A estratégia da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) em um território da cidade de São Paulo foi abordado pela recente pesquisa publicada na revista Polis e Psique. As autoras da PUC-SP usaram fragmentos de conversas registradas nos diários de campo das atividades do GAM.
O Guia GAM, criado no Canadá e adaptado para o Brasil, é uma ferramenta que visa potencializar a participação das pessoas nas decisões relativas à medicação e ao seu processo de cuidado, sendo utilizada em grupos de usuários e técnicos de saúde mental (Onocko-Campos et cols., 2012).
“O Coletivo GAM é o espaço onde usuários, trabalhadores, gestores, docentes e pesquisadores partilham a análise dos processos de trabalho, os desafios da experiência, suas dificuldades, êxitos, perspectivas futuras.”
Foi realizada entre 2012-2014 uma pesquisa – intervenção que envolveu os serviços de Atenção Básica e os Centros de Atenção Psicossociais do território da Freguesia do Ó/Brasilândia, a partir do reconhecimento por parte de gestores e trabalhadores da necessidade de novas práticas como resposta a um crescente processo de medicalização dos usuários.
A pesquisa acompanhou 12 casos de saúde mental desse território por carca de um ano. Da análise dessas trajetórias emergiram algumas problematizações: a escassa oferta de saúde mental na Atenção Básica, muitas vezes reduzidas a trocas de receitas; a queixa dos usuários quanto aos efeitos adversos e incômodos dos remédios psiquiátricos; o consumo exagerado e continuado de drogas prescritas; a pouca visibilidade e oferta de cuidado da Atenção Básica às necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas e a demanda de usuários de saúde mental por espaços de expressão, escuta, reconhecimento e troca.
Foi durante a pesquisa que os autores utilizaram o guia GAM como uma ferramenta para que os participantes pudessem falar sobre os efeitos adversos dos remédios e expressarem suas necessidades em saúde mental, como forma de reivindicar sua autonomia. Como estratégia de formação permanente das equipes de saúde foram ofertadas oficinas sobre a metodologia do GAM.
Os três efeitos encontrados com a experiência intensiva do GAM: A estratégia GAM instala uma experiência crítica à medicalização, instala uma radicalidade em relação à perspectiva da Reforma Psiquiátrica e instala outro regime de afetabilidade, de partilha na confiança que configura uma subjetivação política.
“Um Usuário do grupo GAM da UBS afirmou ir às consultas com uma lista de perguntas para o médico para não esquecer tudo que gostaria de perguntar e discutir, além de levar as receitas e ressalta: “o médico [que não participa da GAM] me diz que prefere quando eu ia às consultas e não falava tanto”.”
Com a estratégia GAM, o usuário tem acesso ao conhecimento sobre os medicamentos que lhe foram prescritos e coloca em questão a não garantia do cuidado somente pelo uso da medicação. O usuário tem espaço para trazer o seu próprio conhecimento sobre as reações e experiências com os medicamentos ao médico, além de dúvidas e questionamentos.
“A GAM ajudou a mudar primeiramente nós, que estamos programadas pela prescrição”. (Agente Comunitário de Saúde)
Os princípio da reforma psiquiátrica são resgatados de maneira radical, pois aposta e possibilita a autonomia do usuário, como agente responsável pelo seu tratamento. Construindo, assim, a horizontalidade na relação usuário-profissional de saúde.
“vamos levar para as escolas”, propõe o usuário, porque lá as crianças são medicadas; vamos levar também nos conselhos tutelares, numa espécie de vírus – disposição democratizante da estratégia.”
E, por fim, o espaço GAM é um espaço da fala e da escuta. O usuário pode falar sem ser reprimido, sendo um espaço de confiança e de exercício democrático.