O país poderia ser comparado a uma nau sem rumo levada ao sabor das ondas. Sem liderança efetiva, sem sequer uma autoridade sanitária responsável que aponte possíveis rumos ou, pelo menos, demonstre minimamente solidariedade para com a população. Estamos à deriva em plena tempestade e em alto mar. Sem falar nas medidas de mitigação da crise econômica gravíssima com resultados sociais assustadores. Se por um lado, o desmonte do sistema de saúde, vítima de subfinanciamento, descaso e ataque governamental vem se agravando, por outro, a desigualdade socioeconômica, à qual se junta um persistente racismo estrutural, fragiliza ainda mais uma parcela considerável da população. Por isso, falar em genocídio não é exagero.
Genocídio. Genocida. São termos que designam o extermínio deliberado de um povo, de uma população ou comunidade. As ações que explicitam isso não se encontram apenas nas entrelinhas, subentendidas ou maquiadas por qualquer subterfúgio. Não é questão de diferenças de entendimento sobre determinados pontos espinhosos. Estas ações são explícitas, declaradas, deliberadas, transmitidas através de diferentes meios de comunicação, veiculadas em rede nacional, em pronunciamentos oficiais. E, o mais assustador: são consentidas por uma parcela significativa da população que se sente representada pela encarnação da pulsão de morte que reproduz um gozo mórbido e perverso.
Estamos nas mãos de líderes neofascistas associados aos interesses do mercado financeiro. O preço da implementação de tais políticas? A vida e a saúde da população. Genocídio.
Infelizmente, a cultura política do bolsonarismo é um sintoma social, uma patologia social enraizada nas entranhas da nossa sociedade. Para expurgá-la, o impeachment não é suficiente. Nossas vísceras estão expostas com tudo o que há de mais perverso e que por muito tempo foi rechaçado. Nosso pensamento colonialista, racista, misógino, nosso analfabetismo político etc. A perversão foi instituída e institucionalizada. Vivemos no império da banalidade do mal.
Uma horda fascista promove a destruição. Mais atual do que nunca, Freud (1921) ao se debruçar sobre a problemática das massas afirmou que o grupo parece uma revivescência da horda primeva. Do mesmo modo como o homem primitivo sobrevive potencialmente em cada indivíduo, a horda primeva pode mais uma vez insurgir. Os processos grupais remontam os processos psíquicos individuais. A patologia social se enlaça e se propaga individualmente. Segundo Freud, a oposição entre psicologia individual e psicologia das massas, que pode parecer muito importante à primeira vista, perde muito de sua nitidez se examinada a fundo. Não é adequado separar os atos psíquicos sociais e narcísicos. A psicologia das massas trata do ser humano enquanto membro de uma linhagem, de um povo, de uma classe ou enquanto parte de uma multidão que se organiza como massa durante um certo tempo para um fim determinado.
A vida psíquica consciente representa apenas uma parte muito reduzida em comparação com a vida psíquica inconsciente. Nossos atos conscientes derivam de um substrato inconsciente formado sobretudo por influências hereditárias. Esse substrato contém inúmeros rastros ancestrais que constituem a “alma” de um povo.
Nas massas, o indivíduo não é mais ele mesmo, mas um autômato em estado hipnótico. A influência de uma sugestão é lançada com uma impetuosidade irresistível. A personalidade consciente desaparece, o indivíduo se torna irreconhecível posto que a predominância dos aspectos inconscientes passa a orientar pensamentos e sentimentos na mesma direção.
Assim, também nos fenômenos de massa nos deparamos com a pulsão de morte, que consiste em um princípio econômico da redução das tensões a zero, uma busca pela inércia ou homeostasia que estaria inteiramente a serviço da pulsão de morte. A compulsão à repetição é característica própria da pulsão. Ela opera uma espécie de fixação da pulsão recalcada e exige um trabalho constante, pois leva o sujeito a se colocar em situações dolorosas, réplicas de experiências antigas.
Historicamente e até os dias de hoje ainda caímos em falsas promessas conservadoras, discursos falaciosos que acertam e manipulam a alma coletiva através do medo, nos lançando direto para as garras do militarismo e do caos. Ainda permanece a necessidade de sermos igual e justamente amados pelo seu líder. O uso do medo para a implementação de políticas de Estado desastrosas faz o Brasil sucumbir. Este uso do medo é histórico! Precisamos recordar para não repetir, no entanto, desconhecemos nossa própria história. Não elaboramos nossa herança simbólica que não cessa de retornar fantasmaticamente.
Em meio ao caos da Covid-19, convivemos com crises políticas artificiais geradas pelo próprio Governo Federal. Trocas sucessivas de ministros, questionamentos extemporâneos a instâncias de outros poderes que são acompanhadas pelo comportamento recorrente do presidente da república de negar a gravidade dos efeitos da pandemia, utilizando recursos antigos de manipulação de massa que se atualizam sorrateiramente.
A luta pela saúde e pela educação é um direito inalienável. Esta não deve cessar. A resistência é necessária e vital.