A MORTE DO SEXO

Um blog enviado por David Healy com exclusividade para nós brasileiros

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A vocês brasileiros estou escrevendo este blog. Leiam com atenção. Que se integrem à esta iniciativa.

E vejam como cada um pode fazer parte desse movimento internacional.

 

Você pode esfregar a pasta de pimenta em seus órgãos genitais e não sentir isso, se você tiver uma Disfunção Sexual pós-ISRS (PSSD),  Síndrome de Pós Finasterida (PFS) ou  uma Disfunção Sexual Pós Retinoides (PRSD).

Esses problemas podem de repente aparecer na vida de alguém – depois de haver parado o tratamento. Mesmo quando não há mais droga restando ainda em seu corpo.

Algo tão inusitado como isso deveria chamar a atenção de médicos, pesquisadores,  empresas farmacêuticas e políticos. Há demasiado sofrimento humano aqui. Existe aí uma ótima oportunidade para se descobrir coisas importantes sobre o que fazem todas as drogas. Essas descobertas não apenas poderão aliviar o sofrimento, mas também fornecer a base para novos tratamentos para outras condições de saúde.

Todos deveriam estar se perguntando como chegamos a demorar tanto tempo para reconhecer algo tão extraordinário como isto.

Discinesia tardia

Há sessenta anos, quase imediatamente após a descoberta dos antipsicóticos, os primeiros relatos a respeito de uma estranha condição apareceu, a Discinesia Tardia (DT). Assim como com ocorre com PSSD, PFS e PRSD, a DT algumas vezes apenas aparecia depois que a pessoa parava o tratamento. Igualmente era estranho o fato de que poderia persistir por décadas depois, sem exposição ao medicamento provocador.

Em 5 anos, artigos sobre a DT começaram a aparecer em todos os principais periódicos. A maioria das reuniões internacionais que nada tinham a ver com a saúde mental passou a reservar simpósios sobre essa condição – como parte de um esforço concertado para se estabelecer o que poderia estar acontecendo e como tratar tal fenômeno. Embora houvessem respostas desfavoráveis de alguns médicos, por estarem preocupados em chamar a atenção para os perigos de um grupo de drogas consideradas muito úteis, o campo da saúde passou a se engajar com o problema. A FDA criou uma Força Tarefa para ver o que poderia ser feito.

Tal como aconteceu mais tarde, com a epidemia de HIV, quando mais e mais pessoas passaram a se envolver com o problema ao invés de ignorá-lo. Com relação à Discinesia Tardia, conseguimos uma nova geração de drogas, o que, apesar de ter seus próprios problemas, era menos provável que viesse a causar esse problema. As pessoas não pararam de usar antipsicóticos. Provavelmente, o antipsicótico é hoje muito mais usado do que deveria ser. Porém, haver reconhecido o problema ajudou a muitos, incluindo as empresas farmacêuticas, e não parece ter prejudicado a ninguém.

Quarenta Anos Mais tarde

Quarenta anos depois, hoje qualquer pessoa que tome um SSRI, isotretinoína ou finasterida está em uma situação completamente diferente. Levaram cerca de 15 anos do lançamento dos ISRSI e Finasteride, e ainda mais do lançamento de retinoides como o Roaccutane, para haver algum reconhecimento dos problemas.

Para minha vergonha, lembro-me da primeira pessoa que me apresentou este problema, depois de ter estado no citalopram. Ainda a vejo, a cor de seus cabelos, a angústia no rosto e a descrença na minha perplexidade. É o brometo ligado ao citalopram ela perguntou? Uma questão muito razoável – os brometos foram outrora administrados para reprimir os apetites sexuais. Não escrevi sobre o problema quando eu deveria assim ter agido.

Em 2006, os primeiros relatórios apareceram em um periódico obscuro, seguidos de relatórios sobre PFS e PRSD, também em periódicos obscuros.

Nenhuma de nossas principais revistas escolheu algum artigo para abordar esses tópicos. Não houve simpósios em reuniões médicas sobre os problemas. Não foram criadas forças-tarefa.

Isso é extraordinário, na medida em que as pessoas afetadas muitas são jovens e profissionais. Eles não estão trancados em enfermarias dos asilos psiquiátricos dos anos 60. A discinesia tardia (DT) foi um problema terrível, mas esta é uma morte viva. DT afetou milhares, porém isso agora está afetando dezenas de milhares de pessoas.

Disfunção sexual_1

Relacionamentos afetivo-amorosos se desintegram. Centenas, talvez milhares, vão aos médicos e acabam se sentindo desacreditadas ou ridiculizadas. Muitos já se suicidaram.

E, embora essas drogas possam ser úteis, não são tão insubstituíveis quanto eram os antipsicóticos.

Mas ninguém, e menos ainda a medicina, parece ver as oportunidades de que o enfrentamento do problema pode criar linhas de pesquisa e permitir o desenvolvimento de medicamentos – além da necessidade de ajudar as pessoas que necessitam ser ajudadas, mesmo que seja apenas ouvindo com simpatia ao em vez de ridicularizá-las.

O mesmo atraso em reconhecer outros problemas e ajudar pessoas a enfrenta-los atravessa toda a medicina, o que vem piorando. Existem mais de uma centena de drogas que podem desencadear suicídio, homicídio e grandes mudanças comportamentais. Precisamos enfrentar essa crescente cultura de negligência.

Estigma

Um grande problema que inibe o reconhecimento da PSSD, PFS e PRSD tem sido o estigma – um problema que os ativistas da AIDS enfrentaram de frente e superaram.

No início dos anos 1980, poucas pessoas queriam admitir publicamente que eram homossexuais. Quase ninguém queria admitir que tinham uma doença letal que potencialmente poderia ser transmitida aos outros. Mas longe de se esconderem diante disso, as comunidades homossexuais e de AIDS foram para a luta. Elas abraçaram o estigma.

Enquanto escrevo, há uma discussão internacional sobre Harvey Weinstein quando, pela primeira vez em massa, mulheres saíram e deixaram que seus nomes fossem conhecidos, preparadas para viver com a possibilidade de que outros passassem a pensar que foram maculadas. Ao atuar juntas, elas estão conscientizando o público para a necessidade de se encontrar uma solução para um problema – mesmo que os homens sejam, pelo menos por enquanto, como os antipsicóticos da década de 1960, difíceis de serem substituídos.

O mesmo necessita que ocorra para antidepressivos e isotretinoína e finasterida; mas as dificuldades são formidáveis e divididas por gênero.

Em nossa cultura, as mulheres, com medo de serem atacadas por tipos Harry Weinsteins em táxis ou caminhando pela rua durante a noite, muitas vezes ficam agarradas a um telefone celular. A mensagem é que elas estão em contato com os outros e que o valentão ou o estuprador ou o ladrão eles não vão se sair bem. Mas esse sinal de controle aparente grita medo e vulnerabilidade.

Da mesma forma, as mulheres estão dispostas a dizer que estão tomando um ISRI. Em alguns casos, a mensagem para todos que escutam é que elas estão no controle da situação. Isto é o que elas estão fazendo para garantir que elas não se quebrem em lágrimas ou que se tornem histéricas ou que caiam em constrangimento frente ao(s) outro (a)s. Todos podem relaxar.

Para os homens as mensagens são completamente diferentes. Os homens podem se sentir inibidos de usar um telefone celular quando possivelmente deveriam. Eles têm medo de mostrar uma fraqueza ou vulnerabilidade. Eles não querem deixar ninguém saber que eles estão tomando um antidepressivo ,quando eles talvez deveriam ter um bom motivo para fazê-lo. E eles são muito relutantes em falar sobre serem emasculados.

Através de um Vidro Escuro

PSSD e condições relacionadas não são apenas um instantâneo clínico – esta é uma janela e não uma imagem.

Há mais de um século, a teoria das emoções de James-Lange disse que nossas emoções e intuições vêm de nossos corpos. Os cérebros não sentem, eles interpretam.

Essa teoria semi-escandalosa nunca pegou de fato, porque estamos em uma plena era centrada no cérebro. Agora estamos todos como computadores, com os nossos corpos relegados ao papel de veículo que transporta o processador.

Quase todo mundo assume que condições como PSSD, PFS e PRSD devem estar localizadas no cérebro. Mas o divisor de águas mais claro e óbvio sobre tais condições é o entorpecimento genital que essas drogas causam – dentro de 30 minutos após tomar um comprimido, como é o caso de um ISRS. Toda a síndrome clínica pode ser explicada como uma consequência disso. O entorpecimento genital levará à perda de libido e da perda de libido à perda de função.

disfuncao-sexual-feminina-Os ISRSs entorpecem as emoções, assim como entorpecem os genitais. É esta ação que pode ser útil; mas, quando isso vai muito longe, leva a queixas de despersonalização e, por vezes, esses estados podem permanecer presentes após o tratamento psicofarmacológico parar.

Desde a década de 1960, sabemos sobre a despersonalização que nossas drogas podem desencadear, mas ninguém pensou em perguntar sobre sexo. Ainda posso ver a primeira pessoa que me falou na década de 1980 sobre o estado de despersonalização permanente em que ela estava após o tratamento. Engraçado como as pessoas se mantêm se relacionando com o clínico. É constrangedor. Talvez seja essa impotência que me impede de fechar o livro sobre esses casos.

Um Movimento das Pessoas

O Prêmio RxISK oferece um suporte para as pessoas se unirem. Estamos buscando criar um fundo de prêmios de US $ 100.000 para se encontrar uma cura. Mas as pessoas com estas condições já gastaram muito mais do que isso em remédios perigosos e visitas a terapeutas, todos muito felizes em tirar seu dinheiro para sustentar isso – por nada, exceto culpa. Na saúde e ainda mais em saúde mental se o tratamento não funcionar, o paciente é quem é o culpado. Queremos impedir que as pessoas paguem para serem culpadas e que paguem para assumir riscos perigosos.

Essas drogas destrutivas também oferecem oportunidades políticas. Se não podemos depender de médicos ou empresas ou políticos ou mesmo da mídia para a tomada de consciência de questões como esta, teremos que fazer isso por nós próprios.

Cooperar na busca de uma cura pode transformar a Medicina Baseada em Evidências, tendo a regulamentação de drogas com questão de frente. Em vez de se permitir que especialistas e reguladores decidam quando uma cura deve ser encontrada, há oportunidades aqui para aqueles sofredores dessa condição clínica que digam que “somos nós que decidiremos quando o remédio funciona”. Ou que,  “aconselhamos a outras pessoas que estão no mesmo barco que nós ou que podem acabar no mesmo barco que nós, o quanto vale a pena pagar dinheiro por esse tipo de tratamento”.

Se pudermos fazer com que este Prêmio funcione no caso da PSSD, PFS e PRSD, poderemos fazê-lo funcionar para outros problemas com tantos outros medicamentos. No momento, estamos nas mãos de seguradoras e do sistema de assistência para tratamentos para nós, e eles fazem negócios atrás de nossas costas, com empresas farmacêuticas e políticos e outros atores sociais. Podemos transformar isso e exigir transparência, para que todos que iniciem um tratamento vejam a base de evidências por trás do que lhes é pedido, bem como o verdadeiro custo de fornecer esse tratamento.

Engajamento

Tanto homens quanto mulheres têm AID, gays e heterossexuais, em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Eles encontraram uma plataforma em comum e venceram. É momento de se vencer de novo. A medicina não construirá uma plataforma de luta com relação ao PSSD, PFS e PRSD, como foi outrora com a Discinesia Tardia. Os brasileiros tiveram um papel de destaque na história do HIV – e vocês têm um papel igualmente importante agora. Saibam disso!

Nós necessitamos de pesquisadores em farmacologia, medicina, engenharia, analistas de sistema e de outros grupos que pensem em trabalhar por essa causa. Precisamos de ativistas e políticos e talvez adolescentes, qualquer um que possa fazer a diferença, ao se envolverem com isso.

Mas, acima de tudo, precisamos de uma nova compaixão para com os afetados – uma compaixão que escute e ajude a se ajuntarem em uma comunidade que posa garantir uma mútua ajuda. E para isso, precisamos chamar os afortunados que até agora foram poupados e perguntar-lhes o que eles querem para seus parceiros ou filhos ou netos, se algum médico ou companhia farmacêutica enviar o infortúnio em seu caminho.

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Para mais informações a respeito da Disfunção Sexual Pós-Antidepressivos, há a publicação traduzida para o português e já postada no Mad in Brasil, basta você clicar aqui.

Para mais informações propriamente ditas sobre o nosso Prêmio RxISK e como se engajar na campanha, clique aqui.

E conto com o Mad in Brasil para ajudar que vocês acompanhem a nossa Campanha. Futuras publicações estarão aí postadas. E não se esqueçam, a nossa página do RxISK é destinada a como “garantir que os remédios sejam seguros para todos nós”. Na página do RxISK você poderá acompanhar sistematicamente toda a dinâmica desta Campanha.

DAVID HEALY

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Professor de psiquiatria na Bangor University no Reino Unido, psiquiatra, psicofarmacologista, cientista e autor. Fundador do https://rxisk.org, cuja meta é buscar dados desconhecidos por aqueles que recebem tratamentos baseados em drogas psiquiátricas, a fim de tornar a medicina mais segura para todos nós. Alguns dos seus livros best-sellers: Pharmagedon, Psychiatric Drugs Explained, 6th. Ed., Let them Eat Prozac, entre vários outros.