Representantes das Nações Unidas chamam a atenção para as violações dos direitos humanos na psiquiatria

O Dr. Dainius Pūras e o Dr. Piers Gooding argumentam que o status quo no tratamento da saúde mental não é mais aceitável e demandam ação política para promover os direitos humanos.

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Uma nova edição da World Psychiatry apresenta um importante comentário do Dr. Dainius Pūras e do Dr. Piers Gooding sobre a coerção na psiquiatria e nas leis internacionais de direitos humanos. O Dr. Pūras, Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito à saúde, já havia solicitado uma mudança radical nas abordagens e políticas globais de tratamento da saúde mental. Neste novo comentário, Pūras e Gooding exigem ação e recursos para abordar a coerção e as violações dos direitos humanos no tratamento da psiquiatria e da saúde mental.

“A coerção na psiquiatria e nos serviços de saúde mental está aumentando em todo o mundo”, escrevem eles. “Esse fato exige não apenas discussão, mas ação”.

Crédito da foto: Flickr

Pūras e Gooding argumentam em favor de uma abordagem baseada em direitos para a saúde que priorize a dignidade humana, a vontade e as escolhas de tratamento feitas pelos pacientes e usuários dos serviços. Eles argumentam que ao contrário, a psiquiatria e os serviços de saúde mental de forma mais ampla têm se concentrado na implementação de práticas coercitivas e na imposição de tratamento.

Os proponentes dessa abordagem tradicional argumentam que tais práticas, incluindo a hospitalização involuntária e o tratamento forçado, não excluem a possibilidade de se preservar a autonomia, a dignidade e o direito à vida dos indivíduos. Outros, no entanto, afirmam o oposto e tomam a posição de que os dois lados são incompatíveis:

“Aqueles que são contra argumentam que a imposição não consensual de drogas que alteram a mente e o corpo, com base em concepções restritas de deficiência, com alegações sobre ‘risco’ e ‘necessidade’ com poucas evidências para sustentá-las e com uma gama limitada de alternativas, é incompatível com a dignidade e autonomia”, escrevem Pūras e Gooding.

Os autores propõem uma alternativa ao status quo, exortando as partes interessadas a “repensar os conhecimentos convencionais, a lidar com os desequilíbrios de poder que vem de longa data e a implementar práticas inovadoras.” A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), um tratado internacional de direitos humanos estabelecido pela ONU, em 2008, proporcionou um caminho para o diálogo e abriu possibilidades de ação política.

“A CDPD oferece uma oportunidade única para liberar não apenas usuários de serviços de saúde mental, mas todo o campo da saúde mental, de um legado de estigma, desesperança e de discriminação”, eles escrevem. “Isso é feito com a defesa de um modelo social de deficiência que favoreça a consideração dos direitos humanos, em vez de um modelo médico que tem perpetuado as violações dos direitos humanos e as incapacidades sociais.”

“A diretriz da CDPD de abraçar um modelo social ou de ‘direitos humanos’ com relação à deficiência e de afastar-se de um ‘modelo médico’ de deficiência tem vantagens estratégicas, incluindo lançar luz sobre os muitos fatores sociais, políticos e econômicos que criam graves disparidades para pessoas com problemas de saúde mental ou deficiência psicossocial. ”

Além disso, ao implementar um modelo médico que obscurece o impacto das disparidades sociais, os desequilíbrios sociais e a opressão são perpetuados e aprofundados, argumentam Pūras e Gooding.

“De fato, a CDPD desafia séculos de preconceitos legalmente sancionados. No entanto, as ‘exceções’ permanecem no nível doméstico, na lei, na política e na prática, e se transformam em norma, promovendo assimetrias de poder, o uso excessivo de intervenções biomédicas e o desempoderamento de uma população já marginalizada. Violações sistêmicas seguem ocorrendo. Esse status quo, que pode ser observado em escala global, não é mais aceitável ”.

Eles concluem que uma abordagem baseada em direitos pode ser implementada como um novo caminho a seguir:

“Uma abordagem baseada em direitos pode fornecer um caminho para o futuro dos cuidados de saúde mental que queremos para todos. A CDPD pode ser usada para promover o investimento de recursos humanos e financeiros em um amplo espectro de apoio para reduzir drasticamente as medidas não consensuais com vistas à sua eliminação ”.

Leia o relatório completo aqui: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/wps.20599