Através do seu Grupo Temático de Saúde Mental, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco assina o manifesto de docentes e pesquisadores brasileiros da Saúde em defesa da Reforma Psiquiátrica e de uma política de Saúde Mental digna e conteporânea.
A assistência à saúde mental no Brasil atravessou profundas e importantes mudanças desde a promulgação da constituição de 1988. A Lei 10.216, de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental – e que foi conquistada após anos de espera, veio dar o enquadre legal para a transformação da rede de serviços públicos. Entre os anos de 2001 e 2014 houve uma expansão importante de serviços comunitários (como os Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, unidades especializadas em saúde mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno mental grave e persistente) chegando em 2006 a importante inversão do padrão do gasto público. Hospitalocêntrico no regime militar passa a ter os recursos gastos majoritariamente com os serviços comunitários e não com hospitais. Com isso, o Brasil alinhava-se com uma inconteste tendência mundial, desde o final da segunda guerra mundial, de qualificação de cuidados comunitários para os portadores de doenças mentais, próximos às suas famílias, com respeito e liberdade.
A Reforma Psiquiátrica Brasileira – diferente do exposto pela Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, na última reunião do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – Conass, e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – Conasems, nesta quinta-feira, 31 de agosto, vem se desenvolvendo de acordo com as orientações propostas pela Organização Mundial da Saúde – OMS, pela Organização Pan-americana de Saúde – OPAS em suas indicações de reestruturação da atenção em saúde mental articulada à rede de serviços territoriais, inseridos na comunidade onde vivem os usuários, suas famílias, amigos e referências pessoais e reabilitadoras, de forma a viabilizar a substituição de hospitais e manicômios como espaços preferenciais de cuidado.
O sistema de saúde brasileiro como um todo encontra-se ameaçado pelo sub financiamento, falta de planejamento e de avaliação e gestão, e, ao abandono de uma política de formação e qualificação permanente de seus atores.
A despeito de seu crescimento, o modelo brasileiro de assistência à saúde mental ainda precisa de expansão de serviços comunitários onde existam leitos cobrindo o cuidado nas 24 horas, e leitos complementares em hospitais gerais para a intervenção responsável nas crises emocionais e uso prejudicial de drogas. Tais serviços foram os que menos se expandiram em todo o território nacional, deixando as redes de atenção frágeis e pouco potentes, o que tem sido argumento para justificar o retrocesso primitivo aos lugares de exclusão e violência por gerentes pouco informados e qualificados para a evolução tecnológica e científica do cuidado mental.
O coordenador do Ministério da Saúde para Saúde Mental Álcool e outras drogas, Quirino Cordeiro merece enfático repúdio pelas suas proposições levadas ao Conass e Conasems quando defendeu a expansão dos hospitais psiquiátricos num contexto de congelamento de investimentos por vinte anos no Sistema Único de Saúde.
Tal proposta é obscurantista, retrógrada e anticientífica. Vale destacar que, ao longo de pelo menos 10 anos de implantação da Reforma Psiquiátrica, um grande número de trabalhos publicados, em periódicos nacionais e internacionais, e mesmo uma importante publicação no renomado periódico Lancet, têm apresentado evidências dos inegáveis efeitos positivos da Reforma Psiquiátrica Brasileira sobre a vida de usuários e usuárias de saúde mental que têm acesso aos serviços territorializados.
O nosso compromisso, portanto, é com a ampliação e fortalecimento desse modelo, e não com o seu retrocesso e desestruturação.
Grupo Temático de Saúde Mental da Abrasco.