Explicar biologicamente a depressão aumenta o prognóstico pessimista

A psicoeducação que explica a depressão em termos biológicos aumenta o prognóstico pessimista, a permanência percebida da depressão e a abertura a medicamentos psiquiátricos

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Um estudo recente publicado em Psychology and Psychotherapy: Theory, Research, and Practice examina os efeitos da psicoeducação nas percepções sobre a depressão. O estudo testa como as explicações da interação biológica e pessoa-ambiente diferem nos efeitos sobre a preferência pelo tratamento, pessimismo prognóstico e estigma. Os autores abordam a questão a partir das lentes da teoria da atribuição, que explora como o enquadramento da ‘doença mental’ pode contribuir para crenças e ações em torno do fenômeno.

“Por exemplo, o modelo biomédico assume que a depressão é uma disfunção cerebral e que a função cerebral é em grande parte o resultado de uma composição genética predeterminada ou por um desequilíbrio químico. Desse modo, atribuir a depressão a uma etiologia biomédica implica em uma causalidade interna, estável e incontrolável. Por outro lado, ao enfatizar os padrões cognitivos aprendidos, as contingências ambientais e as interações entre esses fatores, o modelo cognitivo e comportamental da depressão pode ser caracterizado como mais externo, variável e controlável. O exame desse processo é essencial para determinar como a etiologia da depressão deve ser estruturada de maneira a apoiar a busca eficaz de tratamento e atitudes relevantes”, escrevem Martha Zimmerman e Dr. Anthony Papa, da Universidade de Nevada.

Os pesquisadores há algum tempo se interessam pelos efeitos iatrogênicos ou não intencionais de diferentes modelos explicativos da doença mental. Algumas evidências sugerem que explicações biológicas da depressão podem resultar em maior culpabilização de si próprio, pessimismo e estigma. O filósofo e historiador da ciência Ian Hacking sugeriu que é comum interpretarmos a nós próprios por meio de ‘ferramentas’ culturais disponíveis, como são os diagnósticos psiquiátricos, levando a um tipo de ciclo de feedback no qual nos construímos em resposta a essas noções.

‘Teoria da atribuição’ é outra proposta relevante que argumenta que os efeitos de diferentes explicações podem ser medidos ao longo das linhas de locus de controle (externo versus interno), estabilidade e controlável ou incontrolável. Em outras palavras, uma narrativa é capaz de nos convencer de que um fenômeno (como doença mental) está fora de nosso controle, é estável e não está aberto a mudanças, é incontrolável.

“Os padrões de atribuição têm consequências importantes para respostas e comportamentos afetivos subsequentes. Acreditar que um evento ou característica negativa seja algo interno, por exemplo, pode resultar em mais auto-culpa”, explicam os autores.

O presente estudo expande as pesquisas existentes sobre a teoria da atribuição, no que se refere a explicações sobre a depressão. Os autores pediram aos participantes da pesquisa para que lessem três anúncios diferentes: um relato biológico da depressão, uma explicação da interação pessoa-ambiente para a depressão e uma descrição da depressão que evitava explicações. Os participantes foram recrutados na plataforma de crowdsourcing anônima, o Mechanical Turk da Amazon.

Somente participantes que não estavam recebendo tratamento e sem histórico de tratamento farmacológico para depressão foram incluídos, para evitar vieses pré-existentes em relação às terapias específicas. A presença de depressão foi medida nos participantes através do Inventário de Depressão de Beck. Após a leitura das instruções, os participantes preencheram questionários medindo o locus de controle, estabilidade, controlabilidade, preferências de tratamento e atitudes como estigma e pessimismo prognóstico.

Os resultados do estudo indicaram que a explicação biomédica estava associada a uma crença muito mais firme na credibilidade dos medicamentos em comparação com os grupos psicossociais e de controle. Em relação à confiança na psicoterapia, nenhum dos grupos diferiu significativamente.

Os participantes expostos à explicação biomédica também eram mais propensos a acreditar que a depressão é um distúrbio ao longo da vida, que a depressão é semelhante a “sentir pena de si mesmo” e que o diagnóstico de depressão provavelmente fará com que outras pessoas as vejam como perigosas. O prognóstico pessimista e o estigma foram significativamente afetados pela explicação biomédica.

As dimensões da teoria da atribuição não se mostraram significativamente afetadas pelas explicações. Os autores oferecem vários pontos especulativos aqui, incluindo a possibilidade de que isso possa ser o resultado do estudo de indivíduos deprimidos atualmente, muitos dos quais são resistentes a “informações de tratamento relevantes para o paciente” e têm maior probabilidade de interpretar mal as informações sobre o tratamento.

Além disso, os participantes do grupo de controle preferiram o tratamento com antidepressivo. Os autores especulam que isso possa estar relacionado a campanhas midiáticas de empresas farmacêuticas, expondo muitos à explicação biomédica antes do estudo.

 “Crenças pré-existentes sobre a causa da depressão podem ter impedido que a condição psicossocial se provasse eficaz no aumento da preferência pela psicoterapia. Assim, pesquisas futuras devem examinar crenças pré-existentes que podem impactar a eficácia da psicoeducação. ”

De maneira semelhante, eles afirmam que, apesar dos participantes acharem as explicações igualmente críveis, atraentes, convincentes e semelhantes às crenças existentes, as explicações biomédicas foram associadas a uma maior percepção da mudança de crenças. Isso pode estar relacionado ao que os autores chamam de “essencialismo genético”, ou à crença socialmente aceita e intuitiva na verdade das explicações genéticas, além das explicações mais complicadas e contextuais.

O estudo teve algumas limitações. A maioria dos participantes era branca e relatou níveis mais altos de educação do que a população em geral. Além disso, a escolha para não incluir participantes atualmente recebendo tratamento e com histórico de tratamento farmacológico pode afetar a generalização do estudo.

Por fim, a plataforma Mechanical Turk crowd-sourcing da Amazon pode ter sido inadequada para garantir que os participantes prestassem plenamente atenção às suas explicações ou que se sentissem totalmente envolvidos na tarefa. Também pode haver um viés de auto-seleção entre as pessoas que se inscreverem no serviço Mechanical Turk, apresentando mais problemas com a generalização da amostra.

Os autores concluem:

“Tomados em conjunto, os resultados indicam que a forma como a etiologia é estruturada na psicoeducação tem efeitos importantes nas atitudes de busca de tratamento. A psicoeducação, enfatizando uma etiologia biológica da depressão, em particular, aumentou a credibilidade do medicamento antidepressivo para indivíduos deprimidos, não teve efeito na credibilidade da psicoterapia e não parece reduzir o estigma. Essas descobertas são geralmente consistentes com trabalhos anteriores. ”

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Zimmermann, M. & Papa, A. (2019). Causal explanations of depression and treatment credibility in adults with untreated depression: Examining attribution theory. Psychology and Psychotherapy: Theory, Research, and Practice. (Link)

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Equipe MIA Research News: Micah Ingle é um estudante de doutorado em Psicologia: Consciência e Sociedade na Universidade do Oeste da Geórgia. Ele publicou abordagens terapêuticas centrando a pessoa ao contexto e às características das pessoas com alta empatia, em oposição ao modelo médico individualizante. Seus interesses atuais incluem a interseção de estruturas sociopolíticas / econômicas e saúde mental, individualismo em psicologia, gênero, psicologia da libertação e perspectivas mitopoéticas inspiradas pelo pensamento junguiano.