Modelo biomédico de doença mental cria estigma para estudantes universitários

Um estudo feito com estudantes universitários encontra fortes correlações entre caracterizações biomédicas de doenças mentais, tratamento farmacêutico e estigma social

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Um estudo recente, publicado no Journal of College Student Psychotherapy, explora como é que receber um diagnóstico psiquiátrico e medicação psiquiátrica pode levar ao estigma social para estudantes universitários. O estudo baseia-se em pesquisas anteriores sugerindo que as caracterizações biológicas da doença mental, especialmente quando ligadas à intervenção farmacêutica, podem produzir estigma social, atribuindo a responsabilidade pelo sofrimento vivenciado principalmente aos indivíduos que o vivenciam.

Segundo os autores do estudo, liderado por Benjamin Johnson, um doutorando em psicologia clínica na Marquette University:

“O estigma em relação à doença mental tem sido estudado extensivamente e numerosos temas de pesquisa têm surgido. Por exemplo, os pesquisadores têm examinado os determinantes das atitudes estigmatizantes como sendo uma função tanto das características pessoais das pessoas que mantêm essas atitudes como também das características clínicas da pessoa ou das pessoas que são alvo do estigma.”

Indo mais longe, eles acrescentam que:

Uma atribuição importante e frequente sobre doenças mentais diz respeito ao controle e à responsabilidade. Estudos têm mostrado que as pessoas tendem a atribuir mais capacidade de controle a doenças mentais do que a doenças médicas. . . Atribuições de responsabilidade, às vezes atribuídas como fraqueza pessoal. . . têm sido encontradas associadas com reações emocionais negativas (como medo e raiva) e reações comportamentais discriminatórias (como a evitação ou falta de vontade de contratar alguém).

Photo Credit: Pixabay

Isso faz parte de uma longa história de psiquiatras que usam pesquisas sobre o cérebro para explicar comportamentos individuais que parecem se desviar das normas sociais estabelecidas. Essa tendência para um modelo biomédico de saúde mental tornou-se mais pronunciada após a publicação do DMS-III, a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico para Transtornos Mentais, em 1980. Desde então, tem havido uma meta abrangente para desenvolver critérios operacionais para transtornos mentais que possam ser ligados com mais sucesso à intervenção farmacêutica.

E ainda, o modelo biomédico de doença mental tornou-se cada vez mais alvo de críticas por pesquisadores clínicos, profissionais de saúde mental e sobreviventes / usuários de serviços psiquiátricos. Além das acusações de que as abordagens neurobiológicas da psicologia se baseiam em um conjunto de pressuposições errôneas, tem sido sugerido que as abordagens biomédicas dos cuidados com a saúde mental marginalizam as vozes e as experiências daqueles que recebem serviços. Este fenómeno foi descrito em termos de injustiça contributiva, em que aqueles que sofrem psiquicamente não estão autorizados a contribuir para discussões sobre o que pode ou não estar errado com eles.

Johnson et al., os autores do estudo, descrevem como recentes “campanhas de educação pública visando reduzir o estigma têm reforçado a ideia das causas biológicas da doença mental”, e ainda “o efeito dessas campanhas tem sido contraditório e potencialmente contraproducente”. Assim sendo, enquanto a promoção de explicações biomédicas pode ter levado a uma mudança geral na percepção pública sobre as habilidades dos indivíduos para ‘controlar’ seus sintomas, tais campanhas “não parecem ser bem sucedidas em reduzir outras reações estigmatizantes e podem, na verdade, estar aprimorando-as de várias maneiras.”

A pesquisa realizada por esses autores analisou especificamente como essas reações estigmatizantes poderiam ter um papel na vida dos estudantes universitários. Tomar como foco esta população é especialmente importante, na medida em que os serviços de saúde mental e os medicamentos para TDAH são geralmente mais acessíveis para eles do que para outros grupos.

Os autores desenvolveram as três hipóteses abaixo para testar como os estudantes universitários podem reagir cognitiva, emocional e comportamentalmente ao sofrimento de um colega quando ele é caracterizado em termos psiquiátricos:

  • “Primeiro, com base na expectativa de que a esquizofrenia teria maior probabilidade de ser percebida como sendo causada por fatores biológicos do que o transtorno depressivo maior, previa-se que os participantes atribuíssem mais responsabilidade ao aluno-alvo descrito como deprimido.
  • Segundo, com base na pesquisa de atribuição, previa-se que os participantes mostrariam mais reações emocionais negativas e disposições comportamentais mais estigmatizantes em relação ao aluno-alvo com depressão.
  • Finalmente, previa-se que os participantes atribuiriam mais responsabilidade, endossariam mais reações emocionais negativas e disposições comportamentais mais estigmatizantes, quando a vinheta incluísse uma declaração de que o aluno-alvo havia tomado uma medicação para a doença, mas que depois que havia parado. ”

Para realizar esta pesquisa, os autores criaram quatro vinhetas separadas de universitários do sexo masculino, metade descrevendo ‘um episódio de depressão severa’ e a outra metade ‘um episódio de esquizofrenia’. Cada participante universitário recebeu uma vinheta para ler antes de preencher um questionário sobre como essa pessoa pode ser percebida se encontrada.

A pesquisa abrangeu seis diferentes escalas de estigma, categorizadas em termos de responsabilidadefalta de simpatiaraivaindisposição para ajudarcoerção para o tratamento e distância social. Possíveis atribuições que os participantes poderiam escolher variavam de sentimentos como “eu pensaria que sua condição atual é da sua inteira responsabilidade” e “a sociedade deveria forçá-lo a procurar tratamento” até “eu sentiria pena dele”.

Para encontrar correlações entre essas variáveis o grupo de pesquisadores realizou várias análises estatísticas ANOVA. Conforme explicam, os resultados parecem indicar que quando os ‘alunos-alvo’ eram considerados responsáveis ​​por suas ações, havia uma maior probabilidade de emoções negativas ou de outras crenças estigmatizantes expressas em relação a eles. Além disso, o estigma aumentava se um ‘aluno-alvo’ recebesse medicamentos psicotrópicos em algum momento, mas que, por qualquer motivo, parasse de tomá-los.

Os participantes também responderam de maneira muito diferente aos casos descritos como ‘depressão grave’ do que aos descritos como ‘esquizofrenia’. Em geral, os ‘alunos-alvo’ diagnosticados com depressão foram considerados mais responsáveis ​​pela sua angústia, o que por sua vez gerou menos simpatia dos participantes. Alunos-alvo diagnosticados com esquizofrenia, em contraste, foram considerados “menos responsáveis ​​[porém] mais simpáticos, presumivelmente por causa de uma crença na causa biológica do distúrbio”.

E, no entanto, os participantes também eram muito mais propensos a considerar os ‘alunos-alvo’ diagnosticados com ‘esquizofrenia’ como mais perigosos (para si mesmos e para os outros) do que aqueles diagnosticados com ‘depressão severa’. Isto também foi associado com a suposição de que a coerção no tratamento médico em casos envolvendo esquizofrenia pode ser não somente útil, mas frequentemente necessária quando medicações psicotrópicas não são usadas como prescrito.

Considerando-se o valor demonstrado, o estudo parece sugerir que os estudantes universitários que recebem serviços de saúde mental provavelmente encontrarão estigma social de pares em uma variedade de formas. O estudo também apoia pesquisas anteriores que indicam que esse estigma pode ser reforçado por suposições populares de que: a) existem causas biológicas para o sofrimento mental, e b) tratamentos farmacológicos são uma forma efetiva de intervenção psiquiátrica para o sofrimento. Finalmente, os autores observam que as crenças estigmatizantes eram menos prováveis ​​entre os participantes que haviam tido alguma experiência anterior com serviços de saúde mental, seja para si ou para amigos / familiares.

Embora os insights acima sejam importantes, há algumas limitações que devem ser lembradas em relação a essa pesquisa. As vinhetas dadas aos participantes eram, auto-reconhecidamente, representações excessivamente simplistas de situações que envolviam sofrimento mental, bem como se concentravam exclusivamente em indivíduos do sexo masculino. Elas também foram escritas de maneiras que incluíam intencionalmente estereótipos comuns relacionados à ‘doença mental’. De fato, dada a frequência com que o termo ‘doença mental’ foi referenciado ao longo do estudo, não fica claro a partir do artigo como um conjunto alternativo de suposições poderia parecer, ou como os pesquisadores se proporiam a estudá-lo.

Os autores também observaram que os participantes tiveram taxas desproporcionalmente baixas de exposição a serviços de saúde mental quando comparados à população geral. Dado que os participantes eram todos estudantes de graduação, e o modelo biomédico é considerado a abordagem padrão para a atenção em saúde mental, poderia valer a pena explorar se tais crenças e premissas estigmatizantes foram reforçadas nos cursos universitários que os participantes realizaram.

No entanto, Johnson e seus colegas expressam otimismo de que suas pesquisas podem, no mínimo, servir como um estudo-piloto para uma exploração mais profunda das formas como o estigma relacionado aos serviços de saúde mental afeta a vida dos estudantes universitários. Especificamente, eles esperam que essa pesquisa estimule os educadores e administradores universitários a refletirem mais conscientemente sobre as maneiras pelas quais os estudantes com histórico de receber serviços de saúde mental:

“Podem enfrentar uma carga especial de expectativa – e estigma associado – se não tomarem medicamentos, que têm sido promovidos como úteis por várias décadas. Isso é especialmente relevante, uma vez que os medicamentos não ajudam todas as pessoas com depressão e, de fato, demonstraram ser menos eficazes que a psicoterapia no tratamento da depressão em adultos ”.

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Benjamin T. Johnson, Peter P. Grau & Stephen M. Saunders (2019): Psychiatric Medications and Stigmatizing Attitudes in College Students, Journal of College Student Psychotherapy, DOI: 10.1080/87568225.2019.1600092 (Link)

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MIA Research News Team: Tim Beck é instrutor em psicologia na University of West Georgia, onde obteve seu PhD em Psicologia: Consciência e Sociedade. Para sua dissertação, ele traçou uma história crítica do modelo biomédico de saúde mental, enfocando as representações diagnósticas do autismo, e interessou-se pelo poder dos movimentos de autodefesa para remodelar as suposições convencionais sobre o sofrimento mental. No outono de 2019, ele iniciará um novo cargo como professor assistente no Landmark College, onde colaborará com alunos e professores em seu Center for Neurodiversity.