Os Direitos Humanos Devem Ter um Papel Central nas Abordagens de Saúde Mental Global

Profissionais das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde analisam o movimento em prol de abordagens baseadas em direitos para a saúde mental global.

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Um artigo publicado na International Review of Psychiatry oferece uma revisão abrangente do estado atual dos direitos humanos na saúde mental em todo o mundo.

O artigo é de autoria de alguns dos líderes mundiais em saúde mental global: Artin A. Mahdanian de Johns Hopkins, Marc Laporta do Centro de Pesquisa Douglas da McGill, Nathalie Drew Bold e Michelle Funk da Organização Mundial da Saúde, e Dainius Pūras, o antigo Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito à Saúde.

Embora haja uma discussão acadêmica emergindo sobre direitos humanos na saúde mental, há ainda um trabalho a ser feito para tornar as abordagens baseadas em direitos centrais para a prestação global de cuidados de saúde mental, ao invés de meramente uma alternativa.

“A relação entre saúde mental e direitos humanos é complexa e bidirecional. Por um lado, as próprias violações dos direitos humanos podem ter um impacto negativo sobre a saúde mental, enquanto a proteção dos direitos humanos pode fortalecer ou mesmo melhorar os resultados da saúde mental. A presença de uma condição de saúde mental tem maior probabilidade de colocar um indivíduo em risco de abusos dos direitos humanos, e as pessoas com condições de saúde mental muitas vezes correm maior risco de violações dos direitos humanos como discriminação, estigma e medidas coercitivas do que a população em geral”, escrevem os autores.

“Do ponto de vista do cuidado orientado à recuperação, que se concentra na saúde mental e física além do tratamento sintomático, e a integração dos princípios dos direitos humanos na política e na lei de saúde mental pode promover autonomia, integridade física, confidencialidade e privacidade, autodeterminação, capacidade legal, liberdade e segurança de uma pessoa”.

As iniciativas e convenções internacionais estabelecidas pelas Nações Unidas e pela Organização Mundial da Saúde estão na base dos direitos humanos e da saúde mental, mais notadamente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência  [Convention on the Rights of Persons with Disabilities] (CRPD) e a Iniciativa QualityRights da OMS. Os autores do artigo procuraram verificar se seu recente impulso para integrar um entendimento baseado em direitos dos sistemas locais e globais de saúde mental tem sido bem sucedido na literatura publicada recentemente.

Os autores passaram um pente fino e procuraram identificar artigos que relacionam diretamente as questões de direitos humanos aos serviços de saúde mental. Usando palavras-chave como “direitos humanos”, “abordagem baseada em direitos”, “CRPD” e “QualityRights” em conjunto com “saúde mental”, “psiquiatria” ou ” psiquiátrico”, os autores encontraram inicialmente 608 artigos disponíveis em múltiplos mecanismos de busca acadêmicos. Entretanto, após excluir as duplicatas e revisar cuidadosamente os títulos e resumos por relevância, restaram apenas 26 artigos.

Entretanto, a existência destes 26 artigos revela, como os autores observam, que um número crescente de profissionais e defensores de direitos de todo o mundo estão se tornando conscientes e interessados nos direitos humanos e na saúde mental e, portanto, escrevendo mais sobre isso – integrando estas perspectivas nos principais entendimentos da doença mental.

Os autores categorizaram cada artigo que encontraram em um dos três temas.

  1. Ferramentas para avaliar o cumprimento dos direitos humanos nos serviços de saúde mental.

Medidas para entender como o estigma para os indivíduos é prejudicial à prestação ética e eficiente de cuidados de saúde foram desenvolvidas e modificadas ao longo dos anos para melhor documentar e compreender a adesão aos padrões globais na prestação de cuidados éticos. Outras ferramentas foram criadas para melhor avaliar e compreender quão de perto as diferentes legislações de saúde mental estão em conformidade com as normas de direitos humanos.

2. A situação atual dos direitos humanos na prestação de serviços de saúde mental.

A crescente conscientização também ficou clara através dos artigos e pesquisas que os autores descobriram que documentaram tanto as violações e as conquistas na prestação de serviços de saúde mental baseados em direitos em todo o mundo e como é desafiador prestar cuidados baseados em direitos em ambientes de poucos recursos, tais como prisões e nações em desenvolvimento no mundo majoritário. Embora estes artigos fossem poucos e distantes, eles ilustram a lacuna significativa entre as diretrizes políticas atuais e as capacidades das instalações para atendê-las.

3. Medidas coercitivas em psiquiatria e direitos humanos.

A maioria dos artigos observa que as violações de direitos mais prevalecentes na maioria dos ambientes de saúde eram tratamentos involuntários e medidas coercitivas. Tipicamente justificado como uma espécie de “proteção” para “pacientes”, a revisão da literatura revelou que raramente, se é que alguma vez, a população em geral questiona o tratamento involuntário e coercitivo.

“Embora estas disposições sejam destinadas a proteger as pessoas com condições de saúde mental e deficiências psicossociais de causar danos a si mesmas e aos outros, muitas pessoas, incluindo os defensores dos usuários dos serviços, levantam preocupações válidas de que a tomada de decisões substitutas pode ser considerada e é frequentemente experimentada como abuso e pode potencialmente levar a uma série de outros abusos, incluindo mas não se limitando ao uso indevido de métodos psiquiátricos para supressões políticas, abuso sexual e físico dos usuários dos serviços de saúde mental”.

No final do artigo, os autores sustentam que “o modelo biopsicossocial já existente usado para formular a etiologia e os planos de tratamento das condições de saúde mental deve ser enriquecido pela plena integração dos direitos humanos no modelo”.

“Isto irá estruturar nosso entendimento de que todas as pessoas com condições de saúde mental e deficiências psicossociais são detentoras de direitos e servem aos formuladores de políticas na promoção ativa de serviços que permitam a realização completa de seus direitos. Os direitos humanos precisam ser inteiramente incorporados aos tratamentos, cuidados e abordagens de saúde mental (uma formulação bio-psico-social de direitos)”.

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Mahdanian, A. A., Laporta, M., Drew Bold, N., Funk, M., & Puras, D. (2022). Human rights in mental healthcare; A review of the current global situation. International Review of    Psychiatry, 1-13. (Link)

[trad. e edição Fernando Freitas]