Verdades Inconvenientes Acerca dos Antipsicóticos: Uma Resposta ao Goff et al.

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Em meu livro The Bitterest Pills, eu escrevi sobre como os psiquiatras simplesmente não querem enfrentar os danos que seus tratamentos podem produzir. Isso é ilustrado pelo modo como o establishment psiquiátrico procurou evitar as implicações da discinesia tardia, ao ser sugerido ser um sintoma da ´esquizofrenia´ e ignorando a evidência que a discinesia tardia envolve prejuízos cognitivos. De forma semelhante, quando ficou óbvio que alguns dos antipsicóticos da segunda-geração causavam um excessivo ganho de peso e distúrbios metabólicos, os periódicos da corrente hegemônica da psiquiatria publicaram artigos sugerindo que o diabetes igualmente estava ligada à esquizofrenia.

A sugestão de que os antipsicóticos reduzem o volume cerebral não é nova. O psiquiatra Peter Breggin fez essa afirmação há mais de trinta anos1, mas foi demitido como um louco. Nos últimos 10 anos, porém, as evidências se tornaram irrefutáveis. Alguns líderes do establishment psiquiátrico, como o britânico Robin Murray, até divulgaram sua preocupação com ele. 2

Juntamente com e possivelmente ligado a essas evidências de danos, começaram a surgir dúvidas de que os benefícios do tratamento de longo prazo com antipsicóticos não fossem tão firmemente estabelecidos como geralmente se acredita. As insuficiências dos ensaios randomizados de tratamento de manutenção têm sido destacadas, assim como o fato de que há poucos dados sobre o impacto global do tratamento medicamentoso, quando ele ocorre durante longos períodos de tempo. Algumas evidências apontam para a possibilidade que há pessoas para quem é melhor parar ou reduzir o seu tratamento antipsicótico, em vez de continuar a longo prazo. Esses pontos foram levantados por vários psiquiatras convencionais 3, bem como pelos suspeitos usuais, incluindo a mim mesma. 4 !

O artigo de Donald Goff e de sete renomados psiquiatras publicado no American Journal of Psychiatry em 5 de maio é uma tentativa de refutar essas preocupações e restabelecer a boa reputação dos antipsicóticos 5. Estou chocada com a forma como o artigo rejeita preocupações sobre o tratamento a longo prazo e evidências de impactos cerebrais. Ele está cheio de distorções, ignora as críticas mais prementes e é atravessado com a presunção não examinada de que a multiplicidade de problemas atualmente rotuladas como esquizofrenia ou psicose será um dia revelada como sendo devido a uma anormalidade cerebral específica que é alvo de antipsicóticos.

Apesar de eu não contestar a utilidade dos antipsicóticos no tratamento da psicose aguda (em muitas situações, embora nem todas), décadas de pesquisa sobre intervenção precoce não demonstraram que o tratamento precoce com antipsicótico melhora os resultados a longo prazo. A sugestão de Goff e seus colegas de que o estudo norueguês de detecção precoce (conhecido como o estudo TIPS) tenha mostrado melhores resultados a longo prazo com o tratamento imediato com antipsicótico não é corroborada pelo papel citado por eles 6. Embora o artigo mostre a presença de níveis mais baixos de sintomas negativos, de sintomas cognitivos e de sintomas depressivos no estudo de follow-up de dois anos em pessoas atendidas pelo programa de Detecção Precoce, em comparação com aquelas não atendidas pelo programa, os dados de base demonstram que as pessoas na área de Detecção Precoce tinham de começo condições mais leves, com menos sintomas negativos. Na verdade, o que é de fato mostrado é que os sintomas negativos diminuíram mais em pessoas da área que não foram atendidas pelo programa Detecção Precoce! Além disso, o grupo Detecção Precoce não apresentou benefício em termos de remissão, recidiva ou sintomas positivos.

Goff et al. afirmam que “a eficácia do tratamento de manutenção para a prevenção da recidiva tem sido bem estabelecida”, mas não reconhecem que eles não são estudos prospectivos randomizados de tratamento de manutenção, apenas estudos de tratamento de manutenção comparados com a interrupção súbita do tratamento de manutenção. Por conseguinte, eles fracassam completamente na abordagem das preocupações de que os efeitos da retirada do tratamento a longo prazo inevitavelmente confundem esses estudos. Eles também não mencionam a escassez de dados a longo prazo de ensaios randomizados. Apenas 6 dos 65 ensaios realizados na metanálise de 2012 de Leucht et al. duraram mais de um ano 7.

Eles indicam corretamente que os resultados de estudos naturalistas, como o follow-up de longo prazo de Martin Harrow com as pessoas de Chicago  e o estudo finlandês, são afetados pelo fato de que os pacientes que param com sucesso os antipsicóticos provavelmente terão condições menos graves. No entanto, eles também afirmam que outros dois estudos naturalistas encontraram “melhores resultados em pessoas com esquizofrenia entre quem continuou o tratamento antipsicótico do que entre aquelas pessoas que não o fizeram”. No entanto, os artigos citados referem-se a diferentes tipos de estudos, que nem apresentam resultados globais e nem de funcionamento social, e apenas um estudo envolvendo o tipo de follow-up por períodos semelhantes ao finlandês e ao dos estudos de Chicago. Um dos artigos citados examinou as taxas de rehospitalização em três anos após a descontinuação de antipsicóticos, em uma base de dados nacional 10,  e o outro analisou as taxas de mortalidade 11 (veja também a extensa crítica deste artigo de De Hert et al., 2010) 12.

No entanto, a coisa mais preocupante sobre o papel de Goff et al. é a minimização da evidência de que os antipsicóticos produzem encolhimento cerebral. Primeiramente os autores reivindicam que o encolhimento da substância cinzenta do cérebro mostrou que faz parte da esquizofrenia. Eles recorreram ao velho adágio de que as diferenças cerebrais foram detectadas muito antes da introdução de antipsicóticos. O artigo que citam aqui é um estudo post mortem publicado em 1985, portanto muito depois da introdução dos antipsicóticos 13. Os estudos de pneumoencefalografia que antecederam a introdução de antipsicóticos envolveram pacientes institucionalizados de longa duração, que haviam sido intensamente tratados com vários fármacos sedativos, em conjunto com tratamentos físicos como ECT e terapia com insulina. Embora esses resultados sejam comumente referidos como evidências de que as pessoas com esquizofrenia têm cérebros menores e ventrículos cerebrais maiores, na verdade os únicos dois estudos que tiveram adequados grupos de controle não mostraram diferença entre cérebros de pessoas com esquizofrenia e cérebros de pessoas sem esquizofrenia 14 15.

De qualquer modo, a presença de diferenças entre os cérebros de pessoas com esquizofrenia e de grupos de controle não estabelece que há progressão da perda de volume cerebral, que é o que foi claramente demonstrado em pessoas e animais que tomam antipsicóticos. Não há estudos que mostrem alterações cerebrais progressivas em pessoas diagnosticadas com esquizofrenia ou psicose na ausência de tratamento antipsicótico. Os autores citam um relatório de um grupo em Edimburgo, sugerindo perda cerebral progressiva em pessoas com estado mental de risco antes de receber tratamento antipsicótico 16. No entanto, o que este estudo encontra são alterações sutis em um número muito pequeno de pacientes em algumas regiões, e não a perda de massa cinzenta do córtex em geral observada em pessoas e animais que tomam antipsicóticos.

Goff et al. também citam um artigo que mostrou diminuição no volume de matéria cinzenta em oito pessoas após a interrupção do antipsicótico em comparação com oito pessoas que continuaram a tomar antipsicóticos. No entanto, as alterações foram localizadas para o putâmen e o núcleo accumbens, componentes dos núcleos da base, que outros estudos têm mostrado que se alargam durante o tratamento com antipsicóticos. Longe de concluir que o estudo é uma evidência de que “as alterações de volume refletem a progressão da doença”, como sugerem Goff et al (p 5), os autores do trabalho sobre interrrupão concluíram que “a descontinuação reverte os efeitos da medicação atípica” 17.

Ao descrever os estudos em animais que mostram reduções de volume cerebral induzidas por antipsicóticos 18 19, Goff et al sugerem que “a relevância dos achados em roedores e macacos no tratamento da psicose em humanos não é clara, tanto por causa das diferenças relacionadas às espécies, quanto porque os animais carecem de ter a fisiopatologia da esquizofrenia. É possível que os antipsicóticos tenham efeitos deletérios sobre o cérebro normal, mas efeitos protetores na presença de neuropatologia relacionada à esquizofrenia “(p 6). Tudo é possível, mas isso é apenas um salto de fé, e que está completamente em desacordo com o juramento de Hipócrates de “primeiro não fazer mal!” Macacos e ratos foram escolhidos para esses estudos por causa de suas semelhanças com a biologia humana. Não existe uma boa razão para supor que os efeitos demonstrados nestes animais não ocorram numa espécie semelhante, isto é, entre nós! E não há evidências de que os antipsicóticos tenham efeitos diferentes nos cérebros de pessoas com e sem esquizofrenia – embora, obviamente, essas evidências sejam muito difíceis de se obter. Concordo com Goff e cols. que essas mudanças não foram definitivamente relacionadas com os efeitos sobre o funcionamento mental real, e que precisamos de mais dados sobre isso, mas como eles sugerem corretamente, “a maioria, mas não todos os estudos atuais mostram que as reduções de volume cerebral são correlacionadas com a diminuição do desempenho intelectual.

Ainda acho que os antipsicóticos podem ser úteis, e que os benefícios do tratamento podem, por vezes, superar as desvantagens, mesmo a longo prazo para algumas pessoas. No entanto, de nada vale se fingir que são substâncias inócuas que de alguma forma magicamente transformam (hipoteticamente) cérebros anormais de esquizofrênicos fazendo que voltem ao normal. Os psiquiatras precisam estar plenamente conscientes dos efeitos prejudiciais dos antipsicóticos no cérebro e no corpo. Eles também precisam reconhecer o modo como essas drogas tornam a vida tão miserável para muitas pessoas, mesmo para alguns que poderiam ter ficado ainda mais angustiados se estivessem sem eles, algo que é bem descrito no recente blog de Miriam Larssen-Barr aqui no Mad in América. Os psiquiatras precisam apoiar as pessoas a avaliarem os prós e contras do tratamento antipsicótico consigo próprias e continuar a fazer isso à medida que progridem em diferentes estágios de seus problemas. Para fazer isso eles precisam ser capazes de reconhecer a verdadeira natureza dessas drogas, e não varrer verdades inconvenientes para debaixo do tapete!

Referências:

  1. Breggin P. Hazards to the Brain. New York: Springer Publishing Company; 1983.
  2.  Murray RM, Quattrone D, Natesan S, van Os J, Nordentoft M, Howes O, et al. Should psychiatrists be more cautious about the long-term use of antipsychotics? British Journal of Psychiatry 2016;209:361-5.
  3. Leucht S, Heres S, Hamann J, Kane JM. Methodological issues in current antipsychotic drug trials. Schizophr Bull 2008 Mar;34(2):275-85.
  4.  Moncrieff J. Antipsychotic Maintenance Treatment: Time to Rethink? PLoS Med 2015 Aug;12(8):e1001861.
  5.  Goff DC, Falkai P, Fleischhacker WW, Girgis RR, Kahn RM, Uchida H, et al. The long-term effects of antipsychotic medication on clinical course in schizophrenia. American Journal of Psychiatry 2017;ajp.psychiatryonline.org.
  6.  Melle I, Larsen TK, Haahr U. Prevention of negative symptom psychopathologies in first-episode schizophrenia. Arch Gen Psychiatry 2008;65:634-40.
  7.  Leucht S, Tardy M, Komossa K, Heres S, Kissling W, Davis JM. Maintenance treatment with antipsychotic drugs for schizophrenia. Cochrane Database Syst Rev 2012;5:CD008016.
  8.  Harrow M, Jobe TH, Faull RN. Do all schizophrenia patients need antipsychotic treatment continuously throughout their lifetime? A 20-year longitudinal study. Psychol Med 2012 Oct;42(10):2145-55.
  9.  Moilanen JM, Haapea M, Jaaskelainen E, Veijola JM, Isohanni MK, Koponen HJ, et al. Long-term antipsychotic use and its association with outcomes in schizophrenia: the Northern Finland birth cohort 1966. Eur Psychiatry 2016;36:7-14.
  10.  Tiihonen J, Walhbeck K, Lonnqvist J, Klaukka T, Ioannidis JP, Volavka J, et al. Effectiveness of antipsychotic treatments in a nationwide cohort of patients in community care after first hospitalisation due to schizophrenia and schizoaffective disorder: observational follow-up study. BMJ 2006 Jul 29;333(7561):224.
  11.  Tiihonen J, Lonnqvist J, Wahlbeck K, Klaukka T, Niskanen L, Tanskanen A, et al. 11-year follow-up of mortality in patients with schizophrenia: a population-based cohort study (FIN11 study). Lancet 2009 Aug 22;374(9690):620-7.
  12.  De Hert M, Correll CU, Cohen D. Do antipsychotic medications reduce or increase mortality in schizophrenia? A critical appraisal of the FIN-11 study. Schizophr Res 2010 Mar;117(1):68-74.
  13.  Bogerts B, Meertz E, Schonfeldt-Bausch R. Basal ganglia and limbic system pathology in schizophrenia: a morphometric study of brain volume and shrinkage. Arch Gen Psychiatry 1985;42:784-91.
  14.  Storey PB. Lumbar air encephalography in chronic schizophrenia: a controlled experiment. Br J Psychiatry 1966 Feb;112(483):135-44.
  15.  Peltonen L. Pneumoencephalographic studies on the third ventricle of 644 neuropsychiatric patients. Acta Psychiatr Scand 1962;38:15-34.
  16.  McIntosh AM, Owens DC, Moorhead WJ, Whalley HC, Stanfield AC, Hall J, et al. Longitudinal volume reductions in people at high risk of schizophrenia as they develop psychosis. Biol Psychiatry 2011;69:953-8.
  17.  Boonstra G, van Haren NE, Schnack HG. Brain volume changes after withdrawal of atypical antipsychotics in patients with first episode schizophrenia. J Clinical Psychopharmacology 2011;31:146-53.
  18.  Dorph-Petersen KA, Pierri JN, Perel JM, Sun Z, Sampson AR, Lewis DA. The influence of chronic exposure to antipsychotic medications on brain size before and after tissue fixation: a comparison of haloperidol and olanzapine in macaque monkeys. Neuropsychopharmacology 2005 Sep;30(9):1649-61.
  19.  Vernon AC, Natesan S, Modo M, Kapur S. Effect of chronic antipsychotic treatment on brain structure: a serial magnetic resonance imaging study with ex vivo and postmortem confirmation. Biol Psychiatry 2011 May 15;69(10):936-44.

 

 

 

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