Em todo o mundo, a depressão continua sendo um dos transtornos mais amplamente diagnosticados, e a primeira linha de tratamento em muitos países é a dos medicamentos antidepressivos. Embora os primeiros relatórios tenham mostrado promessa, as evidências emergentes ao longo dos últimos anos têm levantado enormes dúvidas. Essas evidências têm questionado tanto a eficácia desses medicamentos quanto os efeitos adversos associados a eles.
Uma revisão de 2019 sintetizando as evidências sobre antidepressivos foi publicada no BMJ Evidence-Based Medicine. Ela foi conduzida pelos pesquisadores Janus Jakobsen e Christian Gluud do Hospital Universitário de Copenhagen e Irving Kirsch da Escola de Medicina de Harvard.
Os pesquisadores afirmam que embora os antidepressivos apresentem diferenças estatisticamente significativas quando comparados com placebo, o efeito em si é tão pequeno que não tem sentido clínico. Considerando que os efeitos adversos dos antidepressivos são severos e generalizados, seu uso deve ser restrito até que se saiba mais sobre eles.
Os antidepressivos, uma vez aclamados como o tratamento definitivo da depressão, têm sofrido golpes significativos em sua reputação. Recentemente, uma mudança nas diretrizes do NICE (National Institute for Health and Care Excellence) do Reino Unido, que foi seguido pelo reconhecimento de seus danos duradouros pelo ex-presidente do Royal College of Psychiatrists, trouxe seus riscos ao foco.
Novas revisões têm observado que os efeitos de retirada dos antidepressivos podem durar mais de um ano. Um estudo recente constatou que quando os antidepressivos ineficazes são aumentados pelos antipsicóticos, as taxas de mortalidade precoce aumentam em 45%. Outros pesquisadores apontaram a corrupção desenfreada da indústria em ensaios clínicos com antidepressivos.
Nesta síntese de evidências, os bem conhecidos pesquisadores observam que o uso de antidepressivos aumentou exponencialmente em todo o mundo, e mais de 60% das pessoas que os tomam vêm fazendo isso há mais de 2 anos.
Os pesquisadores começam revendo o significado estatístico nos ensaios com antidepressivos. Aqui eles analisam o uso da popular Hamilton Depression Rating Scale (HDRS)*. Em um ensaio clínico, se um medicamento é eficaz ou não para depressão é freqüentemente medido pelos pontos médios de queda nesta escala; é suposto representar uma queda na gravidade dos sintomas da depressão.
No entanto, a escala está atolada em numerosas controvérsias. Anteriormente, uma queda de 3 pontos na escala era considerada clinicamente significativa; isto estava exibido no site da NICE, mas desde então foi removido por causa de numerosas críticas. Apesar disto, muitos estudos ainda continuam a usar esta referência para sugerir que uma droga está funcionando. Alguns estudos mostram que uma mudança tão pequena na escala HDRS não produz nenhuma mudança na condição da pessoa e é indetectável na prática clínica. Outros argumentaram que uma mudança de 7 pontos é necessária para que qualquer melhoria clínica possa ser identificada.
Outro problema é que os testes freqüentemente dividem a escala de 52 pontos em dois binários: as pessoas que mostram uma melhoria superior a 50% em relação ao HDRS são chamadas de respondentes a drogas e as pessoas abaixo disso como não respondentes. Esta é uma divisão arbitrária que ofusca realidades complexas. Por exemplo, uma pessoa que mostra uma mudança de 49% é chamada de não-resposta, enquanto 51% é considerada como tendo respondido à droga. A mera diferença de 2% os coloca em categorias completamente diferentes. Ao mesmo tempo, coloca as pessoas com uma pontuação de 0% de mudança e 49% na mesma categoria.
“Portanto, ao avaliar tais resultados dicotomizados, há um risco considerável de superestimar o benefício, mas também há o risco de não detectar um efeito “verdadeiro”. Portanto, resultados dicotomizados, tais como ‘resposta’ ou ‘remissão’, não devem ser usados para avaliar a significância estatística ou clínica e devem ser interpretados com cautela”.
Os pesquisadores observam que várias revisões recentes de estudos antidepressivos mostraram que os medicamentos têm pequenos efeitos estatisticamente significativos em comparação com placebo. Ao mesmo tempo, a maioria dessas revisões são não-sistemáticas (de acordo com a lista de verificação do PRISMA) ** e, portanto, são consideradas menos rigorosas do que as análises sistemáticas. Os pesquisadores avaliam duas análises recentes.
Primeiro, em 2017, os autores desta síntese realizaram uma revisão sistemática das evidências para os antidepressivos. Eles descobriram que embora a diferença entre antidepressivos e placebo fosse estatisticamente significativa, o tamanho do efeito (1,94 pontos HDRS) era muito baixo para significância clínica (3 HDRS que foi o critério anterior do NICE) e muito menor que “melhoria mínima” (7 HDRS).
Em outras palavras, a magnitude da diferença entre os antidepressivos e placebo era muito pequena para importar. Para efeitos a longo prazo, o tamanho era ainda menor. Além disso, os efeitos adversos medidos e as chances de viés em muitos desses testes eram ambos altos.
A segunda revisão foi publicada na The Lancet em 2018. Ela mediu apenas resultados a curto prazo e, de forma semelhante, encontrou resultados estatisticamente significativos para os antidepressivos, mas também um tamanho de efeito realmente baixo. Pesquisadores relatam que apenas 18% dos ensaios nessa revisão estavam em baixo risco de viés.
Os pesquisadores escrevem que um dos maiores problemas com as evidências existentes, além do baixo tamanho dos efeitos, é a alta chance de enviesamento nos ensaios. Por exemplo, a revisão da Lancet também incluiu ensaios cabeça a cabeça, que são especialmente vulneráveis ao patrocínio da indústria.
Além disso, sabemos agora que os pacientes podem ficar cegos em um ensaio porque os efeitos adversos dos antidepressivos os levam ao fato de que não estão recebendo um placebo. Assim, mesmo o pequeno efeito significativo visto nos ensaios clínicos pode ser o resultado de um efeito placebo criado. Em outras palavras, os participantes ficam cegos e começam a se sentir bem ao receber o medicamento em si, o que influencia sua classificação de depressão. Finalmente, muitos resultados de ensaios não podem ser facilmente generalizados para a população mais ampla, pois incluem apenas um tipo muito específico de paciente.
Por estas razões, mesmo o pequeno efeito estatisticamente significativo pode ser inflado. Por exemplo, um estudo descobriu que se as meta-análises incluíssem um autor trabalhando para a empresa farmacêutica fabricante do medicamento, era 22 vezes menos provável “ter declarações negativas sobre o medicamento do que outras meta-análises”. Também descobriu que os ensaios de baixo risco para fins lucrativos não encontraram nenhum efeito estatisticamente significativo para os antidepressivos.
Embora esses resultados levantem dúvidas sobre a eficácia dos ISRSs, os pesquisadores desta revisão também observam que tanto as reações adversas graves quanto as não graves foram minimizadas. Estas variam de disfunções sexuais e problemas gastrointestinais a defeitos congênitos para os SSRIs, e convulsões, e até mesmo a morte por antidepressivos tricíclicos.
Os sintomas de abstinência também são graves e duradouros; estes incluem alucinações, sintomas semelhantes a acidentes vasculares cerebrais, transtornos de pânico, depressão de rebote e ansiedade, entre muitos outros. Alguns têm insistido que isto deveria ser chamado de sintomas de abstinência do antidepressivo em vez da evasiva síndrome de descontinuação. Muitas vezes, mesmo quando os pacientes querem sair dos antidepressivos, estes sintomas dificultam a parada. Os autores escrevem:
“Os sintomas de abstinência também podem explicar porque alguns estudos alegam que o risco de recaída parece ser reduzido se os antidepressivos forem continuados em vez de não continuados. Os sintomas de abstinência podem ser a razão pela qual os pacientes que não continuam com os antidepressivos podem piorar em comparação com os pacientes que continuam com os antidepressivos”.
Os pesquisadores insistem que, dadas as evidências recentes, determinantes sociais de saúde como desemprego e pobreza devem ser tratados como fatores causais na depressão. Além disso, parece que para muitos pacientes a prioridade não é simplesmente uma redução dos sintomas, mas que eles podem participar de atividades sociais e retornar ao trabalho. Dada a baixa eficácia (efeito clinicamente insignificante), os riscos de danos e o preconceito da indústria, os pacientes devem ser informados sobre outras opções de tratamento. Os autores escrevem:
“Os antidepressivos não devem ser usados para adultos com transtorno depressivo grave antes que evidências válidas tenham demonstrado que os efeitos benéficos potenciais superam os efeitos prejudiciais”.
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Jakobsen, J.C., Gluud, C., & Kirsch, I. (2019). Should Antidepressants be used for Major Depressive Disorder? BMJ Evidence-Based Medicine, 25(4), 130-136. http://dx.doi.org/10.1136/bmjebm-2019-111238 (Link)
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* Escala de Hamilton – Avaliação da Depressão
** Principais itens para relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises: A recomendação PRISMA
[trad. e edição Fernando Freitas]