John Read e Irving Kirsch – Terapia Eletroconvulsiva (ECT): As evidências de ensaios clínicos justificam a continuação do seu uso?

0
1581

Na semana passada, James Moore entrevistou para a MIA Radio John Read e Irving Kirsch. Eles são coautores junto com Laura McGrath do artigo “Terapia eletroconvulsiva para depressão: uma revisão da qualidade da ECT versus ensaios simulados de ECT e metanálises”, publicado recentemente na revista Ethical Human Psychology and Psychiatry.  Escrevemos anteriormente uma análise desse estudo e suas descobertas.

A eletroconvulsiva-terapia (conhecida entre nós como eletrochoque) é um assunto polêmico, com proponentes e críticos. No início de 2019 o Ministério da Saúde publicou um documento que, entre outras medidas, dá sinal verde para a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia para o Sistema Único de Saúde (SUS).  Na verdade, essas medidas representam um retrocesso da Lei de Proteção e Direitos das Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais (10.216, de 6 de abril de 2001), conhecida como a lei  da Reforma Psiquiátrica brasileira. A respeito, Paulo Amarante afirmou em uma entrevista dada para o Centro de Estudos Estratégicos da FiOCRUZ (CEE): “pergunto às pessoas quanto elas acham que custa um aparelho de ECT que o Estado vai comprar e espalhar pelas unidades; qual o custo da capacitação de quem vai aplicar tal tratamento. Com tantas prioridades e precariedades na saúde pública brasileira, o fato de priorizar e investir recursos na compra de ECT só indica que há uma pressão da indústria de equipamentos médicos”.

Afinal de contas, ECT é uma terapia baseada em evidências científicas?  Confira ouvindo essa entrevista:

Entrevistados: John Read, professor de psicologia da University of East London; Irving Kirsch, psicólogo, da Harvard Medical School.

Entrevistador: James Moore (Mad in America, Mad in UK).

Conteúdo da entrevista:

  • Que o trabalho teve como objetivo revisar a qualidade das metanálises e de quaisquer estudos clínicos relevantes da ECT.
  • Como apenas 11 estudos compararam a ECT com a ECT simulada (SECT).
  • ECT simulada é quando o anestésico é administrado, mas não seguido por choques no cérebro.
  • Além de revisar a qualidade dos estudos, o artigo considerou o efeito do placebo na administração da ECT.
  • Que, ao revisar a qualidade dos estudos, foi utilizada uma escala de 24 pontos e que os pontuadores ficaram cegos para as classificações uns dos outros.
  • A escala de 24 pontos incluiu 5 critérios básicos da Colaboração Cochrane e 19 indicadores de qualidade adicionais, alguns dos quais específicos aos procedimentos de ECT.
  • A pontuação média de qualidade em todos os estudos foi 12,3 de um máximo de 24.
  • Uma das descobertas mais importantes foi que nenhum dos estudos revisados ​​era duplo-cego.
  • A razão para isso é que os pacientes não podem ficar cegos para o procedimento porque os efeitos colaterais adversos são muito óbvios.
  • Ao revisar os estudos, às vezes acontecia que apenas o psiquiatra responsável avaliava a eficácia do procedimento, não o paciente.
  • As 5 meta-análises em si continham apenas 1 a 7 dos onze estudos disponíveis.
  • A recomendação do artigo é que o uso da ECT seja suspenso enquanto se aguarda um ensaio clínico rigoroso e adequadamente controlado.
  • Que o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (NICE) do Reino Unido decidiu revisar suas recomendações de ECT em suas diretrizes para depressão, considerando a revisão.
  • Que o Colégio Real de Psiquiatras [Royal College of Psychiatrists] indicou que eles atualizarão sua declaração de posição sobre ECT à luz da revisão.
  • Chegou à luz recentemente que o NHS Trusts no Reino Unido às vezes usa informações desatualizadas ou incorretas em seus folhetos de orientação da ECT, um exemplo disso refere-se à ECT que corrige um ‘desequilíbrio químico no cérebro’.
  • Como as expectativas do médico podem influenciar a condição da pessoa submetida ao tratamento.
  • Que o efeito placebo pode ser grande e duradouro e que quanto mais invasivo o procedimento, maior o efeito.
  • Que uma das características da depressão é o sentimento de desesperança e que, quando você recebe um novo tratamento, pode instilar um sentimento de esperança que contraria a desesperança.
  • Que a chamada para proibir a ECT é porque os efeitos negativos da ECT são muito fortes, o fato de que as evidências que a sustentam são tão fracas (especialmente a longo prazo e além da melhora devido ao placebo) e que existem outros meios para abordar as dificuldades com as quais a pessoa está lidando.
  • Que os placebos são, em essência, um tipo de terapia psicológica.

Links e leituras adicionais:

Electroconvulsive Therapy for Depression: A Review of the Quality of ECT versus Sham ECT Trials and Meta-Analyses

Richard P. Bentall: ECT is a classic failure of evidence-based medicine

NICE guidance on the use of electroconvulsive therapy