As triagens de saúde mental para jovens valem o risco?

Pesquisadores lançam luz sobre as limitações dos instrumentos de triagem de saúde mental para jovens que estão sendo cada vez mais usados em escolas e ambientes médicos.

0
1183

Em um esforço para aumentar o apoio a crianças vulneráveis ​​a ‘doenças psiquiátricas’, avaliações por rastreamento de risco em saúde mental são agora recomendadas por uma ampla gama de órgãos reguladores para experiências adversas na infância (ACEs) como depressão, ansiedade, tendências suicidas, etc. Não obstante, tem sido observado nos recentes anos um aumento da intensidade e zelo na aplicação de políticas gerais de rastreamento, particularmente relacionadas à depressão e ao risco de suicídio.

Em seu comentário publicado na semana passada no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, os pesquisadores Schuyler Henderson, Ruth Gerson e Blake Phillips oferecem uma perspectiva crítica e oportuna a respeito das evidências conflitantes sobre o que constitui ‘alto risco’ e o que pode (e não pode) ser feito em resposta quando os riscos são identificados.

“A Comissão Conjunta ordena uma avaliação de suicídio para pacientes que apresentam comportamento suicida ou que tenham testado positivo para ideação suicida” seguido de estratificação de risco: após “esta avaliação, os pacientes devem ser classificados como alto, médio ou baixo risco de suicídio”, eles escrevem.’“ “Mas a estratificação de risco de suicídio em psiquiatria infantil está pronta para o horário nobre? Estamos colocando o carrinho de avaliação de risco antes do cavalo?”

Henderson, Gerson e Phillips não são os primeiros a identificar padrões de esforços alarmantemente liberais para detectar disfunções psicossociais e comportamentais entre os jovens, por meio de triagem ou avaliação de risco. Em um artigo de 2014 da Mad in America intitulado A Pesquisa Proativa de Doenças Mentais em Crianças, Bob Wipond explorou a triagem e a vigilância em iniciativas clínicas e, cada vez mais, sendo feitas na escola. Ele chamou a atenção para a falta de evidências de um programa na British Columbia chamado Programa de Apoio à Prática para a Saúde Mental de Crianças e Jovens (PSP-CYMH), uma iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e os Médicos do British Columbia.

Em 2017, Jeanne Lenzer, editora associada do BMJ, criticou a Declaração de Recomendação da Força-Tarefa dos Serviços Preventivos dos EUA sugerindo que todas as crianças e adultos sejam rotineiramente rastreados para depressão, afirmando que “muitos órgãos criadores de diretrizes serviriam melhor à prática clínica fazendo menos recomendações: com mais reflexões sobre a incerteza com respeito às decisões de tratamento. O que precisamos são menos recomendações e mais evidências de alta qualidade para fundamentar as decisões. Atualmente, parece que estamos vendo exatamente o oposto”. Algumas das complexidades do debate em relação à triagem foram exploradas em um debate publicado no Wall Street Journal.

Em seu relatório, Henderson, Gerson e Phillis estruturam suas percepções primeiramente abordando o que pode estar implícito no alto risco (observando alguma variabilidade nas definições e implicações), explorando como as determinações do nível de risco são feitas (estratificação de risco), identificando ‘o risco arriscar’, e concluindo com alternativas potenciais à direção em que a psicologia e a psiquiatria estão se movendo juntas.

O alto risco, eles observam, pode significar qualquer número de coisas, variando da vulnerabilidade ao bullying, do baixo SES ao potencial para fracasso escolar. Os autores sugerem que as determinações do nível de risco podem ser úteis quando se pode prever com segurança resultados perigosos e quando apropriadamente é possível vinculá-los a cuidados efetivos.

No entanto, usando o suicídio como exemplo, enfatizam a falta de sofisticação das ferramentas atualmente disponíveis para prever precisamente o nível de risco, a ausência de sistemas formalizados para vincular as crianças ao apoio, a escassez de iniciativas de intervenção empiricamente apoiadas até mesmo em comunidades onde programas estão disponíveis.

“Os instrumentos de rastreio de suicídio podem ser úteis para orientar os médicos ou outras pessoas que trabalham com crianças e adolescentes que, de outra forma, poderiam não saber como realizar uma avaliação de risco de suicídio ou até mesmo perguntar sobre a probabilidade de suicídio”, escrevem eles. “No entanto, esses instrumentos não adicionam necessariamente qualquer valor -seja na estratificação de risco ou na previsão de comportamento suicida – acima deste padrão clínico de atendimento que é feito pelos psiquiatras.”

Sua exploração das determinações do nível de risco destaca a natureza muitas vezes obscura das designações. Os fatores de risco para o suicídio têm sido bem estabelecidos em pesquisas, mas a precisão na predição permanece fraca. Assim, as distinções entre categorias de risco (por exemplo, alta, média ou baixa) podem não fornecer os insights para as entidades reguladoras. A diferenciação entre as categorias de risco pode ser menos clara do que se supõe frequentemente.

“A regulamentação pode inspirar e direcionar avanços científicos, mas ainda assim é um problema quando as regulamentações são baseadas em uma convicção prematura sobre a base de evidências”.

Henderson, Gerson e Phillis rejeitam a suposição que o que as agências reguladoras promovem é sem prejuízos na triagem, citando evidências da baixa sensibilidade de algumas ferramentas populares na identificação de necessidades, a falta de programação adequada devido à natureza antiética de se identificar risco sem oportunidade para intervenção apropriada e o protocolo impraticável para uma intervenção quando os suportes estão disponíveis. Eles escrevem:

“Se quisermos levar a sério o risco, sabemos de fato o que começar a fazer. Em vez de respostas algorítmicas que demandam serviços que podem não estar disponíveis ou mesmo indicados, as medidas em saúde pública devem começar pela restrição ao acesso a meios letais, mitigando os fatores de risco em um nível populacional e aumentando o amplo acesso aos cuidados ”.

Os autores enfatizam o valor potencial na regulamentação mais rigorosa das armas, das substâncias e da medicação potencialmente perigosa, juntamente com um movimento em direção a um sistema que valorize a segurança da juventude em relação às conveniências do adulto. Além disso, os esforços para promover a comunidade e a inclusão a nível escolar poderiam reduzir o risco de depressão entre os jovens. A psicoeducação para crianças e famílias e a ênfase na conectividade são práticas baseadas em evidências que também podem impactar a mudança.

Henderson, Gerson e Phillis argumentam convincentemente que, sem a ampliação do amplo acesso a serviços de apoio e o reconhecimento generalizado da importância do contexto, mesmo as melhores ferramentas de triagem teriam um valor prático mínimo. Eles concluem:

“Não devemos esquecer, como defensores da saúde mental infantil e familiar, que toda vez que falamos de crianças em risco, precisamos pensar em por que os adultos estão colocando as crianças em risco e o que realmente devemos fazer a respeito”.

****

Henderson, S. W., Gerson, R., & Phillips, B. (2019). What Is “High Risk” and What Are We Actually Supposed to Do About It? Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 58(6), 561-564. (Link)