Lançamento do E-book do 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas

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Saiu o e-book do 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizado de modo virtual em 2022. O e-book “O modelo biomédico fracassou? Quais as perspectivas?” contém todas as mesas do seminário transcritas e editadas. Encontra-se disponível para baixar, gratuitamente, aqui → (link)

 

CEE Fiocruz divulga entrevista com Paulo Amarante

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No dia 20 de junho de 2023 foi publicado no site do Centro de Estudos Estratégicos (CEE) – Fiocruz: www.cee.fiocruz.br, a entrevista com Paulo Amarante, um dos pioneiros da luta antimanicomial no Brasil e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), pesquisador sênior do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz) e do Centro de Estudos Estratégicos Antônio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz).

Amarante destaca a importância da forma como o termo saúde mental vem sendo generalizado e se naturalizando, de forma perigosa:

“… essa minha crítica ao termo saúde mental sendo utilizado como sinônimo, no cotidiano, de determinado bem-estar psicológico, um estado psíquico, espiritual, de falta de sofrimento. Temos que pensar o quanto dessas questões, relacionadas ao bem-estar, à condição de uma experiência de vida que não seja de sofrimento, estão associadas, também, a outras condições sociais, culturais e de vida.”

O individualismo exacerbado e a busca exagerada por reconhecimento, também, são questões que o preocupam: “Vivemos uma grande falta social que é esse lugar inalcançável de uma felicidade que ninguém está encontrando”, constata, ao refletir a respeito da construção da subjetividade e da concepção ocidental sobre saúde mental.

Crítico da forma como a psiquiatria vem patologizando experiências de vida e medicalizando sofrimentos psíquicos, muitas vezes causados pelo “apagamento e a invisibilidade social” no contexto de hiperliberalismo, Amarante vê nas experiências coletivas de práticas culturais e esportivas uma alternativa para estimular o bem-estar social. A promoção à saúde, em sua avaliação, não pode se resumir às idas do paciente ao centro de saúde.

Por fim, ele aborda o debate relacionado à edição, em 2023, da Resolução 487, pelo Conselho Nacional de Justiça, instituindo a Política Antimanicomial do Poder Judiciário.  Após mais de vinte anos da criação da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216), a Resolução busca sua aplicação quanto ao procedimento judicial ou investigatório de pessoas com transtorno mental, que implicará no fechamento dos antigos manicômios judiciais e na substituição do tratamento realizado nesses locais por outros não asilares.

“Quando começamos o processo da Reforma Psiquiátrica, os psiquiatras questionavam como tratar alguém psicótico, que não fosse por internação integral compulsória, em que a pessoa fique totalmente à mercê do tratamento médico. Mas nós mostramos na prática como se faz tratamento territorial com cuidado e liberdade.”

Para ler a entrevista completa acesse: https://cee.fiocruz.br/?q=Entrevista-Paulo-Amarante

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 3: Os distúrbios psiquiátricos são detectáveis em uma varredura cerebral?

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Brain imaging. Appealing glad happy boy holding and studying brain imaging while wearing huge glasses

Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute como os manuais didáticos retratam os dados de imagens cerebrais para diagnósticos psiquiátricos e as falhas desse tipo de pesquisa. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

De acordo com a narrativa psiquiátrica, a psiquiatria é construída sobre o modelo biopsicossocial da doença que leva em conta a biologia, a psicologia e os fatores socioambientais ao explicar por que as pessoas adoecem. [8]

A realidade é muito diferente. Desde que o presidente da Sociedade Americana de Psiquiatria Biológica, Harold Himwich, em 1955, surgiu com a ideia absurda de que pílulas para psicose funcionam como insulina para diabetes,[4:46] a psiquiatria biológica tem sido o modelo de doença predominante.

Apesar de 15 anos de intenso estudo, não consegui encontrar nenhuma contribuição importante da psiquiatria biológica para nossa compreensão das causas dos transtornos psiquiátricos e como eles devem ser tratados.

A forte crença na psiquiatria biológica também é dominante nos manuais didáticos. Há muito sobre estudos de varredura cerebral e química cerebral e, comparativamente, pouco sobre traumas, outros fatores psicossociais, pobreza, discriminação e outras condições de vida precárias, embora sejam determinantes importantes para transtornos psiquiátricos. [35,36,61]

Um manual didático foi particularmente enganoso ao observar que fatores causais sociais, como pobreza, solidão e falta de moradia, são de natureza mais indireta e contribuem para a manutenção de doenças já estabelecidas. [18:27]

Um pouco de luz aparecia aqui e ali. Em outro momento, no mesmo manual, outros psiquiatras contradizem isso. Eles escreveram que melhorias gerais nos padrões de moradia, oportunidades de trabalho e apoio familiar têm grande importância para a prevenção primária, e que traumas, como perdas e abuso físico e emocional, são fatores importantes para o desenvolvimento de psicopatologia. [18:293]

Em outro manual, observou-se, com referência,[62] que os traumas da infância estão associados à metilação elevada no DNA do fator neurotrófico derivado do cérebro em pacientes com transtorno de personalidade limítrofe e que aqueles que respondem à psicoterapia têm uma diminuição na metilação do DNA.[17:41] No entanto, o artigo citado mostrou que, para todos os pacientes, a psicoterapia aumentou significativamente a metilação. Assim, as informações do manual didático eram enganosas, pois obviamente não se pode separar os que responderão antecipadamente dos que não responderão. Os autores do artigo até culparam os pacientes pela calamidade: “Os respondedores fracos foram os principais responsáveis [minha ênfase] pelo aumento”.

Os autores dos manuais didáticos fizeram um grande esforço para convencer seus leitores de que a origem dos problemas psiquiátricos não deveria ser buscada nas condições de vida das pessoas, mas no cérebro. Assim, eles propagaram a ideia de que os transtornos psiquiátricos são percalços individuais e não algo que vem principalmente de fora do indivíduo e afeta secundariamente o cérebro.

Dizem-nos que a psiquiatria biológica criou resultados importantes em genética, psicofarmacologia e técnicas de imagem,[17:919] e que estudos de imagem na depressão levaram a um maior conhecimento do papel do hipocampo, o que produziu resultados clinicamente relevantes.[17:910] Muito convenientemente, os autores “esqueceram” de nos dizer de que maneira os estudos de imagem foram úteis para os médicos.

Um dos manuais didáticos explicava que a neuropsiquiatria é um desenvolvimento adicional do que antes era chamado de psiquiatria biológica.[17:207] Mas uma ideia errônea não se torna baseada em evidências ou útil, dando-lhe um novo nome. E postular que bilhões de pessoas têm cérebros errados, que essencialmente é o que a psiquiatria biológica faz, é o pior possível.

Esquizofrenia e distúrbios relacionados

Os manuais didáticos afirmavam ser indiscutível que a esquizofrenia tem um fundo neurobiológico;[20:401] que a esquizofrenia[16:207,18:39,18:79] e os distúrbios afetivos têm uma base orgânica;[18:39] e que ressonância magnética e a Tomografia por emissão de pósitrons (PET scan) mostraram atrofia cerebral e metabolismo cerebral perturbado em pacientes com esquizofrenia e depressão.[18:27]

Ao declarar a esquizofrenia uma doença orgânica, os psiquiatras se concentraram em estudos de imagens cerebrais e na química do cérebro, e as informações nos manuais didáticos costumavam ser muito detalhadas. Por exemplo, um deles observou que pacientes com esquizofrenia têm ventrículos aumentados, lobos temporais menores (giro temporal superior), estruturas temporais mediais menores (hipocampo, amígdala e para-hipocampo) e lobos frontais menores.[19:227] Em particular, a massa cinzenta parecia ter sido afetada. Foi alegado que, como várias dessas alterações ocorrem já no início da doença, elas provavelmente não são resultado de medicação de longo prazo.[19:227]

Essas alegações são contraditas por estudos que descobriram que as pílulas para psicose encolhem o cérebro de acordo com a dose e que a doença não poderia explicar essas mudanças,[63,64] mas os autores dos manuais didáticos evitaram comentar esses estudos bem conhecidos.

Um dos manuais admitiu que parte da redução na massa cinzenta observada com PET scans ou RMF (ressonância magnética funcional, que mede as pequenas mudanças no fluxo sanguíneo que ocorrem com a atividade cerebral) pode ser causada pelo uso de pílulas para psicose, mas acrescentou que várias alterações ocorrem já no início da doença e que também ocorrem alterações cerebrais naqueles que posteriormente desenvolvem psicose. [17:309] Outro mencionou que, embora as alterações cerebrais fossem pequenas, elas também foram observadas em pessoas que não receberam pílulas para psicose antes.[16:221]

O problema com tais declarações é que os estudos de varredura do cérebro são altamente pouco confiáveis, como explicarei em detalhes abaixo. Se algum estudo confiável tivesse mostrado isso, teria sido um grande triunfo para a psiquiatria biológica e teríamos ouvido falar deles incessantemente, mas não o fazemos e, em ambos os casos, os autores não deram nenhuma referência às suas notáveis reivindicações.

Outro manual afirmava estar bem fundamentado que havia alterações neuroanatômicas; que pacientes psicóticos têm ventrículos aumentados e 4% menos massa cinzenta do que pessoas saudáveis; e que os pacientes do primeiro episódio também apresentaram isso, embora em menor grau do que em pacientes crônicos.[20:405] Por outro lado, os autores também observaram que os achados eram contraditórios, com referência a uma meta-análise de mais de 18.000 indivíduos com esquizofrenia,[65] e observaram que, embora haja uma perda progressiva de tecido cerebral ao longo do tempo, é muito difícil separar fatores causais, por exemplo, drogas e abuso de drogas. 20:406

Essa honestidade não durou muito. Os mesmos autores afirmaram que a psicose não tratada aumenta a perda de volume cerebral e que é provável que as pílulas para psicose possam oferecer alguma proteção. Isso nunca foi mostrado e é extremamente improvável. Pílulas para psicose não protegem o cérebro; eles prejudicam o cérebro de várias maneiras (veja o Capítulo 7). Muitos estudos mostraram que as pílulas para psicose matam as células nervosas,[4:176,5:63] e encolhem o cérebro também.[63,64]

Distúrbios afetivos

Para distúrbios afetivos, as opiniões dos autores dos manuais didáticos foram mais divididas do que para psicoses. Alguns estavam muito confiantes de que as doenças são biológicas, enquanto outros tinham reservas.

Dizem-nos que os quadros depressivos estão associados a alterações neurobiológicas; que há alteração inespecífica da substância branca;[17:357] que as dificuldades cognitivas nos distúrbios afetivos podem estar relacionadas à neurodegeneração;[17:358] que RM e PET sugerem um componente biológico significativo;[18:113,18:122] que a depressão prolongada não tratada pode explicar a atrofia cerebral que pode ser medida;[18:124] e que crianças bipolares têm diminuição do volume da amígdala e uma conexão alterada entre o córtex pré-frontal, os gânglios da base e o sistema límbico.[19:216]

Um manual observou que a depressão recorrente ou prolongada causa atrofia do hipocampo.[16:267,16:557] No mesmo livro, no entanto, outros autores escreveram que não estava claro se as hiperintensidades da substância branca no bipolar eram causadas pela doença ou pelo tratamento ou estavam presentes antes de qualquer um deles.[16:295]

Essa foi uma das raras admissões nos manuais de que as mudanças observadas nas varreduras cerebrais podem ser causadas pelas drogas. Normalmente, essa possibilidade era totalmente ignorada, como também ocorre em artigos científicos. O editor de um dos manuais didáticos[18] , o professor Poul Videbech, publicou em 2004 uma meta-análise de estudos de imagem[66] onde relatou que a depressão causa uma redução de 9% no tamanho do hipocampo, citado por um dos manuais didáticos.[20:433] Discutindo as limitações de seu estudo, Videbech observou que estudos transversais, como os que ele incluiu na meta-análise, não podem concluir sobre a causalidade. Ele perguntou: “A depressão causa encolhimento do hipocampo ou os indivíduos com hipocampos pequenos são suscetíveis à depressão?”

Não ocorreu a Videbech que as pessoas com depressão são tratadas com pílulas para depressão e que poderiam ser as pílulas que causavam a atrofia cerebral. Ele não mencionou essa possibilidade, nem mesmo ao discutir os fatores de confusão, incluindo estresse e abuso de álcool. Ele observou que, em três estudos, um volume menor no hipocampo direito ou densidade reduzida no esquerdo “estava associado à má resposta à medicação antidepressiva” e que, se esse resultado for confirmado, “é clinicamente muito interessante como potencial preditor de resposta ao tratamento”.

Não consigo entender esta frase. Parece-me que Videbech sugeriu que, talvez no futuro, todas as pessoas deprimidas deveriam fazer uma tomografia cerebral. Isso não vai acontecer.

TDAH

Estranhamente, o TDAH – um dos diagnósticos mais controversos em toda a medicina – foi considerado um dos transtornos psiquiátricos com as evidências mais fortes de uma etiologia neurobiológica.[17:612] Foi chamado de distúrbio do desenvolvimento neurológico,[16:462] ou distúrbio do desenvolvimento neuropsiquiátrico,[17:610] caracterizado principalmente por fatores de risco biológicos, e não principalmente pela exposição a fatores de risco psicossociais e eventos estressantes na infância.[19:51] Alegou-se que o TDAH representa uma disfunção de órgão cerebral e que estudos clínicos e neurorradiológicos mostraram atividade disfuncional nos lobos frontais.[19:112]

Historicamente, o TDAH era chamado de “disfunção cerebral mínima” e o foco estava em um dano cerebral estrutural que ninguém jamais havia visto. [17:610]

O fato é que o TDAH é uma construção social e que nenhum estudo confiável mostrou qualquer origem biológica para essa construção, ou que os cérebros das pessoas com esse diagnóstico são diferentes dos cérebros de outras pessoas.[7,10] Um livro que observou que as varreduras de TC e RM mostraram menos tecido cerebral e menos substância branca reconheceu que existem muitos problemas metodológicos com estudos de imagem.[17:612]

Em contraste, um capítulo sobre TDAH escrito por dois psicólogos não tinha reservas.[20:469] Alegou, com referências, que os pacientes diagnosticados com TDAH têm tamanho menor especialmente do núcleo caudado direito, cerebelo e volume total do cérebro;[67] que possuem menos substância cinzenta no núcleo caudado direito, córtex pré-frontal ventromedial e giro cingular rostral, que não estão relacionados ao uso de medicamentos para TDAH;[68] e que as varreduras de RMF também mostraram diferenças para pessoas saudáveis.[69]

Seria uma perda de tempo ler esses artigos porque toda a literatura sobre digitalização é altamente não confiável (veja abaixo nesta página). Mas brevemente, o primeiro estudo foi uma meta-análise de estudos de ressonância magnética que incluiu todas as regiões em todos os estudos e encontrou reduções globais para indivíduos com TDAH em comparação com indivíduos de controle, com um tamanho de efeito de 0,41.[67] Um tamanho de efeito tão grande é uma medida da quantidade de viés nos estudos revisados e não de diferenças verdadeiras. Em outras palavras: lixo entra, lixo sai.

O segundo estudo também foi uma meta-análise, predominantemente de estudos muito pequenos, que sabemos serem pouco confiáveis.[68] Incluiu dois conjuntos de dados, e um tinha apenas 34 pacientes com TDAH nos estudos, em média, o outro apenas 16 pacientes.

O terceiro estudo incluiu 20 pacientes com TDAH.[69]

Todos os três artigos e outros semelhantes devem ser ignorados. Os psicólogos se vestiram de cientistas sérios e depois citaram puro lixo.

Transtornos de ansiedade

Um manual didático observou que estudos de imagem cerebral mostraram alterações na amígdala em crianças com transtornos de ansiedade, mas mencionou que não se sabia se essa era a causa do distúrbio ou uma consequência dele.[19:146]

Os outros não tinham tais reservas. Dois psicólogos escreveram que os pacientes com TOC têm uma disfunção no circuito frontostriatal do cérebro, que é a conexão entre os lobos frontais e os gânglios da base e o tálamo, e que o metabolismo no núcleo caudado direito era reduzido se os pacientes tivessem tomado pílulas para depressão ou receberam terapia cognitivo-comportamental.[20:479]

Outros autores escreveram que os pacientes com TOC tinham atrofia cerebral e aumento da massa cinzenta, mas não ofereceram referências para apoiar essa afirmação surpreendente.[17:418]

Dizem-nos que os gânglios da base, o tálamo e a parte orbitofrontal do córtex estão envolvidos;[19:162] que alguns estudos mostraram normalização da hiperatividade dopaminérgica no corpo estriado após tratamento com pílulas para depressão ou terapia cognitivo-comportamental;[17:419] que estudos de imagem mostraram hiperatividade do córtex orbitofrontal e do núcleo caudado em pacientes com TOC que desapareceram com tratamento bem-sucedido com drogas ou psicoterapia;[16:364] e que drogas eficazes ou terapia comportamental podem normalizar as áreas cerebrais afetadas.[19:162]

As duas últimas sentenças são tautologias. Eles contêm informações vazias como na frase: Vai chover amanhã ou não vai chover. Se for utilizado um tratamento “eficaz” ou “bem-sucedido”, as alterações cerebrais são normalizadas. Se não estiverem normalizados, o tratamento não foi eficaz ou o paciente resistiu ao tratamento. Esta é uma situação ganha-ganha que parece confirmar algo que não está correto, ou seja, que existem alterações cerebrais em primeiro lugar.

Estudos de varredura cerebral são altamente não confiáveis

Devemos ser altamente céticos em relação aos resultados dos estudos de imagem. Os manuais didáticos não demonstravam muitas dúvidas, mas aquele em que todos os três editores eram psicólogos observou que eles estavam cientes das limitações dos métodos usados nos estudos de imagem e questionaram as descobertas feitas.[20:10]

Outro observou que as descobertas obtidas com varreduras estruturais e funcionais eram inconsistentes e variadas, especialmente aquelas obtidas com varreduras de RM funcionais que medem pequenas mudanças no fluxo sanguíneo para várias áreas do cérebro enquanto o paciente realiza várias tarefas.[17:329]

Toda essa área é uma confusão de pesquisas altamente duvidosas.[7:233]

Uma meta-análise de 2009 descobriu que a taxa de falsos positivos em estudos de neuroimagem está entre 10% e 40%.[70] E um relatório de 2012 escrito para a Associação Psiquiátrica Americana sobre biomarcadores de neuroimagem concluiu que “nenhum estudo foi publicado em revistas indexadas pela Biblioteca Nacional de Medicina examinando a capacidade preditiva da neuroimagem para distúrbios psiquiátricos para adultos ou crianças”.[71]

Um bom trabalho de pesquisa às vezes pode tornar redundantes centenas de estudos ruins. Este é o caso de uma revisão sistemática de 2012 por Joshua Carp que pesquisou o estado metodológico da arte em uma amostra aleatória de 241 estudos RMF.[72]

Carp descobriu que muitos dos estudos não relatavam detalhes metodológicos críticos sobre o desenho experimental, aquisição de dados ou análise, e muitos estudos eram insuficientes. Os métodos de coleta e análise de dados foram altamente flexíveis. Os pesquisadores usaram 32 pacotes de software exclusivos e havia quase tantos canais de análise exclusivos quanto estudos. Carp concluiu que, como a taxa de resultados falsos positivos aumenta com a flexibilidade do projeto, o campo da neuroimagem funcional pode ser particularmente vulnerável a falsos positivos. Menos da metade dos estudos relatou o número de pessoas rejeitadas na análise e os motivos da rejeição, e o tamanho médio da amostra por grupo foi de apenas 15, o que gera um enorme risco de publicação seletiva daqueles resultados com os quais os pesquisadores já concordam. A ordem dos procedimentos de processamento também permite flexibilidade substancial nas análises.

A replicação é essencial para a confiabilidade da ciência, e os artigos científicos devem relatar procedimentos experimentais com detalhes suficientes para permitir que investigadores independentes reproduzam os experimentos. Isso está longe de ser o caso em estudos de imagem.[72]

Carp publicou outro estudo importante em 2012.[73] Ele procurou estimar a flexibilidade da análise de neuroimagem submetendo um único experimento de RMF aos vários procedimentos de análise exclusivos descritos na literatura. Considerando todas as combinações possíveis dessas estratégias, ele criou 1 canais de análise exclusivos.

“Quase todos os voxels no cérebro mostraram ativação significativa em pelo menos um canal de análise. Em outras palavras, um pesquisador suficientemente persistente determinado a encontrar ativação significativa em praticamente qualquer região do cérebro tem grande probabilidade de sucesso. Da mesma forma, nenhum voxel foi significativamente ativado em todos os canais. Assim, um pesquisador que espera não encontrar nenhuma ativação em uma determinada região (por exemplo, para refutar uma hipótese concorrente) pode certamente encontrar uma estratégia metodológica que produzirá o resultado nulo desejado … O relatório de análise seletiva pode ocorrer sem a intenção ou mesmo a consciência do investigador. Por exemplo, se os resultados de um novo experimento não concordam com estudos anteriores, os pesquisadores podem ajustar os parâmetros de análise até que os resultados ‘corretos’ sejam observados.”

Em um estudo de múltiplos observadores publicado em 2020, os pesquisadores pediram a 70 equipes independentes que analisassem o mesmo conjunto de dados, testando as mesmas 9 hipóteses ex-ante.[74] O conjunto de dados incluiu dados de RMF de 108 indivíduos, cada um executando uma das duas versões de uma tarefa que foi usada anteriormente para estudar a tomada de decisões sob risco. As equipes foram questionadas se cada hipótese era suportada com base em uma análise corrigida de todo o cérebro (sim ou não). Em média, nas 9 hipóteses, 20% das equipes relataram um resultado diferente da maioria das equipes, que estava a meio caminho entre a consistência completa entre as equipes e os resultados completamente aleatórios. Este estudo demonstrou que as escolhas analíticas têm um efeito importante nos resultados relatados.

Em 2021, os pesquisadores relataram que, depois de alertarem em 2016 que existem tantas fontes ou erros nos estudos de imagem que os achados não devem ser considerados definitivos, mas apenas sugestivos, 24 estudos de ressonância magnética apareceram no JAMA Psychiatry e 22 no American Journal of Psychiatry descrevendo diferenças em tais varreduras em amostras de pacientes psiquiátricos.[75] Todos os 46 estudos concluíram que suas descobertas são evidências de mudanças na estrutura do cérebro.

Em 2022, outros pesquisadores usaram três dos maiores conjuntos de dados de neuroimagem disponíveis, incluindo um total de cerca de 50.000 indivíduos para quantificar os tamanhos de efeito e a reprodutibilidade dos estudos de associação em nível cerebral (BWAS – brain-wide association studies) em função do tamanho da amostra.[76] O tamanho médio da amostra foi de apenas 23 pessoas. Os pesquisadores descobriram que a reprodutibilidade do BWAS requer amostras com milhares de pessoas.

Como escreveu um comentarista, o estudo mostrou que quase todas as pessoas diagnosticadas com depressão terão a mesma conectividade cerebral de alguém sem o diagnóstico, e quase todas as pessoas diagnosticadas com TDAH terão o mesmo volume cerebral de alguém sem TDAH.[77] No entanto, nos pequenos estudos, as correlações eram quase sempre maiores que 0,2 e às vezes muito maiores, o que, como escreveram os pesquisadores, não deve ser acreditado.

O método convencional para lidar com esse problema é aumentar o limiar de significância estatística. No entanto, isso vai sair pela culatra nesses pequenos estudos de ressonância magnética porque, inadvertidamente, garante que apenas as maiores – e, portanto, as menos prováveis de serem verdadeiras – diferenças cerebrais acabem passando no teste de significância e sendo publicadas.

A experiência do editor-chefe da Molecular Brain também é relevante a ser considerada ao avaliar os méritos dos estudos de varredura cerebral em psiquiatria. Em 2020, ele descreveu o que aconteceu quando pediu para ver os dados brutos em 41 dos 180 manuscritos que manuseou.[78] A pedido dele, 21 dos 41 manuscritos foram retirados pelos autores, e ele rejeitou outros 19 “por causa de dados brutos insuficientes”, o que sugeria que os dados brutos poderiam não existir, pelo menos em alguns dos casos. Assim, apenas 1 dos 41 artigos (2%) passou no teste de razoabilidade.

Infelizmente, os estudos de varredura do cérebro têm um componente psicológico. As pessoas são mais propensas a acreditar no que não entendem, o que significa que quanto mais o resultado estiver embutido em estatísticas ininteligíveis, mas aparentemente avançadas, mais provável será que os leitores acreditem.

Os pesquisadores cunharam o termo “fascínio sedutor das explicações da neurociência” (SANE-seductive allure of neuroscience explanations), que é um fenômeno real. Vários estudos mostraram que as pessoas confiam mais em estudos com linguagem e gráficos da neurociência, especialmente se houver imagens cerebrais.[79,80]

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

 


Tradução de Letícia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

 

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Relembrando a Oficina “Nada Sobre Nós Sem Nós”

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REGISTRO HISTÓRICO

Há exatamente 15 anos aconteceu a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiências, que ocorreu em 2008. A oficina foi realizada com artistas com deficiência físicas que, por suas especificidades, não conseguiam exercer suas atividades artísticas, tais como acesso ao palco do teatro ou um camarim adequado, dentre outras situações que eram impeditivas por falta de estratégias de acessibilidade.

A política proposta se dirigia tanto parra artistas quanto o público espectador em geral, pois suas singularidades não eram previstas nas políticas de inclusão.  Desta forma, os artistas com deficiência e  o público PCD (Pessoa Com Deficiência) foram beneficiados por essa oficina, a qual proporcionou acesso a peças, exposições, shows, dentre outros eventos artísticos, que até então, não tinham audiodescrição, libras, legendas e etc.

A concepção da oficina foi iniciada na gestão do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, e continuadas pelo Ministro Juca Oliveira, e com o ator Sergio Mamberti, que respondia pela Secretaria Nacional da Identidade e da Diversidade Cultural (SID), seguido por Ricardo Lima e Américo Córdula.

 

Trata-se de um marco, porque, pela primeira vez, o lema “Nada sobre Nós sem Nós”, sugerido pelos próprios artistas com deficiência, foi utilizado no país.  O lema explicita numa denúncia e numa injustiça: as políticas públicas eram feitas para eles e não com eles, e por eles. As pessoas com deficiência se sentiam objetos de propostas, e não sujeitos, protagonistas delas.

A oficina foi realizada pelo LAPS (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial) de Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fiocruz, em conjunto com a Secretaria Nacional da Identidade e da Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura.

A iniciativa foi um espaço importantíssimo para artistas com deficiência de todos os cantos, de todas as partes do Brasil. Artistas que vieram expor as suas dificuldades, as suas ideias, as suas propostas, que foram incorporadas em dois grandes desdobramentos práticos: um foi a criação do edital “Nada sobre Nós sem Nós”, que premiou dezenas de projetos realizados, no Brasil inteiro, na medida em que as premiações eram distribuídas levando em conta critérios de regionalização. O segundo desdobramento foi a elaboração de uma nota técnica do Ministério da Cultura (NT 01/2009), que foi adotada como política de estado com orientações de medidas inclusivas para teatros, cinemas, museus e demais casas de arte e cultura e inclusive para rádios e emissoras de TV, assim como uma orientação para editais, inclusive a Lei Rouanet.

A oficina representou um enorme avanço, porque o Brasil, como signatário da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural foi um dos primeiros países a adotar medidas práticas de inclusão de pessoas com deficiência na arte e na cultura.

O relatório final e os vídeos (pioneiros na utilização de audiodescrição e libra simultaneamente) estão disponíveis na página do LAPS → https://laps.ensp.fiocruz.br/

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genético ou Ambiental? (Parte dois)

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Huge human brain and many little businesspeople around

Por Peter C. Gøtzsche, MD


Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute os problemas com estudos observacionais e outras falhas em pesquisas sobre TDAH. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

 

Distúrbios afetivos

Para distúrbios afetivos, alguns autores expressaram menos certeza do que para esquizofrenia. Em um dos manuais didáticos de psiquiatria, os autores afirmaram que o risco de desenvolver distúrbio afetivo aumenta de 3 a 4 vezes se um dos pais estiver deprimido19:210 e o risco de desenvolver bipolaridade aumenta de 4 a 6 vezes se um parente de primeiro grau for bipolar,19:216 mas também admitiram que é muito difícil separar o que é hereditário e o que é ambiental e investigar se as mudanças são causa ou consequência do quadro depressivo.19:210

Um importante fator de risco para se tornar deprimido não tem nada a ver com a psiquiatria biológica, mas simplesmente viver uma vida deprimente da qual você sente que não pode escapar. Havia muito pouca informação nos livros sobre isso. Um deles dizia que o estresse, as condições de vida e o trauma podem desempenhar um papel nos distúrbios afetivos, mas não o quanto, em contraste com suas afirmações sobre o papel dos genes, que era de 50%.17:353 Outro mencionou o trauma, especialmente em relação ao primeiro episódio maníaco,18:113 e um terceiro mencionou abuso emocional, negligência e abuso físico na proporção de 9 a 12.16:263 Também observou que esteróides, pílulas anticoncepcionais e drogas bloqueadoras de estrogênio aumentam o risco de depressão, mas não houve menção de que drogas psiquiátricas, por exemplo, os benzodiazepínicos, pílulas para depressão e drogas para TDAH também podem causar depressão,7,8,11,34,44,45 embora isso seja altamente relevante, dado seu uso generalizado.

Este foi um problema geral encontrado nos manuais didáticos de psiquiatria. Eu dei outro exemplo logo acima dos psiquiatras protegendo seus interesses corporativos ao não mencionarem que as drogas que eles usam podem causar os mesmos distúrbios que eles tentam tratar. Isso é desonesto e não ajuda em nada.

IMAGEM

TDAH e a possibilidade de erro dos estudos observacionais

Para o diagnóstico de TDAH, os fatores de risco incluíram consumo de tabaco, álcool ou cocaína pela mãe ao longo da gravidez; diminuição do crescimento intrauterino; exposição fetal a inseticidas, chumbo ou mercúrio; pré-eclâmpsia; nascimento prematuro; partos complicados com hipóxia; baixo peso no nascimento; infecções pós-natais; exposição a metais pesados; e possivelmente neuroinfecções.17:612,18:229

Foi alegado que, embora os fatores ambientais possam contribuir, eles desempenham um papel menor.18:229

Deve-se sempre lembrar que tais afirmações sobre causalidade vêm de estudos observacionais. Eles podem, portanto, não estar corretos, mas não notei nenhuma ressalva nos livros quanto a isso.

Em contraste, os principais pesquisadores em epidemiologia têm fortes reservas sobre o que seus colegas publicam. Os estudos observacionais são repletos de dificuldades, o que é fácil de perceber se olharmos para a pesquisa nutricional.46 Pessoas que comem pouca fruta e vegetais ou bebem mais do que outras, não podem ser comparadas a vegetarianos e abstêmios. Eles diferem em diferentes pontos que podem influenciar sua longevidade. Portanto, se devemos acreditar no aconselhamento nutricional, ele deve vir de estudos randomizados e cuidadosamente conduzidos.

Se quisermos confiar em evidências observacionais, serão necessárias pesquisas de alta qualidade e a demonstração deve ser substancial porque há muito viés nesses estudos. Os principais epidemiologistas afirmaram que, por ser tão fácil ser enganado, resultados menos impressionantes são quase impossíveis de acreditar.47 Alguns disseram que mesmo um aumento de três vezes no risco não é persuasivo e que eles só podem ser persuadidos se o limite inferior do intervalo de confiança de 95% caia acima de um risco três vezes maior.

Quando examino as alegações feitas por psiquiatras consultando as suas fontes de estudo, quase sempre descubro que as alegações não podem ser comprovadas. Para mostrar como isso funciona, examinei um dos fatores de risco apontados para TDAH, o de baixo peso ao nascer. Encontrei imediatamente um artigo relevante pesquisando no Google TDAH baixo peso ao nascer que mencionava que “vários estudos relataram que crianças com peso baixo ou extremamente baixo peso ao nascer têm 3,8 vezes mais chances de atender aos critérios diagnósticos de TDAH”. Isso é uma má ciência. Se descrevemos vários estudos, não devemos escolher aquele com o resultado mais extremo, mas devemos dizer o que eles mostram em média, ou qual foi o resultado mediano.

Os autores citaram quatro estudos e eu procurei o primeiro. Ele incluiu 137 crianças com muito baixo peso ao nascer (MBPN) que foram comparadas aos 12 anos com uma amostra de pares combinados para vários sintomas psiquiátricos.49 O principal risco era o TDAH, diagnosticado em 31/136 (23%) das crianças MBPN, em comparação com 9/148 (6%) dos pares.

A razão de risco era 3,75, mas calculei que o intervalo de confiança de 95% passou de 1,85 para 7,58. Isso significa que o risco real de obter um diagnóstico de TDAH é provavelmente entre 2 e 8 vezes maior para crianças MBPN do que para crianças normais.

Supondo que o resultado esteja correto, o que não podemos saber, já que os resultados positivos são publicados com mais frequência do que os negativos (e por acaso selecionei o mais positivo), podemos calcular o tamanho que o estudo deveria ter se o limite inferior do intervalo de confiança excedesse 3. O limite inferior torna-se 3, se eu multiplicar todos os números por 10. Assim, o estudo deveria ter sido 10 vezes maior para despertar o interesse dos principais epidemiologistas.

Este é um problema geral com estudos observacionais. Eles geralmente são muito pequenos e considerando seus vieses inerentes com o risco adicional de publicação seletiva de resultados que por acaso são positivos, pode-se considerar que a maioria dos resultados de estudos observacionais seja enganosa. Mesmo que os estudos sejam muito grandes, eles geralmente são enganosos, pois não podemos eliminar os vieses, não importa o quanto tentemos ajustá-los estatisticamente.

O estudo MBPN foi tendencioso. Uma tabela mostrou que os pais de crianças com muito baixo peso eram socioeconomicamente desfavorecidos em comparação com o grupo controle. Além disso, os autores notaram que pais com distúrbios psiquiátricos eram mais propensos a ter filhos que também eram vulneráveis ​​a problemas psicológicos; que as mães de crianças com muito baixo peso eram mais deprimidas do que as mães de outros bebês; e que a maioria das crianças MBPN teve acesso limitado às mães durante os primeiros seis meses de vida. Os autores consideraram esse fato particularmente interessante. Eu também, pois essa poderia ser a explicação para suas descobertas e não o baixo peso ao nascer.

Não é possível ajustar de forma confiável essas diferenças com métodos estatísticos. Um estudo engenhoso, no qual um estatístico usou dados brutos de dois ensaios multicêntricos randomizados como base para estudos observacionais que poderiam ter sido realizados, mostrou que quanto mais variáveis ​​forem incluídas em uma regressão logística mais longe provavelmente chegaremos da verdade.50 O estatístico também descobriu que as comparações às vezes podem ser mais tendenciosas quando os grupos parecem passíveis de comparação ​​do que quando não o são; que os métodos de ajuste raramente conformam adequadamente a diferença no case-mix; e que todos os métodos de ajuste podem ocasionalmente aumentar o viés sistemático. Ele alertou que nenhum estudo empírico jamais mostrou que o ajuste, em média, reduz o viés.

Seu estudo pode ser o mais importante que encontrei em toda a minha carreira. Mas eu não encontrei um único pesquisador que não o conhecesse pessoalmente e que estivesse ciente de seus resultados altamente importantes.

Isso não quer dizer que os estudos observacionais não possam ser úteis. Muitas coisas não podem ser estudadas em ensaios randomizados e, portanto, não temos outra opção senão fazer pesquisa observacional. Mas é inaceitável que os manuais didáticos de psiquiatria quase sempre descrevam os resultados de tais estudos como se representassem a verdade, sem ressalvas.

Outras falhas na pesquisa de TDAH

Um do manuais didáticos forneceu a informação preocupante de que o TDAH é definido arbitrariamente como uma extremidade de uma curva de distribuição normal e que o desenvolvimento do cérebro é atrasado, mas não qualitativamente diferente daquele em crianças saudáveis.18:229

Se isso estiver correto, esperaríamos que mais crianças da mesma classe escolar nascidas em dezembro tivessem um diagnóstico de TDAH e estivessem em tratamento medicamentoso do que aquelas nascidas em janeiro, pois tiveram 11 meses a menos para desenvolver seus cérebros. Este é exatamente o caso. Um estudo canadense com um milhão de crianças em idade escolar mostrou que a prevalência de crianças em tratamento medicamentoso aumenta de forma bastante linear nos meses de janeiro a dezembro51 e que 50% a mais dos nascidos em dezembro estavam em tratamento.

Existem outros estudos que mostram o mesmo. Isso significa que, se tratarmos as crianças com um pouco de paciência que lhes permita crescer e amadurecer, menos crianças obteriam um diagnóstico de TDAH.

O diagnóstico surge principalmente a partir de queixas de professores e os pais costumam ouvir que seus filhos não podem voltar à escola a menos que estejam tomando um medicamento para TDAH. Um clínico geral me disse que uma professora havia enviado a maioria de seus alunos para exame por suspeita de TDAH.7:138 Claramente ela é quem era o problema, não as crianças, mas assim que as crianças são definidas com TDAH, isso alivia todos de qualquer responsabilidade ou incentivo para consertar a bagunça que criaram, seja na escola ou em casa.

Decidimos como sociedade que é muito trabalhoso ou caro modificar o ambiente das crianças, então, ao invés disso, modificamos o cérebro das crianças. Isso é cruel, como explicarei no Capítulo 9. Os Estados Unidos gastam mais de 20 bilhões de dólares por ano drogando crianças para o TDAH, o que é suficiente para pagar os salários de mais 365.000 professores em meio de carreira.52 E isso aumenta cada vez mais. O número de crianças com diagnóstico de TDAH aumentou 41% em apenas 8 anos, de 2003 a 2011.53

Apenas um dos livros didáticos mencionou algum dos estudos importantes sobre a prevalência do diagnóstico de TDAH em classes escolares de acordo com a idade.17:51 A crença na falsa história de que o TDAH é uma doença cerebral é tão forte que é quase impossível corrigir a narrativa prejudicial.

A doutrinação é muito eficaz. Em 2022, um dos meus colegas deu uma palestra sobre pensamento crítico para residentes de psiquiatria. Ele pediu que revisassem três estudos.

Um estudo mostrou que 16% daqueles com diagnóstico de TDAH tinham anormalidades genéticas (variantes do número de cópias) em comparação com 7% no grupo controle.54 Os pesquisadores concluíram que o TDAH era uma doença genética. Os residentes foram questionados se essa pequena diferença era significativa e poderia ser aplicada ao TDAH como categoria diagnóstica.

O segundo estudo procurou uma anormalidade genética nos distúrbios neuropsiquiátricos, esse mesmo estudo é frequentemente citado por fornecer evidências disso.55 Os pesquisadores relataram que havia um componente genético comum envolvido na patogênese de cinco distúrbios neuropsiquiátricos. Um dos distúrbios era o TDAH. Eles descobriram que aqueles com TDAH eram três vezes mais propensos a ter essa anormalidade. Mas se você combinar os dados das duas tabelas, descobrirá que apenas 0,3% tinham a anormalidade genética, portanto 99,7% não a tinham. Mas como apenas 0,1% dos participantes do grupo controle o tinham, a razão de chances se tornou três.

O terceiro estudo descobriu que crianças com diagnóstico de TDAH têm cérebros menores do que outras crianças.56 O tamanho do efeito foi de 0,1, o que significa que os pacientes com o diagnóstico têm 47% de chance de ter um cérebro maior que o normal.57 O tamanho do efeito também é chamado de tamanho de efeito padronizado. É o efeito dividido pelo desvio padrão das medições. Isso permite comparações de medições em escalas diferentes, mas semelhantes. Se, por exemplo, uma escala tiver um alcance 10 vezes maior do que outra escala, o desvio padrão também será 10 vezes maior e os tamanhos de efeito podem, portanto, ser combinados em meta-análises.

Os residentes enfatizaram que as diferenças genéticas eram altamente significativas e disseram que o estudo do volume cerebral sugeria que o TDAH era uma doença do neurodesenvolvimento.

Meu colega ficou pasmo. Ele disse aos residentes que os dados mostravam que quase todas as crianças diagnosticadas com TDAH não tinham anormalidades genéticas; que a razão de chances para o estudo de cinco distúrbios não tinha sentido; e que o estudo do volume cerebral mostrou que houve uma sobreposição de 96% entre crianças com diagnóstico e crianças sem.57

Os residentes então ficaram hostis. O palestrante não entendeu que o TDAH e os outros distúrbios eram distúrbios biológicos, que eram doenças como diabetes ou câncer?

Meu colega tinha visto muita insanidade na psiquiatria, mas ele me disse que essa era a coisa mais desesperadora que ele já havia experimentado. É assustador que essas pessoas devam cuidar de pacientes psiquiátricos de maneira baseada em evidências. Eles claramente não são capazes de fazer isso, pois exige que se tenha um conhecimento mínimo de ciência.

O estudo que afirmava que crianças com diagnóstico de TDAH têm cérebros pequenos foi amplamente condenado. Lancet Psychiatry dedicou uma edição inteira às críticas ao estudo. Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV (DSM é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana), e Keith Conners, um dos primeiros e mais famosos pesquisadores do TDAH, reanalisaram os dados e não encontraram diferenças cerebrais.58

Os pesquisadores do artigo original escreveram na discussão que “nossos resultados provenientes de análises altamente avançadas confirmam que os pacientes com TDAH realmente têm cérebros alterados, ou seja, que o TDAH é um distúrbio do cérebro. Esta é uma mensagem clara para os médicos transmitirem aos pais e pacientes, o que pode ajudar a reduzir o estigma de que o TDAH é apenas um rótulo para crianças difíceis e causado por pais incompetentes.”56

A estupidez nesta mensagem é de partir o coração. Um dos críticos do artigo escreveu no Lancet Psychiatry que “não faz sentido informar que uma criança com TDAH tem um distúrbio cerebral”.59 Claro que não. Não é verdade, e não reduz o estigma, contar essas bobagens para médicos, pais e filhos; aumenta o estigma.

A Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente escreve em sua página inicial:60 “O TDAH é um distúrbio cerebral. Os cientistas mostraram que existem diferenças nos cérebros de crianças com TDAH… algumas estruturas no cérebro de crianças com TDAH podem ser menores do que as áreas do cérebro em crianças sem TDAH.”

Em setembro de 2021, a Declaração de Consenso Internacional da Federação Mundial (The World Federation of ADHD International Consensus Statement) de TDAH foi publicada. 61 Ela apresentava o que os autores chamam de “208 conclusões baseadas em evidências sobre o distúrbio”, mas várias delas estavam incorretas, por exemplo “Quando feito por um clínico licenciado, o diagnóstico de TDAH é bem definido e válido” e o tratamento com medicamentos para TDAH reduz o abuso de substâncias, o baixo desempenho educacional e a atividade criminosa (ver Capítulo 9).

Havia 80 autores, então a maioria deles não pode ter contribuído muito para o artigo. Eles não especificaram quais contribuições cada um fez, mas muitos deles tinham vários conflitos de interesse em relação à indústria farmacêutica. O artigo afirmou que existe uma “causa poligênica para a maioria dos casos de TDAH, o que significa que muitas variantes genéticas, cada uma com um efeito muito pequeno, combinam-se para aumentar o risco do distúrbio. O risco poligênico de TDAH está associado à psicopatologia geral … e a vários distúrbios psiquiátricos”.

A grande decepção dos médicos e do público ocorre, entre outros motivos, porque diferenças muito pequenas de grupos em relação ao grupo controle são representadas como anormalidades encontradas em indivíduos diagnosticados com TDAH, embora os dados do estudo, quando devidamente analisados, mostrem que isso não é verdade. 57 Depois que os dados são revisados, fica claro que décadas de pesquisa sobre possíveis anormalidades em genes, volume cerebral e substâncias químicas cerebrais resultaram negativas.

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


 

Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

História e loucura: relação entre museus e luta antimanicomial é tema de debate

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No dia 22 de maio de 2023 foi divulgado a reportagem “História e Loucura: memórias e construção da cidadania e dos direitos humanos”, reportagem esta que aborda a relação entre museus e a luta contra o paradigma manicomial, assim como a importância da arte e cultura na mudança do modelo assistencial em psiquiatria, assuntos que foram pautados na aula inaugural do curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial coordenado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP). A atividade aconteceu no dia 18 de maio, no Museu da República, dia que muito importante já que é comemorado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e o Dia Internacional dos Museus.

A mesa foi composta por Hermano Castro, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz,  a vice-diretora de Ambulatórios e Laboratórios da ENSP, Fátima Rocha, representando o diretor da ENSP, Marco Menezes, a Presidente da ABRASME e Coordenadora do LAPS – ENSP/Fiocruz, Ana Paula Guljor, a Diretora do Museu Bispo do Rosário e ex-aluna do curso, Maria Raquel Fernandes, a coordenadora da Museologia do Museu de Imagens do Inconsciente, Priscilla Moret, o Pesquisador Sênior do LAPS/ENSP/Fiocruz e Presidente de Honra da Associação Brasileira de Saúde Mental/ABRASME, Paulo Amarante e o museólogo e diretor do Museu da República, Mario Chagas. A atividade foi moderada pela educadora do Museu da República, Christine Azzi.

Foram mencionados assuntos de extrema importância, relembrando a memória da psiquiatra que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil, Nise da Silveira, e da ativista e vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, a forma como a área da Saúde Mental foi atingida pelas políticas de desmonte implantadas nos últimos anos. A importância para a realização da aula inaugural no Museu da República, por ser um espaço popular, democrático e histórico:

“Se trata de olhar um país tão desigual e violento historicamente, com tantos desafios no campo. Estar aqui traz esse simbolismo da marca da mudança na área da Saúde Mental e da Reforma Psiquiátrica. É importante olharmos para esse passado para não esquecermos. É o momento de refletirmos sobre a necessidade de memória, liberdade, justiça, reparação e democracia. Temos que buscar isso permanentemente, em vários campos, não somente no da luta antimanicomial”. Fátima Rocha

Foi mencionado por Ana Paula Guljor a importância do curso que se insere nos processos da Reforma Psiquiátrica, e integram atividades e experiências de arte e cultura e inserção de temáticas como sustentabilidade e inclusão, visando não somente a formação profissional, mas também a ampliação de um pensamento crítico e a observação da importância de uma atuação política.

Foi abordado também o processo de construção e constituição do museu ao longo de seus mais de 40 anos, A instituição está localizada na Colônia Juliano Moreira, onde, antes, abrigava um manicômio. Narrando a mudança e os avanços no conceito de cuidado em Saúde Mental, Maria Raquel contou como, ao longo do tempo, se deu o processo de ressignificação do território, desde quando era manicômio até se tornar museu.

Paulo Amarante, destacou a realização da aula inaugural no Museu da República como uma oportunidade importante de estreitar o diálogo entre dois campos de luta pela memória, reparação e história. Ele também chamou a atenção para o papel fundamental do Museu da República na história e como espaço de liberdade, democracia, resistência e sonhos.

“Nossa luta não é somente pela mudança de modelo assistencial em psiquiatria. Não é só superar os manicômios. Não basta mudar o modelo assistencial, precisamos falar com a sociedade, dialogar com ela. Nesse sentido, a memória, a história e os museus têm papel fundamental, assim como a arte e a cultura. Nós temos que transformar a forma como a sociedade pensa a ideia de loucura” Paulo Amarante.

Para ler a reportagem completa acesse:

https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/54131

E para assistir a aula inaugural completa acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=PT3ssij76Zw

Alguém sobrevoou o ninho do consenso científico¹ – a história do Dr. Ophir e do TDAH

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Por Yaffa Shir-Raz, PhD

Quando criança, Jacob fazia tudo certo. Ele estudou nas melhores escolas, teve as melhores notas e chegou às melhores universidades. Logo Jacob se tornou o Dr. Yaakov Ophir – um psicólogo clínico licenciado e um jovem e promissor acadêmico do Technion – Instituto de Tecnologia de Israel. Com mais de 20 artigos científicos publicados (em inglês) e dezenas de entrevistas na mídia (em hebraico), Dr. Ophir voou com segurança rumo à terra promissora da academia. Tudo isso era verdade até que ele acidentalmente pisou em uma mina terrestre. Após o diagnóstico de seu filho primogênito com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), há sete anos, ele começou a investigar as origens e a validade científica desse diagnóstico comum na infância, e o que descobriu mudou sua vida. Literalmente.

Dr. Ophir descobriu muitos furos na narrativa médica dominante, conflitos flagrantes de interesses e práticas de encobrimento realmente estranhas que não se alinhavam com o que ele pensava que era a ciência. Para ele, a palavra ‘ciência’ costumava ter uma conotação sagrada. A academia era um templo para a verdade e integridade. Então ele decidiu compartilhar suas revelações com o mundo. Mal sabia ele que estava acordando um monstro brutal.

Sendo transparente, Dr. Ophir é um amigo próximo meu. Ainda assim, prometo contar sua história como aconteceu. Lembro-me vividamente das difamações pessoais e ataques cruéis que ele sofreu três anos atrás, quando nos conhecemos. Ophir ousou se afastar do ninho caloroso do consenso e expressar sua crítica instigante sobre o TDAH e seus medicamentos (Ritalina, Adderall e similares) e foi imediatamente acusado de ser um pseudocientista e um perigo para o público.

“Parecia que alguém tinha arrancado de mim meus títulos profissionais e acadêmicos e me dado um soco direto no estômago”, ele me lembrou quando o entrevistei recentemente sobre seu livro recém-publicado sobre o assunto. Verdade seja dita, eu realmente não precisava desse lembrete. Eu estava lá quando o Dr. Ophir levou ‘um soco no estômago’, muito antes de se tornar o autor reconhecido da “refutação abrangente do consenso científico sobre o TDAH“. Mas quando ele me contou essa história novamente, eu me encolhi de constrangimento como na primeira vez que a ouvi.

“Na verdade, eles foram atrás da minha licença”, disse ele com um suspiro sobrecarregado. “Eu era um jovem psicólogo e de repente recebi uma carta formal de advertência do Ministério da Saúde de Israel. Esta carta dizia que uma notável especialista na área apresentou uma queixa na qual ela me acusa de distorcer a ciência e enganar o público. Foi realmente assustador. Naquela época, eu não sabia que essa prática de bullying era comum. Eu estava preocupado em perder minha licença junto com minhas outras credenciais acadêmicas. Você provavelmente se lembra que eu previ algum embate com o sistema, mas não estava preparado para tamanha batalha de vida ou morte profissional”.

“Mas quais eram os argumentos deles”? perguntei ao Dr. Ophir. “Com que base eles foram atrás de sua licença”? “Você mesma deveria ler a carta”, ele respondeu. “Sua linguagem é absurda. Eu não podia acreditar que uma cientista respeitado a escreveu. Era superficial, hostil e cheia de erros factuais, como se tivesse sido escrita por uma criança zangada que teve seu jogo favorito tirado dela. A especialista reclamante não forneceu nenhuma resposta substantiva às lacunas científicas que levantei em meus artigos. Em vez disso, distorceu o conteúdo de meus escritos e colocou palavras em minha boca, que eu nunca disse. Foi realmente inacreditável. A carta de reclamação apresentava citações do Dr. Ophir usando aspas formais, mas essas citações nunca foram escritas por mim em nenhum dos meus artigos! Eu disse ao Ministério da Saúde: ‘Isso é muito fácil. Basta copiar essas citações e procurá-las em meus artigos. Você vai ver que elas não existem’”.

“Mas se deixarmos de lado o estilo violento dessa reclamação”, insisti, “você já parou para pensar se suas opiniões são realmente perigosas? Pode ser que tantos especialistas em TDAH estejam errados?” “Eu não tive escolha a não ser me fazer essas perguntas críticas”, Dr. Ophir admite com pesar. “A carta intimidadora do Ministério da Saúde me obrigou a sentar e ler toneladas de literatura. Eu tinha que responder a essas acusações infundadas e tinha que ter certeza de que estava dando aos meus leitores informações científicas tão precisas e confiáveis ​​quanto possível. De uma forma estranha, devo agradecer a especialista que apresentou a denúncia. Sua carta impulsionou meus esforços científicos neste campo. Após sua denúncia, desloquei meus esforços da esfera pública para as esferas profissional e científica. Eu iniciei minha própria pesquisa e revisões críticas sobre este assunto e reuni uma quantidade enorme de conhecimento, que eventualmente levou à publicação deste livro científico completo.”

the psychologist is recording data obtained from patient interviews and prepare medical steps.

 

 

O livro sobre o qual o Dr. Ophir fala é bastante notável. O título do livro diz tudo. O TDAH não é uma doença e a Ritalina não é uma cura: uma refutação abrangente do (suposto) consenso científico. “O consenso é uma ilusão”, explica. “É por isso que eu tive que adicionar a palavra ‘suposto’ no título. Há um longo e intenso debate sobre esse assunto. Os especialistas em TDAH estão bem cientes desse simples fato histórico, mas se você ousar contestar a validade do distúrbio ou a legitimidade de seu tratamento farmacológico de primeira linha, eles negarão a própria existência da controvérsia. Esta é uma forma sofisticada de gaslighting. Não é de admirar que os críticos do TDAH sejam rotulados como loucos. Mas temos que nos libertar disso. Não podemos permitir-nos render-nos à tirania científica.

“Você está bem ciente do fato de que a cada segundo, ou três, famílias nos Estados Unidos tem uma criança que pode receber esse diagnóstico inventado de TDAH. Você sabe muito bem que muitos pais sentem intuitivamente que algo está errado – ou que seus filhos são perfeitamente saudáveis ​​ou que não deveriam ser medicados com drogas tão poderosas. Esses pais enfrentam extrema pressão para obedecer aos sistemas médico e educacional e são submetidos aos mesmos métodos de gaslighting. Eles estão sendo levados a acreditar que seus filhos têm um desequilíbrio bioquímico no cérebro, que deve ser tratado com medicamentos todos os dias, como usar óculos. Estou ciente de que o que estou prestes a dizer pode soar um pouco ingênuo, mas sinto que se esses pais apenas lessem meu livro, eles poderiam usá-lo como uma espada científica em sua batalha contra o sistema; em sua batalha pelo bem-estar de seus filhos.”

“Mas seu livro é essencialmente científico. Os pais leigos podem entender um livro tão acadêmico? perguntei ao Dr. Ophir. “Você está certa”, ele respondeu, “mas meu público imaginário enquanto escrevia este livro sempre foram meus colegas pais que ficaram surpresos ao descobrir, como eu fiquei seis anos atrás, que seus filhos normais têm um ‘distúrbio vitalício do cérebro’. Claro, eu tinha que aderir às normas acadêmicas e ao rigor científico, mas fiz tudo ao meu alcance para tornar a ciência disponível para a maioria dos leitores usando uma linguagem simples e histórias da vida real”.

Eu sei. Minha amizade com o Dr. Ophir não me permite julgar com neutralidade o seu livro. No entanto, devo compartilhar que minha leitura dele voou sem esforço como um pardal. Fui capturada pelo ritmo e autenticidade do livro desde o primeiro conto de abertura e fiquei fascinada por sua estrutura brilhante e sabedoria nítida, mas simples. Seu livro, claro, não visa substituir uma consulta particular com um profissional de saúde mental, mas abre a porta para informações que estão sendo deliberadamente escondidas de nós. O livro revela, por exemplo, que a ciência nunca forneceu evidências convincentes de que os medicamentos para TDAH são eficazes a longo prazo. Pelo contrário, o uso prolongado desses medicamentos populares é bastante perigoso.

Essencialmente, o que o Dr. Ophir faz neste livro é expor os numerosos buracos científicos que existem na teoria dogmática sobre o TDAH e descobrir as pobres ‘ataduras’ que foram coladas descuidadamente para esconder esses buracos. “Quando você tira as demandas escolares da equação”, diz ele, “você vê que o TDAH não é uma doença. Na grande maioria dos casos, é um traço completamente normativo que tem, como todos os outros traços humanos, prós e contras”.

Portanto, não fiquei nem um pouco surpresa ao ler as resenhas acadêmicas que o livro recebeu. O neurocientista cognitivo e Professor Emérito Richard Silberstein, da Swinburne University, considerou-o “um dos livros mais importantes sobre o tema do TDAH publicado nos últimos 30 anos”. Thom Hartman, intelectual americano, viu este livro como “uma obra-prima absoluta, um trabalho que deveria estar nas mãos de todos os médicos da América”. Finalmente, o professor Sami Timimi, o influente psiquiatra britânico, roubou meus próprios pensamentos: “Dr. Ophir mostra as habilidades forenses de um cientista e as habilidades de escrita de um contador de histórias… Ele escreve com sagacidade, perspicácia e uma profunda humanidade e compaixão pela vida dos jovens… É uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada neste tópico… Quer seja um pai, uma pessoa com o diagnóstico, um professor ou um profissional da área de saúde mental, todos obterão algo valioso ao reservar um tempo para ler este livro maravilhoso”.

E aqui estão meus pensamentos com base em minha própria experiência com o discurso científico e médico: quando forças imensas são direcionadas para silenciar cientistas, muitas vezes é um sinal de que esses cientistas que deveriam ser silenciados têm algo terrivelmente importante a nos dizer. E se alguns cientistas estão dispostos a arriscar seu nome e sobrevoar o ninho do consenso, isso não significa que enlouqueceram. Provavelmente significa que a liberdade de pensamento está em perigo e que é nosso dever sagrado restaurá-la e preservá-la.

A resposta do Dr. Ophir à carta de reclamação:https://drive.google.com/file/d/1Tk4_IMDIkhrL5unI82OYc6yEQ8pu6A8d/view?usp=sharing  

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Mad in America hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

¹ No título original One Flew Over the Scientific Consensus’ Nest faz referência ao livro e ao filme One flew over the cuckoo’s nest, que em português foram traduzidos como Um estranho no ninho. One flew over the cuckoo’s nest é uma expressão que em inglês significa estar próximo da loucura ou mesmo louco.

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genéticos ou Ambientais? (Parte Um)

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3D illustration Virus DNA molecule, structure. Concept destroyed code human genome. Damage DNA molecule. Helix consisting particle, dots. DNA destruction due to gene mutation or experiment

By Peter C. Gøtzsche, MD

Nota do editor: Nos próximos meses, o Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute como os manuais retratam o TDAH e a esquizofrenia como distúrbios genéticos, apesar de evidência muito mais forte de fatores ambientais na causa dessas experiências. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

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Os autores de manuais didáticos se preocupam em dizer aos alunos que os transtornos psiquiátricos são hereditários. Obviamente, isso dá prestígio à especialidade. Faz parecer mais científico afirmar que os transtornos psiquiátricos estão nos genes e que podem ser vistos em uma varredura do cérebro ou na química do cérebro (veja o próximo capítulo). Mas mesmo que fosse verdade, não teria consequências clínicas, pois não podemos mudar nossos genes.

Explicarei neste capítulo por que as informações nos manuais didáticos sobre as causas dos transtornos psiquiátricos geralmente são altamente enganosas.

Ilustração em 3D da molécula de DNA

Primeiro, um fato preocupante. Muitos bilhões de dólares foram gastos pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA (NIMH) para encontrar genes que predispõem a doenças psiquiátricas e suas causas biológicas. Isso resultou em milhares de estudos sobre receptores, volumes cerebrais, atividade cerebral e transmissores cerebrais. (7-231)

Nada de útil saiu desse enorme investimento além de histórias enganosas sobre o que a pesquisa mostrou. Isso poderia ter sido esperado desde o início. É absurdo, por exemplo, atribuir um fenômeno complexo, como depressão ou psicose ou déficit de atenção e hiperatividade, a um neurotransmissor quando existem mais de 200 desses transmissores no cérebro que interagem em um sistema muito complexo que não entendemos.(25)

O principal objetivo dos livros de psiquiatria é educar futuros clínicos. Eles não se tornarão melhores clínicos acreditando no que os manuais didáticos dizem sobre hereditariedade. Eles podem, de fato, tornar-se médicos inferiores. Se eles transmitirem aos pacientes que seu distúrbio é hereditário, eles podem tirar a esperança deles de se tornarem normais novamente. Os descendentes também podem ter medo de um dia vir a sofrer de um distúrbio psiquiátrico. Quando eu era jovem, a narrativa era que 10% das crianças com pais com esquizofrenia se tornariam esquizofrênicas, e as pessoas estava compreensivelmente preocupadas com a possibilidade de serem as próximas.

Isso não é coisa do passado. Uma de minhas colegas, a cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen, recebeu o diagnóstico errôneo de esquizotipia quando ficou estressada com um divórcio difícil. Muitos anos depois, ela ficou furiosa quando recebeu um telefonema de pesquisadores que queriam examinar sua filha em busca de possíveis sintomas, argumentando que os transtornos psiquiátricos são hereditários.

Se, em vez disso, os psiquiatras se concentrassem no ambiente em que os pacientes vivem e nos traumas que vivenciaram, haveria esperança de recuperação, pois o ambiente pode ser mudado e os traumas podem ser tratados com psicoterapia.

Os manuais não pouparam esforços. Eles falaram de avanços usando estudos de associação do genoma, (16:27,16:209,17:308) mas não há nenhum. Para a esquizofrenia e transtornos semelhantes, cada uma das várias centenas de genes identificados contribui muito pouco,(18:94) e juntos, os muitos loci¹ explicam apenas cerca de 5% da chamada hereditariedade.(16:210) Para o TDAH, foi a mesma coisa. Muitos genes diferentes foram encontrados, cada um dos quais contribui muito pouco.(18:229)

No entanto, os psiquiatras propagaram o mito da hereditariedade. Eles fizeram isso citando estudos realizados com irmãos gêmeos, que são um tipo de ciência muito rasa que produziu resultados não confiáveis. Os psiquiatras usaram o que chamei de truque OVNI.(26) É muito comum na ciência enganar seus leitores dessa maneira, e tudo se trata de não perder poder e prestígio e ser forçado a admitir que estava errado. Se você usar uma foto difusa para “provar” que viu um OVNI enquanto uma foto tirada com uma potente lente teleobjetiva mostrou claramente que o objeto é um avião ou um pássaro, você é um trapaceiro. Quando os estudos genéticos surgem de mãos vazias, não há razão para poluir livros psiquiátricos com artigos confusos sobre estudos com gêmeos, e não há razão para ler sobre eles.

O problema fundamental dos estudos com gêmeos é que os fatores hereditários e ambientais não podem ser separados, nem mesmo quando alguns dos gêmeos foram adotados e cresceram em outra família. A “suposição de ambiente igual” simplesmente não é sustentável.(27)

O Estudo de Minnesota, de 1990, sobre Gêmeos Criados Separados (MISTRA) ilustra essas questões. É uma parte influente da pesquisa de herdabilidade.(28) Publicado na Science, é fortemente citado como um dos cinco estudos essenciais que examinaram gêmeos monozigóticos (MZA ou idênticos) que foram considerados como tendo sido criados separadamente um do outro. O MISTRA se concentrou no quociente de inteligência (QI) e os pesquisadores concluíram que a inteligência é altamente hereditária e que muito pouco dela se deve à educação ou ao ambiente.

Em 2022, 32 anos depois, esse estudo foi desmascarado.(29) As publicações do MISTRA deixaram de fora dados essenciais. Quando esses dados foram incluídos, o MISTRA falhou em demonstrar que o QI é hereditário.

Um dos principais problemas foi que o grupo de controle – gêmeos dizigóticos (DZA ou fraternos) criados separados – foi omitido da publicação. Obviamente, se os gêmeos MZA tiverem QIs semelhantes, mas os gêmeos DZA não, isso dará credibilidade à noção de que o QI é hereditário. Os pesquisadores escreveram na Science que o uso de pares gêmeos MZA e DZA “fornece o método mais simples e poderoso para separar a influência de fatores ambientais e genéticos”.

Eles até notaram que esse aspecto de sua pesquisa a tornava superior à pesquisa anterior. Então, por que eles não incluíram os dados DZA? Eles alegaram que isso se devia a limitações de espaço e ao pequeno tamanho da amostra. Nada disso estava correto, e o tamanho da amostra era muito grande para tais estudos e mais do que suficiente.

A razão provável para a omissão é que, quando os dados de ambos os conjuntos de gêmeos são incluídos, não há diferenças significativas entre os grupos e, portanto, todo o argumento desmorona.(29) Se a correlação MZ média não exceder a correlação DZ para uma característica particular, a influência genética não foi demonstrada.

Surpreendentemente, publicações posteriores do grupo MISTRA até descobriram que os gêmeos fraternos eram mais semelhantes do que os gêmeos idênticos, mas os pesquisadores descartaram essa descoberta em uma nota de rodapé, chamando-a de “variabilidade de amostragem”.(28) Isso provavelmente está correto, mas os pesquisadores impediram que os críticos revisassem seus dados, garantindo que ninguém pudesse testar se suas conclusões eram justificadas.

Isso parece fraude. Aqui está uma tabela reveladora com as correlações da reanálise de 2022 dos dados que se tornaram disponíveis:

74 MZA pares 52 DZA pares P-valor
Correlações de QI de Wechsler (WAIS) 0.62 0.50 0.17
Correlações de QI das Matrizes Progressivas de Raven 0.55 0.42 0.18

 

Existem muitas limitações importantes dos estudos com gêmeos criados separados, incluindo: (29)

  • Gêmeos não são realmente separados no nascimento. Nesses estudos, 33% foram separados após um ano ou mais crescendo juntos;
  • 75% dos pares de gêmeos ainda tiveram contato enquanto cresciam;
  • Mais da metade (56%) foi criada por um familiar próximo;
  • Em 23% dos casos, os gêmeos acabaram sendo criados juntos novamente em algum momento ou morando ao lado um do outro.

Uma das limitações mais sérias de tais estudos é que os gêmeos não foram selecionados aleatoriamente ou acompanhados desde o nascimento. Em vez disso, os participantes eram adultos que já haviam se reconectado, notado semelhanças e decidido participar de um estudo que demonstrava a hereditariedade. Em muitos casos, esses gêmeos acabaram fazendo parte do estudo depois de já terem sido promovidos na mídia como sendo notavelmente semelhantes. Isso significa que os participantes eram um grupo auto-selecionado de pessoas que se consideravam semelhantes, que estiveram em contato umas com as outras e geralmente não foram totalmente separadas.

Com algumas exceções, os autores dos manuais de psiquiatria engoliram tudo, sem nenhuma reflexão crítica. Aqui estão alguns exemplos do que dizem esses livros:

Para esquizofrenia e distúrbios semelhantes, a taxa de risco é 50 vezes maior para um gêmeo idêntico do que para outras pessoas;(16:207) a hereditariedade é de 80% (18:94,19:225), mas a taxa de concordância em gêmeos monozigóticos é de apenas 50%. (19 :225) Desafia a razão como a herdabilidade pode ser maior do que a encontrada em gêmeos monozigóticos, que são 100% idênticos.

Outro livro mencionou que um estudo finlandês contradiz esses resultados.(17:41) De acordo com o manual, descobriu-se que crianças adotadas com pais com esquizofrenia só apresentavam um risco maior se fossem adotadas por uma família disfuncional. O artigo finlandês é difícil de ler, (30) mas mostra claramente que é importante se houver problemas de saúde mental na família adotiva.

Para transtornos afetivos (depressão e mania), a concordância foi de 75% para monozigóticos e 50% para gêmeos dizigóticos em um dos manuais,(18:113) mas apenas 33% foi relatada para depressão em outro.(16:261)

Para bipolar, 80% dos casos foram explicados pela genética;(16:294) para autismo e TDAH 60-90%;(20:11,20:467,18:229,17:612) e para transtorno obsessivo compulsivo (TOC) 50%.(20:482)

Não nego que, até certo ponto, a maneira como pensamos e nos comportamos está em nossos genes. Durante a evolução, a seleção natural favoreceu a sobrevivência de pessoas que, em situações de perigo ou estresse, se comportaram de forma a aumentar suas chances de sobrevivência. Assim, os traços de personalidade são parcialmente hereditários e não é surpreendente que, se um menino em uma família é enérgico e impaciente, a chance de seu irmão também ser enérgico e impaciente está acima da média, e ambos podem receber um diagnóstico de TDAH.

No entanto, isso não torna o TDAH hereditário. O TDAH não é algo que existe na natureza e pode ser fotografado como uma girafa ou um câncer. É uma construção social que as pessoas, inclusive os psiquiatras, costumam esquecer. Um livro observou, por exemplo, que as mulheres com TDAH são atingidas com mais força do que os homens pelo TDAH na idade adulta.(17:612) O fantasma ganhou vida e agora é uma coisa real que pode atingir as pessoas como um carro.

Devemos abandonar tais equívocos. Portanto, evito usar a expressão “pessoas com TDAH” e digo “pessoas com diagnóstico de TDAH”.

Uma das vezes que dei uma palestra para a organização Better Psychiatry, uma mulher na platéia disse: “Eu tenho TDAH”, ao que respondi: “Não, você não tem. Você pode ter um cachorro, um carro ou um namorado, mas não pode ter TDAH. É uma construção social”.

Expliquei que é apenas um rótulo. As pessoas tendem a pensar que obtêm uma explicação para seus problemas quando os psiquiatras lhes dão um nome, mas esse é um raciocínio circular. Paul se comporta de uma certa maneira, e daremos um nome a esse comportamento, TDAH. Paul se comporta dessa maneira porque tem TDAH. É impossível argumentar dessa maneira.

Muitas vezes brinquei durante minhas palestras que também precisamos de um diagnóstico para aquelas crianças que são muito boas em ficar quietas e não se fazem ver ou ouvir em sala de aula. Isso se tornou realidade, com a invenção do diagnóstico de TDA, transtorno de déficit de atenção, sem a hiperatividade.

A partir desse dia, brinquei sobre quanto tempo esperaremos antes de vermos também um diagnóstico para os intermediários. Então haverá uma droga estimulante para todos, e a indústria farmacêutica terá alcançado seu objetivo final, que ninguém escapará de ser drogado.

Esquizofrenia e transtornos relacionados

Como a esquizofrenia não parece ser hereditária, fiquei interessado em ver o que os manuais didáticos diziam sobre os fatores ambientais.

Como fatores causais, os livros observaram complicações pré-natais, complicações no parto, neuro infeções,(18:94) haxixe,(17:308) eventos traumáticos da vida,(16:207,16:232,17:329) estresse agudo,(16:232) envenenamento por lítio, malignidade síndrome neuroléptica, síndrome da serotonina,16:78 e abstinência após álcool, benzodiazepínicos e ácido gama-hidroxibutírico (também conhecido como fantasy, uma droga de abuso).(16:78)

O mais interessante é o que os psiquiatras não mencionaram. Pílulas para psicose podem causar psicose, conhecida como psicose de supersensibilidade ou tolerância de oposição.(4:45,31) As drogas diminuem os níveis de dopamina, e o número de receptores de dopamina aumenta para compensar isso. Se os medicamentos forem interrompidos repentinamente, o que os pacientes costumam fazer porque os toleram mal, a resposta pode ser uma psicose. Uma psicose pode até se desenvolver durante o tratamento contínuo por causa disso e pode não responder a doses aumentadas.(32) Pílulas para depressão (33) e pílulas para TDAH (34) também podem causar psicose (mania grave é uma psicose), mas isso também não foi mencionado nos manuais.

Os traumas desempenham um papel importante no desenvolvimento da psicose, mas os livros geralmente ignoram isso. Um exemplo típico é um manual que afirmava 80% de hereditariedade da esquizofrenia, enquanto não havia estimativa numérica para o papel dos traumas.(19:225) Apenas um manual oferecia uma estimativa de risco, que era um risco quatro vezes maior se o paciente tivesse sofrido de problemas físicos ou abuso psicológico.(16:207)

A ciência é clara. Um artigo que analisou os 41 estudos mais rigorosos descobriu que pessoas que sofreram adversidades na infância tinham 2,8 vezes mais chances de desenvolver psicose do que aquelas que não sofreram (P < 0,001).35 O P-valor é a probabilidade de obter tal resultado, ou um número ainda maior que 2,8, se não houver relação, que nesse caso é menos de um em mil. Nove dos dez estudos que testaram uma relação dose-resposta a encontraram.(35)

Outro estudo descobriu que pessoas que sofreram três tipos de trauma (por exemplo, abuso sexual, abuso físico e bullying) tinham 18 vezes mais chances de se tornarem psicóticas do que pessoas não abusadas e, se tivessem passado por cinco tipos de trauma, tinham 193 vezes mais probabilidade de se tornar psicótico (intervalo de confiança de 95% 51 a 736 vezes, o que significa que temos 95% de confiança de que o verdadeiro risco está dentro desse intervalo).(36)

Esses dados são muito convincentes, a menos que você seja um psiquiatra. Uma pesquisa com 2.813 psiquiatras do Reino Unido mostrou que, para cada psiquiatra que pensa que a esquizofrenia é causada principalmente por fatores sociais, há 115 que pensam que ela é causada principalmente por fatores biológicos. Consequentemente, um manual observou que a esquizofrenia (e o autismo e o TDAH) são transtornos do neurodesenvolvimento, caracterizados principalmente por fatores de risco biológicos e não principalmente por fatores de risco psicossociais e eventos estressantes na infância.(19:51)

Um manual observou que o quociente de inteligência (QI) de pacientes com esquizofrenia era cerca de um desvio padrão abaixo do normal, em média, e atribuiu isso a defeitos cerebrais causados ​​pela doença, bem como sequelas na forma de contato social prejudicado e processo educativo prejudicado. (18:84)

Este é um prejuízo considerável da inteligência. O quociente normal é 100 e um desvio padrão abaixo do normal é 85. Não houve referências e nem reflexões se esse resultado viesse de pacientes que haviam sido tratados com pílulas para psicose, caso em que o baixo QI poderia ser resultado de drogar os pacientes, tornando difícil para eles pensar e se concentrar.

Portanto, investiguei isso. Pesquisei o risco de esquizofrenia no QI e o registro mais alto era tudo de que eu precisava.38 Foi um estudo de 50.087 homens de 18 anos recrutados para o exército sueco que foram acompanhados por 13 a 14 anos. Nesse período, 195 deles foram internados com esquizofrenia. De acordo com o resumo do estudo, “A distribuição das pontuações naqueles diagnosticados posteriormente como sofrendo de esquizofrenia mudou para uma direção descendente, com uma relação linear entre baixo QI e risco. Isso permaneceu após o ajuste para possíveis fatores de confusão”. Os autores concluíram que “os resultados confirmam a importância da baixa capacidade intelectual como fator de risco para esquizofrenia e outras psicoses”.

O resumo era desonesto e não refletia o que o estudo mostrava. No texto principal, os autores escreveram que “o valor preditivo positivo para baixo QI é ruim com QI abaixo da média (< 96) prevendo apenas 3,1% dos casos”. Não sei de onde tiraram os 3,1% e, em uma tabela, os valores preditivos eram muito mais baixos, por exemplo 1,3% para quem tem QI abaixo de 74 e 0,6% para quem tem QI entre 74 e 81 e também para quem tem QI entre 82 e 89 e entre 90 e 95.

As chances para desenvolver esquizofrenia com base na pontuação de QI foi de apenas 1,27 (1,19 a 1,36). Este é um aumento muito pequeno no risco, que, além disso, foi inflado por fatores de confusão. Os autores ajustaram suas análises para status socioeconômico, ajuste comportamental e escolar, abuso de drogas, educação urbana, história familiar de transtorno psiquiátrico e transtorno psiquiátrico no momento do teste. Isso levou a reduções notáveis ​​nas razões de chances para todas as quatro subescalas do teste de QI, mas os autores, no entanto, afirmaram que a razão de chances geral foi de 1,28 após o ajuste. Isso parece ser uma impossibilidade matemática.

Os autores não informaram qual era o QI médio dos pacientes com esquizofrenia, mas foi fácil de calcular, pois mostraram uma tabela com números em nove diferentes grupos de QI. O menor foi < 74 e o maior foi > 126, mas se eu usei 70 e 130, respectivamente, para esses grupos extremos, ou 65 e 135, obtive o mesmo resultado. O QI médio era de 95, ou muito próximo do normal.

O livro afirmava que o QI médio era de (85.18:84) Isso confirma minha suspeita de que esses pacientes provavelmente estavam incapacitados por drogas psiquiátricas quando foram submetidos ao teste de QI.

Uma última questão me incomoda. O que os autores dos manuais psiquiátricos queriam alcançar ao afirmar que as pessoas com esquizofrenia eram burras? Qual a relevância disso para futuros clínicos? Nenhuma. É provável que tais informações agravem o estigma a que esses pacientes estão expostos na psiquiatria.(7:183)

Muitas vezes, assume-se que as explicações biológicas ou genéticas da doença mental aumentam a tolerância em relação aos pacientes psiquiátricos, reduzindo as noções de responsabilidade e culpa. (39) O pressuposto central dos programas anti-estigma é que o público deve ser ensinado a reconhecer os problemas como doenças e a acreditarem que são causados ​​por fatores biológicos, como um desequilíbrio químico, doença cerebral e fatores genéticos. No entanto, estudos constataram consistentemente que esse modelo de doença aumenta a estigmatização e a discriminação. Uma revisão sistemática de 33 estudos descobriu que as atribuições causais biogenéticas estavam relacionadas a uma rejeição mais forte na maioria dos estudos que examinavam a esquizofrenia.(39)

A abordagem biológica aumenta a periculosidade percebida, o medo e o desejo de distância dos pacientes diagnosticados com esquizofrenia porque faz as pessoas acreditarem que os pacientes são imprevisíveis.39-42 Isso leva a reduções na empatia dos médicos e à exclusão social. (43) Também gera pessimismo indevido sobre as chances de recuperação e reduz os esforços de mudança em comparação com uma explicação psicossocial. Portanto, não é surpreendente que os participantes de uma tarefa de aprendizagem tenham aumentado a intensidade dos choques elétricos mais rapidamente se eles entendessem as dificuldades de seu parceiro em termos de doença do que se eles acreditassem que eles eram o resultado de eventos da infância. (41)

Muitos pacientes descrevem a discriminação como mais duradoura e incapacitante do que a própria psicose e é reconhecida como uma grande barreira para a recuperação. (40,41) Os pacientes e suas famílias sofrem mais estigma e discriminação dos profissionais de saúde mental do que de qualquer outro setor da sociedade e há boas explicações para isso. Por exemplo, mais de 80% das pessoas com o rótulo de esquizofrenia pensam que o próprio diagnóstico é prejudicial e perigoso e, portanto, alguns psiquiatras evitam usar o termo esquizofrenia.(41)

Em contraste com os líderes da psiquiatria, o público está firmemente convencido de que a loucura é causada mais por coisas ruins que acontecem do que por genética ou desequilíbrios químicos. (41) Essa lucidez é notável, visto que mais da metade dos sites sobre esquizofrenia são financiados por empresas farmacêuticas. O público também vê as intervenções psicológicas como altamente eficazes para transtornos psicóticos (o que elas são, veja o Capítulo 7), enquanto os psiquiatras opinam que, se a alfabetização em saúde mental do público não for melhorada, isso pode dificultar a aceitação de cuidados de saúde mental baseados em evidências (o que significa drogas).

Como explicarei mais tarde, o gasto de enormes quantias de dinheiro – principalmente por empresas farmacêuticas – para ensinar o público a pensar mais como psiquiatras de orientação biológica teve os seguintes resultados: mais discriminação, mais drogas, mais danos, mais mortes, mais pessoas em pensão por invalidez e maiores custos para a sociedade.


¹Nota da Tradução: Nos estudos genéticos, locus (plural loci) é uma posição fixa no cromossomo.

 

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

 


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

Artigo demostra que o gênero determina a maior prevalência no uso de psicofármacos

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O artigo argentino Medicalización, salud mental y género: perspectivas sobre el uso de psicofármacos por mujeres (Medicalização, saúde mental e gênero: perspectivas sobre o uso de psicofármacos por mulheres) analisa o uso de psicofármacos em mulheres na Argentina a partir da investigação da literatura sobre a temática durante o período de 2020-2021.

A partir da Lei Nacional de Saúde Mental 26.657, a Argentina passa de um modelo de atenção hospitalocêntrico a um modelo de atenção comunitária, passando a buscar propostas e dispositivos extramuros para substituir o modelo manicomial-asilar. O uso de psicofármacos nesse contexto acaba emergindo como uma nova forma de controle social em substituição do manicômio.

A Argentina é um dos países que registra maior consumo de psicofármacos no mundo (Observatorio de Políticas Públicas en Adicciones, 2010). Um estudo aponta que cerca de 15 % da população entre 12 e 65 anos já consumiram alguma vez na vida tranquilizantes ou ansiolíticos, e o consumo aumenta gradualmente com o avanço da idade. Já 1,3% da população já consumiu estimulantes ou antidepressivos alguma vez na vida. Até 35 anos o consumo é maior entre homens, a partir de 35 anos torna-se maior entre as mulheres. Enquanto metade das prescrições de ansiolíticos e tranquilizantes foi feita por clínicos gerais, os antidepressivos e estimulantes são mais prescritos pelos psiquiatras.

Estatísticas mostram que o gênero é um dos determinantes em saúde mental:

“Entre os 35 e os 49 anos, 19,3% das mulheres consumiu tranquilizantes ou ansiolíticos alguma vez na vida, e entre os 50 e os 65 a prevalência foi de 35% (Sedronar, 2017). Investigações realizadas em outros países, observam o mesmo fenômeno: as mulheres têm maior probabilidade de receberem prescrição de psicofármacos (Markez et al.,2004), com uma tendência à feminização do consumo de tranquilizantes (Angulo et al., 2018).”

Alguns estudos avaliaram o impacto da desigualdade de gênero na saúde das mulheres, na construção do discurso médico e na organização dos sistemas de saúde. Os resultados mostram que o alto índice de medicalização das mulheres com psicofármacos e a ausência de uma política de saúde mental preocupada com as questões de gênero, reforçam ainda mais as desigualdades. Mulheres são duas vezes mais diagnosticadas com depressão em relação aos homens. Na Espanha, constatou-se que as mulheres eram as que mais receberam prescrição de psicofármacos na Atenção Primária.
Durante a pandemia de Covid-19 também foi verificado o aumento do uso de psicofármacos por mulheres, principalmente benzodiazepínicos, devido a sobrecarga de trabalho.

“As desigualdades de gênero se refletiram no uso dos psicofármacos desde o começo da emergência sanitária. A distribuição das tarefas de cuidado e das tarefas domésticas impactou fortemente nas mulheres adultas. O informe de Sedronar (2021) expõe que, para as mulheres, “o fato de haver iniciado ou retomado o consumo de psicofármacos apareceu relacionado às situações de estresse ou ansiedade ligadas ao excesso de tarefas cotidianas, a partir da incerteza que gerou o prolongamento no tempo do ASPO ou as mudanças experimentadas no sono” (Sedronar, 2021, p. 39).

No Brasil, não é diferente. O artigo cita alguns estudos que relatam que as mulheres são as maiores consumidoras de remédios psiquiátricos nos serviços de saúde, de maneira especial, as mulheres idosas. Os autores apontam a descriminção e a estigmatização da velhice feminina.

No campo da saúde mental as desigualdades de gênero aparecem, por um lado determinando a prevalência e a distribuição dos padecimentos psíquicos. Mas também como um determinante na atenção à saúde mental.

O processo de medicalização promove práticas altamente tecnocientíficas. Tais tecnologias não focam apenas em controlar e regular o que os corpos podem fazer, mas também a transformar o próprio corpo. A literatura vem chamando de “identidades tecnocientíficas” as identidades construídas através da aplicação da ciência e das tecnologias nos corpos.

O artigo descreve que estudos que analisaram o discurso de mulheres consumidoras de psicofármacos estabelecem certas particularidades no consumo segundo a idade: mulheres mais novas articulam seu discurso em torno da ansiedade, as mulheres de meia idade vinculam ao estresse e as mulheres mais velhas à depressão.

“Esta investigação encontrou como um aspecto recorrente a crença de que há uma subjetividade feminina patológica. Além disso, constataram no discurso de alguns profissionais, uma minimização da importância direcionada aos mal estares das mulheres e uma maximização da mesma afecção quando se apresenta em homens.”

Por fim, o artigo destaca que aprofundar o uso de psicofármacos por mulheres de forma descritiva e analítica exige acrescentar os contextos em que se vivenciam esses tratamentos psiquiátricos.

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Bru, Gabriela Silvina. Medicalización, salud mental y género: perspectivas sobre el uso de psicofármacos por mujeres (Argentina), R. Katál., Florianópolis, v.25, n. 3, p. 611-620, set.-dez. 2022 ISSN 1982-025

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