Em um novo artigo na revista médica de primeira linha JAMA Psychiatry, o proeminente pesquisador Kenneth Kendler escreve que nossos diagnósticos psiquiátricos atuais são apenas “hipóteses de trabalho, sujeitas a mudanças”.
De acordo com Kendler, a noção de que qualquer teoria psiquiátrica define algo “pelo menos aproximadamente verdadeiro” é “implausível”.
“Para argumentar que nossas categorias DSM correspondem exatamente à realidade, seria necessário que entre as teorias consideradas estivesse uma que fosse pelo menos aproximadamente verdadeira e que a correta fosse escolhida. Isso é implausível”, escreve Kendler. “Dada a juventude de nossa ciência e a complexidade de nossos transtornos, é muito improvável que possuamos agora teorias definitivas de sua etiologia”.
Em resumo, Kendler escreve que há poucas evidências científicas para diagnósticos psiquiátricos e que ele acredita que os diagnósticos do DSM não “correspondem à realidade” e que é “implausível” que eles sejam “aproximadamente verdadeiros”.
Kendler é um dos pesquisadores mais citados da psiquiatria e é famoso por seus estudos sobre a genética da esquizofrenia. Ele escreve:
“Apesar de anos de pesquisa, não podemos explicar ou observar diretamente as fisiopatologias dos principais transtornos de saúde mental que poderíamos usar para definir características essenciais”.
Kendler faz este argumento a favor do que ele chama de posição “instrumentalista” – que embora estes diagnósticos não atendam a nenhum critério científico e na verdade não sejam “verdadeiros” em nenhum sentido significativo, eles ainda são ciência médica sólida porque ele acredita na “realidade das grandes doenças mentais como uma categoria agregada”.
Esta não é a primeira vez que Kendler faz este ponto; em um artigo de 2016 no World Psychiatry, ele escreveu:
“Em vez de pensar que nossos transtornos são verdadeiros porque correspondem a entidades evidentes no mundo, deveríamos considerar uma teoria de coerência da verdade pela qual os transtornos se tornam mais verdadeiros quando se encaixam melhor no que mais sabemos sobre o mundo”.
No entanto, de acordo com Kendler naquele artigo de 2016, “deveríamos ser amplamente pragmáticos, mas não perder de vista um compromisso subjacente, apesar das dificuldades associadas, com a realidade das doenças psiquiátricas”. Nossa compreensão atual da saúde mental não é científica, não é apoiada por evidências, e não reflete nada objetivo ou “verdadeiro”. E ainda assim, “nós” devemos nos comprometer com a “realidade da doença psiquiátrica”.
No artigo atual, Kendler continua a afirmar – que os diagnósticos psiquiátricos são construções que assumimos existirem:
“Supomos que construções, tais como esquizofrenia ou transtorno de uso de álcool, existem, mas só podemos observar os sinais, sintomas e o curso da doença que postulamos resultar destes transtornos”.
E que os diagnósticos do DSM não representam nenhuma realidade objetiva: “As decisões do DSM são guiadas por evidências agregadas de validadores, não por observações de realidades subjacentes”.
Ele acrescenta que a história da psiquiatria está cheia de diagnósticos, considerados objetivos na época, que foram removidos devido à nossa mudança de atitudes culturais. Por exemplo, ele lista a monomania, insanidade masturbatória e histeria. No entanto, ele não faz referência à mais controversa drapetomania (em textos médicos até pelo menos 1914) e homossexualidade (listada como um distúrbio DSM até 1973).
Finalmente, Kendler observa que “uma grande crítica a nossos esforços nosológicos atuais tem sido o progresso limitado feito na passagem de diagnósticos descritivos para diagnósticos baseados em etiologia”.
Isto é, embora os diagnósticos no DSM definam certos comportamentos como “doença”, ainda não há evidência da suposta origem biológica (etiologia) dos ” transtornos”.
Kendler argumenta que algumas outras doenças presumidas na ciência médica têm este problema também como a obesidade e a fibromialgia – e, portanto, as categorias no DSM ainda são úteis. E ele explica que o fato de não ter sido encontrada nenhuma origem genética para qualquer transtorno psiquiátrico é simplesmente porque as origens são muito complexas – não porque não há nenhum transtorno genético a ser encontrado.
No final, ele sugere que novos métodos estatísticos e estudos genéticos podem eventualmente encontrar alguns “verdadeiros” transtornos mentais. Mas, escreve ele, “Como estes avanços serão importantes para melhorar a adequação empírica de nosso sistema de diagnóstico ainda está por ser determinada”.
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Kendler, K. S. (2021). Potential lessons for DSM From contemporary philosophy of science. JAMA Psychiatry. Published online December 8, 2021. doi:10.1001/jamapsychiatry.2021.3559 (Link)