NÃO ÀS PROPOSTAS DE MUDANÇA NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL IMPOSTAS
PELO MINISTÈRIO DA SAÚDE E ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (ABP)
Há mais de 30 anos a Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas no Brasil
vem sendo construída coletivamente na perspectiva dos direitos humanos e
pautada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Com a participação
de trabalhadores, usuários e familiares do SUS, gestores, professores
universitários e pesquisadores, tendo como marco quatro conferências nacionais
de saúde mental. Experiência esta, reconhecida pela Organização Mundial de
Saúde como uma das mais importantes da América Latina.
A partir de experiências exitosas e de um arcabouço jurídico, a Política de Saúde
Mental se constituiu como uma política civilizatória, com normativas assistenciais
e de financiamento para o campo da saúde mental, preconizando acesso
universal ao cuidado em liberdade, envolvendo a família e a comunidade.
A Lei Federal 10. 216/01 mostra-se como uma das maiores expressões deste
histórico percurso, garantindo os direitos das pessoas com sofrimento psíquico,
determinando que o Estado Brasileiro garanta os recursos comunitários
necessários para o acesso ao cuidado e as ações de reabilitação psicossocial
centradas no meio comunitário.
Desde 2017, os (des)governos Temer e Bolsonaro respectivamente, tem
abdicado cada vez do caráter democrático, instituindo como prática permanente,
ataques às políticas públicas e a primazia de ações governamentais que
atendam interesses econômicos de determinados seguimentos.
Podemos destacar como expressões dessa lógica a liberação de 87, 3 milhões
para comunidades terapêuticas; o aumento de mais de 60% para os hospitais
psiquiátricos com suspensão do Programa de Avaliação de Hospitais
Psiquiátricos – PNASH (ou seja, aumento de diária sem monitoramento da
qualidade). O PNASH possibilitou identificar várias formas de violação de direitos
dentro das instituições psiquiátricas no Brasil e consequentemente o fechamento
destas. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que são estratégicos não
tiveram aumento, tendo os poucos que abriram enfrentado um processo moroso
para sua habilitação.
Sem nenhuma discussão com a sociedade civil organizada, o Ministério da
Saúde institui o que chama de “Nova” Política de Saúde Mental, trazendo na sua
essência a velha lógica do asilamento e do reforço ao sistema privado. Enquanto
a OMS indica a aplicação de 5% dos recursos da saúde na saúde mental, no
Brasil, estudos recentes têm demostrado que em 2010 havia aplicação de 2, 7%
do orçamento e que em 2016 caiu para 1,6%.
Paradoxalmente, em plena pandemia e frente a um anúncio importante da OMS
para o mundo, em outubro de 2020, acerca do impacto da pandemia e a
necessidade dos governantes ampliarem os investimentos na área de saúde
mental, o (des)governo Bolsonaro encena uma nova etapa do golpe em curso
no país desde 2017.
Juntamente com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), vem a público no
dia 04 do corrente ano, na reunião do Conselho Nacional dos Secretários de
Saúde, propor revogação de portarias essenciais para o funcionamento da rede
de atenção psicossocial pública de saúde mental, atropelando os milhões de
usuários, familiares e trabalhadores comprometidos com a defesa de uma saúde
mental inclusiva, diversificada e sem manicômios.
A referida proposta traz no seu bojo o enfoque ao cuidado centrado na internação
asilar, prioritariamente no tratamento médico centrado e a extinção de
financiamento dentro do SUS de serviços essenciais como serviços residenciais
terapêuticos, consultórios na rua e unidades de acolhimento.
A que serve tais proposições da ABP e do (des)governo Bolsonaro? Respaldados em que tipo de ciência? Que clínica é essa proposta? Para atender a interesses de quem? Certamente não é o da população.
A experiência psicossocial no Brasil e vários lugares do mundo nos mostrou que
a convivência, o acesso a diferentes tipos de terapias, a moradia, a articulação
com arte e cultura, a geração de renda ofertadas longitudinalmente, permite que
pessoas com sofrimento psíquico intenso sustentem-se na sociedade.
Por que não investir mais nessas diversas modalidades terapêuticas, em
estratégias de inclusão social, em trabalhos com os familiares, em
disponibilização de medicamentos modernos, em qualificação das equipes
técnicas?
Por que se escolhe focar no tratamento com altos investimentos de recursos
públicos em hospitais psiquiátricos, em comunidades terapêuticas, em
equipamento como eletroconvulsoterapia (usados de forma indiscriminada no
Brasil por longos anos) e num modelo de tratamento médico centrado,
desprezando as contribuições do trabalho interdisciplinar, intersetorial e territorial
das equipes das unidades de atenção básica e de saúde mental?
Essas medidas representarão perdas de recursos financeiros para os municípios
que são hoje responsáveis pela operacionalização da rede de atenção
psicossocial. Tais proposições voltarão a fazer dos gestores públicos, reféns do
sistema privado, além de graves comprometimentos na qualidade de oferta da
assistência prestada.
A Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA e seus Núcleos
Estaduais repudiam veementemente tais proposições postas pela ABP e o
(des)governo Bolsonaro e apelam para os governadores, prefeitos, entidades de
direitos e população em geral que atentem para o desmonte em curso e suas
repercussões, não permitindo que estas medidas se concretizem e com isso,
venham violar ainda mais os direitos de nossa população.