Mad in Brasil: Um portal no debate da medicalização em saúde mental

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Matéria publicada no site da ABRASCO, assinada pelo jornalista Bruno C. Dias, apresenta o Mad in Brasil para a comunidade científica do campo da saúde coletiva do Brasil. Publicada em 

Lançado em novembro de 2016, o site Mad in Brasil insere o campo da Saúde Mental brasileira na linha de frente do debate sobre os limites e os excessos cometidos pela psiquiatria na sua estratégia de prescrição ilimitada de drogas produzidas pela indústria farmacêutica. Fruto da parceria entre os pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, ambos do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Laps/ENSP/Fiocruz), com o jornalista e escritor norte-americano Robert Whitaker, o site coloca em evidência pensadores de diversas origens, posicionamentos e movimentos que convergem na crítica e no questionamento da racionalidade psiquiátrica, buscando repensar, por meio de artigos, entrevistas e revisões sistemáticas, a necessidade da construção de novos paradigmas para a assistência psiquiátrica.

O Laps é a casa do Mad in Brasil, mas esta história começa com o trabalho de Whitaker que, em 2002, lançou o livro Mad in America: Bad Science, Bad Medicine, and the Enduring Mistreatment of the Mentally Ill. Ao investigar a fundo os procedimentos da indústria farmacêutica e das corporações e associações psiquiátricas norte-americanas para ampliar as prescrições e vendas de antidepressivos, Whitaker fez um alerta geral para a questão e colocou o tema em evidência internacional. Com mais de 20 anos de profissão, ele já havia sido finalista de premiações como o Pulitzer Prize for Public Service e o George Polk Awardeste voltado exclusivamente ao jornalismo científico e médico. Mad in America ganhou o prêmio de melhor livro-reportagem da Investigative Reporters and Editors no ano do lançamento.

“Em grosso modo, medicalização é o ato de tornar médico assuntos que competem a outras áreas, como temas sociais, econômicos e políticos. A institucionalização da assistência, a patologização de práticas e estilos de vida e a medicamentalização, que é a prescrição de drogas para fins da medicalização, são conceitos que vêm junto a este debate. O tema da medicalização sempre foi importante na psiquiatria e na saúde mental desde os primeiros grandes trabalhos de Ivan Illich e Michel Foucault. Outra fonte de inspiração foi o trabalho de Marcia Angell que, em verdade, deu destaque ao trabalho de Whitaker”, explica Paulo Amarante, fazendo referência à obra A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos, de autoria desta médica, pesquisadora associada (senior lecturer) da Harvard Medical School e ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine. A publicação de artigos de Marcia na imprensa especializada e leiga trouxe a referência de Whitaker. Desde então, o norte-americano já veio ao Brasil fazer palestras algumas vezes, como no 4º Congresso brasileiro de Saúde Mental e no 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, ambos organizados pela Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme – com apoio da Abrasco.

Produção global: Com a visibilidade do livro, Whitaker começou a receber um grande número de cartas e mensagens com palavras de apoio, críticas e denúncias às empresas farmacêuticas e às associações médicas, além de relatos de pessoas que buscaram outros caminhos para seus tratamentos. A quantidade e a qualidade do retorno mostrou a necessidade de haver um espaço para a troca sistemática de informações sobre o assunto. Para isso, foi criado o site Mad in America, em dezembro de 2011. As andanças e articulações do norte-americano pelo mundo abriram o diálogo com os pesquisadores brasileiros e também com o coletivo Locomún, sediado em Madri, Espanha, possibilitando o lançamento da edição brasileira – Mad in Brasil – e a edição hispânica, batizada de Locura, Comunidad y Direchos Humanos – Mad in America para el mundo hispanohablante. “O acordo possibilita que a produção dos três sites seja liberada para tradução entre os parceiros. A ideia é criar uma rede internacional, não meramente contra a indústria farmacêutica, mas que aponte para a construção de novos paradigmas na abordagem do sofrimento psíquico, colocando em questão a própria psiquiatria”, destaca Fernando Freitas. Há negociações também para a criação de uma versão editada no Japão.

Fernando Freitas (esquerda) e Paulo Amarante, editores do Mad in Brasil

O pesquisador detalha o funcionamento do novo site. Há espaço para falar de ações e debates voltados à desmedicalização e à desmedicamentalização (em Nas Notícias) e das repercussões sobre o tema na mídia (em Torno da Internet). Já na seção blogue, há espaço para textos autorais de pesquisadores nacionais e internacionais e para histórias e relatos de pacientes e ex-pacientes da psiquiatria tradicional. A revisão de artigos científicos sobre todas as classes de medicação psiquiátrica no intuito de ampliar o olhar da ciência sobre as drogas psiquiátricas tem uma seção especial (em Informações sobre drogas). “Essa é uma das áreas já mais acessadas. Ler um artigo científico não é fácil, e a maioria dos médicos psiquiatras lê só as conclusões. A ideia desta seção é mostrar como, por meio da própria ciência, a psiquiatria é falaciosa”, aponta Freitas. A produção das revisões é feita por uma equipe de estudantes da Universidade de Cambrigde, responsável por fazer varreduras nas publicações científicas em diversas revistas internacionais para a conferência das metodologias e dos resultados, publicando as revisões no site.

Já Amarante apresenta uma outra abordagem: “Temos de analisar racionalmente aquilo que se chama ciência, sempre histórica e conjuntural, e o uso que dela é feito. Ao explicitar os erros nos critérios e procedimentos dos estudos científicos, as  revisões mostram que estas pesquisas não passam de propaganda das grandes indústrias em forma de artigo, o que afeta cada vez mais a formação médica”.

Ambos concordam que o site vem potencializar o debate da Saúde Mental como um campo de construção de direitos e de justiça social. “Estamos só começando. Acho que o papel do site será de trazer outros olhares sobre a psiquiatria diferentes do senso comum, sempre relacionando Saúde Mental à justiça social e à política. Se a psiquiatria é utilizada de maneira irresponsável, convencendo os tomadores de decisão a distribuir remédios a torto e a direito para crianças, isso deixa de ser uma questão científica e torna-se uma questão política. Em ambos os campos, é um assunto para o nosso Mad in Brasil”, finaliza Paulo Amarante.

Medicalização em Psiquiatria, resenha de Robert Whitaker

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No último número do periódico científico Revista Trabalho, Educação e Saúde, há uma resenha feita por Robert Whitaker do livro Medicalização em Psiquiatria, escrito por Fernando Freitas e Paulo Amarante, publicado pela editora Fiocruz.

Uma leitura crítica da medicalização em psiquiatria

Robert Whitaker

medicalizacao em psiquiatria_imagem_topoA psiquiatria moderna tem nos proporcionado uma nova forma de pensar sobre nós mesmos, e nesse curto e fascinante livro, Medicalização em psiquiatria, Fernando Freitas e Paulo Amarante apresentam um conjunto de evidências e argumentos da percepção empobrecida feita sobre nós humanos. Os dois autores também detalham como o atual paradigma de cuidado da psiquiatria é construído sobre ‘ficções’. O livro é concluído com um olhar sobre terapias alternativas promissoras e, como tal, advoga fortemente a necessidade de se repensar os fundamentos do cuidado psiquiátrico.

Se o livro Medicalização em psiquiatria pode ser descrito como uma nova adição à crescente biblioteca internacional de livros de ‘psiquiatria crítica’, é notável que, nesse âmbito, ambos os autores têm posições de liderança dentro do establishment em Saúde Mental.

Paulo Amarante, psiquiatra, é reconhecido por décadas de trabalho e de luta pela reforma da atenção psiquiátrica no Brasil. No final da década de 1980, após ter estudado com Franco Basaglia e outros psiquiatras italianos que desenvolveram o cuidado comunitário em seu país de origem, Amarante militou e colaborou na redação da legislação de saúde mental que tem levado à desinstitucionalização no Brasil. Hoje, ele é o presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), e professor e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, unidade científica da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), instituição vinculada ao Ministério da Saúde. Fernando Freitas, psicólogo, é ex-diretor da Abrasme e, como Amarante, é professor e pesquisador da Ensp/Fiocruz.

A beleza do livro começa a se tornar evidente no primeiro capítulo, onde ambos proporcionam um contexto filosófico amplo para se entender o que a psiquiatria biológica moderna tem feito. Escrevem sobre a ‘medicalização’ da vida moderna e as consequências que ela tem para nós como indivíduos. É um fenômeno que surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial; e enquanto avanços médicos – como o descobrimento de antibióticos – ajudaram a pôr controle sobre muitas doenças, o crescimento da indústria médica encorajou o cidadão moderno a ver a si próprio através das lentes médicas de ‘o que há de errado comigo’. Isso é particularmente verdadeiro na psiquiatria.

Dessa forma, Freitas e Amarante lembram aos leitores o que está em jogo. Medicalização pode se tornar um meio de controle social, com o indivíduo encorajado a adotar o ‘papel de doente’, o que leva à perda da autonomia individual. Nós somos encorajados a pensar que é ‘anormal’ sofrer, ou experimentar dor em nossas vidas, quando, claro é que, como qualquer busca na literatura irá nos lembrar, o sofrimento é inerente ao ser humano.

No que diz respeito à medicalização de nossas vidas emocionais, ela tem sido alimentada por uma ‘aliança profana’ que foi formada – como os autores apontam – entre a psiquiatria acadêmica e a indústria farmacêutica nos Estados Unidos na década de 1980. As empresas farmacêuticas passaram a contratar psiquiatras de escolas médicas prestigiadas daquele país para servirem como seus consultores, conselheiros e porta-vozes. Tal aliança passou a contar ao público uma narrativa sobre grandes avanços científicos. Pesquisadores haviam descoberto que os transtornos mentais eram ‘doenças cerebrais’ causadas por ‘desequilíbrios químicos’ no cérebro, e que poderiam ser então corrigidas por uma nova geração de drogas psiquiátricas. Com a difusão dessa narrativa para o público, o consumo de drogas psiquiátricas nos Estados Unidos explodiu, e, rapidamente, essa ‘aliança profana’ conseguiu exportá-la para o Brasil e outros países desenvolvidos em todo o mundo.

Freitas e Amarante proporcionam uma desconstrução sucinta dessa narrativa, começando com a crise institucional que por fim levou a Associação Americana de Psiquiatria (APA, na sigla em inglês) a adotar sua narrativa de ‘modelo baseado na doença’. Nos Estados Unidos, assim como igualmente se passava em muitos outros países, os psiquiatras nos anos 1960 geralmente não eram vistos como ‘médicos de verdade’. Então, no início dos anos 1970, o psicólogo David Rosenhan, da Universidade de Standford, publicou um estudo que publicamente humilhou a profissão.

Rosenhan e outros sete voluntários ‘normais’ se apresentaram em hospitais psiquiátricos, afirmando que ouviam uma voz que dizia ‘vazio’ ou alguma outra palavra simples. Todos foram admitidos e diagnosticados como ‘esquizofrênicos’, e ainda que eles se comportassem normalmente dentro do hospital, nenhum membro da equipe hospitalar – incluindo psiquiatras – identificou-os como impostores. Em contraste, os outros pacientes no hospital os reconheceram. Os ‘loucos’ no hospital manifestaram muito mais discernimento que os profissionais.

Essa humilhação – e outros desafios sociais para a sua legitimidade – forçou a APA a refazer o seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM). A corporação profissional precisava apresentar os psiquiatras ao público como ‘médicos de verdade’, e, em 1980, foi publicado o DSM III, que passou a ser propagandeado como um grande avanço científico, por passar a ser um manual de ‘doenças’ e de ‘transtornos’ reais que poderiam ser confiavelmente diagnosticados. Mas, como Freitas e Amarante escrevem, o DSM – que se tornou a ‘bíblia’ mundial da psiquiatria – não é baseado na ciência. Os diagnósticos são ‘constructos’ com critérios de sintomas arbitrariamente definidos; 35 anos de pesquisa têm fracassado em validar qualquer um dos transtornos mentais como doenças distintas.

Com o DSM III em mãos, a psiquiatria americana passou a nos persuadir a acreditar na noção de que depressão, ansiedade, psicose e outros transtornos mentais são causados por desequilíbrios químicos no cérebro. Essa narrativa é a de que as doenças cerebrais podem ser tratadas com sucesso por meio de medicamentos. Mas, como os autores explicam, pode-se considerar que a hipótese química tenha sido derrubada em 1996, quando Stephen Hyman, à época diretor do Nacional Instituto de Saúde Mental (NIMH) nos Estados Unidos, escreveu um artigo sobre como as drogas psiquiátricas ‘perturbam’ a função normal do cérebro em vez de corrigir um desequilíbrio químico. Remédios psiquiátricos, conforme os autores corretamente explicam, fazem o seu ‘cérebro funcionar anormalmente’.

Dessa forma, Freitas e Amarante desconstroem o ‘mito’ da psiquiatria moderna passo a passo. Em seguida, revisam a literatura de resultados sobre antipsicóticos e antidepressivos. Essa sessão talvez pareça particularmente surpreendente para leitores leigos. Um olhar atento à pesquisa revela que as drogas não proporcionam particularmente um benefício maior em relação ao placebo, nem mesmo em curto prazo, e que, a longo prazo, pacientes sem medicação – e isso é verdade até para aqueles diagnosticados com esquizofrenia – têm melhores resultados.

Então, o que há para ser feito? Se o Brasil e outras sociedades têm organizado o seu cuidado em torno de uma falsa narrativa, quais novos caminhos podem ser achados para ajudar aqueles que sofrem com suas mentes? No seu capítulo de encerramento, Freitas e Amarante descrevem um caminho à frente. Eles discutem vários programas terapêuticos, no passado e no presente, que têm focado em proporcionar um cuidado psicossocial e fazendo uso limitado – ou não – de medicações, que têm provado ser bastante bem-sucedidos. Em particular, falam da abordagem do ‘Diálogo aberto’ (Open dialogue) empregada no norte da Finlândia, que tem produzido notáveis resultados a longo prazo para as pessoas diagnosticadas com transtornos psicóticos.

Em suma, os dois autores visam um novo paradigma de cuidados que possa ‘oferecer uma atenção psiquiátrica’ fora dos manicômios e que não crie pacientes crônicos. Em outras palavras, Freitas e Amarante visam um paradigma de cuidado que ajude as pessoas que lutam com as suas mentes a verdadeiramente se recuperarem e poderem levar as suas vidas da melhor forma possível.

Nota:

Tradução de Flávio Sagnori Mota e Nina Isabel Soalheiro, integrantes da equipe do Grupo de Pes- quisa Desinstitucionalização, Políticas Públicas e Cuidado da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Leia o texto na íntegra. Em português ou em inglês.

Psicoterapia química ou psicológica?

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Todos os tratamentos de transtornos mentais têm a tendência a alterar alguma coisa no cérebro. Por isso é que o psiquiatra infantil Sami Timimi sugeriu que nós chamemos psicoterapia a todos os tratamentos, incluindo o tratamento químico. Os tratamentos psicológicos visam mudar um cérebro, que não funciona normalmente, para que ele volte ao normal (veja a figura abaixo).

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A psicoterapia química é o que nós usualmente chamamos de drogas psiquiátricas. Elas igualmente produzem mudanças no cérebro, mas não trazem o cérebro para o normal. Ao contrário disso, as drogas psiquiátricas criam um terceiro estado artificial, que nem é normal e nem é o estado doentio que levou o sujeito a ser paciente. O que cria muitos problemas. Acima de tudo, leva a um final que é o inesperado, porque não se pode a partir desse estado artificialmente induzido voltar ao normal. Em suma: não há drogas psiquiátricas que sejam capazes de levar ao normal. Seus efeitos são muito inespecíficos.

A psicoterapia psicológica visa fortalecer as funções normais do cérebro, logo criando tantas reações normais quanto for o possível, para que a pessoa possa melhor lidar com os desafios que a vida lhe oferece. Muitos dos transtornos mentais envolvem o paciente respondendo a traumas e a mudanças emocionais; e, por isso mesmo, é que faz sentido ensinar o paciente a pensar e a reagir mais apropriadamente. Também faz muito sentido mudar o meio ambiente do paciente; porém isso é com frequência negligenciado.

As drogas psiquiátricas incapacitam um conjunto importante das funções do cérebro e podem levar a uma perda do interesse na vida em geral (apatia), a um afastamento das relações sociais, à falta de empatia e de cuidados para consigo próprio e para com os outros, e, o pior ainda, a um embotamento emocional. A empatia nos ajuda a reconhecer o sofrimento que infringimos aos outros, e assim a empatia nos ajuda a conter os nossos impulsos.[1] A redução da empatia é um dos mecanismos através do qual as drogas psiquiátricas podem causar o suicídio e a violência, e, na pior das hipóteses, o homicídio.

As drogas psiquiátricas podem levar à perda de importantes funções humanas que estão associadas com a motivação, criatividade e o amor. Esses efeitos tóxicos da droga nas funções cerebrais superiores são com frequência interpretadas como uma “melhora” (o paciente está aparentemente menos perturbado ou passa a menos incomodar a equipe de profissionais de saúde, a família e os amigos).[2]  Mas tais efeitos com o tratamento psicofarmacológico são de fato uma expressão de dano causado no cérebro.

O uso prolongado de drogas psicotrópicas pode causar permanentes danos no cérebro, o que pode tornar impossível para o paciente conseguir retornar ao normal, assim como pode ser a causa do retorno ao estado doentio original que o havia levado a buscar por psicoterapia, anulando as mudanças ambientais que poderiam ter um bom efeito.

O eletrochoque funciona da mesma maneira, quer dizer, danificando o cérebro, e os danos com frequência são para a vida inteira, especialmente na forma de perda da memória.[3]

Não há dúvida alguma que em todos os países onde isso foi estudado, o aumento do consumo de drogas psicotrópicas tem sido acompanhado pelo aumento do número de pessoas recebendo pensões por incapacidade.[4]

Um outro exemplo do que fazemos erradamente é o gigantesco consumo de antidepressivos. Os antidepressivos aumentam o risco de suicídio, não apenas em crianças e adolescentes, o que já é sabido há muitos anos, mas também nas pessoas idosas.[5] A psicoterapia reduz o risco de suicídio.[6] Essa é uma das várias razões para que os pacientes com depressão devam ser tratados com psicoterapia psicológica e não com psicoterapia química.[7]

Referências Bibliográficas:

[1] Breggin P. Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam. 01 Fev 2017.

[2] Breggin P. Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam. 01 Fev 2017.

[3] Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.

[4] Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/

[5] Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/.

[6] Hawton K, Witt KG, Taylor Salisbury TL, et al. Psychosocial interventions for self-harm in adults. Cochrane Database Syst Rev 2016;5:CD012189.

[7] Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/.

Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam

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O sargento do exército norte-americano Robert Bales ficou furioso em 11 de março de 2012 e, no escuro da noite, matou 17 homens civis afegãos, mulheres e crianças, que dormiam em suas aldeias. Perguntado como ele pode haver feito uma coisa tão terrível, Bales respondeu: “Eu fiz essa pergunta a mim mesmo um milhão de vezes, e não há uma boa razão no mundo para as horríveis coisas que eu fiz.”

O advogado de defesa de Bales, John Henry Browne, confirmou que o sargento Bales recebeu o medicamento antimalárico mefloquina em uma missão anterior no Iraque; mas Brown não tinha nenhuma evidência com referência à chacina no Afeganistão.

E quanto ao efeito da exposição anterior de Bales à mefloquina?

Em dezembro de 2016, um longo estudo de caso de um ex-soldado tratado por quatro meses com mefloquina foi publicado em Drug Safety-Case Reports. O caso ilustrou que a mefloquina pode causar lesões cerebrais persistentes, com problemas emocionais e cognitivos permanentes. Como meus colegas psiquiatras costumam fazer, eles diagnosticaram o ex-soldado com distúrbios psiquiátricos, incluindo Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), e eles o trataram com várias drogas psiquiátricas, agravando sua lesão cerebral e a sua condição mental e emocional.

De acordo com o relatório de dezembro, “O paciente e a sua esposa notaram maior labilidade emocional, tipicamente se manifestando com raiva e irritabilidade. O relatório também endossou dificuldades de concentração, diminuição do interesse na maioria das atividades, problemas persistentes da memória de curto prazo e dificuldades para encontrar palavras.” A longo prazo, ele passou a necessitar de ajuda para o manejo da raiva.

A angústia emocional do soldado – o aumento da labilidade emocional, manifestando-se tipicamente pela raiva e irritabilidade; dificuldade de concentração; um interesse reduzido na maioria das atividades; e por persistentes problemas de memória de curto prazo e dificuldades para encontrar palavras – isso daí pode ser causado por quase que qualquer droga psiquiátrica, enquanto um efeito agudo ou duradouro. Ver o dano causado pela mefloquina e outras drogas não-psiquiátricas, isso pode ajudar as pessoas a entenderem que são as drogas, e não a chamada doença mental do indivíduo, o que muitas vezes arruína vidas e causa comportamentos prejudiciais.

O sintoma específico de “interesse reduzido” induzido por fármacos é o efeito que mais comumente leva os pacientes e os que os rodeiam a pensar que estão melhorados. As pessoas que recebem drogas psiquiátricas, como mostrei em Medication Madness e em outros livros e artigos, frequentemente perdem a preocupação para consigo próprias, com os outros e para com a vida em geral. Muitos pacientes, famílias, terapeutas e prescritores confundem esse desengajamento como sendo melhoria; mas o desengajamento reflete uma lesão tóxica no cérebro, resultando na perda de funções humanas as mais elevadas e fundamentais, como as que estão relacionadas à motivação e ao amor. Se infligida por lobotomia e eletrochoque ou por um número interminável de drogas psiquiátricas, a perda de interesse ou de engajamento é um resultado comum de qualquer lesão generalizada do cérebro. As empresas farmacêuticas e psiquiatras veem essas lesões nos centros mais refinados do cérebro da pessoa como sendo uma “melhoria”.

A indiferença e a apatia causadas por lesões cerebrais produzidas por intervenções psiquiátricas são uma espada de dois gumes. Normalmente, a redução de carinho e empatia torna as pessoas menos envolvidas e mais retraídas, e aparentemente menos perturbadas ou perturbadoras. Contudo, a empatia nos ajuda a reconhecer o sofrimento que infligimos aos outros por meio de ações impulsivas e, portanto, ajuda-nos a ter limites. Reduzir a empatia é uma maneira como as drogas psiquiátricas podem levar ao suicídio e à violência.

Eu recentemente publiquei um capítulo de livro para advogados que trabalham com veteranos de combate, onde eu comparo o impacto do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) – uma lesão cerebral por um trauma de combate – com as drogas psiquiátricas. Todos esses traumas podem produzir perda de interesse, assim como a ampla gama de sintomas que afligiram o soldado que tomou mefloquina. É convincente o suporte de evidências de que drogas não-psiquiátricas – como a mefloquina – podem causar transtornos psiquiátricos graves, suicídio e violência. E afirmar as drogas psicoativas causam alterações cerebrais a longo prazo que perturbam a função mental e emocional não deveria ser surpresa para ninguém. Antipsicóticos, estimulantes, antidepressivos, estabilizadores do humor, benzodiazepínicos e outros sedativos e pílulas para dormir – a respeito dessas droga há fortes evidências,  produzidas através de exames cerebrais, testes neuropsicológicos e de avaliações clínicas, de que todas as classes de fármacos psiquiátricos causam danos irreversíveis ao cérebro, especialmente quando as pessoas ficam expostas a essas drogas por meses e anos.

Do PTSD às drogas psiquiátricas, um efeito compartilhado por todas as formas de trauma psicológico e físico é causar desinteresse e desengajamento. Essa observação chave ajuda a explicar por que a psiquiatria, em nome do tratamento, em toda a sua história tem recorrido a todas as formas de trauma . É hora de se encarar a verdade de que os tratamentos psiquiátricos funcionam danificando nossos cérebros o suficiente para retirar de nós a nossa humanidade – fazendo-nos menos cuidadosos e envolvidos com nossas vidas.

Pesquisador reconhece seus erros para entender a esquizofrenia

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Em um novo artigo, publicado no Schizophrenia Bulletin, o psiquiatra Sir Robin Murray reflete sobre a história da pesquisa em “esquizofrenia” e os erros cometidos. Murray é professor do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência em Londres. Esse renomado pesquisador afirma que por muito tempo ignorou os fatores sociais que contribuem para a “esquizofrenia”. Relata também haver negligenciado os efeitos negativos que a medicação antipsicótica tem sobre o cérebro.

Murray afirma:

“Surpreendentemente, tal é o poder do modelo kraepeliniano, alguns psiquiatras ainda se recusam a aceitar as evidências, e se apegam à visão niilista de que existe um processo esquizofrênico intrinsecamente progressivo, uma visão muito prejudicial para seus pacientes”.

Robin-murrary2Robin Murray, psiquiatra escocês e professor de pesquisa psiquiátrica no Instituto de Psiquiatria, Kings College em Londres

Murray, que começou seu trabalho como psiquiatra em 1972, descreve a mudança na psiquiatria dos EUA durante os meados da década de 1970: “quando a psiquiatria deixa de ser totalmente psicanalítica e passa a ser quase que totalmente biológica”. A partir dessa mudança, tem havido um maior enfoque no papel da dopamina e dos fatores genéticos na “esquizofrenia.” Durante a década de 1970, a “esquizofrenia” passou a ser entendida como uma doença neurodegenerativa. Essa teoria foi apoiada por um estudo que encontrou ventrículos aumentados no cérebro para indivíduos diagnosticados com “esquizofrenia.” Murray lamenta que ele e muitos outros tenham ignorado outro estudo publicado nessa mesma época, a mostrar o que pode resultar com o uso prolongado da medicação antipsicótica: alterações cerebrais persistentes, principalmente na sensibilidade dos receptores da dopamina, o que pode implicar em discinesia tardia.

Em 2008, ao ter contato com um estudo mais recente mostrando os efeitos da medicação antipsicótica sobre o volume ventricular, que Murray começou a prestar atenção aos efeitos a longo prazo do uso de antipsicóticos. Pra ele “ficou claro que os antipsicóticos em altas doses contribuem, não para as sutis alterações cerebrais presentes no início da esquizofrenia, mas para as subsequentes mudanças progressivas”. Murray também revisa a teoria do desenvolvimento neurológico da “esquizofrenia”, a ideia de que a doença é causada por problemas durante o nascimento e seu desenvolvimento precoce. Agora, Murray se refere a esta teoria como um “exagero” das evidências.

Murray também discute a supersensibilidade à dopamina, quer dizer, que o tratamento antipsicótico de longo prazo pode resultar em um aumento significativo nos receptores da dopamina, consequentemente aumentando a sensibilidade à dopamina e diminuindo a eficácia da medicação antipsicótica.

“Nós levantamos a possibilidade que a medicamentação antipsicótica pode fazer alguns pacientes esquizofrênicos mais vulneráveis à recaída futura do que seria o caso no curso natural da doença.” Murray acredita no uso da medicamentação antipsicótica para tratar a esquizofrenia, mas tornou-se mais cauteloso no seu uso a longo prazo, dizendo:

“Não há dúvida de que os antipsicóticos são necessários na psicose aguda ativa. Mas temos (nós) que continuar a prescrevê-los em alguns pacientes, porque tornamos o receptor D2 [dopamina] supersensível ao excesso de dopamina liberada? Eu, e na verdade a maioria dos pesquisadores, negligenciei esta questão vitalmente importante. “

Murray afirma que espera que o conceito de “esquizofrenia” – como uma desordem clara e objetiva – se torne obsoleto, assim como ocorreu com  a “hidropsia”. Ele escreve:

“Nas décadas seguintes à 1976, passei mais tempo e energia do que gostaria de recordar, tentando descobrir que mudanças a esquizofrenia causou no cérebro. Infelizmente, não percebi que os efeitos de fatores de risco, como eventos obstétricos adversos, na estrutura e função do cérebro, e que podem ser facilmente observados em amostras com os não-esquizofrênicos, são obscurecidos em pessoas com  a esquizofrenia estabelecida pelos efeitos com antipsicóticos e outros fatores não específicos. “

É significativo haver um psiquiatra proeminente admitindo erros da Psiquiatria e pedir mais investigação sobre fatores ambientais e epigenéticos. Talvez ele sinalize uma mudança no campo da psiquiatria se outros seguirem a liderança de Murray. Ele conclui,

“Se eu tivesse a chance de ter uma segunda carreira, eu me esforçaria mais para não seguir a moda do rebanho. Os erros que cometi, pelo menos aqueles em que tenho percepção, geralmente resultaram de haver aderido excessivamente à ortodoxia predominante “.

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Murray, R.M. (2016). Mistakes I have made in my research career. Schizophrenia Bulletin. Advance on line publication. ( o artigo na íntegra).

Allen Frances e o “excesso de diagnóstico” de crianças

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PhilipHickeyEm 31 de outubro de 2016, o eminente psiquiatra Allen Frances, MD, arquiteto do DSM-IV, publicou um artigo em seu blog Psychology Today, Saving Normal (Psicologia Hoje, Salvando Normal). O artigo é intitulado DSM-5 Diagnósticos em Crianças Devem Sempre Ser Escritos à Lápis. (A peça também apareceu no Huffington Post blog na mesma data.) O subtítulo é “A rotulagem inadequada de crianças e adolescentes é frequente e pode persegui-las ao longo de suas vidas.”

Como em muitos dos artigos recentes do Dr. Frances, a maior parte do texto é escrita por uma outra pessoa, e o Dr. Frances fornece uma introdução e um resumo / conclusão. Nesse caso, o núcleo do artigo foi escrito por Juan Vasen e Gisela Untoiglich do Fórum Infâncias http://foruminfancias.com.ar – uma organização argentina de profissionais de saúde mental dedicada ao “diagnóstico e tratamento adequados de crianças e adolescentes”.

O material escrito pelos Drs. Vasen e Untoiglich basicamente soa bem, como por exemplo, “As crianças e os adolescentes variam muito no modo como se desenvolvem e na cronologia dos seus marcos de desenvolvimento. A individualidade e a imaturidade não devem ser confundidas com doença “. Mas também no artigo vem a sugestão de que o TDAH é uma entidade de doença real e que possa ser identificada com uma avaliação cuidadosa e criteriosa.

“Diagnóstico preciso em crianças e adolescentes leva muito tempo em cada sessão e,        muitas vezes, muitas sessões ao longo de um número de meses.”

Dr. Frances abre o artigo lamentando o que ele descreve como as “três mais nocivas modas no diagnóstico psiquiátrico desses últimos 20 anos.” E que são:

“As taxas de Transtorno do Déficit de Atenção triplicaram, e as taxas de Autismo e Transtorno Bipolar da infância multiplicaram incrivelmente 40 vezes”.

Frances continua a escrever que “Poderosos fatores externos contribuíram grandemente para este massivo mal diagnóstico de crianças.” Retirado do contexto geral é claro que o que o Dr. Frances chama de “massivo mal diagnóstico ” não é inerente aos espúrios diagnósticos psiquiátricos, mas sim ao que ele chama de uso excessivo desses rótulos.

Ele então retoma ao seu alvo principal que é a indústria farmacêutia:

“Para o TDAH e o Transtorno Bipolar na infância ADHD, as empresas farmacêuticas de forma enganosa e agressiva venderam doenças para comercializar suas pílulas caras e rentáveis. Sua estratégia de marketing foi baseada no pressuposto cínico de que começar uma criança cedo com pílulas poderá torna-la um cliente para o restante da vida”.

Dr. Frances frequentemente culpa a indústria farmacêutica, ignorando o papel que desempenharam, a psiquiatria e ele próprio, na proliferação dos assim chamados diagnósticos psiquiátricos e no afrouxamento progressivo dos critérios para esses diagnósticos. Eu expliquei em um post anterior como os critérios para o TDAH foram marcadamente afrouxados no próprio DSM-IV do Dr. Frances.

A aplicação generalizada do “diagnóstico bipolar” às crianças foi a criação do psiquiatra de Harvard Joseph Biederman, MD, mas alguns dos fundamentos para isso já tinham sido estabelecidos no DSM-IV.

A edição anterior do manual (DSM-III-R) declarou que a idade de início dos episódios maníacos

“… é no início dos 20 anos de idade. No entanto, alguns estudos indicam que um número considerável de novos casos aparece após os 50 anos. “(p 216)

A declaração correspondente no DSM-IV diz:

“A idade média no início de um primeiro episódio maníaco é no começo dos 20 anos, mas alguns casos começam na adolescência e outros começam após 50 anos.” [Ênfase adicionada]

Assim, foi o próprio DSM-IV do Dr. Frances que primeiro legitimou a noção de que este chamado diagnóstico poderia ser aplicado às crianças.

Certamente que a indústria farmacêutica desempenhou seu papel, mas a psiquiatria foi uma mão na luva graças ao seu generoso benfeitor, como tem sido desde os anos 60 e 70.

. . . . .

“A explosão do autismo resultou da combinação de duas coisas: a introdução no DSM-IV de uma forma muito mais branda (Asperger), e a ligação demasiado estreita entre o diagnóstico e a elegibilidade de serviços escolares a receberem suporte financeiro. Quer dizer, os diagnósticos de DSM desenvolvidos para fins clínicos são referências inadequadas para a alocação de recursos educacionais. As decisões educacionais devem basear-se na necessidade educacional da criança, avaliada pelos educadores, usando ferramentas educacionais”.

A referência ao transtorno de Asperger é provavelmente exata, e representa uma admissão honesta por parte do Dr. Frances, mas a declaração:

“Os diagnósticos de DSM desenvolvidos para fins clínicos não são meios adequados para a alocação de recursos educacionais. As decisões educacionais devem basear-se na necessidade educacional da criança, avaliada pelos educadores, usando ferramentas educacionais “.

é extremamente enganosa.

A questão aqui é que, em geral, as escolas públicas são obrigadas por lei federal (nos Estados Unidos) a acolher crianças com deficiência. Também é necessário que essas crianças sejam ensinadas, não em ambientes de educação especial, mas sim em salas de aula regulares, sempre que possível.

A deficiência é obviamente um conceito complexo e difícil de definir. Mas, para fins práticos, a Social Security Administration (SSA) tem dois critérios gerais. Em primeiro lugar, a criança deve ter uma doença confirmada; e em segundo lugar, ela deve ter confirmadas as limitações funcionais relacionadas à doença. Tanto o distúrbio autista quanto o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade foram aceitos pela SSA como doenças a terem cobertura. Evidência de limitações funcionais geralmente é obtida a partir de provedores de tratamento da criança, complementada quando necessário por relatórios de consultores externos. Assim – e este é o ponto crítico – “diagnósticos do DSM” não estão sendo usados como referência para a alocação de recursos educacionais. Em vez disso, eles estão sendo usados como a primeira fase na determinação de incapacidade (i.e., a presença de doença). E é a determinação da inaptidão que conduz às decisões educacionais, e, em alguns casos, canaliza fundos adicionais à escola.

Assim quando o Dr. Frances lamenta o uso de “diagnósticos do DSM” para determinar a presença de “doença” psiquiátrica, parece que está a virar a face para outro lado, justamente quando ele rotineiramente afirma a validade e a utilidade desses “diagnósticos” precisamente para esses propósitos. O ponto é este: uma vez que o APA (Associação Psiquiátrica Americana) inventou a doença de TDAH, a porta foi aberta para que essa doença viesse a se tornar incapacidade-elegibilidade (quer dizer, por ser incapaz ter direito a determinadas vantagens).

E, incidentalmente, o enredo engrossa. Em 1985, a SSA contratou a APA para que fosse feito um grande estudo sobre as normas e diretrizes para a avaliação da deficiência mental. O estudo durou dois anos. A APA fez algumas pequenas recomendações, mas “Todas as recomendações foram feitas com base na premissa de que devesse ser preservado o constructo básico da SSA para as normas médicas e as orientações para a avaliação de alegações baseadas em deficiência mental.” [a ênfase em itálico está no original]. Por conseguinte, seja qual for a crítica que o Dr. Frances tenha do sistema atual, ele precisa, sugiro, reconhecer a parte que a sua própria profissão desempenhou na criação desse estado de coisas.

Mas o enredo engrossa ainda mais. A maior parte dos detalhes envolvidos na educação de crianças com deficiência estão estabelecidos na Lei de Educação de Pessoas com Deficiência (IDEA), de 1990. Quando este projeto estava sendo elaborado, havia uma controvérsia considerável sobre se o TDAH deveria ser incluído como uma “doença coberta”. “A oposição veio de organizações de professores e da NAACP. O ato original (1990) não incluiu o TDAH. No entanto, em 1991, o Departamento de Educação emitiu uma nota esclarecedora afirmando que “TDAH” é uma deficiência coberta pela IDEA. Esta alteração foi o resultado de um intenso lobby feito pelo CHADD[*] e outros. E a psiquiatria organizada tem sido um defensor de longa data da CHADD. No momento atual, há um documento para download intitulado ADHD: Parents Medication Guide no site da APA. 

CHADD é mencionada cinco vezes e é recomendada como uma fonte de informação. O documento foi preparado pela Academia Americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente e pela APA.

“EXCESSO DE DIAGNÓSTICO”

Dr. Frances continua:

“É muito tempo passado para domar o selvagem excesso do DSM em diagnosticar crianças.”

Em seguida, após o material escrito pelos Drs. Vasen e Untoiglich:

“Muito obrigado, Juan e Giselle, por advertir de forma poética os clínicos para que sejam conservadores, cuidadosos ou criativos, ao diagnosticarem crianças. O diagnóstico maldado tem consequências graves e, muitas vezes, de longa duração, sobre como a criança se vê, como a família vê a criança e sobre o uso indevido da medicação. O diagnóstico nunca deve ser dado de forma leviana. “

E

“Um diagnóstico correto em crianças é realmente difícil e consome tempo. Um diagnóstico maldado em crianças é realmente fácil e pode ser feito em 10 minutos. Um diagnóstico correto em crianças leva a intervenções úteis que podem melhorar muito a vida futura. O diagnóstico incorreto em crianças geralmente leva à medicação prejudicial e leva ao estigma. “

 E

” O que está em jogo não é pouco e os danos às vezes permanentes. A melhor maneira de proteger nossos filhos é respeitar sua diferença e aceitar a incerteza. Eu realmente amo a ideia de escrever diagnósticos psiquiátricos a lápis.”

Essa noção de diagnóstico conservador, cuidadoso e preciso é um tema comum na escrita do Dr. Frances, mas na verdade, é uma exortação vazia, porque os critérios são inerentemente vagos e mal definidos.

Consideremos o primeiro critério na lista da APA:

1 (a) “com frequência não dá atenção aos detalhes ou comete erros negligentes nas tarefas escolares, no trabalho ou em outras atividades” (DSM-IV, p 83)

A redação do DSM-5 é quase que idêntica, mas acrescenta dois exemplos: (p. e., “negligencia ou perde detalhes”, “o trabalho é impreciso”).

Para ilustrar o problema, vamos imaginar uma conversa entre dois psiquiatras experientes, Dr. I. Druggem e Dr. Ak Curate.

Dr. Curate: Você está diagnosticando muitas crianças com TDAH.

Dr. Druggem: Não, não estou. Eu sempre me certifico de que satisfaçam o número necessário de itens do critério.

Dr. Curate: Mas você está interpretando os critérios demasiado frouxamente.

Dr. Druggem: Você está interpretando-os muito rigidamente.

Dr. Curate: Bem, considere aquele garoto de seis anos que você diagnosticou na semana passada. Em que critérios ele se encaixou?

Dr. Druggem: Os critérios de ausência de atenção a, b, c, d, e. Ele também se encaixou em quatro dos critérios de hiperatividade-impulsividade.

Dr. Curate: Então ele cumpriu o critério 1 (a) – “muitas vezes não dá atenção aos detalhes ou comete erros descuidados nas tarefas escolares, no trabalho ou em outras atividades”?

Dr. Druggem: Sim, é isso aí.

Dr. Curate: Como você sabe?

Dr. Druggem: Porque eu fiz com que a sua professora preenchesse a lista com os critérios, e então ela verificou esse item.

Dr. Curate: Então a professora disse que ele se encaixa neste critério. Ela disse quantas vezes é frequente?

Dr. Druggem: Não, claro que não.

Dr. Curate: Quantas vezes é frequente?

Dr. Druggem: Não sei; suponho que duas ou três vezes por dia.

Dr. Curate: Eu acho que seria perfeitamente normal para um garoto de seis anos fazer erros descuidados ou se distrair dez ou mesmo quinze vezes por dia.

Dr. Druggem: De jeito nenhum.

Dr. Curate: Sim.

E o ponto crítico aqui é que não há nada no DSM, ou mesmo em qualquer diretriz psiquiátrica, que possa resolver esse desacordo. Não há como dizer qual psiquiatra está correto. E o problema é agravado quando reconhecemos que dificuldades de definição similares surgem quando perguntamos o que constitui uma atenção cuidadosa versus não tão cuidadosa; ou erros por desatenção versus outros tipos de erros. E quando reconhecemos que as mesmas dificuldades surgem com todos os critérios, é claro que o termo “diagnóstico preciso, criterioso, do TDAH” é um absurdo lógico. Se alguém inventa doenças sem patologia identificável, para serem diagnosticadas com base em listas de verificação inerentemente vagas, o conceito de prevalência verdadeira não tem sentido.

Assim, o que a psiquiatria criou é um algoritmo solto que pode ser expandido e contraído à vontade, sem que nenhuma culpa ou censura seja atribuída ao psiquiatra “diagnosticador”. Mas é ainda pior do que isso, porque este arbitrariamente flexível “diagnóstico” está sendo conduzido em um contexto onde há grandes incentivos para se fazer o “diagnóstico”, e penalidades consideráveis para a diminuição do “diagnosticar”.

Primeiramente são as empresas farmacêuticas cujos lucros estão correlacionados com o número de crianças “diagnosticadas”. Em segundo lugar, os pais que não sabem como disciplinar ou treinar seus filhos de forma eficaz. Em terceiro lugar, o “diagnóstico” pode dar direito à criança (ou melhor aos seus pais) a uma renda por incapacidade. Em quarto lugar, a escola pode ser elegível para financiamento adicional. Em quinto lugar, os psiquiatras têm uma boa chance de adquirir um cliente a longo prazo.

Então todo mundo ganha – exceto, é claro, a criança, que perde, especialmente no longo prazo. Este é o monstro que a psiquiatria criou. E o Dr. Frances desempenhou um papel fundamental.

O problema não é o excesso de diagnóstico. O problema é a medicalização espúria de problemas que não são de natureza médica. E essa foi a contribuição da psiquiatria para a grande fraude psiquiátrica-farmacológica, na qual eles entraram com os olhos bem abertos. O negócio era simples. Nós (psiquiatras) inventamos e legitimamos as doenças, e escrevemos as prescrições; vocês (indústria farmacêutica) enviam-nos muito dinheiro, validações e negócios. E Dr. Frances é muito bem informado sobre este assunto. Em 1995, ele e seus parceiros John Docherty, MD e David Kahn, MD, escreveram:

“Estamos também empenhados em ajudar Janssen a ter sucesso em seus esforços para aumentar sua participação de mercado e a ter visibilidade nas comunidades de acionistas, fornecedores e consumidores”.

Esta foi uma referência ao The Expert Consensus Guideline Series: Treatment of Schizophrenia produzido pelos Drs. Frances, Docherty e Kahn (The Journal of Clinical Psychiatry, 1996, Vol. 57, Suplemento 12B), com uma generosa doação de Johnson & Johnson (proprietários de Janssen). A citação é de um relatório de testemunha enquanto perito feita por David Rothman, PhD, professor de Medicina Social na Columbia University College of Physicians and Surgeons, p 15-16. Toda a questão foi abordada em grande profundidade por Paula Caplan, PhD, aqui (Mad in America), e pelo que eu sei, o Dr. Frances nunca reconheceu publicamente qualquer irregularidade ou emitiu quaisquer desculpas com relação ao assunto.

FINALMENTE

Dr. Frances foi uma peça-chave na promoção da fraude psiquiátrica. Como arquiteto do DSM-IV, ele teve a oportunidade de reverter a tendência iniciada por Robert Spitzer, MD, com DSM-III, mas em vez disso, o Dr. Frances não só permaneceu na trajetória de proliferação / expansionista, mas na verdade acelerou o seu ritmo. Sua atual preocupação com o diagnóstico mal feito e excessivo de crianças não é convincente.

. . . . .

 TDAH não é algo que uma criança tem. É algo que uma criança faz.

[*] CHADD (Children and Adults with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder), é uma poderosíssima organização da sociedade civil que representa Crianças e Adultos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.  Seu site é http://www.chadd.org. (Nota dos Editores de Mad in Brasil.)

.     .      .

UMA ESCARAMUÇA BAIANA EM TORNO DOS ELETROCHOQUES

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mtorrenteNa terça-feira passada, dia 17 de janeiro, recebi a ligação de um amigo querido, José Sestelo, membro da diretoria da ABRASCO, me perguntando se tinha conhecimento do que estava acontecendo em relação a eletrochoques no Hospital Juliano Moreira (HJM). Ele tinha sido alertado pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade sobre a publicação, no mesmo dia, no Diário Oficial do Estado da Bahia, de uma portaria resolvendo criar, no seio do HJM, serviço de gestão estadual situado em Salvador, uma “Comissão de ECT e Psicocirurgia”, cuja missão seria a “a elaboração do protocolo e acompanhamento das indicações de ECT e Psicocirurgia em Usuários internados no HJM, levando em consideração os aspectos éticos, clínicos e legais, bem como o cotejamento com os princípios da Reforma Psiquiátrica estabelecida pelo Estado. Somente a Comissão poderá autorizar os procedimentos acima ou consultar/representar o Hospital Juliano Moreira junto aos órgãos e conselhos competentes quando necessário”.  Para ver a Portaria, Clique aqui.

Minha primeira reação foi de surpresa e preocupação. Não tinha ouvido falar da polêmica sobre ECT há algum tempo. Sabia que o HJM, por falta de condições físicas, mas também pela resistência e oposição de profissionais, não aplicava mais eletrochoques há vários anos. No entanto, sabia também que boa parte da classe médica defende firmemente que ECT e outras psicocirurgias não merecem a péssima reputação que vêm tendo (por causa de décadas de utilização indiscriminada, com tecnologias ultrapassadas, admitem), já que teriam eficácia “cientificamente” comprovada para determinados quadros “refratários” a outras terapias. E tinha ouvido que, no setor público, o Hospital das Clínicas da UFBA realizava eletrochoques na enfermaria psiquiátrica – além de inumeráveis clínicas particulares na Bahia e país afora.

Fui dar uma olhada no meu celular e, de fato, o assunto estava “bombando”, como se costuma dizer, em grupos de zap e outras redes sociais. A preocupação era geral e muitos militantes da saúde mental se declaravam indignados. Alguns poucos viam a formalização de uma comissão como medida e instrumento de precaução frente a possíveis usos descontrolados dessas técnicas altamente invasivas. Porém, chamava muito a atenção: 1) que a portaria fora assinada pela diretora do hospital; 2) que nem os técnicos da área técnica de saúde mental da Secretaria Estadual de Saúde (SESAB) tinham sido consultados; 3) que a resolução abria a porta a outras psicocirugias (sem, aliás, especificar quais!…). Do meu ponto de vista, precisávamos reagir de forma coletiva, com contundência, mas não sem, antes, reunir informações relevantes. Devíamos também tomar o cuidado de não cair no denuncismo, sob pena de ser caracterizados como extremistas irracionais, e, ao contrário, evidenciar que o debate acadêmico em relação ao ECT está longe de ser pacífico, que boa parte da literatura científica recente denuncia ainda os riscos neurológicos, mas também psicossociais e jurídicos, da reemergência globalizada das psicocirurgias, sejam elas novas ou não. Enfim, era preciso colocar o evento pontual dessa portaria desastrada dentro de um contexto geral muito preocupante, o da Contra-Reforma Psiquiátrica em curso.

Após um trabalho coletivo de poucos dias, no âmbito do Coletivo Baiano da Luta Antimanicomial – uma estrutura militante relativamente recente -, mas dinâmica e representativa, uma carta de repúdio extensa, externando detalhadamente as inquietações dos vários setores do movimento, foi finalizada na sexta-feira, 20 de janeiro de2017, e submetida a várias entidades parceiras das lutas sociais, em nível local, regional e nacional. Até hoje, 53 delas subscreveram a nossa manifestação.

Os pleitos incluídos no final do texto são:

  • Explicações cabíveis diante do ocorrido, além da imediata revogação da Portaria;
  • Apresentação do Plano de Saúde Mental que rege o atual governo e Relatório que indique o seu nível de implantação;
  • O desencadeamento de uma série de discussões amplamente participativas, capitaneadas pelo Conselho Estadual de Saúde, para discutirmos esse e outros temas de interesse da sociedade no que diz respeito à Reforma Psiquiátrica Baiana e Brasileira;
  • O posicionamento da Secretaria Municipal acerca do ocorrido;
  • Uma audiência com o secretário estadual de saúde para obter esclarecimentos acerca do fato, além de termos ciência do planejamento referente às ações para implantação da RAPS bem como o montante do investimento destinado a isso e prestação de contas do que já vem sendo investido.

Acontece que, nesse mesmo dia 20 de janeiro, por razões que ainda me são desconhecidas, o Diário Oficial publicou nova portaria, novamente assinada pela diretora do HJM, para “tornar SEM EFEITO e REVOGAR” a infeliz portaria anterior!

Significa que, pelo menos nessa reivindicação, o movimento de repúdio e desconfiança, em relação aos rumos da política estadual de saúde mental, surtiu efeito. Mas não nos enganemos: isso foi apenas uma vitória isolada, uma escaramuça no nosso combate contra a crescente medicalização da existência e em favor de uma reforma psiquiátrica democrática, antimanicomial e defensora intransigente dos direitos humanos!….

 

De Perto Ninguém é Normal

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PAULO AMARANTEDe acordo com meus documentos e registros, e minha própria memória, a utilização de camisetas como estratégia de diálogo do movimento da reforma psiquiátrica e luta antimanicomial com a sociedade, como forma de provocar a reflexão e colocar em questão o modelo manicomial, a psiquiatria e suas práticas de violência e patologização, começou em 1992. Estávamos na sede do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, na Avenida Churchill 97, em reunião para organização do II Encontro Nacional de Usuários e Familiares, quando a delegação gaúcha, tendo à frente Delvo Oliveira, entrou na sala com enormes sacos plásticos repletos de camisetas com dizeres e imagens sobre a reforma psiquiátrica e a questão antimanicomial. As camisetas foram elaboradas pelo Fórum Regional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental Por uma sociedade sem Manicômios de Bagé.

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Eram muitas camisetas com mensagens diversas!

Dentre elas destacavam-se a “De militonto a militante”.

Assim como a “De perto ninguém é normal”, que se tornou um dos símbolos mais emblemáticos do movimento.

 

O Fórum gaúcho foi muito importante e ativo, e dentre muitas inovações, foi o primeiro a conseguir a aprovação de uma lei estadual de reforma psiquiátrica (a Lei 9.716, de 07 de agosto de 1992, de autoria do Deputado Marcos Rolim), cerca de 10 anos portanto antes da lei nacional (a Lei 10.216 de 96 de abril de 2001).

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A frase “de perto ninguém é normal” foi extraída da música Vaca Profana de Caetano Veloso. A letra faz várias referências à Espanha, inclusive à Picasso, que seria o verdadeiro autor da frase. Em algum lugar do passado eu ouvi ou li isto, que a frase seria de Picasso, mas minha memória, passando da casa dos 60, já não é tão boa! Aproveito para pedir que se alguém tiver esta informação que me ajude a esclarecê-la! O certo é que a frase foi adotada como forma de colocar em questão o conceito de normalidade, pressuposto tão fugaz, impreciso, normativo, impositivo, mas tão fundamental para o saber psiquiátrico, que distingue e classifica as pessoas!

No ano posterior (1993) organizamos uma ala no Bloco Simpatia é Quase Amor, um dos mais famosos e badalados do Rio de Janeiro. A ala, denominada de Maluco Beleza (em referência à música de Raul Seixas) era composta por militantes da luta antimanicomial. O Jornal do Brasil e O Globo deram destaque à nossa ala (a matéria em anexo tem algumas limitações na compreensão mas tem o mérito de registrar o fato). Além da camiseta preparada para a ala, de uma silhueta de rosto cinza com uma rosa vermelha e a frase “Eu vou ficar com certeza maluco beleza”, utilizamos também algumas outras, dentre as quais a “De perto ninguém é normal”.

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Um casal de amigos triestinos, que também participou do carnaval que organizei em Trieste no ano anterior (mas esta é uma outra estória…) estava conosco neste carnaval carioca. Eram o Giancarlo Carena e a Claudia Ehrenfreund, e eu os presenteei com uma das camisetas “De perto ninguém é normal”. Meses depois recebi de presente deles, em retribuição, a camiseta em italiano: Da vicino nessuno è normale.

Como a humanidade caminha e o mundo dá voltas, etc etc, ano passado em São Paulo, Maria Grazia Giannichedda, presidente da Fundação Franca e Franco Basaglia, com sede em Roma, nos sensibilizou ao contar que em uma de suas viagens pelo sul da Itália, foi presenteada com uma camiseta com tais dizeres e, em baixo, o nome de Franco Basaglia. Ela disse: – Bem! Franco deve ter dito esta frase em algum momento!”. Na Espanha e Argentina também foram feitas as “de cerca nadie és normal”.

Bem, mas a ganância dos empresários do ramo dos medicamentos e seus intelectuais orgânicos não deixou por menos: passou-se a inverter o sentido da frase para procurar dizer que “se de perto ninguém é normal”, isto significaria dizer que “de perto todo mundo teria algum problema, algum transtorno, alguma doença”!

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A Folha de São Paulo de 6 de junho de 2004, noticiando o 2º Encontro Paulista de Psiquiatria da Unifesp, expõe a interpretação de um dos organizadores que considera que “ao dizer a frase de perto ninguém é normal” Caetano Veloso acabou tocando numa coisa interessante, porque a frequência de problemas psiquiátricos e emocionais na população é muito grande (…) Nós fizemos um levantamento na cidade de São Paulo e constatamos que um terço da população ia precisar de algum tipo de atendimento.”! Vejam só! Um terço da cidade de São Paulo é de pessoas que precisam de cuidados psiquiátricos!

Preferimos ficar com a posição de Ernesto Venturini. Ao fazer o prefácio da primeira edição de meu livro “Loucos pela Vida” ele observa que “De perto ninguém é normal; é verdade! Mas, pode-se dizer também que, de perto ninguém é anormal”! No momento atual de radical processo de patologização da vida cotidiana pelo DSM 5, pela indústria farmacêutica, pela psiquiatria da Big Farma é preciso que estejamos atentos resistindo no dia a dia em não considerar que tudo na vida é doença! É preciso que façamos uma reinvenção do significado da experiência humana ao não reduzi-la à patologias…

Vejam “Vaca Profana” com Caetano Veloso assistido por Chico Buarque de Holanda.

Respeito muito minhas lágrimas

Mas ainda mais minha risada

Inscrevo, assim, minhas palavras

Na voz de uma mulher sagrada

Vaca profana, põe teus cornos

Pra fora e acima da manada

Vaca profana, põe teus cornos

Pra fora e acima da manada

Ê, ê, ê, ê, ê

Dona das divinas tetas

Derrama o leite bom na minha cara

E o leite mau na cara dos caretas

Segue a movida Madrileña

Também te mata Barcelona

Napoli, Pino, Pi, Paus, Punks

Picassos movem-se por Londres

Bahia, onipresentemente

Rio e belíssimo horizonte

Bahia, onipresentemente

Rio e belíssimo horizonte

Ê, ê, ê, ê, ê,

Vaca de divinas tetas

La leche buena toda en mi garganta

La mala leche para los puretas

Quero que pinte um amor Bethânia

Stevie Wonder, Andaluz

Como o que tive em Tel Aviv

Perto do mar, longe da cruz

Mas em composição cubista

Meu mundo Thelonius Monk’s blues

Mas em composição cubista

Meu mundo Thelonius Monk’s

Ê, ê, ê, ê, ê,

Vaca das divinas tetas

Teu bom só para o oco, minha falta

E o resto inunde as almas dos caretas

Sou tímido e espalhafatoso

Torre traçada por Gaudi

São Paulo é como o mundo todo

No mundo, um grande amor perdi

Caretas de Paris e New York

Sem mágoas, estamos aí

Caretas de Paris e New York

Sem mágoas, estamos aí

Ê, ê, ê, ê, ê,

Dona das divinas tetas

Quero teu leite todo em minha alma

Nada de leite mau para os caretas

Mas eu também sei ser careta

De perto, ninguém é normal

Às vezes, segue em linha reta

A vida, que é ‘meu bem, meu mal’

No mais, as ramblas do planeta

Orchta de chufa, si us plau

No mais, as ramblas do planeta

Orchta de chufa, si us

Ê, ê, ê, ê, ê,

Deusa de assombrosas tetas

Gotas de leite bom na minha cara

Chuva do mesmo bom sobre os caretas

O DSM e o Modelo Médico: novo vídeo

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Autor: Steve Spiegel.

Uma vez que as ideias, as atitudes ou as atividades com referência à atenção em “saúde mental” afetam diretamente a toda a sociedade, o público merece uma visão geral das questões levantadas pelos críticos dessas práticas. Por essa razão, eu criei uma curta conferência em vídeo, intitulada O DSM e o Modelo Médico (anexada abaixo).

Esse resumo da crítica ao modelo médico de sofrimento mental destina-se a preencher um vazio na informação pública, e oferece uma contundente crítica à psiquiatria e à sua narrativa. O vídeo também pretende dar voz aos destituídos de direitos diante das injustiças que sofrem em sua interação com o sistema de saúde mental. Descreve a natureza contraproducente do modelo médico, a sua pseudociência, e o elitismo que os sustentam.

Estou buscando feedback da comunidade do Mad in America sobre o meu vídeo, porque pretendo reeditá-lo, para dar o maior impacto possível. Estou particularmente interessado em feedback sobre o paradigma do bem-estar social que é introduzido como sendo uma melhor narrativa alternativa de abordagem do sofrimento mental. Também estou interessado em ideias sobre como promover o vídeo, que após a edição será apresentado gratuitamente ao público .

Aqui está uma breve sinopse das questões discutidas no vídeo:

A primeira seção apresenta o modelo médico do sofrimento psíquico (o modelo da doença) e o DSM que o descreve. A Associação Psiquiátrica Americana (APA) publica o DSM; sua narrativa domina os cuidados de saúde mental nos EUA. A narrativa do modelo médico é um “paradigma clássico”, conforme foi introduzido por Thomas Kuhn em seu livro marcante, A Estrutura das Revoluções Científicas. Um paradigma clássico é uma cosmovisão completa – portanto é difícil desafiá-lo, porque os seus termos têm conotações e contextos inter-relacionados a darem suporte à narrativa existente.

Consistentemente, a maioria das pessoas no meu país (os EUA) assumem que a saúde mental é uma questão médica; poucos são os que podem imaginar saúde mental como sendo uma narrativa de bem-estar emocional-social. É lamentável para os desprotegidos que poucas pessoas entendam a definição da Organização Mundial de Saúde: a saúde como sendo um problema social, quer dizer, sendo uma questão de bem-estar social. Também é lamentável para os desprotegidos que poucas pessoas possam imaginar sofrimento emocional como sendo algo maior do que o seu próprio sofrimento, ou alguma experiência angustiante que seja mais angustiante do que a sua própria.

A Seção Dois segue a introdução do modelo médico, apresentando uma narrativa alternativa – ela introduz um modelo de bem-estar social de sofrimento emocional natural (ou como reações “antissociais” ao sofrimento). A narrativa de bem-estar social acrescenta alguma digamos que humanidade à nossa compreensão da saúde mental – enquanto uma discussão de emoções como sendo efeitos diretos da experiência humana. Faz afirmações sobre emoções que devem ser óbvias: um sofrimento emocional (sofrimento mental) é uma reação natural a experiências angustiantes, ao invés de ser uma doença. A narrativa de bem-estar social também defende que a saúde física afeta diretamente a saúde mental: doenças físicas, alergias, déficits nutricionais, fadiga e toxinas ambientais, podem levar ao sofrimento mental.

A Seção Três é uma visão geral da crítica do modelo médico do sofrimento psíquico. Começa com uma breve história do DSM, tentativas da psiquiatria para explicar o seu modelo médico. Faz uma crônica da história das revisões de DSM, expondo sua fundação política que é bem mais do que científica – a Associação Psiquiátrica Americana simplesmente categoriza comportamentos considerados como sendo “antissociais”, e os etiqueta como sendo problemas médicos – pelo voto de comitê. O vídeo critica o DSM por: 1) sua falta de validade, 2) sua falta de confiabilidade, 3) seu desprezo às histórias pessoais, 4) seu desprezo à intensidade do sofrimento, 5) os limites de categorias ambíguas, 6) o uso de sintomas comuns como categorias, 7 ) estigmatizar clientes, 8) promover profecias autorrealizáveis, e 9) ignorar seus preconceitos culturais.

As críticas também devem incluir a psiquiatria ao etiquetar os comportamentos “antissociais”, por meio do emprego de termos médicos (em grego ou em latim), para reificá-los – isto é, para fazer com que passemos a vê-los como um problema médico (biológico), portanto, objeto da apreciação médica. Por exemplo, os psiquiatras nos sugerem a visão médica para a incontinência urinária, descrevendo que o que a causa é enuresis – uma palavra grega para urinar! O vídeo também firmemente expressa sua desaprovação pelo fato que a psiquiatria continue a defender a teoria do desequilíbrio químico (a causalidade lógica dos “transtornos mentais”), mesmo depois que a maioria dos psiquiatras eminentes já a tenham rejeitado.

Além de fazer um resumo das críticas populares ao DSM, esta seção também aborda o absurdo científico do novo DSM-5, ao mudar a sua definição do que é um “transtorno mental”, sem comentário ou explicação. Nada chama mais a atenção do quanto a psiquiatria é uma pseudociência do que o DSM-5, ao mudar a sua definição ofuscada do que é um “transtorno mental”, sem que os psiquiatras defendam ou mesmo percebam a mudança!

A Seção Quatro discute os interesses adquiridos – obstáculos à mudança de uma narrativa. A realidade dos fortes interesses dos psiquiatras e executivos das empresas farmacêuticas é exposta à luz do dia. Além disso, esta seção descreve vários outros grupos que também estão fortemente investidos no modelo médico. Existem muitas razões pelas quais as pessoas se tornam defensoras do modelo médico. Os psiquiatras investem suas vidas em uma formação em escolas de medicina e contraem dívidas em sua formação profissional, acreditando que podem aliviar o sofrimento humano, ao mudar a história embaraçosa da Psiquiatria – que é um acúmulo de “tratamentos” nocivos. Os vastos recursos da Big Pharma criam uma ampla faixa de interesses: pais e irmãos, que se encontram na defensiva com relação a comportamentos perturbadores, eles passam a ver no modelo biomédico a solução para os problemas; por sua vez, os que padecem de sofrimento mental encontram um refúgio no modelo, para dar conta do sofrimento; e os líderes culturais, que procuram manter a injustiça injustificável, são investidos por esse modelo.

Depois de descrever os obstáculos para mudar a equivocada narrativa de doença para uma narrativa de bem-estar social, a Seção Cinco discute os danos de se tratar um problema de bem-estar social como um problema médico. Essa seção descreve a crise atual em saúde mental. O modelo médico não é apenas equivocado, errôneo; a saúde mental é realmente prejudicada ao tratar o sofrimento emocional natural (ou reações ao sofrimento de formas “antissociais) como sinônimo de uma doença – quer dizer, como um problema médico.

O livro clássico de Robert Whitaker, Anatomy of an Epidemic, documenta como é que tratar o sofrimento emocional – enquanto uma doença – apenas piora os resultados. Em primeiro lugar, o modelo médico prejudica a saúde mental, ao manipular, por meios psicológicos, os que padecem de sofrimentos emocionais – defendendo que as emoções naturais relacionadas a experiências reais e angustiantes são em vez disso “distúrbios mentais” imaginários. Em segundo lugar, o modelo médico prejudica a saúde mental, estigmatizando os sofredores emocionais com um rótulo médico, que falsamente implicam em uma disfunção neurológica. Em terceiro lugar, o modelo médico prejudica a saúde mental, ao promover o abuso de drogas; é nocivo quando falsamente se descreve as drogas psiquiátricas como sendo “medicamentos” que tratam um problema médico (biológico).

Por fim, o modelo médico prejudica a saúde mental ao promover “terapias coercitivas”. O termo “terapia coercitiva” é um oxímoro. Negar os direitos humanos básicos às pessoas que sofrem emocionalmente de experiências extraordinariamente angustiantes é absurdamente cruel –  piora os resultados, incluindo entre eles o suicídio.

O vídeo deve ser editado para incluir como o modelo médico de sofrimento mental prejudica a população em geral, bem como os desprovidos de direitos. Há um custo substancial, tanto econômico como social, ao se aumentar o número de pacientes psiquiátricos em uma comunidade. A epidemia de “transtornos mentais”, causada pela “terapia medicamentosa” para o sofrimento emocional natural, está promovendo na prática uma epidemia de pessoas que precisam de assistência pública (ver Anatomia de uma Epidemia); e isso é um desperdício assombroso de recursos públicos. O vídeo também deve incluir críticas ao modelo médico ao serem promovidas violações flagrantes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (o novo tratado internacional de direitos humanos da ONU).

A conclusão é um apelo para que se desafie a narrativa do modelo médico – para que se dê conforto aos aflitos, ao invés de piorar a sua situação já difícil pela via do ostracismo e da violação de seus direitos. Essa parte final do vídeo tenta expressar a tragédia do tremendo dano causado ao se considerar erroneamente o sofrimento emocional natural como sendo uma doença. Felizmente, a psiquiatria e sua narrativa de modelo médico estão agora vacilando, devido ao peso crescente de sua pseudociência, ao elitismo, e aos danos causados à saúde mental da comunidade.

Talvez o vídeo deva concluir com uma nota mais otimista? Substituir o falso, esse modelo de doença  – enquanto uma narrativa de sofrimento mental -, por uma narrativa de bem-estar social, isso certamente poderá promover uma melhoria revolucionária na condição social humana!

Congratulo-me e valorizo os comentários da comunidade do Mad in America antes de reeditar O DSM e o Modelo Médico. (A ser observado: o lucro anual das vendas de drogas psicotrópicas foi equivocadamente apresentado e será reeditado, para refletir o valor correto de 18 bilhões de dólares.)

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Veja o vídeo na íntegra, clicando aqui.

Steve Spiegel

Steve Spiegel é um cientista natural independente e neurocientista teórico. Suas experiências com sofrimento mental iniciaram uma investigação sobre o sofrimento humano natural e a pseudociência do modelo médico de sofrimento mental. Steve está atualmente produzindo documentários e lançando um programa gratuito de terapia que unifica alternativas à terapia de drogas em um programa único e abrangente.

 

Fox News entrevista o Dr. Peter Breggin: Drogas Psiquiátricas e Violência

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Tom Sullivan, da Fox News, entrevistou o Dr. Peter Breggin, para saber se drogas ao invés das armas estão no cerne de assassinatos em massa, e o que fazer sobre isso. Essa entrevista foi feita em fevereiro de 2013.

O Dr. Peter Breggin, psiquiatra, é autor de vários livros e dezenas de artigos, entre os quais Medication Madness e Toxic Psychiatry.

 

Toxic Psychiatry

 

Medication Madness

 

 

 

 

 

Para ver a entrevista completa clique aqui.

Eis alguns trechos dessa entrevista.

“Não há dúvida de que as drogas psiquiátricas podem causar violência. Incluindo os antidepressivos, assim como os benzodiazepínicos (tranquilizantes), e as drogas estimulantes que são dadas às crianças e adolescentes. Todas essas drogas têm uma significativa associação com a violência.”

“A psiquiatria transformou as pessoas em máquinas. Ela diz que a pessoa sofre de um desequilíbrio químico, que se tem uma droga que irá curar esse desequilíbrio. E isso faz com que as pessoas fiquem pior, fiquem fora do autocontrole. ”

“A psiquiatria hoje é fabricada pela indústria farmacêutica. As empresas farmacêuticas compram tudo e todos.

“Se ganha muito dinheiro para em dez minutos se prescrever alguma droga psiquiátrica. ”

“Estou convencido de que essas matanças com armas de fogo (tão comum nos Estados Unidos) são produzidas em grande parte por drogas psiquiátricas. Eu fui consultor em diversos casos envolvendo violência devida ao consumo de drogas psiquiátricas (…) Eu já relatei pelo menos 50 casos.”

Se você quiser aprofundar o seu conhecimento a respeito, veja a apresentação feita pelo Dr. Peter Breggin como testemunha em uma audiência no Congresso dos Estados Unidos, em 2010. Clique aqui.

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