Nota do Editor: Apresentamos uma entrevista feita pelo companheiro James Moore (Mad in the UK) com o Professor Dr. Jim van Os e o Dr. Peter Groot, que é sobre o seu último estudo que analisa a eficácia das ‘tiras afiladas’ para ajudar as pessoas a se livrarem dos medicamentos antidepressivos. Trata-se de uma tecnologia ainda inacessível a nós brasileiros. A ideia é que o processo de retirada da(s) droga(s) seja feito de forma “afuniliada”, quer dizer, que gradualmente a dose em uso seja reduzida, que vá tomando a forma de fio, até chegar a uma dosagem zero. Essa tecnologia é da maior importância, visto que as drogas psiquiátricas, disponibilizadas pela indústria farmacêutica, estão em dosagens que dificultam muito o processo de retirada lenta e gradual (o afunilamento) de forma tal a garantir que o seu usuário sofra o mínimo de “sintomas de abstinência”.
Jim van Os é professor de Epidemiologia Psiquiátrica e Saúde Mental Pública no Centro Médico da Universidade de Utrecht, Holanda, e Peter Groot trabalha com o Centro de Pesquisa de Usuários da UMC Utrecht.
Ambos estão envolvidos com o desenvolvimento e estudo de tiras afiladas que são pré-embaladas, reduzindo gradualmente os comprimidos de dosagem, de forma tal que facilitam a retirada gradativa de medicamentos psiquiátricos. Nesta entrevista, são discutidas as últimas pesquisas deles que examinam as ‘tiras afiladas’ em uso no mundo real.
A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. Ouça aqui o áudio da entrevista.
James Moore: Jim e Peter, bem-vindos. Muito obrigado por se juntarem a mim novamente para o podcast Mad in America. Estamos aqui para falar sobre o recente trabalho de vocês intitulado “Uso bem sucedido de tiras afiladas para a redução hiperbólica da dose de antidepressivo: um estudo de coorte”. Isto está publicado na revista “Therapeutic Advances in Psychopharmacology“.
Acredito que este é o terceiro estudo a analisar a eficácia das tiras afiladas e, o que é importante, sendo o uso no mundo real. Peter, você poderia resumir o estudo para nós? Quantos participaram, como foi realizado o estudo e quais foram os resultados?
Peter Groot: Estou feliz em fazer isso, mas vou começar explicando como fizemos o estudo. O estudo foi de coorte retrospectivo. Pudemos fazer o estudo porque, na Holanda, a partir de 2013, quando as primeiras tiras afiladas passaram a ficar disponíveis, um grupo crescente de pacientes na Holanda estava fazendo uso das tiras afiladas, porque os médicos estavam receitando antidepressivos em doses reduzidas.
Isto nos deu a oportunidade única de pedir-lhes que preenchessem um pequeno questionário, depois de haverem terminado as tiras afiladas que lhes haviam sido prescritas. Para obter um alto nível de resposta, mantivemos o questionário deliberadamente tão curto quanto foi possível. Uma pergunta importante que fizemos foi: “você teve sintomas de abstinência durante o afunilamento?” A resposta poderia ser um número, de um a sete, onde um é “nada” e sete é “muito”. Estas respostas nos deram a indicação da abstinência durante o afunilamento com o uso de tiras afiladas.
A segunda pergunta importante que fizemos foi: “Como foi o afunilamento?” Novamente, a resposta foi um número de um a sete, onde um é ‘muito bem’ e sete é ‘muito ruim’. Esta resposta nos deu uma indicação de como os pacientes perceberam o processo de afunilamento quando usaram as tiras afiladas.
Isto não foi tudo, porque, em nossa grande amostra, mais de 60% de todos os participantes haviam tentado afunilar seus antidepressivos no passado – sem o uso das tiras afiladas. Isto nos permitiu fazer a todas estas pessoas as mesmas duas perguntas novamente, mas desta vez, sobre os efeitos afunilados anteriores.
Isto resultou em uma grande coorte de pacientes que podiam comparar o processo de retirada, sem as tiras afiladas e com o uso de tiras afiladas, e isto dá uma chamada “comparação entre pacientes”, o que tornou possível comparar diretamente a afilação sem e com o uso de tiras afiladas.
Muito importante é que os resultados que obtivemos foram os resultados dos pacientes que estavam sendo tratados na prática clínica diária.
Jim van Os: Então, as pessoas fazem a pergunta “qual foi o tamanho do efeito?”, isso é o que as pessoas querem saber.
Basicamente, para lhe dar uma idéia, se você olhar para a distribuição da retirada quando as pessoas usam tiras afiladas versus quando não usam, você vê a forma completamente oposta de uma distribuição. Assim, com as tiras afuniladas, a maior parte das vezes é na área de “correu muito bem e foi bem”, e sem as tiras afuniladas, foi na área de “muito mal e muito retração”, etc.
Portanto, um tamanho de efeito muito convincente. E então as pessoas dirão: “Esta não é uma amostra representativa“, o que, é claro, é verdade. Estes são os indivíduos que tentaram anteriormente uma ou duas ou três vezes e falharam e depois tiveram que recorrer a tiras afiladas para tentar parar e ter sucesso. Então, é claro, você tem uma seleção das pessoas que mais precisam de tiras afiladas.
Portanto, nosso raciocínio é que, se funcionar naquela população que tem mais necessidade de cuidados com relação à abstinência, então é muito provável que também seja bem-sucedido em pessoas que têm necessidades menos intensas com relação à abstinência.
Moore: Eu estava interessado em ver que, ao longo dos três estudos, os resultados são notavelmente consistentes, em torno da marca de 70%, não é verdade?
van Os: Isso é correto, James. Ficamos realmente surpresos ao ver quão consistente era o tamanho do efeito, particularmente quando comparamos o estudo um com o estudo três, que tinha metodologia e questionários completamente idênticos, mas com pessoas diferentes em períodos de tempo diferentes.
Portanto, esta é uma maneira de pensar em ciência. Algumas pessoas dizem: “Você deveria ter um ensaio controlado aleatorizado“. Mas uma maneira muito mais forte de fornecer provas é a replicação, o que todos nós sabemos. Replicação através de diferentes amostras, diferentes períodos de tempo, diferentes clínicos generalistas, diferentes pacientes, etc.
Moore: Eu li que os dados do estudo foram anônimos. Portanto, as pessoas não precisavam se identificar quando respondiam sobre o sucesso ou não de sua experiência de retirada.
Groot: Isso é correto, sim, sabemos algo sobre isso, porque foram prescritas tiras afiladas, mas a configuração foi tal que eles deram seus dados de forma anônima.
Moore: Ao ler o artigo, eu fiquei interessado em ver que vocês coletaram dados sobre a quantidade de tempo em que as pessoas estiveram em seus antidepressivos.
O tempo médio de uso de sua amostra foi de cinco a 10 anos. Isso me pareceu ir contra parte da idéia predominante de que os usuários de longo prazo poderiam sempre precisar levar muitos meses ou anos para sair, porque eu acho que o tempo médio levado foi de 56 dias ou duas tiras afiladas. Sei que os usuários de longo prazo tendem a demorar mais tempo para sair, mas mesmo contando com isso, houve uma grande proporção de usuários bem sucedidos. É isso mesmo?
Groot: Isso mesmo e você pode dizer que em geral, com base em nossos dados, o número de anos que as pessoas têm usado os antidepressivos, tem valor preditivo para a quantidade de sintomas de abstinência que os pacientes podem sofrer quando usando as tiras afiladas.
É muito importante não interpretar em demasia estas descobertas. Isto porque os pacientes diferem muito uns dos outros. Trata-se de uma população muito heterogênea. Uma população na qual talvez um grande número de pacientes pareça ser capaz de afilar bastante rapidamente sem ter muitos problemas. Um grupo menor terá mais problemas e um grupo ainda menor terá problemas muito graves.
Agora, o problema aqui é que não sabemos realmente quão grandes são precisamente essas porcentagens. Porque isto nunca, até recentemente, havia sido investigado de forma adequada. Somente nos últimos dois anos houve estudos que investigaram isto de uma maneira muito melhor.
A conclusão que tiro de todos estes dados é que os problemas de retirada têm sido grandemente subestimados, como têm sido relatados na literatura. E que todos os números, portanto, são provavelmente muito baixos.
Não creio que seja realmente um grande problema o fato de não sabermos com exatidão quão graves são os problemas de abstinência e quantos pacientes sofrem com eles. Isto porque, mesmo sem este conhecimento, deveria ser possível ajudar os pacientes que desejam reduzir a medicação de forma responsável. Porque é muito mais importante ser capaz de acompanhar os pacientes durante a afilação e ser capaz de adaptar o cronograma de afilação quando o paciente começa a ter problemas durante o afunilamento.
Moore: Além de observar o tempo em que as pessoas estiveram tomando as drogas, vocês também registraram tentativas anteriores de afunilamento fracassadas, o que parece ser outro fator importante. Ficou claro que um número maior de tentativas fracassadas anteriormente estava ligado a uma menor taxa de sucesso na saída.
Isso reforça o argumento para fornecer o melhor método de afilamento possível, o mais cedo possível na experiência de retirada das pessoas, de modo que minimizamos essas tentativas fracassadas porque isso torna o obstáculo maior para superar mais tarde, não é mesmo?
Havia outros fatores ligados a uma taxa de sucesso reduzida para as pessoas que tentavam sair dos antidepressivos?
van Os: Portanto, o tempo de uso e a retirada anterior realmente se destacam como os dois fatores que mais contribuíram. E há uma sugestão, que eu acho interessante em dois dos estudos, de que a paroxetina pode realmente ser mais difícil de ser retirada do mercado do que qualquer outro antidepressivo. Isto é algo que vimos de forma mais conclusiva no último estudo, mas também houve uma sugestão no primeiro estudo. Portanto, isto é algo que queremos acompanhar.
O que realmente se destaca mais fortemente é quanto mais tempo o uso anterior de antidepressivos, mais baixas serão as taxas de sucesso. Esse é o fator mais importante.
Moore: Notei que havia uma proporção bastante alta de mulheres no estudo. Isso se deve ao fato de que mais mulheres são prescritas na Holanda, de modo que a amostra seria maior por causa disso, ou é porque as mulheres geralmente acham mais difícil de ser retiradas? Você tem alguma idéia do porquê disso?
van Os: Na verdade, o que fizemos no terceiro estudo é que comparamos a demografia de nossa amostra com a demografia de uma amostra populacional aleatória muito grande que foi coletada na Holanda recentemente, e que também tinha itens sobre o uso de antidepressivos. Verificamos que a demografia de nossa amostra em termos de idade e sexo era semelhante à demográfica dos usuários de antidepressivos na amostra da população em geral.
Entretanto, as variáveis que estavam distorcidas em nossa amostra eram o tipo de antidepressivos em uso. E isso não causa surpresa, porque as taxas de venlafaxina e paroxetina eram mais altas em nossa amostra em comparação com a amostra da população em geral. E é por isso que temos dito aos clínicos gerais, “por favor, não prescreva mais venlafaxina ou paroxetina“. Não há mais necessidade.
Moore: Você teve alguma resposta a esse pedido?
van Os: Na verdade, as pessoas estão realmente surpresas. Os clínicos gerais com quem falo ainda têm uma imagem diferente quando pensam em venlafaxina ou paroxetina como antidepressivos muito eficazes, o que é claro porque foram comercializados de forma muito proficiente e competente na Holanda. Acho que isto foi muito bem sucedido no sentido de que isto criou uma aura delas sendo muito bem sucedidas, e isto tem persistido até este momento.
Moore: Sabemos que, tal como está atualmente, as pessoas que insistem que querem afunilar lentamente, provavelmente lhes será prescrita uma forma líquida. Há alguns estudos que o senhor conhece que tenham analisado a eficácia das formas líquidas para uso afilado?
Groot: Com relação ao uso de medicamentos líquidos, acho que é importante fazer algumas observações primeiro.
Minha primeira observação é que é possível afunilar medicamentos usando medicamentos líquidos porque vemos que há pacientes que são bem sucedidos quando o fazem. Mas também há pacientes que tentam afunilar usando remédios líquidos que não conseguem, e que têm grandes problemas quando tentam. Mas não sabemos quantas pessoas são bem-sucedidas e quantas falham. Temos apenas opiniões de médicos sobre isso e ouvimos histórias de pacientes. Ouço histórias de pacientes e histórias que se aplicam a vários pacientes que estão tendo problemas com o uso de medicamentos líquidos, especialmente quando estão se aproximando do fim do cone.
Minha segunda observação é que, tanto quanto sei, não temos dados confiáveis sobre isto. Porque isto simplesmente nunca foi investigado corretamente.
Minha terceira observação é que os medicamentos líquidos não foram desenvolvidos para afunilamento e nunca foram testados para este fim. Perguntei isto à GlaxoSmithKline sobre a paroxetina e eles me disseram: “Na verdade, não sabemos, a paroxetina líquida foi registrada há 20 anos. Abaixo da dose mais baixa registrada, não podemos garantir que a medicação líquida funcionará corretamente“. Portanto, basicamente, eles não sabiam.
Eu entendo perfeitamente porque os pacientes pedem a medicação líquida. Isto porque as doses de medicamentos que eles querem simplesmente não estão disponíveis. Portanto, é uma questão de ter algo melhor do que não ter absolutamente nada. É a única alternativa viável que pacientes e médicos podem encontrar atualmente, e que isto é assim porque as empresas farmacêuticas não lhes deram nada melhor durante todos estes anos.
Minha próxima observação é que, embora médicos e pacientes possam pensar que a medicação líquida pode ajudar a maioria dos pacientes, ninguém sabe para quantos pacientes isso é verdade e para quantos pacientes isso é problemático. Pode ser problemático porque pode ser difícil seguir as instruções adequadamente, o que pode ser especialmente difícil para os pacientes mais vulneráveis, ou para os pacientes que usam uma série de medicamentos diferentes ao mesmo tempo.
Em conjunto, isto me dá sentimentos muito contraditórios sobre o uso de medicações líquidas. E me pergunto o que os pacientes prefeririam se lhes fosse dada a escolha entre medicamentos líquidos ou o uso de “tiras afiladas” que são muito mais fáceis de trabalhar, muito mais fáceis de entender. Mais fácil para os pacientes que têm dificuldade em usar corretamente os medicamentos líquidos e também porque a dosagem é muito mais precisa.
Moore: Voltando a toda esta questão de comparar métodos de retirada, vi discussões nas mídias sociais que sugerem que, até que seja feito um ensaio controlado aleatório que compare todas as diferentes maneiras que as pessoas podem retirar, então não seremos capazes de dizer se existe ou não um método de destaque.
Eu só me perguntava quais eram os sentimentos de vocês a esse respeito. Um ensaio controlado randomizado é o melhor instrumento para avaliar a grande variedade de experiências que as pessoas têm quando estão tentando deter os antidepressivos?
van Os: Acho isto muito interessante porque é realmente uma questão de paciência e depois sobre como a comunidade científica reage a isso. Como eles pensam que vão ajudar os pacientes a responder a esta pergunta. Há diferentes maneiras de pensar em um ensaio clínico, é claro, mas o ensaio que eles propuseram na Holanda, que pode levar de cinco a 10 anos e provavelmente será inconclusivo, é que eles querem comparar o que eles chamam de ” afunilamento regular” de venlafaxina e paroxetina, que basicamente significa basicamente interrupção abrupta da dose registrada a mais baixa disponível, porque não há dosagens menores para afunilamento.
Portanto, isto é o que eles chamam de ‘afunilamento regular’, apenas interrropendo o seu medicamento na dose mais baixa disponível para venlafaxina e paroxetina e depois ver o que acontece, e em seguida comparar isso com afilamento personalizado.
O problema é que eles provavelmente terão problemas com esse design. Esta semana, houve um artigo na JAMA, e este foi sobre opiáceos, e eles estavam realmente descrevendo o fato de que é impossível, provavelmente, fazer um ensaio aleatório de afilamento. Por quê? Por questões éticas, porque o resultado do julgamento não é que você traga algo bom, como tentar curar seu câncer, mas sim evitar algo ruim. Então, se a condição de controle é que você deixe a coisa ruim acontecer e então você vê se menos dessa coisa ruim acontece se você fizer algo menos ruim, isso é completamente antiético.
E o interessante é que os americanos, é claro, estão muito mais interessados nestas questões éticas, porque a ética é uma questão muito mais litigiosa lá. Enquanto na Holanda, e eu também já vi pessoas escrevendo sobre isso no Reino Unido, a abordagem é “vamos ver quem mais deixa a medicação se você fizer isso ou aquilo“. Isto simplesmente não é possível, eticamente.
Portanto, o único ensaio aleatório controlado razoável que se poderia empreender é comparar a afunilação personalizada com uma tira afilada e comparar isso em um ensaio aleatório controlado com uma forma personalizada de afunilação líquida. Assim, os dois grupos são ambos personalizados, mas um com forma líquida e outro com tiras afiiladas. Isso seria uma prova razoável. A única coisa é que o comitê de ética poderia dizer “você será capaz de mostrar que estas formas líquidas podem ser dosadas precisamente?“, e a resposta é que não podemos, porque é por isso que o documento de consenso sobre a afunilação na Holanda na verdade não permite a afunilação de líquidos. Eles o desaconselham porque dizem que é muito confuso e você não pode garantir que as pequenas doses destas gotículas sejam realmente as que você deve tomar.
Portanto, eticamente, acho que isso também seria difícil; e então o terceiro argumento é simplesmente, cientificamente: há muito tempo se sabe que estudos e ensaios observacionais adequados produzem os mesmos resultados que os ensaios controlados aleatórios e a vantagem dos estudos observacionais é que, naturalmente, as populações são muito mais representativas do que nos ensaios controlados aleatoriamente.
Há muito mais problemas sobre os quais eu poderia continuar. Não creio que um ensaio clínico seja conduzido como o que eles propõem aqui na Holanda. Simplesmente não é possível, eticamente.
Groot: Pensamos que a afunilação deve ser personalizada e que devemos tentar evitar um tamanho único que se ajuste a todas as recomendações e diretrizes, mas isso é o que está acontecendo atualmente. Mas, é claro, o que funciona para um paciente não irá funcionar automaticamente para outro paciente.
Como eu disse anteriormente, não há atualmente nenhuma maneira adequada para um prescritor prever isto de forma confiável. Portanto, é muito importante auto-monitorar, afunilando e agindo com base nisto durante o afunilamento. Para que o afunilamento seja o melhor possível.
O que acabei de dizer não é diferente do que os pacientes vêm advogando há muitos, muitos anos. Posso citar especificamente Ed White, John Read e Sherry Julo que descreveram os grupos do Facebook que estão ajudando os pacientes a sair de medicamentos psiquiátricos. E Adele Framer, fundadora da Surviving Antidepressants, também escreveu um artigo muito bom sobre isso. Ambos os artigos foram publicados no ano passado e, em minha opinião, deveriam ser de leitura obrigatória para os médicos que devem ajudar os pacientes a afunilar de forma segura e responsável.
O que eu descrevi também é basicamente o que alguém como a Professora Heather Ashton tem defendido por muitos anos para sair dos benzodiazepínicos. Sua mensagem foi “não simplesmente seguir uma diretriz padrão, mas trabalhar em conjunto com o paciente para orientar o processo de afunilamento. Tome tempo para isso e escute o paciente e não tente ir muito rápido“.
É interessante ressaltar que os RCTs [Ensaios de Controle Randomizado] são essencialmente uma forma de pesquisa de grupo. Portanto, se você fizer pesquisa em grupo, os resultados obtidos serão válidos para os grupos estudados, isto é algo diferente de ser válido para o paciente individual dentro de um grupo.
Moore: Isto me diz que os ensaios controlados aleatórios (RCTs) provavelmente estão certos onde você está fazendo uma pergunta muito específica sobre uma população muito específica de pacientes, e ainda assim não é esse o mundo da abstinência, não é? Estamos falando de uma variedade de experiências e grande variação na forma como as pessoas podem avaliar o sucesso. Você não pode controlar isto porque é antiético deixar as pessoas pensarem que estão sendo retiradas quando você está realmente lhes dando o placebo, o que não está tendo nenhum efeito e, portanto, potencialmente prejudicial.
Portanto, eu acho que os estudos que vocês estão fazendo são provavelmente o melhor método para avaliar a eficácia das intervenções de afunilamento.
van Os: Correto.
Moore: Olhando para o futuro, estou ciente de que continuam a existir barreiras para a adoção de tiras afiiladas. Em parte devido talvez à insistência de que os antidepressivos não são drogas formadoras de dependência, mas também em parte devido aos planos de saúde locais. Eu só queria saber se vocês dois poderiam compartilhar um pouco sobre o que suas experiências têm sido na tentativa de incentivar a adoção de tiras afuniladas na Holanda?
van Os: Sim. Acho que este é um tópico muito interessante porque é basicamente como um doutorado em sociologia médica. No sentido de que o que acontece na Holanda é que Peter, em 2013, propôs a 20 professores de psiquiatria, os mais conhecidos professores de psiquiatria da Holanda, dizendo “olha, há este problema, há síndrome de abstinência, vamos escrever um artigo juntos e dizer às pessoas que há tiras afiiladas, e elas podem encomendá-las“.
As pessoas passaram a ficar muito entusiasmadas. Elas estavam pensando que isto seria ótimo, que isto é uma necessidade. Então publicamos o artigo junto com Peter, e depois o que vimos é que as pessoas começaram a usá-las. Então houve uma demanda pelas tiras, e assim, com a demanda, veio um sinal e um debate sobre quão grande é este grupo.
Assim, houve fóruns e grupos, e na verdade, parece que a prevalência é muito maior do que as pessoas esperavam. Com esse sinal veio também um debate profissional, no sentido de que os clínicos gerais responsáveis por 80% das prescrições de antidepressivos passaram a se perguntar: “fizemos algo errado? Então, os psiquiatras também pasaram a colocar na balança, dizendo: “Isto é realmente tão grave?“.
Aquele debate profissional demonstrava um certo tipo de mal-estar que estava surgindo. No sentido de que admitir que a síndrome de abstinência era realmente prevalecente, às vezes severa e que requer uma prática de prescrição diferente seria admitir que “não fomos muito cuidadosos com esta química“.
Ao mesmo tempo, o que vimos foi que passou a haver um grande debate sobre a eficácia dos antidepressivos. Então, muitas pessoas se referiram à meta-análise das redes sociais feita pela Lancet, dizendo: “Olhe, é eficaz”, mas se você olhar com muito cuidado para essa meta-análise da rede, o que realmente está dizendo é que existe uma diferença não-clínica entre placebo e antidepressivos.
A realidade é que provavelmente algumas pessoas têm uma resposta realmente boa. Mas não se pode prever quem e um grupo muito grande não terá nenhuma resposta, mas terá dificuldades em sair dos antidepressivos. Portanto, todo o debate sobre a abstinência também estava se tornando um debate sobre psiquiatria e a prescrição de antidepressivos.
Então, é claro, somos holandeses, não gostamos de gastar dinheiro. Somos muito mesquinhos. Então, quando o grupo se tornou maior e as exigências se tornaram maiores, as seguradoras de saúde deixaram de reembolsá-las porque, inicialmente, achavam isto muito bom, isto é uma ou duas pessoas, e então todos nós podemos seguir em frente. Mas de repente, eles se deram conta de que era realmente uma questão social. Portanto, os componentes financeiros também pesaram. Era profissional, financeiro, e era também, penso eu, sobre o movimento subjacente dos direitos civis dos pacientes, que na Holanda, sempre fomos muito lentos em reconhecer.
Groot: Uma vez que as tiras afuniladas ficaram disponíveis, pensei que elas seriam bem-vindas, especialmente porque todos esses professores nos apoiaram. E porque tornou possível o que as diretrizes sempre pediram, para deixar os pacientes afunilarem gradualmente quando necessário. Mas, para minha surpresa, as maiores seguradoras de saúde, que têm cerca de 90% do mercado na Holanda, não queriam reembolsar as tiras afiladas.
Isto levou a uma situação em que todas as partes responsáveis envolvidas estão apontando umas para as outras em vez de assumir a responsabilidade. Isto já dura há mais de cinco anos na Holanda, e há processos judiciais em andamento e não temos a menor idéia de quando isto termina. Ao mesmo tempo, vemos cada vez mais médicos que estão prescrevendo tiras afuniladas. Por isso, é uma situação muito frustrante para mim.
Moore: Devo dizer que, como alguém com experiência vivida como eu, foi extremamente decepcionante no Reino Unido ver que a maior resposta à necessidade de tiras afiiladas foi a opinião de que, a menos que saibamos exatamente o tamanho da população afetada, então não podemos fazer nada a respeito. Há uma necessidade, há uma solução, há uma maneira de ajudar as pessoas, mas não podemos ajudar a menos que saibamos exatamente a porcentagem afetada.
Groot: Isto se parece muito com o argumento que estava aqui. Basicamente, eles estão dizendo, se há apenas algumas pessoas que sofrem com isso, então não precisamos do reembolso. Comparo isto com uma situação em que uma de 10.000 pessoas sofre de uma forma específica de câncer. Então não vamos dizer isto. Então diremos “há um medicamento por 100.000 euros e ele deve ser pago“, porque esta é uma necessidade não atendida deste paciente. Mas quando se trata de afunilamento, dizemos: ‘não, é apenas um singular problema, se uma proporção considerável de 20% dos pacientes está sofrendo com isso‘.
É como se estivéssemos dizendo que se o grupo de pacientes que tem o problema for muito pequeno, eles não serão ajudados. Isso é algo que eu ainda não consigo entender.
Moore: Então, estamos numa posição em que já fizemos três estudos entre cerca de 2.000 pessoas. Houve uma taxa de sucesso confirmada de cerca de 70% a cada vez. Coletou-se dados muito importantes e valiosos sobre a qualidade da experiência e a duração do tempo sobre as drogas. Portanto, parece-me que se replicou sua taxa de sucesso em várias ocasiões agora.
O que mais se acha que precisa ser feito, se algo mais, para que esta abordagem seja levada a sério pelos prescritores?
van Os: Penso que o que tem ajudado muito é que, por exemplo, a mídia vem mostrando imagens reais de pessoas reais lutando e mostrando o sofrimento real, e penso que isto tem ajudado enormemente em nosso caso para que a população mais ampla entenda isto, porque as pessoas não sabem sobre isto. Nunca lhes foi dito sobre isso. Portanto, se houver conhecimento geral da população sobre isto, penso que isto terá impacto também sobre os prescritores. Porque então os pacientes que vierem ao clínico geral dirão: “Eu não quero paroxetina porque está associada a uma abstinência severa“. Ou, os pacientes vão pedir tiras afiladas, e então o médico vai perguntar: “O que você quer dizer? O que é uma tira afunilada?” Então, ele a procurará, etc.
Portanto, penso que com mais consciência e uso, o problema se resolverá por si só, mas temos que lhe dar mais cinco anos, penso eu, infelizmente.
Moore: Peter, você pensa no futuro?
Groot: Espero que tudo isso vá um pouco mais rápido. A gente tem que se reunir e dizer: “Vamos continuar“, e isto é o que fazemos, claro, com os estudos que fizemos, mas também com os estudos que estão por vir. Continuaremos perguntando aos pacientes que há algum tempo atrás se tornaram familiares com o processo de afilamento como estão se saindo agora. Eles ainda estão sem a medicação? Ou eles começaram a usá-lo novamente? O resultado de nosso segundo estudo, no qual fizemos esta pergunta, é que cerca de 70% das pessoas que tomaram um antidepressivo completamente afilado há uns cinco anos (não pudemos medir por mais tempo) não estão usando o medicamento novamente. Não parece haver diferença entre pacientes que usaram o medicamento há cinco anos ou um ano, ou 20 anos.
Isto para mim é uma descoberta muito promissora. Porque sugere que também as pessoas que têm usado antidepressivos por um longo período de tempo, se tiverem a oportunidade de afunilar cuidadosamente e que demoraram muito tempo para fazê-lo, parece ser possível que elas saiam da droga e fiquem longe da droga.
Moore: Isso é realmente importante, não é? Porque em grupos de apoio, ouvimos falar tantas vezes de pessoas que foram aconselhadas a sair da droga pelas diretrizes padrão. Como, 50% de redução a cada duas semanas ou o que quer que seja, e elas se metem em problemas terríveis, voltam para seu prescritor e a resposta do prescritor é dizer para “volte a usar o antidepressivo”.
Essa pobre pessoa não só teve uma terrível experiência de abstinência, como também não está mais afim de passar pela mesma coisa. As pessoas estão de volta ao medicamento, elas têm que enfrentar esse obstáculo em uma próxima vez. Portanto, o fato de que a pessoa esteja olhando para dados de resultados a longo prazo em termos de se ter uma trajetória melhor, uma trajetória mais fácil fora da droga, é mais provável que a pessoa fique livre de antidepressivos a longo prazo. Isso é extremamente significativo, não é?
Groot: É o que nosso estudo sugere e eu acho que isso também é o que muitas pessoas já passaram a pensar.
van Os: Então, eu estava pensando que também somos muito ajudados por vozes como David Taylor e Mark Horowitz, que na verdade têm experiência profissional e encarnada, e depois realmente passaram a nos falar sobre isso.
Psiquiatras dizendo a outros psiquiatras, farmacologistas dizendo a outros farmacologistas que isso é real, isso realmente ajuda. Além disso, acho que ajuda que tenhamos lugares para a injustiça epistêmica como Mad in America, que é basicamente uma plataforma para o movimento dos direitos civis, o que é realmente útil. Eu acho que, para você Peter, você amplificar a sua voz e ser ouvido, isso é realmente ótimo.
Moore: Não posso agradecer a ambos o suficiente por seu trabalho. Estou encantado de ver o número de 70% replicado pela terceira vez e me pergunto quantos destes estudos têm que ser feitos com tal taxa de sucesso para que as pessoas acordem e se dêem conta.
Groot: Posso fazer uma observação aqui? Os 70% de pessoas que obtiveram sucesso em antidepressivos afilados completamente podem dar a impressão de que os outros 30% falharam.
Isto não é verdade, porque alguns destes pacientes acabam realmente tendo uma dosagem mais baixa. Outros pacientes podem descobrir que talvez seja sensato que eles permaneçam com o medicamento que estão usando.
Moore: Assim, tiras afiladas podem ajudar as pessoas a encontrar uma dose mínima efetiva. Isso é verdade?
Groot: Por exemplo. Mas você também pode ver que os pacientes, mesmo os pacientes que estão neste grupo de 30%, dos quais você pode dizer que eles falharam em afunilar completamente ainda dizem que estão muito mais satisfeitos em poder usar as tiras afiiladas do que quando falharam em afunilar sem usar as tiras. Penso que esta é também uma descoberta muito importante porque sugere que os pacientes têm uma melhor percepção do que estão fazendo.
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NOTA DO EDITOR: No 3 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizado pelo LAPS/ENSP/FIOCRUZ, Peter Groot apresentou-nos essa “tecnologia”: as “tiras afiladas”. Clicando no link você, leitor, poderá ter conhecimento de mais detalhes dessa tecnologia desenvolvida por ele e o Dr. Jim van Os. A racionalidade das “tiras de afilamento” desafia a criatividade nossa, psiquiatras e farmacologistas de imediato, mas também os usuários e os profissionais de saúde mental em geral. Essa tecnologia é aplicável a antidepressivos e às demais drogas psiquiátricas.
Fernando Freitas – tradução e edição