Revisão bibliográfica: dependência, abstinência e rebote, com usuários de drogas psiquiátricas

A mais ampla revisão bibliográfica sobre os efeitos do uso de drogas psicoativas.

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A assistência psiquiátrica brasileira, ou se preferirmos dizer a “reforma psiquiátrica” brasileira, não conseguiu se libertar do modelo biomédico da Psiquiatria. Muito em particular, a hegemonia do tratamento psicofarmacológico na rede de atenção psicossocial criada como substituta à assistência historicamente concentrada no hospital psiquiátrico.

Com efeito, a problemática das drogas é eloquente por si só. Quando o assunto são problemas com o uso de drogas, o senso comum imediatamente faz a associação ao consumo de álcool e das chamadas drogas ilícitas.  E assim sendo, somos informados sobre estimativas do número de dependentes de álcool e/ou maconha e/ou cocaína ou crack, que costumam ser apresentados de forma alarmante em relatórios mundiais sobre drogas.

No Brasil, o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas realizado no ano de 2012, estimou que existem na população cerca de 5,7% de brasileiros que são dependentes de álcool e/ou maconha e/ou cocaína, representando mais de 8 milhões de pessoas. Havendo este mesmo levantamento tomando como base que os domicílios no Brasil são compostos por uma média de 3,5 pessoas; por conseguinte, o que é dito é que pelo menos 28 milhões de pessoas vivem hoje no Brasil com um dependente químico dessas drogas.

E o número de dependentes das drogas psiquiátricas?

Sobre as drogas psiquiatras muito pouco se diz. Quando sabe-se que o número de dependentes dessas drogas prescritas é muitas vezes superior ao número dos dependentes de álcool e drogas ilícitas.

No mundo inteiro, em particular aqui no Brasil, pessoas e instâncias do sistema de assistência em saúde pensam ou querem acreditar (deliberadamente?) no tratamento psicofarmacológico como abordagem de frente para dar conta das demandas por tratamento em saúde mental. E que o problema é a não adesão dos pacientes ao tratamento psicofarmacológico prescrito.

Quando na verdade, o que vem sendo denunciado há tempos, por expoentes cientistas, é que os fármacos psiquiátricos fazem muito mais mal do que bem.

O Mad in Brasil (MIB) tem postado sucessivas e variadas matérias a respeito; basta clicar no botão de ‘busca’ para acessar o que nós temos disponibilizado. Não obstante, não é pouco frequente ser dito, em particular pelos próprios profissionais de saúde, que o que está sendo postado não está baseado em uma sólida revisão da literatura científica.

Eu estou cansado de ouvir que o que eles médicos fazem está baseado nos protocolos oficiais.

O que quer dizer, a reforma psiquiátrica aqui no Brasil não tomou entre os seus focos a mudanças dos chamados protocolos com os quais os psiquiatras trabalham e assim se sentem confortáveis. O lugar comum é que a reforma psiquiátrica é um processo complexo  que implica em um trabalho interdisciplinar (bio-psicossocial). Quando se sabe que na prática é o ‘bio’ que sustenta o ‘psicossocial’.  Seja via o diagnóstico, seja via o tratamento psicofarmacológico.

Acaba de ser publicado no último número do periódico científico Brain uma detalhada revisão bibliográfica, atualizada, sobre a dependência química, os sintomas de abstinência e o chamado rebote; fenômenos produzidos pelas drogas psicoativas, com um amplo destaque dado às drogas prescritas enquanto medicamentos psiquiátricos.

A proposta dos autores da revisão em tela, Alicja Lerner e Michael Klein, é não apenas mostrar que as drogas psiquiátricas produzem dependência química e as dificuldades de descontinuação do seu uso, mas também explicitar definições que ajudem a distinguir fenômenos comumente mal compreendidos.

Irei apresentar partes do artigo, na íntegra, e sem aspas. Tomo essa iniciativa para que um maior número possível dos nossos leitores tenha acesso ao que considero como sendo o mais essencial. Mas que fique claro que a revisão bibliográfica é extensa, muito detalhada. Assim sendo, recomendo a todos que leiam na íntegra essa revisão. Reitero: vale a pena ler o artigo em sua íntegra. E que cesse de ser dito que a desconstrução do ‘modelo biomédico’ da psiquiatria não tem fundamentos científicos. Ou que a desconstrução do ‘modelo biomédico’ da Psiquiatria põe em risco os consideráveis avanços positivos do processo de reforma psiquiátrica no Brasil. Espero que após a leitura dessa revisão atualizada e exaustiva, fique mais do que nunca claro que sem o enfrentamento do ‘modelo biomédico’ da Psiquiatria, a reforma psiquiátrica será nada mais e nada menos do que reforma da psiquiatria, conforme a conjuntura; e não, uma reforma do sistema de assistência em saúde mental vigente.

O que a literatura científica sugere, o que a experiência clínica mostra no cotidiano, o que as vozes dos usuários dizem, é que não se trata de reformar a psiquiatria, mas sim de reformar o modo como a assistência em saúde mental está estruturada.

Considerações Preliminares

Antes de começarmos a abordar o conteúdo da revisão bibliográfica, peço licença para fazer algumas considerações preliminares.

Faz parte do nosso senso comum associar substâncias psicoativas ao álcool, tabaco e drogas ilícitas. Cientificamente são consideradas substâncias psicoativas qualquer substância química capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou comportamentais. O termo ainda é sinônimo de substâncias denominadas psicotrópicas ou drogas, que atuam no sistema nervoso central e podem conter propriedades reforçadoras do uso trazendo consequências prejudiciais à saúde física e mental. No que se refere à terminologia, habitualmente são utilizados termos com grande imprecisão e estes são excessivamente genéricos como: ‘tóxicos’, ‘narcóticos’ ou mesmo ‘psicotrópicos’. A Organização Mundial de Saúde, em seu Lexicon of Alcohol and Drugs Terms  define que ‘droga’ é um termo de uso variado. Em medicina, refere-se a qualquer substância com potencial de prevenir ou tratar uma doença, melhorando o estado físico ou mental e na farmacologia é qualquer agente químico que altera os aspectos bioquímicos e fisiológicos de tecidos e organismos. Para os órgãos públicos que definem políticas do Estado com relação às drogas psicoativas, o termo drogas refere-se mais especificamente às substâncias psicoativas ilícitas, utilizadas sem finalidades terapêuticas.

Dependência e drogadição

Para melhor ser iniciada a fenomenologia do que ocorre com os usuários de drogas psiquiátricas, é fundamental que distinções sejam feitas.

Embora os fenômenos de dependência e aqueles gerados pela retirada (abstinência) sejam aspectos importantes da ‘drogadição’ como normalmente é entendida, eles não são os mesmos.

A ‘drogadição’, chamada na psiquiatria como “transtorno de abuso de substância”, aparece no DSM 5, na seção “Transtornos relacionados a substâncias e dependência”. A ‘drogadição’ é definida como o que afeta o cérebro e o comportamento do indivíduo, e representa o incontrolável abuso da droga e uma inabilidade para parar de tomar a droga independentemente do dano que ela causa.

Com efeito, a preocupação está voltada para o álcool e drogas ilícitas quando consideradas como drogas de uso abusivo. Não é por acaso que o sistema de saúde costuma destinar serviços de assistência destinados a usuários de álcool e drogas ilícitas. São os CAPS AD.  Ou as comunidades terapêuticas.

A problemática dos milhares de usuários de drogas psiquiátricas e a sua dependência química aos medicamentos prescritos ainda é fortemente ignorada.

Quando se sabe que o número de dependentes químicos das drogas psiquiátricas é significativamente muito maior do que os dependentes de álcool e drogas ilícitas.

E ainda não contamos com dispositivos institucionais e profissionais capazes de dar suporte aos dependentes das drogas psiquiátricas. Para o senso comum, dependentes de drogas psiquiátricas não é um ‘toxicômano’. O que tem algo realmente a ver. Ainda que, de fato, os usuários das drogas prescritas se tornem dependentes químicos.

Nos últimos tempos maior atenção vem sendo dada aos eventos adversos graves e potencialmente fatais relacionados à retirada e dependência de drogas prescritas pela medicina, que formalmente não estão classificadas como substâncias de potencial abuso. Como é o caso dos efeitos com a descontinuação dos antidepressivos, das benzodiazipinas, estimulantes e antipsicóticos, drogas essas que podem desencadear sintomas perigosos e com ameaças à vida, podendo até mesmo levar ao suicídio.

A proposta dos autores da revisão bibliográfica é que as drogas que estão sendo desenvolvidas e avaliadas pela FDA, sejam classificadas segundo outros critérios de definição de dependência, que vem sendo propostos pela Sociedade Americana de Medicina da Dependência (ASAM), e que passaram a ser empregados desde 2001 pela Academia Americana de Medicina da Dor e Sociedade Americana da Dor. Os critérios são os seguintes:

  • Dependência física’ – usada de três maneiras diferentes: (i) dependência física é um estado de adaptação que se manifesta por uma síndrome de abstinência específica a uma classe de medicamento que pode ser produzida pela interrupção abrupta, rápida redução da dose, redução do nível sanguíneo do medicamento e / ou administração de um antagonista; (ii) dependência psicológica é um senso subjetivo de necessidade de uma substância psicoativa específica, seja por seus efeitos positivos ou por evitar efeitos negativos associados à sua abstinência; e (iii) uma categoria de transtorno do uso de substâncias psicoativas em edições anteriores do DSM, mas não no DSM-5, publicado em 2013.
  • Drogadição’ é caracterizada pela incapacidade de abster-se de forma consistente, pelo comprometimento no controle comportamental, pela fissura para ter acesso à substância, pela diminuição do reconhecimento de problemas significativos com os próprios comportamentos e com relacionamentos interpessoais, e por uma resposta emocional disfuncional. Como outras doenças crônicas, a drogadição geralmente envolve ciclos de recaída e remissão. Sem tratamento ou envolvimento em atividades de recuperação, a drogadição é progressiva e pode resultar em incapacidade ou morte prematura.
  • Tolerância’ – um estado de adaptação no qual a exposição a um medicamento ao longo do tempo resulta na diminuição de um ou mais dos efeitos fisiológicos do medicamento.
  • Síndrome de abstinência’ – o início de uma constelação previsível de sinais e sintomas após a interrupção abrupta ou após a rápida redução da dose de uma substância psicoativa.

‘Drogadição’ e Dependência

É fundamental ser feita a distinção entre ‘drogadição’ e dependência.

Primeiramente, como os autores afirmam, um indivíduo tanto pode ser ‘drogadito’ em uma droga de abuso, ou apenas desenvolver dependência da droga de abuso sem ser um ‘drogadito’. Assim como, para drogas não associadas ao potencial de abuso, um indivíduo ainda pode desenvolver dependência; mas, novamente, isso não seria classificado como ‘drogadição’. Na linguagem popular, socialmente falando, um usuário crônico de um antipsicótico, antidepressivo, ansiolítico, por exemplo, não é um ‘toxicômano’.

A respeito dos fenômenos produzidos com a descontinuação das drogas psiquiátricas, vale a pena ser apresentada essa longa citação, em sua íntegra, a respeito dos benzodiazipínicos:

Qualquer droga usada cronicamente gera gradualmente uma série de respostas homeostáticas que tendem a restaurar a função normal, apesar da presença do medicamento. Com o uso crônico de benzodiazepínico ocorrem alterações compensatórias nos receptores GABA. Tais alterações consistem na diminuição da sensibilidade desses receptores ao GABA, provavelmente como resultado de alterações no estado de afinidade e diminuição da densidade.

Além disso, há alterações nos sistemas secundários controlados pelo GABA, de modo que a saída dos neurotransmissores excitatórios tende a ser restaurada e / ou a sensibilidade de seus receptores aumenta. Todo o complexo de alterações primárias e secundárias acaba resultando em tolerância à benzodiazepina.

O desenvolvimento da tolerância farmacodinâmica define o cenário para a síndrome de abstinência. O cessar da droga expõe todas as adaptações acumuladas para neutralizar a sua presença, liberando um rebote da atividade sem oposição a envolver muitos neurotransmissores e seus receptores e muitos sistemas cerebrais. Clinicamente, esse estado se manifesta como a síndrome de abstinência, consistindo em efeitos que são amplamente opostos aos originalmente induzidos pelo medicamento.

A avaliação da dependência e dos sintomas de abstinência também é necessária como um aviso potencial para médicos e pacientes e deve ser fornecida no rótulo do medicamento para informar se o medicamento pode ser retirado abruptamente no final do tratamento ou deve ser diminuído lentamente para evitar efeitos potencialmente adversos e ameaçadores da vida após uma retirada abrupta. Também é importante informar os indivíduos que abusam do medicamento sobre as consequências para a saúde do desenvolvimento da dependência e dos sintomas de abstiência do medicamento.”

Síndromes de abstinência aguda – características gerais

Os autores especificam os fenômenos relacionados com a abstinência que estão baseados em uma descrição dos aspectos clínicos da abstinência, que surgem após a descontinuação abrupta das drogas psiquiátricas em geral:

  • Novos sintomas (sintomas agudos de abstinência): Sinais e sintomas recentemente emergentes que ocorrem quase imediatamente após a interrupção abrupta do medicamento ou, às vezes, mesmo após a diminuição da dose. Esses sintomas estão relacionados à interrupção das alterações neurorregulatórias (neuroadaptação) estabelecidas durante a administração do medicamento.
  • Rebote: recorrência dos sintomas do transtorno tratado, mais graves do que antes do tratamento.
  • Síndrome de abstinência prolongada: geralmente aparece muito após o período de sintomas agudos de abstinência, podendo durar semanas e meses e, às vezes, se apresentar como um transtorno novo.
  • Recaída. Retorno de sinais e sintomas da doença após a remissão, devido a causas naturais ou ao término do tratamento; ocorre como um fenômeno na história natural do transtorno. Recaída não é um aspecto da dependência; no entanto, é mencionado aqui porque ocorre durante o período de abstinência aguda e precisa ser diferenciado da abstinência propriamente dita.
  • Sintomas da toxicidade retardada da droga: pode ser superposto a sintomas de abstinência aguda e, às vezes, é difícil diferenciá-los.

Destacando o que ocorre com três das classes de drogas psiquiátricas mais prescritas

A revisão bibliográfica aborda a literatura a respeito e diferentes drogas psicoativas. Entre elas destaco as mais frequentemente prescritas pelos médicos, pelo menos entre os brasileiros. Vejamos o que ocorre.

(1) Síndrome de abstinência de benzodiazepínicos (BZ)

Os sintomas de abstinência de BZ podem variar em intensidade. Retirada leve pode incluir ansiedade, apreensão, medo, insônia, irritabilidade, agitação, inquietação, tontura, dor de cabeça, anorexia, perda de peso, dificuldade de concentração, rigidez e dor muscular, hiperosmia, gosto metálico, alterações perceptivas, sudorese e intolerância à luz e som. Os sintomas mais graves incluem náusea, vômito, vertigem, cãibras, fraqueza, tremor, taquicardia, hipotensão postural, hipertermia, ataques de pânico, depressão, reações psicóticas, despersonalização, desrealização, delírio, delírios e alucinações). Os eventos adversos mais graves que podem ocorrer são psicose, delírio, suicídio, convulsões e catatonia em idosos.

O momento dos sintomas de abstinência depende de vários fatores; o principal é meia-vida  do BZ. BZs de ação prolongada incluem diazepam, clordiazepoxide, flurazepam e clorazepate; BZs de ação mais curta incluem oxazepam, lorazepam e triazolam. Para os BZs de ação prolongada, existe um período de latência de 3 a 7 dias para o início dos sintomas de abstinência após a descontinuação do medicamento; enquanto que os sintomas de abstinência de BZs de ação curta podem ocorrer em 24 horas.

O uso de BZ durante as fases posteriores da gravidez pode resultar em sintomas de abstinência no neonato, como apneia, bradicardia, hipertonia, irritabilidade, hipotermia, hiperatividade, taquipneia, inquietação, tremores, hiperreflexia, choro inconsolável, cianose, diarréia, vômito e dificuldades de alimentação.

(2) Síndrome de abstinência de ISRSs antidepressivos e ISNRs

Alguns ISRS mais usados ​​incluem: fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, citalopram e sertralina. Alguns SNRIs usados ​​com mais frequência incluem: venlafaxina, desvenlafaxina e duloxetina.

A síndrome de abstinência de ISRSs e SNRIs é caracterizada pelos seguintes sintomas, gerais: dores de cabeça, sintomas de gripe, taquicardia; gastrointestinais: náusea, vômito, diarréia, anorexia; relacionados ao sono: sonhos irrequietos, pesadelos, insônia ou hipersonia; neuropsiquiátrico: ansiedade, depressão, suicídio, hipomania, agitação, disforia, agressão, alucinações, desrealização e despersonalização, diminuição da concentração, tontura, ataxia, sensações de choque elétrico (‘zaps cerebrais’), confusão e mioclonia

Os sintomas de abstinência de SSRIs e SNRIs têm seu pico de início entre 36 e 96 horas ou mais, dependendo da meia-vida do medicamento, e podem durar até 6 semanas, também dependendo da meia-vida do medicamento. Os ISRSs individuais têm perfis um pouco diferentes de eventos adversos, e parece que a gravidade pode estar relacionada à meia-vida. Observou-se também que a síndrome de abstinência sendo mais comum em pacientes jovens do que em idosos. Freqüentemente, a síndrome de abstinência aguda pode ser seguida por rebote da doença (consulte a seção Rebote) e síndrome de abstinência prolongada (consulte a seção Síndrome de abstinência prolongada).
A notar, há uma tendência na literatura científica de chamar a síndrome de abstinência de SSRIs e SNRIs de ‘síndrome de descontinuação’, que em nossa opinião é cientificamente incorreta e enganosa, pois pode sugerir uma ausência da síndrome de abstinência.  O termo “síndrome de descontinuação” minimiza as vulnerabilidades induzidas pelo ISRS e deve ser substituído por “síndrome de abstinência” .

Além disso, a síndrome de abstinência neonatal associada aos ISRSs foi identificada. Inclui dificuldade respiratória, cianose, convulsões, dificuldade de alimentação, vômitos, hipoglicemia, hipotonia ou hipertonia, hiperreflexia, tremor, nervosismo, irritabilidade, hipertensão pulmonar; e com o uso de paroxetina, enterocolite necrosante.

(3) Síndrome de abstinência de antidepressivos tricíclicos

Alguns antidepressivos tricíclicos mais frequentemente usados ​​incluem: imipramina, clomipramina, amitriptilina, amoxapina, desipramina, doxepina e nortriptilina. Os sintomas de abstinência de antidepressivos tricíclicos podem ser agrupados em quatro síndromes discretas: (i) desconforto gastrointestinal e somático geral com ansiedade e agitação ocasionais, também náusea, vômito, diarréia, dor abdominal e anorexia; (ii) distúrbios do sono, como insônia inicial e média, sonhos vívidos e pesadelos; (iii) parkinsonismo incluindo bradicinesia, rigidez da roda dentada, tremor ou acatisia; e (iv) mania paradoxal. Às vezes, a síndrome de abstinência se apresenta como uma síndrome do tipo gripe; que além de gasto

(4) Síndrome de abstinência de drogas antipsicóticas

Os medicamentos antipsicóticos pertencem a vários grupos farmacológicos: fenotiazinas, tioxantenos, butirofenonas e antipsicóticos atípicos. Para esses medicamentos, os sintomas comuns de abstinência são náusea, vômito, diarréia, anorexia, síndrome do tipo influenza, rinorreia, diaforese, mialgia, parestesia, ansiedade, agitação, inquietação, insônia, vertigem e tremor. Os sintomas podem aparecer 36 a 96 horas ou mais após a descontinuação, redução ou troca da dose, dependendo da duração da ação da droga e duram até 6 semanas. É importante notar que, durante o período de abstinência, também não é incomum a repercussão da psicose, que resulta em reemergência ou agravamento da psicose, ou psicose de supersensibilidade e ocorrência de discinesia tardia emergente da abstinência .

Uma reação rara, mas potencialmente fatal, com taxa de mortalidade de 10% à retirada antipsicótica é uma síndrome neuroléptica maligna (SMN), caracterizada por hipertermia, rigidez muscular, rabdomiólise, instabilidade autonômica, alterações do estado mental , diaforese, incontinência e creatina fosfoquinase elevada.

Os antipsicóticos tomados durante o terceiro trimestre da gravidez podem causar sintomas de abstinência neonatal, que podem incluir agitação, tremor, sonolência, hipertonia, hipotonia, dificuldade respiratória e distúrbio alimentar.

Os efeitos rebote

Outro aspecto da retirada, o chamado fenômeno rebote, ocorre em um período semelhante ao da retirada aguda. O fenômeno rebote é um rápido retorno dos sintomas originais do paciente em uma intensidade maior do que antes do tratamento. A repercussão pode causar em um pequeno subconjunto de indivíduos suscetíveis eventos adversos graves e fatais após a interrupção abrupta do medicamento, como psicose grave após neurolépticos, piora grave da esclerose múltipla após medicamentos imunomoduladores,  ou suicídio após antidepressivos. No entanto, diferentemente dos sintomas de recuperação prolongados das síndromes de abstinência, são transitórios e reversíveis e retornam após dias ou semanas à linha de base.

O levantamento da literatura médica com relação ao ‘fenômeno rebote’ após a retirada dos medicamentos mostra que ele pode aparecer após todas as classes de medicamentos, independentemente de sua formulação química ou ação farmacológica.

O surgimento de rebote é variável para diferentes drogas e pode ser observado em apenas 36 a 96 h para ISRSs e antipsicóticos orais, e em 1 a 5 dias para alguns BZ, como em pacientes com ansiedade experimentando rebote após descontinuação abrupta de bromazepam e diazepam e nos casos de pacientes com insônia após retirada abrupta de triazolam.

Desafios

Conforme é dito pelos autores na Conclusão:

“Os efeitos da descontinuação de medicamentos podem ocorrer e geralmente são negligenciados na farmacologia e na medicina até que eventos clínicos adversos os forçam a serem notados. É vital que a dependência, retirada e recuperação sejam reconhecidas e compreendidas pelos profissionais de saúde, porque esses efeitos podem constituir grandes problemas de segurança. Os dados sobre sintomas agudos de abstinência e rebote obtidos do estudo e avaliação da dependência fornecerão aos médicos e pacientes informações sobre a diminuição gradual da droga e constituirão um alerta sobre possíveis efeitos relacionados à interrupção abrupta da droga.”

Tomando como referência a realidade brasileira, penso eu que além das ameaças de um retorno à assistência ‘hospitalocêntrica’ – conforme o que vem sendo proposto, desde o Governo Temer e agora Governo Bolsonaro -,  o grande desafio é como dar suporte a que os ‘usuários’ deixem de ser pacientes crônicos desse ‘modelo biomédico’ da Psiquiatria. Hoje em dia, o número de pessoas cronificadas pela Psiquiatria é muitas vezes maior do número de pessoas cronificadas em manicômios no passado.

Será que não teremos que ter Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) destinados àqueles que demandam deixar de ser dependentes químicos das drogas psiquiátricas que lhes foram prescritas?  Os CAPS AD não estão preparados para esse tipo de demanda!

O que acabo de apresentar é apenas trechos destacados dessa revisão bibliográfica.

Espero haver despertado a atenção de cada um de vocês, caro leitor.

E reitero, vale a pena o artigo ser lido por todos. Pelos profissionais de saúde, o que é o obviamente o esperado. Mas muito particularmente pelos usuários do tratamento psicofarmacológico, familiares e suas redes sociais.

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O artigo em sua íntegra →