Um novo estudo na Molecular Psychiatry explora os efeitos dos medicamentos antidepressivos na ocupação do transportador de serotonina (SERT). Os achados apoiam o uso de afilamento hiperbólico durante a retirada – diminuindo a dose para uma quantidade muito pequena antes de interromper totalmente a utilização. Eles também desafiam a noção de aumentar a dose se a droga não funcionar.
A pesquisa foi liderada por Anders Sørensen no Nordic Cochrane Center e incluiu Henricus G. Ruhé e Klaus Munkholm. Suas análises utilizaram dados de 17 diferentes estudos de imagem do cérebro sobre os efeitos das drogas moduladoras de serotonia. Eles analisaram a porcentagem dos receptores neurotransmissores de serotonina (SERT) bloqueados pelas drogas em doses diferentes. De acordo com os pesquisadores:
“A ocupação do SERT aumentou com uma dose maior em uma relação hiperbólica, com a ocupação aumentando rapidamente em doses menores e atingindo um patamar de aproximadamente 80% na dosagem mínima recomendada habitualmente”.
Isto tem duas implicações. A primeira é que mesmo na dose mínima recomendada (abaixo da dose normal prescrita), os efeitos dos medicamentos sobre o sistema de serotonina têm platô (ocupando cerca de 80% da SERT). Assim sendo, há um benefício biológico mínimo quando se aumenta a dose, mesmo quando a droga está no nível mínimo recomendado. Isto significa que se os efeitos antidepressivos fossem impulsionados pela neuroquímica, doses mais baixas deveriam proporcionar aproximadamente o mesmo benefício que as doses mais altas – assim, haveria pouco benefício em aumentar a dose, mesmo que a droga não pareça funcionar.
Os pesquisadores escrevem:
“A relação dose-ocupação hiperbólica pode fornecer uma visão mecanicista de relevância para o benefício clínico limitado da escalada da dose no tratamento antidepressivo e o potencial surgimento de sintomas de abstinência”.
A segunda implicação do estudo é que, em doses baixas, até mesmo pequenas mudanças na dose têm um grande impacto sobre os níveis de serotonina. Assim, um pequeno aumento da dose, enquanto em uma dose baixa, pode fazer uma enorme diferença, enquanto mesmo grandes aumentos, uma vez que já está em uma dose alta, não têm muito impacto.
E o mesmo vale para o afunilamento do medicamento – uma grande diminuição de uma dose alta terá pouco efeito sobre os níveis reais de serotonina. Mas uma vez que a dose se torna menor, até mesmo pequenos ajustes de dose podem ter efeitos maiores sobre os níveis de serotonina.
A tabela abaixo para a fluoxetina (Prozac) é o exemplo quintessencial. O aumento acentuado da ocupação do receptor de serotonina (SERT) em baixas doses começa a se nivelar em cerca de 5 mg (cerca de 65% de ocupação). A linha vertical pontilhada a 20 mg representa a dose mínima recomendada. O gráfico demonstra que mesmo metade dessa dose, 10 mg, ocupa quase a mesma porcentagem (um pouco mais de 70%) de receptores de serotonina que 20 mg (um pouco menos de 80%) – portanto, deve ter aproximadamente o mesmo efeito biológico. Doses mais altas fazem ainda menos diferença, com 60 mg ocupando menos de 5% mais SERT do que 20 mg.
Esta relação hiperbólica com a ocupação de SERT também explica por que estudos descobriram que a redução para doses cada vez menores durante meses, antes de eventualmente descontinuar o medicamento, pode ser necessária a fim de minimizar os efeitos de retirada. (Os pesquisadores escrevem que “aproximadamente metade dos pacientes que param ou reduzem a dose de antidepressivos apresentam sintomas de abstinência, que, entre outros, podem incluir sintomas semelhantes aos da gripe, ansiedade, embotamento emocional, diminuição do humor e irritabilidade”).
Outra descoberta surpreendente foi não haver relação entre a ocupação do receptor de serotonina e o efeito clínico.
Os autores escrevem, “os estudos incluídos na presente revisão que mediram a relação entre o efeito clínico e a ocupação do SERT não encontraram correlações significativas”.
Ou seja, a porcentagem de receptores de serotonina bloqueados pelas drogas não têm correlação com a melhora ou não da depressão das pessoas. Isto desafia ainda mais o mito do desequilíbrio químico.
Finalmente, os pesquisadores também observam que as evidências sobre este tópico são limitadas e que problemas metodológicos afligem a literatura da pesquisa.
“A evidência é limitada por relatórios não transparentes, falta de métodos padronizados, tamanho reduzido das amostras e curta duração do tratamento. Estudos futuros devem padronizar os procedimentos de imagem e relatórios, medir a ocupação em doses mais baixas de antidepressivos e investigar os moderadores da relação dose-ocupação”.
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Sørensen, A., Ruhé, H. G., & Munkholm, K. (2021). The relationship between dose and serotonin transporter occupancy of antidepressants—A systematic review. Molecular Psychiatry. Published: on September 21, 2021. https://doi.org/10.1038/s41380-021-01285-w (Link)