As diretrizes de tratamento padrão em psiquiatria recomendam que as drogas neurolépticas sejam indefinidamente mantidas após uma pessoa ter passado por mais do que um episódio psicótico. Essas recomendações baseiam-se em estudos que encontraram uma taxa mais alta de recorrência de psicose entre aqueles que param em comparação com aqueles que permanecem sob efeito de drogas.
O livro Anatomia de uma Epidemia levantou preocupações sobre os resultados a longo prazo para aqueles que permanecem com estas drogas. A maioria dos psiquiatras, inclusive eu, assumia que, ao reduzir o risco de recaída, se estaria melhorando os resultados a longo prazo. No entanto, parece haver evidências razoáveis de que essa suposição não esteja correta.
Não só o uso a longo prazo de drogas expõe as pessoas aos riscos de ganho de peso e discinesia tardia, mas também pode prejudicar o resultado funcional.
Minha opinião pessoal é que essa é uma discussão que os psiquiatras precisam ter com seus pacientes. Uma pessoa pode optar por aceitar um risco maior (e não inevitável) de recorrência da psicose, como forma de minimizar os riscos a longo prazo de resultados negativos associados à permanência na droga.
Embora pareça que as autoridades psiquiátricas continuem a favorecer o uso prolongado de medicamentos para a maioria das pessoas que experimentaram múltiplos episódios de psicose, há menos uniformidade de opinião em relação às recomendações após um único episódio psicótico. As diretrizes atuais recomendam o tratamento com drogas por dois a cinco anos; a ideia é que, se uma pessoa permanecer bem durante esse período, pode ser seguro interromper a droga.
Um estudo recente realizado por Tiihonen e colegas, ‘Estudo de Acompanhamento Nacional de 20 Anos sobre a Descontinuação do Tratamento Antipsicótico na Esquizofrenia de Primeiros Episódios’, publicado no American Journal of Psychiatry, é uma tentativa de lançar luz sobre esse assunto. A conclusão dos autores, afirmada em seu resumo (abstract), é que “ao contrário da crença geral, o risco de fracasso ou recaída após a interrupção do uso de antipsicótico não diminui como uma função do tempo durante os primeiros oito anos da doença e que o tratamento de longo prazo com antipsicótico está associado com o aumento da sobrevida.” Esta é uma descoberta séria e o artigo garante uma cuidadosa revisão e reflexão.
É difícil estudar os resultados durante longos períodos de tempo. Para resolver esse problema, Tiihonen e colegas usaram, como base para as suas pesquisas, os extensos bancos de dados disponíveis em registros na Finlândia, o que lhes permitiu identificar diagnósticos, hospitalizações e morte. A partir do registro nacional de prescrição, eles puderam determinar as vendas reembolsadas de medicamentos para todos os residentes da Finlândia. Medicamentos reembolsados são usados na pesquisa como o equivalente da adesão à medicação. Neste estudo, eles estiveram interessados na correlação entre a adesão à medicação após uma primeira hospitalização, – durante à qual uma pessoa é diagnosticada com esquizofrenia – com a subsequente re-hospitalização e morte. Ao determinar quem era aderente aos medicamentos e por quanto tempo, eles puderam determinar se uma adesão mais longa estaria correlacionada com a taxa reduzida de re-hospitalização. A coorte em estudo incluiu indivíduos que foram internados em um hospital psiquiátrico entre 1994 e 2014, e que haviam recebido um diagnóstico de esquizofrenia. Para identificar aqueles que estavam experimentando um primeiro episódio, eles excluíram quaisquer indivíduos que tivessem sido prescritos um medicamento antipsicótico para o ano anterior à admissão deste índice. Deste grupo, excluíram qualquer pessoa que tenha sido hospitalizada novamente ou que faleceu no prazo de 30 dias após a alta hospitalar. Naquele momento (30 dias após a alta hospitalar), eles identificaram 4.217 usuários de drogas antipsicóticas e 3.217 não usuários. Dos 4.217 usuários, 1.714 foram subsequentemente identificados como ‘descontinuantes’ aqueles que durante o período de acompanhamento haviam deixado de ter prescrições emitidas para eles. Esse grupo foi subdividido de acordo com o tempo entre a alta da primeira internação e a interrupção do medicamento: <1 ano (1.019), 1- <2 anos (284), 2- <5 anos (274) e maior que 5 anos (137). Eles então analisaram esses grupos ao longo do tempo até que morreram, tenham sido hospitalizados novamente, tenham parado de usar drogas (para usuários) ou que começaram a usar drogas (para não usuários).
Os autores pensavam que aqueles que permaneciam na droga por períodos mais longos de tempo poderiam ter melhores resultados quando as drogas fossem interrompidas, mas isso não é o que eles encontraram. Enquanto que os usuários contínuos se saíram melhor em relação à taxa de re-hospitalização, o grupo que fez o segundo melhor resultado foi o daqueles que pararam imediatamente. Quanto mais tempo permaneceram no medicamento, maior o risco de re-hospitalização se o medicamento fosse interrompido em comparação com aqueles que permaneciam aderentes. O grupo que se saiu pior foi aquele que parou depois de cinco anos.
Eles também analisaram as taxas de mortalidade, e nesta análise eles compararam três grupos: usuários contínuos, não usuários e aqueles que descontinuaram dentro de um ano (estes foram os grupos com os números mais altos). A taxa de mortalidade foi maior entre os não usuários e melhor entre aqueles que tinham uso contínuo de drogas, embora as mortes em todos os grupos fossem baixas.
Este artigo apoia uma recomendação para o uso a longo prazo dos medicamentos, mesmo entre aqueles que experimentaram apenas um episódio de psicose.
O artigo oferece uma visão panorâmica. Foi um estudo com uma metodologia naturalista, como foi naturalista o trabalho feito por Harrow; os números são muito maiores, porém os resultados são mais brutos, imperfeitos. Tiihonen usa a re-hospitalização como um proxy para a recaída, enquanto Harrow e seus colegas se reuniram com cada pessoa e conduziram uma extensa avaliação. Harrow estudou indivíduos por 20 anos, independentemente do resultado. Neste estudo, o período de acompanhamento terminou quando a pessoa foi hospitalizada ou morreu. Nesse sentido, este estudo privilegia a recaída da mesma maneira que muitos outros estudos o fizeram ao longo dos anos. Nós não sabemos nada sobre qualidade de vida. Implícito nas recomendações de tratamento que podem vir deste estudo é que nunca é seguro parar um antipsicótico. Embora isso possa ser verdade se ‘seguro’ for sinônimo de reduzir a chance de re-hospitalização, pode não ser verdade se pudéssemos avaliar diferentes tipos de medidas de resultados.
Há outras informações valiosas nesses dados. Mais de 43% dos indivíduos nunca iniciaram a droga, e em um ano quase 57% pararam. Ao final do estudo, 33,6% da coorte total de 7.434 ainda estão sob uso de drogas. As pessoas não querem tomar esses medicamentos e, independentemente desses dados, ainda precisamos descobrir como nos relacionar com eles de maneiras que possam ajudá-las a navegar pelo mundo com menos riscos ao seu bem-estar e segurança. Embora o fracasso do tratamento tenha sido maior entre os que interromperam a droga (38%), também é interessante que não foi exatamente mais baixo no grupo aderente que foi usado como amostra de comparação (29,3%). Obviamente, isso significa que a taxa de permanência fora do hospital é de 62% para aqueles que pararam e 71% para aqueles que permaneceram com drogas. Uma pessoa razoável pode escolher essas probabilidades e decidir parar, especialmente se houver um plano para tentar intervir se surgirem problemas.
Neste estudo, não sabemos nada sobre o tratamento, a maneira como a droga foi interrompida ou a qualidade de vida geral. Também não sabemos o que aconteceu com aqueles que têm uma segunda hospitalização. Supõe-se que uma recaída indique que o tratamento a longo prazo seja o recomendado, mas não acredito mais nisso.
É aí que outras fontes de dados têm relevância para mim, mas esses são os tipos de dados que tendem a não ser considerados. Esta é a experiência em primeira pessoa, análise qualitativa, auto-relato. Eu conheci muitas pessoas na comunidade de ‘sobreviventes’ que levaram algum tempo para resolver seus problemas, mas que acabaram encontrando alguma paz sem as drogas. Eventualmente alguns optaram por continuar a tomar alguns medicamentos, mas nem todos assim o fizeram. Para aqueles que encontraram o caminho, pareceu levar anos. Isso é o que é sugerido nos dados da Harrow. Aos dois anos, aqueles que não tomam drogas continuam experimentando um alto grau de psicose. Sua melhora só é observada após 4 anos. Em contraste, aqueles que estão em uso de drogas continuam a experimentar uma taxa razoavelmente alta de sintomas.
Eu recentemente li um conto escrito por uma ex-namorada de Will Hall. Will é um homem brilhante que escreveu sobre suas próprias experiências com psicose e que literalmente escreveu um livro sobre maneiras de parar com drogas psiquiátricas. A história, contada por Susie Meserve, faz parte de uma antologia, ‘Mostre-me todas as suas Cicatrizes: Histórias Verdadeiras de Superar a Doença Mental’ (Show Me All Your Scars: True Stories of Overcoming Mental Illness). Essa história engraçada e tocante narra sua vida juntos por um breve tempo. E confesso que tive algumas surpresas particulares, havendo conhecido o Will, ouvido ele falar, lido seus escritos, penso que talvez ele não fosse ‘verdadeiramente’ um psicótico. Esta não é uma reação incomum de psiquiatras que encontram uma pessoa que parece ter se recuperado da psicose. Algo nessa história me ajudou a entender que, se eu tivesse conhecido Will durante seus momentos mais difíceis, eu provavelmente teria concordado com o diagnóstico, de esquizofrenia, que lhe havia sido dado. E nessa época, eu provavelmente teria previsto consequências terríveis quando ele optou por ignorar o conselho médico de que ele deveria permanecer nas drogas. Eu teria ficado preocupada vendo a sua luta e haveria sugerido que ele retomasse as drogas. Sua história me ajuda a entender que existem outros caminhos e essa é uma mensagem que posso compartilhar com as pessoas que vejo, assim como com as famílias preocupadas.
Por outro lado, tenho conhecido pessoas que são tão torturadas por suas experiências que parece haver pouco espaço para se envolver. Eles são superados por seu mundo que pode estar distorcido a tal ponto de não haver segurança para eles, mesmo com aqueles que estão ansiosos para apenas fazer uma conexão. Para eles, as drogas podem ser extremamente úteis.
Conheço outros que estão horrorizados com sua psicose e querem fazer tudo o que podem para evitar uma recorrência. Mesmo se a droga só confere uma ligeira vantagem, eles optaram por conviver com elas.
E eu não desconsidero essas famílias preocupadas. Elas estão frequentemente experimentando seus próprios traumas. Psicose pode ser muito assustadora para aqueles que estão tentando cuidar da pessoa. Eu entendo o desejo dessas pessoas de impedir isso. Eu só quero que elas tenham uma compreensão completa do que as drogas podem e não podem fazer.
Este artigo oferece algum conforto para aqueles que optaram por permanecer nas drogas. Isso sugere que devemos sempre ser cautelosos ao interrompê-las. Mas eu ainda afirmo que isso não nos diz que permanecer nas drogas é o melhor caminho para todos.