O impacto emocional da consciência crítica na juventude

Alunos do ensino médio com consciência crítica da política e desigualdade dos EUA exibem mais sofrimento emocional e menor desempenho acadêmico.

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Um estudo recente, publicado na revista Developmental Psychology, esclarece diferentes elementos da ‘consciência crítica’ e explora a relação desses elementos com o bem-estar da juventude. Os resultados de suas análises sugerem que os estudantes do ensino médio com menos confiança na justiça das estruturas políticas dos EUA, na eficácia do governo e no poder da ação política pessoal, sofrem maiores problemas de saúde mental e têm menores taxas de sucesso acadêmico. Essas e outras descobertas fornecem novos caminhos para se pensar nos esforços com educação crítica e justiça social.

“O conceito originalmente criado pelo educador brasileiro Paulo Freire, a consciência crítica descreve o processo pelo qual as pessoas tornam-se criticamente conscientes das raízes sociais e históricas das estruturas que perpetuam sua marginalização e tomam medidas para enfrentar essa opressão”, escrevem Dr. Erin B. Godfrey e colegas do Departamento de Psicologia Aplicada da Universidade de Nova York.

“Nos últimos anos, estudiosos da psicologia do desenvolvimento têm trabalhado com  o quadro de referências de Freire para explorar como uma consciência de desigualdade estrutural e opressão pode capacitar jovens marginalizados (por exemplo, jovens de cor; jovens de baixa renda) a mudar essas realidades, com consequências positivas para o seu desenvolvimento.”

San Francisco Youth Climate Strike – March 15, 2019 (Photo Credit: Wikipedia Commons)

Psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais de saúde mental estão se tornando cada vez mais conscientes do impacto significativo que os fatores sociais e econômicos têm sobre o bem-estar. Ao contrário de ver a pessoa individual e sua composição bioquímica como um sistema isolado, muitos pesquisadores estão explorando como fatores tais como status socioeconômico, identidade de gênero e opressão racial contribuem para o sofrimento humano. Esse entendimento tem levado a uma mudança para muitos pesquisadores, clínicos e indivíduos que sofrem os efeitos de seus sistemas sociais, em direção à justiça social e à mudança sistêmica mais ampla.

O educador e revolucionário brasileiro Paulo Freire enfatizou a necessidade de um aumento da ‘consciência crítica’ sobre as desigualdades estruturais e outras forças opressivas que resultam em sofrimento e marginalização, bem como a participação na ação social e política para mudar essas condições. Freire acreditava que a reflexão e a ação se reforçavam mutuamente, de modo que a participação na mudança social poderia aprofundar a compreensão de problemas estruturais e vice-versa.

“Evidências sugerem que a consciência crítica é benéfica para a juventude marginalizada – levando a melhores resultados ocupacionais e melhoria do bem-estar socioemocional”.

Psicólogos desenvolvimentistas têm adotado esses tópicos a partir do trabalho de Freire, aprofundando a pesquisa sobre os efeitos da consciência crítica no bem-estar da juventude e, mais sistematicamente, traçando seus distintos elementos.

O presente estudo analisou a relação entre três diferentes elementos da consciência crítica: a) reflexão crítica, b) eficácia sociopolítica, e c) ação crítica. A reflexão crítica é definida como a capacidade dos jovens de compreender o mundo à sua volta, por exemplo, como as desigualdades sistêmicas podem impedi-los de oportunidades de sucesso e aumentar sua marginalização. A eficácia sociopolítica está relacionada ao senso dos jovens de sua capacidade de mudar essas condições ou seu senso de empoderamento. Finalmente, a ação crítica refere-se ao envolvimento dos jovens nos esforços para mudar realidades sociopolíticas e econômicas injustas ao seu redor.

Os pesquisadores se concentraram em como esses fatores se relacionam entre si e com as medidas de bem-estar da juventude, como são as características demográficas, os resultados socioemocionais e o sucesso acadêmico. Eles pesquisaram 448 jovens não brancos de várias origens étnico-raciais, socioeconômicas e de gênero, dentro do sistema público de ensino médio de Nova York. As respostas para as perguntas da pesquisa que medem a consciência crítica e os resultados do bem-estar foram submetidas à análise estatística.

Quatro diferentes classes ou tipologias de alunos do ensino médio foram determinadas a partir da análise inicial. A classe 1 caracterizou-se por desconhecer as injustiças econômicas e raciais e, ao mesmo tempo, demonstrar os níveis mais baixos de crença na justiça das realidades políticas nos EUA. Eles também mostraram os níveis mais baixos de eficácia política interna ou fé em sua capacidade de efetuar mudanças, bem como pouco compromisso com a ação. No entanto, eles demonstraram uma crença moderadamente alta na eficácia das autoridades governamentais para a solução de problemas.

A classe 2 também foi caracterizada como inconsciente das injustiças, mas satisfeita com sua capacidade de efetuar mudanças e com a eficácia do governo. Eles expressaram alta crença na justiça dos EUA.

A classe 3 foi altamente crítica em relação à desigualdade econômica e racial. Eles tinham uma crença de nível médio na justiça dos EUA, alta confiança na eficácia do governo, uma crença média e alta para a sua capacidade política para mudanças, e compromisso de nível médio com a ação.

Finalmente, a classe 4 exibiu um nível intermediário a alto de reflexão crítica, crenças sobre justiça nos EUA com nível de médio a baixo, crença muito baixa com relação à eficácia das instituições, crença de média a alta em sua capacidade para produzir mudanças, e compromisso médio a baixo para a ação.

Os pesquisadores não encontraram diferenças significativas entre as classes em termos de gênero ou status socioeconômico, mas descobriram que os estudantes afro-americanos eram o grupo menos provável a pertencer à classe 2 (não-críticos e satisfeitos com o sistema). Os estudantes chineses eram os mais prováveis a pertencer à classe 2.

Previsivelmente, os estudantes da classe 2 eram significativamente menos propensos a apresentar sintomas depressivos em comparação com a classe 4, o grupo crítico que tinha uma crença muito baixa na eficácia das autoridades governamentais ou no seu engajamento com a mudança das realidades políticas. Os alunos da classe 2 também tiveram um envolvimento acadêmico e uma competência significativamente maiores do que a classe 4, bem como notas mais altas do que as outras classes.

“No geral, os jovens da Classe 4 (críticos e descontentes, mas eficazes) tiveram pior bem-estar socioemocional e acadêmico do que os jovens da Classe 2 (acríticos, satisfeitos e eficazes), relatando mais sintomas depressivos, menor competência acadêmica, menor engajamento acadêmico e notas piores após o controle de raça / etnia. Assim, jovens criticamente reflexivos que não confiam no governo parecem sofrer em seu bem-estar socioemocional e acadêmico, pelo menos em comparação com jovens menos críticos e mais confiantes.”

Este estudo aponta para a complexidade da consciência crítica e oferece novas formas de pensar sobre a educação da juventude e o incentivo à ação social. Os pesquisadores sugerem, por exemplo, que os estudantes que não são críticos, mas têm uma alta crença na justiça dos EUA, podem se beneficiar da educação crítica adicional se ela for enquadrada segundo os ideais americanos. Entender como a consciência crítica afeta os jovens marginalizados e como eles podem estar melhor preparados para lidar com as injustiças sistêmicas que afetam seu bem-estar, continua sendo uma necessidade urgente de mais pesquisas.

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Godfrey, E. B., Burson, E. L., Yanisch, T. M., Hughes, D., & Way, N. (2019). A bitter pill to swallow? Patterns of critical consciousness and socioemotional and academic well-being in early adolescence. Developmental Psychology, 55(3), 525-537. (Link)