Alguém sobrevoou o ninho do consenso científico¹ – a história do Dr. Ophir e do TDAH

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Por Yaffa Shir-Raz, PhD

Quando criança, Jacob fazia tudo certo. Ele estudou nas melhores escolas, teve as melhores notas e chegou às melhores universidades. Logo Jacob se tornou o Dr. Yaakov Ophir – um psicólogo clínico licenciado e um jovem e promissor acadêmico do Technion – Instituto de Tecnologia de Israel. Com mais de 20 artigos científicos publicados (em inglês) e dezenas de entrevistas na mídia (em hebraico), Dr. Ophir voou com segurança rumo à terra promissora da academia. Tudo isso era verdade até que ele acidentalmente pisou em uma mina terrestre. Após o diagnóstico de seu filho primogênito com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), há sete anos, ele começou a investigar as origens e a validade científica desse diagnóstico comum na infância, e o que descobriu mudou sua vida. Literalmente.

Dr. Ophir descobriu muitos furos na narrativa médica dominante, conflitos flagrantes de interesses e práticas de encobrimento realmente estranhas que não se alinhavam com o que ele pensava que era a ciência. Para ele, a palavra ‘ciência’ costumava ter uma conotação sagrada. A academia era um templo para a verdade e integridade. Então ele decidiu compartilhar suas revelações com o mundo. Mal sabia ele que estava acordando um monstro brutal.

Sendo transparente, Dr. Ophir é um amigo próximo meu. Ainda assim, prometo contar sua história como aconteceu. Lembro-me vividamente das difamações pessoais e ataques cruéis que ele sofreu três anos atrás, quando nos conhecemos. Ophir ousou se afastar do ninho caloroso do consenso e expressar sua crítica instigante sobre o TDAH e seus medicamentos (Ritalina, Adderall e similares) e foi imediatamente acusado de ser um pseudocientista e um perigo para o público.

“Parecia que alguém tinha arrancado de mim meus títulos profissionais e acadêmicos e me dado um soco direto no estômago”, ele me lembrou quando o entrevistei recentemente sobre seu livro recém-publicado sobre o assunto. Verdade seja dita, eu realmente não precisava desse lembrete. Eu estava lá quando o Dr. Ophir levou ‘um soco no estômago’, muito antes de se tornar o autor reconhecido da “refutação abrangente do consenso científico sobre o TDAH“. Mas quando ele me contou essa história novamente, eu me encolhi de constrangimento como na primeira vez que a ouvi.

“Na verdade, eles foram atrás da minha licença”, disse ele com um suspiro sobrecarregado. “Eu era um jovem psicólogo e de repente recebi uma carta formal de advertência do Ministério da Saúde de Israel. Esta carta dizia que uma notável especialista na área apresentou uma queixa na qual ela me acusa de distorcer a ciência e enganar o público. Foi realmente assustador. Naquela época, eu não sabia que essa prática de bullying era comum. Eu estava preocupado em perder minha licença junto com minhas outras credenciais acadêmicas. Você provavelmente se lembra que eu previ algum embate com o sistema, mas não estava preparado para tamanha batalha de vida ou morte profissional”.

“Mas quais eram os argumentos deles”? perguntei ao Dr. Ophir. “Com que base eles foram atrás de sua licença”? “Você mesma deveria ler a carta”, ele respondeu. “Sua linguagem é absurda. Eu não podia acreditar que uma cientista respeitado a escreveu. Era superficial, hostil e cheia de erros factuais, como se tivesse sido escrita por uma criança zangada que teve seu jogo favorito tirado dela. A especialista reclamante não forneceu nenhuma resposta substantiva às lacunas científicas que levantei em meus artigos. Em vez disso, distorceu o conteúdo de meus escritos e colocou palavras em minha boca, que eu nunca disse. Foi realmente inacreditável. A carta de reclamação apresentava citações do Dr. Ophir usando aspas formais, mas essas citações nunca foram escritas por mim em nenhum dos meus artigos! Eu disse ao Ministério da Saúde: ‘Isso é muito fácil. Basta copiar essas citações e procurá-las em meus artigos. Você vai ver que elas não existem’”.

“Mas se deixarmos de lado o estilo violento dessa reclamação”, insisti, “você já parou para pensar se suas opiniões são realmente perigosas? Pode ser que tantos especialistas em TDAH estejam errados?” “Eu não tive escolha a não ser me fazer essas perguntas críticas”, Dr. Ophir admite com pesar. “A carta intimidadora do Ministério da Saúde me obrigou a sentar e ler toneladas de literatura. Eu tinha que responder a essas acusações infundadas e tinha que ter certeza de que estava dando aos meus leitores informações científicas tão precisas e confiáveis ​​quanto possível. De uma forma estranha, devo agradecer a especialista que apresentou a denúncia. Sua carta impulsionou meus esforços científicos neste campo. Após sua denúncia, desloquei meus esforços da esfera pública para as esferas profissional e científica. Eu iniciei minha própria pesquisa e revisões críticas sobre este assunto e reuni uma quantidade enorme de conhecimento, que eventualmente levou à publicação deste livro científico completo.”

the psychologist is recording data obtained from patient interviews and prepare medical steps.

 

 

O livro sobre o qual o Dr. Ophir fala é bastante notável. O título do livro diz tudo. O TDAH não é uma doença e a Ritalina não é uma cura: uma refutação abrangente do (suposto) consenso científico. “O consenso é uma ilusão”, explica. “É por isso que eu tive que adicionar a palavra ‘suposto’ no título. Há um longo e intenso debate sobre esse assunto. Os especialistas em TDAH estão bem cientes desse simples fato histórico, mas se você ousar contestar a validade do distúrbio ou a legitimidade de seu tratamento farmacológico de primeira linha, eles negarão a própria existência da controvérsia. Esta é uma forma sofisticada de gaslighting. Não é de admirar que os críticos do TDAH sejam rotulados como loucos. Mas temos que nos libertar disso. Não podemos permitir-nos render-nos à tirania científica.

“Você está bem ciente do fato de que a cada segundo, ou três, famílias nos Estados Unidos tem uma criança que pode receber esse diagnóstico inventado de TDAH. Você sabe muito bem que muitos pais sentem intuitivamente que algo está errado – ou que seus filhos são perfeitamente saudáveis ​​ou que não deveriam ser medicados com drogas tão poderosas. Esses pais enfrentam extrema pressão para obedecer aos sistemas médico e educacional e são submetidos aos mesmos métodos de gaslighting. Eles estão sendo levados a acreditar que seus filhos têm um desequilíbrio bioquímico no cérebro, que deve ser tratado com medicamentos todos os dias, como usar óculos. Estou ciente de que o que estou prestes a dizer pode soar um pouco ingênuo, mas sinto que se esses pais apenas lessem meu livro, eles poderiam usá-lo como uma espada científica em sua batalha contra o sistema; em sua batalha pelo bem-estar de seus filhos.”

“Mas seu livro é essencialmente científico. Os pais leigos podem entender um livro tão acadêmico? perguntei ao Dr. Ophir. “Você está certa”, ele respondeu, “mas meu público imaginário enquanto escrevia este livro sempre foram meus colegas pais que ficaram surpresos ao descobrir, como eu fiquei seis anos atrás, que seus filhos normais têm um ‘distúrbio vitalício do cérebro’. Claro, eu tinha que aderir às normas acadêmicas e ao rigor científico, mas fiz tudo ao meu alcance para tornar a ciência disponível para a maioria dos leitores usando uma linguagem simples e histórias da vida real”.

Eu sei. Minha amizade com o Dr. Ophir não me permite julgar com neutralidade o seu livro. No entanto, devo compartilhar que minha leitura dele voou sem esforço como um pardal. Fui capturada pelo ritmo e autenticidade do livro desde o primeiro conto de abertura e fiquei fascinada por sua estrutura brilhante e sabedoria nítida, mas simples. Seu livro, claro, não visa substituir uma consulta particular com um profissional de saúde mental, mas abre a porta para informações que estão sendo deliberadamente escondidas de nós. O livro revela, por exemplo, que a ciência nunca forneceu evidências convincentes de que os medicamentos para TDAH são eficazes a longo prazo. Pelo contrário, o uso prolongado desses medicamentos populares é bastante perigoso.

Essencialmente, o que o Dr. Ophir faz neste livro é expor os numerosos buracos científicos que existem na teoria dogmática sobre o TDAH e descobrir as pobres ‘ataduras’ que foram coladas descuidadamente para esconder esses buracos. “Quando você tira as demandas escolares da equação”, diz ele, “você vê que o TDAH não é uma doença. Na grande maioria dos casos, é um traço completamente normativo que tem, como todos os outros traços humanos, prós e contras”.

Portanto, não fiquei nem um pouco surpresa ao ler as resenhas acadêmicas que o livro recebeu. O neurocientista cognitivo e Professor Emérito Richard Silberstein, da Swinburne University, considerou-o “um dos livros mais importantes sobre o tema do TDAH publicado nos últimos 30 anos”. Thom Hartman, intelectual americano, viu este livro como “uma obra-prima absoluta, um trabalho que deveria estar nas mãos de todos os médicos da América”. Finalmente, o professor Sami Timimi, o influente psiquiatra britânico, roubou meus próprios pensamentos: “Dr. Ophir mostra as habilidades forenses de um cientista e as habilidades de escrita de um contador de histórias… Ele escreve com sagacidade, perspicácia e uma profunda humanidade e compaixão pela vida dos jovens… É uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada neste tópico… Quer seja um pai, uma pessoa com o diagnóstico, um professor ou um profissional da área de saúde mental, todos obterão algo valioso ao reservar um tempo para ler este livro maravilhoso”.

E aqui estão meus pensamentos com base em minha própria experiência com o discurso científico e médico: quando forças imensas são direcionadas para silenciar cientistas, muitas vezes é um sinal de que esses cientistas que deveriam ser silenciados têm algo terrivelmente importante a nos dizer. E se alguns cientistas estão dispostos a arriscar seu nome e sobrevoar o ninho do consenso, isso não significa que enlouqueceram. Provavelmente significa que a liberdade de pensamento está em perigo e que é nosso dever sagrado restaurá-la e preservá-la.

A resposta do Dr. Ophir à carta de reclamação:https://drive.google.com/file/d/1Tk4_IMDIkhrL5unI82OYc6yEQ8pu6A8d/view?usp=sharing  

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Mad in America hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

¹ No título original One Flew Over the Scientific Consensus’ Nest faz referência ao livro e ao filme One flew over the cuckoo’s nest, que em português foram traduzidos como Um estranho no ninho. One flew over the cuckoo’s nest é uma expressão que em inglês significa estar próximo da loucura ou mesmo louco.