Desmedicalizando os Olhares na Educação

O artigo recém publicado traz a discussão sobre a captura da educação pelo discurso médico/psiquiátrico, assim como algumas possibilidades para desmedicalizar o olhar de educadores.

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O recente artigo publicado pela Revista Educação em Foco, da Universidade Federal de Juíz de Fora, se propõe a refletir sobre a infância nos tempos atuais, em que a medicalização/patologização impera como prática comum. Os autores Cláudia C.G. Santana e Lucas Rocha Gonçalves têm por objetivo questionar as lógicas que sustentam a ideia de que as crianças possuem uma normalidade a ser seguida, identificados por nós adultos.

O artigo intitulado Educação, patologização e medicalização: é possível  quebrar essa corrente? busca mostrar como os padrões de normalidade foram artificialmente desenvolvidos através de condicionantes históricos, transformando questões da vida social em questões de caráter puramente biológico. As atitudes humanas passam então a ser parte do discurso médico, o qual atribui características patológicas àqueles comportamentos considerados socialmente indesejados. Dessa forma, o menino agitado passa a ser identificado como hiperativo, e assim por diante.

Essa captura de questões cotidianas pela medicina, é o que se chama como processo de medicalização. Processo que transforma experiências considerada indesejáveis ou perturbadoras em objetos da saúde, quando anteriormente eram questões da ordem do social, moral ou político.

Os autores questionam porque as estatísticas mostram a hiperatividade mais relacionada a meninos do que meninas, ou da sua incidência ser detectada, na maioria das vezes, no ingresso da criança na escola, além da queda nas vendas de metilfenidato (medicação mais comum para hiperatividade) no período das férias escolares. Existe uma associação entre o  fenômeno dos diagnósticos infantis e fatores sociais mais amplos, como o processo de escolarização, dinâmicas familiares, precarização do trabalho do professor…

“Para nós, isso representa um deslocamento do discurso educativo sobre a criança no contexto escolar para um campo de intervenção médico-psiquiátrico que passa a interpretar as vicissitudes do processo educacional. Ou seja, diz respeito à forma com que os comportamentos e dificuldades no aprendizado escolar são reescritos a luz do discurso médico/biologizante.”

A escola é um lugar em que se replica a medicalização da vida. Para muitos educadores é difícil não associar as dificuldades de aprendizagem a algum trastorno psíquico, ou seja, a um problema individual do aluno. No entanto, as atividades escolares não exigem o envolvimento de diversos atores? professores, direção, coordenação, alunos, familiares, entre outros? Sem embargo, os problemas de aprendizagem são alocados apenas no aluno, como uma manifestação singular sua, separada do contexto familiar e escolar. É quando os especialistas em saúde são convocados a darem uma resposta sobre comportamentos de alguns alunos, considerados inadequados pela escola.

Podemos notar, portanto, onde o artigo pretende chegar: a medicalização da vida de crianças/adolescentes passa pela medicalização da educação. As escolas hoje usam termos como hiperatividade, déficit de atenção, transtorno opositor, autismo, dislexia, etc. etc. Isto é, a instituição escola foi capturada pelo discurso médico e o replica indiscriminadamente.

“Assim a medicalização assume a condição de tratamento sobre os desvios das condutas humanas, mas o grande paradoxo dessa situação é que medicalizamos para humanizar o humano por via não humana.”

Ao se considerar o comportamento das crianças como resultado de disfunção cerebral, é retirado delas a responsabilidade delas pelos seus atos, ao mesmo tempo que a culpabilizamos pelo seu problema de aprendizagem. Bem como o papel do educador é esvaziado, estratégia para torná-lo um sujeito-objeto, e assim continuar perpetuando práticas medicalizantes na escola.

O artigo traz algumas possibilidades para a desmedicalização dos olhares dos profissionais da educação. Primeiro, é necessário entender que o discurso médico sobre a infância e suas experiências de escolarização são uma construção discursiva historicamente construída, e deseja se tornar hegemônica na educação. Segundo, desmedicalizar o olhar significa tornar evidente que a educação é uma atitude criativa, no qual o ato educativo é um processo co-construído por alunos, famílias e profissionais da educação.

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Confira →: https://periodicos.ufjf.br/index.php/edufoco/article/view/29162?fbclid=IwAR17BDeuoyDg5GEWm7tsWtG2Q5vFRxKgikIRlcNT0JgwzsAPIwRjm9EZarI