No artigo publicado pela revista Nova Perspectiva Sistêmica, a autora Cecília Villares propõem uma conversa reflexiva sobre o Diálogo Aberto. Formada em Terapia Ocupacional, especializou-se em terapia de família nos anos 90 e, mais recentemente, realizou a formação no Diálogo Aberto.
A proposta do artigo é narrar a trajetória da autora, para então gerar a reflexão sobre a formação de profissionais da saúde mental. Ela propõem uma conversa fluida e entranhável, como uma história de amor. A explicação dada é que as “nossas histórias só podem ser contadas quando se encontra um ouvinte atento, curioso, respeitoso e responsivo. Da mesma forma, os terapeutas se colocam ao escutar a história de outros, a partir de uma postura dialógica que é necessariamente amorosa.”
“As histórias só existem na presença de alguém
que as escute, e nesse sentido o contar histórias é um fenômeno dialógico.”(Seikkula & Trimble, 2005)
A autora inicia registrando a perspectiva dialógica no campo da terapia de família, em uma tradição de terapias narrativas, colaborativas e reflexivas propostas por Tom Andersen (Noruega), Michel White (Austrália), Harlene Anderson e Harry Goolishian (EUA), citando aqueles mais influentes.
No entanto, o primeiro contato da autora com a abordagem do Diálogo Aberto pode ser remetida a sua formação em terapia de família, quando tomou conhecimento da “abordagem adaptada às necessidades” de Irjö Alanen, grande inspiração para Seikkula e colaboradores. Alanen era professor de psiquiatria da Universidade de Turku (Finlândia), onde desenvolveu um trabalho de práticas terapêuticas em saúde mental.
Desde o primeiro contato com o serviço psiquiátrico, os familiares ou pessoas significativas da rede social já passavam a participar das reuniões abertas de discussão e planejamento do tratamento, juntamente com os pacientes. Essa proposta é uma das mais inovadoras de Alanen e seus colaboradores. Foram estabelecidos 5 princípios para a “abordagem adaptada às necessidades”:
1.Rápida intervenção após o primeiro contato;
2. Planejamento do tratamento de maneira singular para cada paciente, integrando abordagens terapêuticas;
3. Atitude terapêutica de todos os profissionais envolvidos no tratamento, em todas as etapas;
4. Compreensão do tratamento como um processo contínuo;
5. Follow-up constante do progresso e resultados do tratamento.
A esses princípios, a equipe de Seikkula adicionou os princípios da tolerância à incerteza e dialogismo.
Com experiência de 20 anos como terapeuta ocupacional no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, a autora reconhece o Diálogo Aberto como uma proposta alternativa de prática integrada em saúde mental, que questiona e desafia o discurso dominante, fortemente biomédico, que se inseriu na psiquiatria e nos serviços de saúde mental nas últimas décadas.
“(…) A abordagem do Diálogo Aberto foi o caminho que encontrei para aproximar o que aprendi com a terapia familiar às práticas de saúde mental mais afinadas com posturas reflexivas e colaborativas.”
A psicose apresenta um desafio na construção de um diálogo, por ser uma resposta a vivências para as quais não há (ainda) palavras. No entanto, é potente pensar que somos artesãos de relações e de diálogos potencialmente transformadores.
A autora sugere que o Diálogo Aberto é o caminho do coração aberto para aprender com o outro, através da prática do ouvir mais, silenciar mais, conectar-se e responder com o corpo e com as emoções para seguir cuidadosa e respeitosamente a história e o tempo do outro, sem apressar compreensões, acordos e decisões.
Como conclusão, o artigo apresenta algumas perguntas convidando para continuar a conversa:
• Quais as convergências entre as abordagens do Diálogo Aberto e do Projeto Terapêutico Singular (PTS) podem ocorrer na RAPS/SUS? São propostas possíveis de serem integradas nos serviços de saúde mental? Que mudanças institucionais serão necessárias, onde e como podemos começar a propor essa aproximação?
• A formação dos profissionais de saúde mental geralmente não contempla uma postura sistêmico-relacional e a diferença na formação aumenta a complexidade e dificuldade de trabalhar seguindo os princípios de dialogia, transparência e tolerância à incerteza. Como poderemos fomentar a formação de profissionais para trabalhar em abordagens dialógicas com famílias e redes?
• Algumas experiências de atendimento no GAPi/Unifesp têm mostrado que o profissional da equipe que entra conosco nos atendimentos para conhecer e participar de um atendimento parece sair com mais esperança e curiosidade em relação à família atendida. Como criar mais conversas reflexivas sobre a experiência desta prática com esses profissionais num sistema que não contempla espaços de reflexão?
• Talvez pelas dificuldades de acesso aos serviços de saúde, muitas pessoas que buscam
tratamento já vêm vivenciando crises que não são recentes nem brandas. Quanto isso dificulta uma prática dialógica efetiva? Como poderemos criar condições dentro da estrutura de um serviço público para desenvolver mais agilidade para atender mais rapidamente a situações de crise?
• Pensando na dificuldade de praticar num ritmo e tempo mais lentos, sobre falas sobrepostas e sem pausa e falta de espaço para o silêncio nas conversas: quanto de cultural há nesse jeito de estar com as pessoas que é tão diferente do ritmo finlandês?
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Villares, C. C. (2019). Pelos caminhos do diálogo aberto: reflexões sobre aprender, praticar e formar profissionais no contexto da saúde mental no Brasil. Nova Perspectiva Sistêmica, 28(65), 98-113. (LINK)