Um novo editorial em Psicoterapia e Psicossomática questiona a validade do conceito de depressão resistente ao tratamento. Liderados por Giovanni Fava, da Universidade de Buffalo, os autores traçam a história da resistência ao tratamento na depressão e revelam suas suposições problemáticas. Eles sugerem que um estudo informado sobre transtornos depressivos levaria em conta o julgamento clínico, o comportamento da doença, as condições de comorbidade, as condições de vida e o histórico anterior de tratamento.
Um paciente é chamado de resistente ao tratamento quando não responde bem ao medicamento em estudo. Este artigo afirma que o conceito é enganoso, pois pressupõe erroneamente que o medicamento é eficaz, e que são as características de um paciente que causam esse fracasso.
A resistência ao tratamento implica que as pessoas que não estão respondendo bem a um determinado tratamento o fazem por causa de seus atributos pessoais, e não pela ineficácia do tratamento ou efeitos colaterais. Pesquisas anteriores sobre resistência ao tratamento têm sido controversas, com algumas sugerindo que os antidepressivos podem causar resistência ao tratamento e que o mesmo pode se aplicar aos antipsicóticos.
Os autores deste artigo escrevem que historicamente a definição de resistência ao tratamento tem sido contestada, com alguns sugerindo que ela só deve ser usada quando a melhor intervenção terapêutica for aplicada. Mas a superioridade de uma dada intervenção não é fácil de ser definida.
Um conjunto de pesquisadores insistiu que a resistência ao tratamento só deveria ser usada para falta de sucesso em ensaios com altas doses de antidepressivos tricíclicos, que se supunha serem superiores aos outros. No entanto, uma recente meta-análise não revelou tal superioridade. Outros desafios a esse conceito incluem avaliar o que significa a resposta a um tratamento e como medir sua diferença em relação à não resposta.
Inúmeros fatores são negligenciados nesses ensaios clínicos. Por exemplo, muitas abordagens à resistência ao tratamento concentram-se apenas na ‘resposta’, na ‘resposta parcial’ e em ‘nenhuma resposta’ ao tratamento e desconsideram completamente a deterioração clínica ativa causada pelo referido tratamento. Em outras palavras, enquanto se concentram em se o paciente está ou não melhorando, estão a ignorar aqueles que estão piorando ativamente por causa do tratamento. Os pacientes que pioram são frequentemente incluídos na categoria de ‘resposta insuficiente’ ao tratamento.
Os autores argumentam que, embora qualquer boa avaliação deva considerar os benefícios e malefícios do tratamento, na realidade, danos iatrogênicos como discinesia tardia, resistência à insulina e distúrbios cardíacos / metabólicos são frequentemente ignorados. Eles afirmam que certos resultados do estudo, embora comuns, não recebem a devida atenção. Esses resultados incluem:
- A resistência que ocorre depois que um medicamento é descontinuado e depois readministrado.
- A perda do efeito clínico – sintomas depressivos voltando mesmo quando os pacientes estão tomando o antidepressivo.
- O efeito paradoxal – o aparecimento de novos sintomas e a piora da condição basal quando os pacientes estão a tomar o antidepressivo.
- Apenas melhora temporária quando a dose é aumentada.
- Melhoria dos sintomas quando o antidepressivo é interrompido.
Mais importante ainda, muitos pacientes que participam dos estudos interromperam o tratamento com um antidepressivo, e os efeitos de abstinência da interrupção podem influenciar negativamente os estudos que estão sendo feitos. A retirada do antidepressivo tem tradicionalmente sido subestimada, mas pesquisas mais recentes revelam que o impacto pode ser grave e duradouro. Consequentemente, as vozes dissidentes na disciplina, especialmente em referência à retirada de antidepressivos, são frequentemente silenciadas ou manipuladas.
Os autores insistem que um dos poucos estudos (estudo ADAPT) que levou em consideração esses fatores não revelou diferença significativa entre o aripiprazol e o placebo na depressão resistente ao tratamento. Novas pesquisas também desafiaram a validade dos testes de prevenção de recaídas tomando antidepressivos, sugerindo que o que parece ser deterioração do paciente quando eles são retirados do antidepressivo experimental é realmente o efeito de abstinência.
Afirmando que subjacentes a esses problemas conceituais são as questões de metodologia defeituosa, Fava e colegas traçam a história de ensaios clínicos randomizados. O estudo duplo-cego controlado por placebo, que tem suas raízes na ciência agrícola e foi de grande utilidade para doenças agudas como a tuberculose, não se aplica a muitas condições atuais. Ao contrário de muitas doenças anteriores, a maioria das queixas clínicas em psiquiatria são atualmente de problemas crônicos e inespecíficos com histórico de tratamento anterior.
Os tratamentos anteriores também foram relacionados à morbidade iatrogênica, que é definida como “modificações desfavoráveis no curso, características e capacidade de resposta do tratamento a uma doença que podem estar relacionadas a terapias administradas previamente”. Assim, a maioria dos ensaios clínicos randomizados em larga escala ignora esses fatores e possui um amplo critério de inclusão que negligencia a história clínica. Os autores sugerem ensaios menores com critérios de inclusão mais específicos que atendam a condições comórbidas e tratamento prévio são o caminho a seguir.
Todas essas questões têm duas implicações clínicas importantes: administração de drogas ineficazes, como a c(k)etamina, para o tratamento da resistência ao tratamento e a crença de que a resistência ao tratamento é uma função das características do paciente e não devido a problemas com a droga (ineficácia, efeitos colaterais, etc.) Muitas vezes, isso resulta em psiquiatras aumentando e trocando o tratamento, mas nunca questionando a eficácia do tratamento que está se adotado.
Os autores sugerem que isso resulta em “iatrogênese em cascata”, onde os pacientes continuam recebendo mais e mais medicamentos que eventualmente têm efeitos adversos graves e contribuem para a cronicidade da doença. Recentemente, tem havido um movimento global para tratar dos problemas com essa polifarmácia e suas consequências perigosas.
Os autores escrevem que existem conceituações mais novas e eficazes do que significa resistência ao tratamento. Uma solução é o modelo sequencial de tratamento que implica que uma:
“A sequência é executada independentemente do resultado do primeiro componente (se houve falha no tratamento ou não) como uma estratégia pré-planejada. Na depressão unipolar, o uso sequencial de farmacoterapia e psicoterapia melhorou os resultados a longo prazo. ”
Assim, eles sugerem que talvez a resistência ao tratamento deva ser reservada para os casos em que o tratamento sequencial (farmacologia e terapia) tenha sido utilizado.
Além disso, a eficácia de um tratamento baseia-se em vários fatores que têm efeitos positivos e negativos (efeitos terapêuticos e contra-terapêuticos): condições de vida, características pessoais, ambiente de tratamento, nível de autogestão da doença, comportamento da doença (percepção, experiência e comportamento do paciente em relação ao plano de tratamento) e experiência anterior com o tratamento. Esses fatores são geralmente ignorados no estudo da depressão resistente ao tratamento.
Eles concluem que a abordagem atual para a resistência ao tratamento é um produto do modelo médico reducionista, que tem sido repetidamente desafiado na disciplina.
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Fava, G. A., Cosci, F., Guidi, J., & Rafanelli, C. (2020). The Deceptive Manifestations of Treatment Resistance in Depression: A New Look at the Problem. Psychotherapy and Psychosomatics, Published online first: April 23, 2020. DOI: 10.1159/000507227 (Link)