  • Maior conhecimento entre médicos e psiquiatras, permitindo-lhes reconhecer e responder à retirada difícil.
  • Que o uso de medicamentos antidepressivos seja proporcionado com as pessoas controlando o que elas tomam e seu processo de parar de tomar.

Acredito que tais objetivos sejam ações de senso comum que minimizem os danos e levem a uma melhor prescrição. Certamente, um objetivo louvável tanto para a medicina quanto para a sociedade.

Quanto a mim, ainda tenho a parte mais difícil da minha retirada frente a mim, estou cansado além das palavras e desanimado além da crença. Eu não me sinto preparado para o desafio que está por vir. Minha vida foi em grande parte reduzida a ver os outros seguirem suas vidas, mais ou menos como a observar o mundo de dentro de um aquário. Tenho muita sorte de poder trabalhar com colegas que me dão apoio, que entendem que eu posso estar trabalhando um dia e acamado no dia seguinte. Meu coração se apega a qualquer um que esteja sofrendo de abstinência, mas especialmente aqueles cercados por pessoas julgadoras que negam apoio, e aqueles que estão tão doentes que não podem trabalhar e que estão lutando ao navegar por um sistema de ‘benefícios” insincero e cínico . A negação e a minimização da retirada tornam ainda mais difícil o acesso para ajuda àqueles que sofrem, somos tantos os que buscam apoio ou entendimento. O único crime deles é estarem experimentando dificuldades criadas por um tratamento prescrito, e que são tratados como párias dos médicos.

Se você confiar mesmo em seu médico ou psiquiatra para a retirada ou aconselhamento para a redução, você pode experimentar uma abordagem muito imprevisível. Retirada de drogas antidepressivas pode ser um desafio significativo e precisa ser abordada com cuidado, com compreensão e uma abordagem de tomada de decisão compartilhada. Quero agradecer aos corajosos clínicos gerais, psiquiatras, psicólogos e pesquisadores que se afastaram da linha de partida para apresentar a verdade crua e inalterada sobre as drogas psiquiátricas, incluindo sua capacidade de resultar em experiências de abstinência, por vezes, excruciantes.

Não tenho o menor desejo de amedrontar ninguém, por isso é importante saber, ao ler isto, que nem todos experimentarão uma retirada tão difícil. No entanto, essa questão se resume a mais do que uma diferença de opinião: temos que avaliar cuidadosamente se a falta de uma discussão completa e franca entre prescritores e pacientes está causando danos à sociedade.

Para qualquer pessoa que esteja lendo isso e que não consiga encontrar ajuda e suporte, há alguns recursos on-line que podem ser recomendados. Mad in America mantém um Diretório de Provedores, listando os terapeutas que estão dispostos a apoiar as pessoas que fizeram a escolha de parar. O site bem conhecido Surviving Antidepressants tem há anos fornecido suporte para a redução e interrupção. Outra excelente fonte de informação é o Inner Compass e o Withdrawl Project de Laura Delano.

Eu sinceramente espero que eu não esteja escrevendo outro blog em 1.095 dias, mas estou longe de estar confiante.

“Sem desvios da norma, o progresso não é possível” – Frank Zappa

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http://www.jfmoore.co.uk James Moore experimentou o sistema psiquiátrico e os remédios psiquiátricos na própria pele, após uma crise psicológica relacionada ao estresse. Acreditando estar fundamentalmente quebrado, passou muitos anos em drogas psiquiátricas, antes de despertar para a realidade de que a psiquiatria tem poucas respostas para dificuldades humanas. James produz e hospeda o primeiro podcast da comunidade do Mad, no qual ele entrevista especialistas e aqueles com experiência vivida, para desafiar alguns conceitos errôneos comuns sobre psiquiatria, drogas psiquiátricas e o modelo bio-médico.