Um Novo Estudo Examina a Experiência do Usuário com a Descontinuação das Drogas Psiquiátricas

Os pesquisadores descobriram que o apoio do outro e o autocuidado foram úteis para os usuários durante a descontinuação, mas que os profissionais de saúde mental não foram de muita ajuda

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Peter SimonsUm novo estudo, que acaba de ser publicado em Psychiatric Services, examinou as experiências dos usuários com a interrupção dos medicamentos psiquiátricos. Os pesquisadores descobriram que, embora seja possível retirar-se das drogas psiquiátricas, os profissionais de saúde mental pouco ajudaram durante esse processo. A equipe da pesquisa foi liderada por Laysha Ostrow, PhD, CEO da Live & Learn, Inc. Ela escreve:

Apesar dos inúmeros obstáculos e dos graves efeitos experimentados durante o processo de descontinuação das drogas psiquiátricas, os usuários de longo prazo das drogas psiquiátricas podem parar de tomá-las se tomarem tal decisão. Os indivíduos que interrompem as drogas psiquiátricas relatam que o autocuidado e o apoio social ajudam, mas que os profissionais de saúde mental poderiam ser muito mais úteis, solidários .

Photo Credit: Flickr
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Os protocolos da prática clínica recomendam que os tratamentos psicofarmacológicos para a maioria das preocupações em saúde mental sejam prescritos para que tenham um efeito de curto prazo e, em seguida, devem ser interrompidos. Contudo, os pacientes a quem foram prescritos esses medicamentos geralmente têm dificuldade em descontinuá-los, devido aos severos sintomas de abstinência que são experimentados.

O Estudo de Descontinuação / Redução de Medicamentos Psiquiátricos

Este atual estudo ficou conhecido como o estudo de Descontinuação / Redução de Medicação Psiquiátrica e, de acordo com Ostrow, “é a primeira pesquisa americana com uma grande amostra de usuários drogas em longo prazo e que optaram por interromper os medicamentos psiquiátricos”.

O estudo, financiado pela Fundação para Excelência em Saúde Mental (Excellence in Mental Health Care) – liderada por usuários atuais e por ex-usuários de medicamentos psiquiátricos -, procurou compreender experiências e estratégias em primeira mão de indivíduos que decidiram interromper medicamentos psiquiátricos, parando ou reduzindo o uso desses medicamentos.

Os pesquisadores pesquisaram 250 participantes, a maioria deles brancos (87%) e mulheres (76%). Os participantes podiam haver sido diagnosticados com mais de uma condição psiquiátrica; a maioria dos participantes (64%) teve diagnóstico de depressão, enquanto 41% foram diagnosticados com transtorno bipolar.  E 20% dos participantes foram diagnosticados com um transtorno psicótico.

Assim sendo, 76% dos participantes estavam tomando antidepressivos. 56% estavam tomando ansiolíticos. E 47% estavam tomando antipsicóticos. Os participantes também chegaram a tomar estabilizadores do humor (38%) e estimulantes (13%).

Todos os participantes estavam tentando parar um ou dois medicamentos prescritos. Todos tinham tomado seus medicamentos por pelo menos nove meses, embora a maioria (71%) dos participantes estivesse tomando medicação psiquiátrica há mais de nove anos. Quase dois terços dos participantes haviam passado um tempo em internação hospitalar.

“Entre aqueles que estavam em um período de mais de seis meses de uso, cerca de um terço (36%) optou por descontinuar,  um outro terço (31%) fez isso entre um a seis meses de uso, e o outro um terço (33%) em menos de um mês com drogas psiquiátricas, com metade deste último grupo (16% da amostra) optando parar de tomar ‘bruscamente’ “.

Quer dizer, mais da metade (54%) dos participantes no estudo conseguiram descontinuar com sucesso seus medicamentos psiquiátricos, e os pesquisadores descobriram que as pessoas geralmente estavam felizes com essa decisão. De acordo com Ostrow, “Daqueles que interromperam completamente, 82% estavam satisfeitos ou muito satisfeitos com sua decisão de descontinuar”.

RAZÕES PARA A DESCONTINUAÇÃO

Os participantes enumeraram muitas razões para querer parar de usar seus medicamentos. Entre os principais motivos foram:

  • Preocupações com os efeitos a longo prazo (74%)
  • Experimentando efeitos adversos (72%)
  • Sentindo que a medicação os impediu de auto-compreensão (48%)

34% disseram que encontraram um tratamento alternativo, enquanto que outros 34% disseram que se sentiram melhor mesmo sem qualquer tratamento.

29% disseram que a droga simplesmente não era eficaz, e 23% disseram que sua medicação havia parado de funcionar.

Os motivos apresentados neste estudo são consistentes com a literatura anterior. As pessoas com diagnóstico de doença mental têm sua expectativa de vida cortada em uma média de 25 anos, e pelo menos algumas das razões são atribuíveis aos efeitos adversos do uso prolongado de medicamentos – como problemas metabólicos e danos aos órgãos. Mesmo o uso a curto prazo é muitas vezes acompanhado de efeitos adversos severos.

Por exemplo, um estudo recente que examinou a experiência do usuário com o uso de antidepressivos descobriu que mais de 85% dos participantes experimentaram efeitos colaterais. As citações dos participantes incluíam sentir-se “desconectados e sem vida” e, comumente, “falta de desejo sexual e anorgasmia”, o que afeta intensamente os relacionamentos românticos dos participantes. Pesquisas também mostram que os efeitos colaterais sexuais podem persistir muito depois que o uso de antidepressivo é interrompido.

Além disso, as pessoas muitas vezes querem interromper o uso de medicamentos porque as drogas não estão tendo o impacto esperado nos sintomas. A eficácia dos antidepressivos, por exemplo, tem sido constantemente questionada. As meta-análises descobriram que o benefício dos medicamentos antidepressivos “pode ser mínimo ou inexistente em pacientes com sintomas leves ou moderados”.

EXPERIÊNCIAS DE RETIRADA

Ostrow escreve que “a experiência de descontinuação foi muitas vezes fisica e emocionalmente extenuante”. Mais de metade (54%) dos participantes classificaram seus sintomas de abstinência como “graves”.

Os sintomas de abstinência mais comuns neste estudo foram mudanças no sono (80%), aumento da ansiedade (76%), dificuldade em emoções (73%) e tristeza ou lágrima (70%).

Algumas experiências de retirada adicionais incluíram:

  • Fadiga (69%)
  • Sintomas tipo gripais (62%)
  • Problemas de memória e de concentração (61%)
  • “Sensações de choques elétricos” ou problemas neurológicos (61%)
  • Diarreia ou constipação (47%)

Os pesquisadores destacam que 44% dos participantes experimentaram pensamentos de suicídio e 36% experimentaram pensamentos de automutilação.  22% experimentaram psicose.

O QUE É ÚTIL?

Menos da metade (45%) dos participantes consideraram que o serviço de saúde mental havia sido útil no processo de retirada – embora quase todos (73%) recebessem serviços sistemáticos de profissionais de saúde mental.

Os participantes declararam que, em vez disso, o que de fato tinha ajudado havia sido o apoio de amigos e familiares, assim como práticas pessoais de autocuidado. 42% dos participantes relataram que os amigos que também tinham passado pela experiência de retirada dos medicamentos foram de grande ajuda, enquanto 41% relataram que os grupos de apoio na internet haviam sido úteis. 39% relataram que o apoio familiar havia sido benéfico.

As estratégias de autocuidado, avaliadas pelos participantes, foram as seguintes:

  • Autoeducação (por exemplo, leitura, pesquisa na internet sobre descontinuação) (76%)
  • Atividades ao ar livre (74%)
  • Dormir (67%)
  • Estar com animais de estimação (67%)
  • Dar expressão aos sentimentos (67%)
  • Exercício físico (66%)
  • Entretenimento como TV, filmes, leitura (63%)
  • Alterações dietéticas e nutricionais (57%)
  • Atenção Plena (mindfullness‘) / meditação (57%)
  • Estar na água / banhos (55%)
  • Hobbies (55%)
  • Diário / Escrita (46%)
  • Fitoterápicos e Produtos Naturais em geral (39%)
  • Estimulação reduzida (39%)
  • Oração / mantras / cânticos (38%)

PORQUE OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE MENTAL NÃO SÃO UMA AJUDA?

A literatura anterior descobriu que os profissionais de saúde mental podem ignorar a prevalência, os tipos e os perigos dos efeitos adversos. Os profissionais de saúde mental também foram criticados por não fornecerem o ‘consentimento informado’ adequado para as prescrições psicofarmacológicas. Por exemplo, em um desses estudos, os usuários que receberam antidepressivos declararam que:

“Na realidade, os psiquiatras se recusam a responder perguntas e se recusam a aceitar ou a discutir os efeitos colaterais”.

“Os efeitos colaterais não foram muito bem explicados pelo médico da atenção primária que fez a prescrição. A anorgasmia é um efeito colateral particularmente ruim”.

“Eu gostaria de ter ouvido mais sobre os efeitos colaterais … Eu tive que descobrir muitas informações quando estava em um estado difícil e ansioso”.

“Não me disseram todos os efeitos colaterais; na verdade, quando eu os investiguei e depois disse à minha médica o que eu havia descoberto, ela me disse que não tinha ideia de que o medicamento poderia me afetar da maneira como me afetou “.

Em outro estudo, quase metade dos entrevistados afirmou que seus médicos não comunicaram a duração do tempo que se esperava de manutenção com a medicação. Mais da metade deles não foram informados sobre possíveis efeitos de retirada.

CONCLUSÃO

De acordo com os autores do estudo atual,

“A interrupção da medicação psiquiátrica parece ser um processo complicado e difícil, embora a maioria dos entrevistados tenha relatado satisfação com a sua decisão. Pesquisas futuras devem orientar os sistemas de cuidados de saúde e os profissionais para melhor apoiarem a escolha do paciente e a autodeterminação quanto ao uso e descontinuação da medicação psiquiátrica “.

Ou seja, há uma necessidade clara que os profissionais de saúde mental ouçam as experiências dos usuários desses medicamentos. Os serviços de tratamento devem estar melhor equipados para orientar e apoiar os usuários no processo de travessia pelas experiências de descontinuação.

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Ostrow, L., Jessell, L., Hurd, M., Darrow, S. M., & Cohen, D. (2017). Discontinuing psychiatric medications: A survey of long-term users. Psychiatric Services, 68(7). https://doi.org/10.1176/appi.ps.201700070 (LINK)

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Peter Simons MIA-UMB News Team: Peter Simons tem formação em ciências humanas onde estudou inglês, filosofia e arte. Agora está em seu doutorado em Psicologia de Aconselhamento, sua pesquisa recente tem se concentrado em conflitos de interesse na literatura de pesquisa psicofarmacêutica, o uso de medicamentos antipsicóticos no tratamento da depressão, e as implicações filosóficas e sociopolíticas gerais da taxonomia psiquiátrica no diagnóstico e tratamento.

1 COMENTÁRIO

  1. Esta questão de descontinuamento de remédios psiquiátricos aconteceu comigo recentemente e por um lado foi desfavorável pois eu tive uma pequena internação e retomei com um medicamento no que no momento eu estou me sentindo bem , tb pudera só agora frequentando um Centro Atendimento Psicossocial entre outras coisas minhas vivências com outras patologias mais graves como a Esquizofrenia meu primeiro diagnóstico tomei varias drogas pesadas e como foi citado foram mais de vinte anos de embotamento e perdas da emocionais da minha fase áurea de minha vida.
    Acho importante esta discussão e quiça que outras pessoas com sofrimento Pisíquíco possam ter estar atenta a este movimento com seus Médicos e Psicanalístas .