Haverá um algoritmo para a eutanásia?

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Ligações atreladas aos interesses financeiros, a lógica de custo/benefício e o corpo que é tratado como equipamento passível de ser desligado, são assuntos abordados na matéria que foi disponibilizada através da publicação do jornal OUTRASAÚDE pela jornalista Elen Nas.

A matéria explica que o algoritmo se define por um conjunto de fatores predeterminados que cruzarão informações consideradas relevantes para uma solução almejada, com isso no caso da eutanásia seria decidir se uma pessoa atende os pré-requisitos do pleito, que é abreviar sua própria vida. Esse algoritmo é um projeto realizado pelo Exit International criado pelo médico australiano Philip Nitschke, que trabalha para que um computador seja capaz de fazer um teste psiquiátrico de fácil interação.

Como seria esse teste? A matéria menciona que o teste é proposto para candidatos ao suicídio assistido respondam três perguntas através de um software para auxiliar na tomada de decisão: “Quem é você?”, “Onde você está?”, e “Você sabe o que irá acontecer quando você pressionar o botão?”

Dois pontos importantes foram citados ao longo da matéria: O primeiro é que deve ser considerado que, antes de olharmos para estatísticas e probabilidades, os algoritmos são fruto de um tipo especifico de raciocínio: Uma racionalidade que calcula e orienta a tomada de decisões. O segundo ponto para refletir é que a tradição humanista tem enfrentado profundas crises desde a ascensão do mundo industrial moderno, que propôs a substituição da religião pela razão na esfera pública, revelando contradições intrínsecas a um sistema fundamentado em lucro e “vantagens”, alcançados através da biopolítica no controle dos corpos – manipulando seu tempo e autonomia – e da necropolitica praticada durante os processos de colonização modernos.

Na lógica utilitarista, a eutanásia pode ser justificada não apenas pelo respeito à autonomia individual, mas também pela avaliação do custo que um paciente representará ao longo da vida e dos investimentos em sua saúde quando enfrenta uma condição para qual não há cura ou perspectiva de recuperação. Embora permitir que a própria pessoa decida viver ou morrer represente um avanço aparente no entendimento das liberdades individuais, os impactos sociais do uso dessas prerrogativas permanecem invisíveis e não são devidamente considerados dentro das perspectivas éticas humanistas. Neste contexto, o corpo pode ser comparado a uma máquina com “falhas” que pode ser “desligada” como um equipamento defeituoso, que um cálculo de custo/benefício determina se vale ou não a pena realizar reparos.

O paradigma de respeito à vida vem se dissolvendo, à medida que as contradições de um sistema que produz e lucra com desigualdades, comprometendo a dignidade humana e o bem-estar de todos os seres, apresentam-se como insolúveis. Ao ler sobre o caso da holandesa que, aos 29 anos, que teve seu pedido de eutanásia aceito, encontramos outro problema. Existe um histórico de depressão crônica e outros sofrimentos psíquicos para os quais a medicina ocidental moderna não conseguiu fornecer tratamentos efetivos que melhorem sua qualidade de vida, apesar do uso de muitos medicamentos e procedimentos. Além disso, o que poderia ser visto como um direito do paciente de exercer sua autonomia em situações críticas de saúde, onde não há possibilidade de cuidar de si e viver com dignidade, agora se expande para a possibilidade de suicídio assistido.

Os pedidos de eutanásia por sofrimento mental considerado incurável se multiplicam, como no caso de uma mulher de 40 anos, casada e com dois filhos, que declarou: “não é que eu queira morrer, mas não quero viver mais esta vida”. Isso nos leva a questionar onde está o mundo de opções infinitas prometido por uma sociedade de mercado globalmente interconectada, cheia de fantasias e sonhos possíveis, propagadas em murais, pôsteres gigantes e painéis eletrônicos. Será que as praticamente infinitas possibilidades de acessar conteúdos de todos os tipos em dispositivos eletrônicos estão se tornando mais uma obstrução do que uma solução? Esses casos ocorrem na Europa, berço do conhecimento científico que herdamos e base de nossas instituições e formas de organização política e social, consideradas mais avançadas em termos de civilidade e ética – por isso, precisamos refletir sobre como essa influência chega até nós.

Trata-se de como a crise do humanismo afeta seu próprio território e se teremos a coragem de dar espaço para outras formas de conhecer, pensar e cuidar da saúde, considerando perspectivas territoriais, decoloniais, integradas, experimentais e que valorizam afetos como modos de cura, conexões, ética da hospitalidade e respeito a todos os seres. A percepção de escassez é forjada; a natureza é abundante. E onde as soluções não se apresentam, existem caminhos não trilhados a serem descobertos. No entanto, tratar os pressupostos da ciência como dogmas tem sido um obstáculo para novas buscas de readequação do conhecimento aos desafios que as revoluções tecnológicas impõem sobre as formas de viver e sobre a própria vida.

O mundo está em crise, e as tecnologias emergentes oferecem transformações que ainda não foram totalmente assimiladas pelo corpo social. Assim como muitos medicamentos, essas tecnologias resolvem problemas, mas também criam novos. Desse modo, também nos algoritmos, exceções são ignoradas, tornando respostas que supostamente deveriam ser fidedignas em resultados parciais. A ausência de informações pode super representar erroneamente atributos que, no contexto dos fatos, teriam menor impacto. A digitalização total da vida tem impactos ainda desconhecidos e, fundamentalmente, é um simulacro muito distante da própria vida.

Por fim a matéria aponta que o futuro distópico de uma “eutanásia para todos” é a consequência de uma epistemologia que não se responsabiliza por como e de que modos os epistemicídios ocorrem. Isso torna difícil confrontar os problemas causados e seus impactos, além de abrir novos caminhos para que o conhecimento científico represente a sociedade de maneira que torne o mundo um lugar que valha a pena viver.

 

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