A Necessidade de Medicina baseada em Empatia

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shanonspetersUm novo artigo, publicado no Journal of the Royal Society of Medicine, encoraja mais empatia nos cuidados de saúde. Os autores abordam as barreiras existentes para os cuidados empáticos e também fornecem recomendações sobre como fornecer ‘medicina baseada em empatia’. Os autores, liderados por Jeremy Howick, diretor do Oxford Empathy Program da Universidade de Oxford, escrevem:

“O paradigma atual da saúde está causando o desgaste do profissional e resultados com os pacientes muito abaixo do que é possível. Visto que a melhora na comunicação empática beneficia os pacientes, e que não está sendo implementada consistentemente, uma mudança é necessária e requisitada “.

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Os profissionais enfrentam muitas barreiras para se comunicarem com os seus pacientes empaticamente, como não terem tempo suficiente, estarem sobrecarregados, uma grande quantidade de papelada a ser preenchida, e a assistência ser orientada por metas instrumentais e/ou estratégicas.  “Como resultado, os pacientes sofrem, afirmando que os clínicos não se comunicam adequadamente, muitas vezes deixando suas necessidades e preocupações insuficientemente abordadas”, escrevem os autores. Eles explicam:

“A medicina baseada em evidências tem tentado – com sucesso variável –  garantir que novas intervenções produzam mais benefícios do que danos. No entanto, o foco na evidência tem tido como consequência não intencional que o foco esteja em exames, tratamentos e metas, enquanto o valor terapêutico do encontro clínico tem ficado perdido “.

Pesquisas têm frequentemente mostrado que o cuidado empático melhora os resultados dos pacientes e, portanto, os autores afirmam que “o cuidado empático é uma intervenção baseada em evidências”. O cuidado empático ajuda a reduzir a dor e a ansiedade em pacientes enquanto diminui o estresse e o desgaste entre os profissionais.

A empatia pode ser comunicada pelos profissionais ao reservarem um tempo para conversar com os pacientes, oferecendo encorajamento e usando sinais verbais e gestos físicos para comunicar interesse e compreensão. Os autores identificam três componentes da empatia no trabalho clínico:

  1. “Tentando, na medida do possível, entender a situação, os sentimentos e a perspectiva de outra pessoa, reconhecendo as dificuldades em colocar-se no lugar de outra pessoa;
  2. Comunicando essa compreensão, verificando sua precisão;
  3. Agindo a partir desse entendimento de uma maneira solidária “.

Os autores pedem um novo paradigma, onde “a comunicação empática do paciente / profissional seja entendida como uma intervenção efetiva de pleno direito”. Nessa mudança de paradigma, as experiências dos pacientes são valorizadas e o planejamento das ações é feito de forma colaborativa.

Os autores afirmam: “A medicina baseada em empatia promete melhorar os resultados dos pacientes, reduzir o desgaste do profissional e economizar dinheiro”. Eles identificam duas mudanças nos cuidados de saúde que ajudarão a fornecer uma medicina baseada em empatia.

Em primeiro lugar, os autores recomendam usar a tecnologia como um auxiliar para a comunicação empática, e não como uma barreira. Isso está de acordo com sugestões de outros pesquisadores para usar a tecnologia para melhorar o atendimento ao paciente. Os autores recomendam que a tela do computador fique de frente ao profissional e ao paciente e que tenha dados do histórico médico que foram coletados eletronicamente, tudo isso sob o olhar atento do paciente. A tecnologia também pode ser usada para coletar o feedback do paciente. Eles escrevem:

“Também é verdade que aspectos da prestação de cuidados de saúde podem tornar os profissionais menos propensos a expressar empatia – pressão do tempo, prioridades conflitantes, burocracia, etc. Ao restabelecer o encontro clínico como o coração da saúde e explorar as tecnologias disponíveis, isso pode mudar.”

Em segundo lugar, os autores enfatizam que os profissionais precisam ser apoiados sistemática e institucionalmente no fornecimento de cuidados empáticos e, portanto, uma mudança cultural deve ocorrer. Eles recomendam que a empatia seja modelada por todos os profissionais de saúde, não apenas em relação aos pacientes, mas entre os colegas. Eles escrevem: “Essa cultura seria ainda mais apoiada se os profissionais de saúde fossem recrutados por seus desejos e capacidade de estar em sintonia com o outro, além das suas habilidades técnicas”. Os pesquisadores também recomendam a inclusão de cuidados empáticos no treinamento médico.

Os autores observam corretamente que “os praticantes geralmente não têm empatia. Em vez disso, eles são obrigados a trabalhar dentro de um sistema que valoriza as metas em relação às pessoas “. Portanto, é necessário que haja uma mudança de paradigma que ofereça suporte aos que prestam cuidados empáticos, pois, em última instância, isso irá melhorar a experiência de pacientes e profissionais de saúde.

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Howick, J., & Rees, S. (2017). Overthrowing barriers to empathy in healthcare: Empathy in the age of the Internet. Journal of the Royal Society of Medicine. Advance online publication. doi:10.0141076817714443. (Link)

A Natureza Móvel do Diagnóstico de Saúde Mental

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Nesta seção de opinião para The Chronicle Herald, Dr. A.J. discute a natureza subjetiva do diagnóstico psiquiátrico e do DSM. Citando pesquisas de Paula Kaplan, Dr. A.J. evidencia conflitos de interesse no sistema psiquiátrico e no desenvolvimento das diretrizes de prática clínica para condições psiquiátricas.

“A evolução do DSM ilustra que o que é considerado ‘médico’ e  ‘científico’ geralmente não é um padrão imutável. É variável ao longo do tempo, cultura e mudanças nas escolas de pensamento dominantes. O ato de diagnóstico por si só valida a própria doença que ele nomeia e define quando, de fato, essas classificações foram alteradas ao longo dos anos do DSM-I para o DSM-5 “.

DSM

Transtornos Mentais

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Publicado no último número da revista RADIS.

anatomia_de_uma_epidemia_imagem_2Finalista do Prêmio Pulitzer de Serviço Público e ganhador do Prêmio Nacional de melhor livro investigativo em ciência no ano 2010 nos Estados Unidos, o livro Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental (Editora Fiocruz), do jornalista americano Robert Whitaker, desvenda, a partir de uma ampla e rigorosa revisão bibliográfica, as razões de uma epidemia de transtornos mentais em todo o mundo, com números alarmantes de pessoas com algum diagnóstico. Com tradução de Vera Ribeiro, a obra já foi lançada em mais de uma dezena de países e, em sua versão brasileira, tem prefácio assinado pelos pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, da Ensp/Fiocruz.

Leia a matéria no original.

 

 

Robert Whitaker: mais Drogas Psiquiátricas, mais Transtornos Mentais

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robert whitaker_videoRobert Whitaker, autor de Anatomia de uma Epidemia, fez este comentário gravado para o blog do Centro de Estudos Estratégicos (CEE-Fiocruz).

Clique aqui para ler a apresentação feita pela jornalista Eliane Bardanachvili (CEE-Fiocruz) e para ouvir o comentário de Whitaker.  Está legendado para o português.

 

“Tiras” para Facilitar a Retirada Gradativa das Drogas Psiquiátricas

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pgrootEm 2003, experimentei a pior depressão que tive em toda a minha vida e comecei a usar antidepressivos. Como paciente e como cientista, comecei a ler sobre depressão e sobre antidepressivos. Não demorei a descobrir que pode ser muito difícil parar de usar essas drogas. Para o antidepressivo que eu fazia uso, a Venlafaxine, é praticamente impossível ser interrompida essa droga sem se sofrer de fortes sintomas de abstinência. Basta um dia sem tomar a cápsula diária, para amanhã de manhã se experimentar os primeiros sintomas da retirada.

A melhor maneira de se minimizar os sintomas de abstinência é reduzir gradualmente a dose durante um período de tempo prolongado. Por quanto tempo? Ninguém sabe realmente. Isso pode diferir entre os pacientes. Se um paciente tiver a oportunidade de ter um tempo suficiente, acho que a maioria, senão todos os sintomas de abstinência podem ser evitados. O mesmo é verdadeiro para outros tipos de drogas, por exemplo os benzodiazepínicos, onde a dependência física após o uso crônico é um outro grande problema.

O dia 11 de julho passado foi o Dia de Conscientização sobre Benzodiazepínicos e também o aniversário da professora Heather Ashton, famosa por seu trabalho em ajudar as pessoas a se retirarem de drogas que são difíceis de serem interrompidas, como as benzodiazepinas. Ela tem defendido uma redução muito gradual, ao longo de períodos de meses e, se necessário, até anos. Ela também defende a escolha do paciente e que a tomada de decisão seja compartilhada, dizendo que os médicos que querem ajudar seus pacientes devem ouvi-los e trabalhar juntos durante o contato. A tomada de decisão compartilhada capacita os pacientes e os encoraja a assumir a responsabilidade pelo seu próprio tratamento.

Realizar um método gradual progressivo na prática diária acaba sendo muito difícil. Na minha opinião, o principal problema é que as diferentes doses necessárias para fazer o ‘desmame’ não estão disponíveis. Depois de tomar consciência desses problemas e com a ajuda de colegas (tendo eu uma longa história que aqui abrevio), me envolvi no desenvolvimento das chamadas ‘Tapering Strips’ (em português, algo como ‘Tiras para a Redução Gradual’). Atualmente essas ‘tiras’ estão disponíveis para pacientes na Holanda, para 24 medicamentos diferentes, incluindo os benzodiazepínicos clonazepam, diazepam, lorazepam, oxazepam e temazepam.

tapering strips

Como funciona? Uma ‘tira’ usa o mesmo princípio que empregamos com as moedas para se pagar algo com pequenas quantias de dinheiro. Podemos pagar 40 centavos usando três moedas – uma de 25, uma de 10 e uma de 5 centavos – ou 20 centavos usando duas moedas de 10 centavos ou quatro moedas de 5. Com as  pílulas, podemos fazer o mesmo. O que precisamos é de pílulas com baixas doses, para podermos juntar as doses que queremos.

O problema prático é como lidar com isso sendo cada paciente um paciente em sua singularidade. Descobrimos que uma solução prática para resolver isso estava prontamente disponível. Nós embalamos as pílulas para cada dose diária que vem separadas en ‘tiras’ em uma bolsa, ou seja, a medicação vem em um rolo formado por ‘tiras’. Cada rolo fornece medicação para um período de 28 dias.

Um tamanho único não funciona. Não é possível usar o mesmo cronograma para todos os pacientes que desejam parar com um determinado medicamento. Portanto, tivemos que apresentar uma solução flexível que fosse prática e permitisse que médicos e pacientes fizessem a escolha que julgassem a mais apropriada. O que surgiu foi um sistema modular, consistindo de uma série de ‘tiras’ diferentes para uma determinada droga. Isso oferece a possibilidade de se escolher diferentes horários para as doses de redução, usando uma ou mais ‘tiras’ consecutivamente.

Os médicos que prescrevem (as ‘tiras’), junto com os pacientes, nos têm dito que às vezes é necessário adaptar: deixar o paciente ir mais devagar ou dar ao paciente uma ‘pausa’ – permanecendo na mesma dose por um certo período de tempo, antes de continuar a diminuir a dose. Para permitir que os pacientes façam isso, é possível usar as chamadas ‘tiras de estabilização’. O que também ouvimos dos pacientes é que nem todos conseguem parar completamente, mas logram continuar usando seu fármaco em uma dose menor do que a dose que eles anteriormente usavam. Isso não é surpreendente, se você perceber que os medicamentos são prescritos nas mesmas doses-médias para todos os pacientes.

Nós trabalhamos com todo esse sistema ouvindo atentamente o que os pacientes e os médicos nos dizem. Nós também pedimos aos pacientes que usaram as ‘tiras’ que relatem quais foram as suas experiências. O que os pacientes nos dizem é que a redução com o uso de tiras torna muito mais fácil o processo. Eles sofrem menos sintomas de abstinência e estão muito satisfeitos com as tiras e as informações fornecidas.

Atualmente, a maioria das informações sobre as ‘tiras’ ainda está disponível apenas em holandês. A razão é que queríamos tornar as ‘tiras’ disponíveis para os pacientes o mais rápido possível e era mais fácil fazer isso se, por enquanto, nós limitamos a experiência ao nosso próprio país. Até o momento, nos sentimos confiantes de que o sistema que desenvolvemos está pronto para ser usado igualmente em outros países. Nem todas as informações foram traduzidas para o inglês ainda, mas estamos trabalhando arduamente para disponibiliza-las  o mais rápido possível. A informação mais importante, um protocolo provisório escrito pelo usuário (paciente), que esperamos seja comentado e endossado por comitês de diretrizes oficiais. Os formulários de pedidos para todos os medicamentos, para os quais as tiras estão atualmente disponíveis, podem ser encontrados em www. taperingstrip.org

Espero sinceramente que muitos pacientes se beneficiem com a experiência com as tiras.

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Nota dos editores: James Moore, renomado ativista britânico de ex-usuários, lidera um movimento que solicita às autoridades médicas do Reino Unido que ofereçam suporte para o uso das ‘tiras para redução’ de medicamentos psiquiátricos. Relembrando que hoje é uma experiência restrita à Holanda. A respeito, leia seu blog sobre a campanha no Reino Unido e assine a petição aqui. Nós aqui no Brasil poderíamos tomar alguma iniciativa nesse sentido. Vamos pensar juntos?

Um Novo Estudo Examina a Experiência do Usuário com a Descontinuação das Drogas Psiquiátricas

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Peter SimonsUm novo estudo, que acaba de ser publicado em Psychiatric Services, examinou as experiências dos usuários com a interrupção dos medicamentos psiquiátricos. Os pesquisadores descobriram que, embora seja possível retirar-se das drogas psiquiátricas, os profissionais de saúde mental pouco ajudaram durante esse processo. A equipe da pesquisa foi liderada por Laysha Ostrow, PhD, CEO da Live & Learn, Inc. Ela escreve:

Apesar dos inúmeros obstáculos e dos graves efeitos experimentados durante o processo de descontinuação das drogas psiquiátricas, os usuários de longo prazo das drogas psiquiátricas podem parar de tomá-las se tomarem tal decisão. Os indivíduos que interrompem as drogas psiquiátricas relatam que o autocuidado e o apoio social ajudam, mas que os profissionais de saúde mental poderiam ser muito mais úteis, solidários .

Photo Credit: Flickr
Photo Credit: Flickr

Os protocolos da prática clínica recomendam que os tratamentos psicofarmacológicos para a maioria das preocupações em saúde mental sejam prescritos para que tenham um efeito de curto prazo e, em seguida, devem ser interrompidos. Contudo, os pacientes a quem foram prescritos esses medicamentos geralmente têm dificuldade em descontinuá-los, devido aos severos sintomas de abstinência que são experimentados.

O Estudo de Descontinuação / Redução de Medicamentos Psiquiátricos

Este atual estudo ficou conhecido como o estudo de Descontinuação / Redução de Medicação Psiquiátrica e, de acordo com Ostrow, “é a primeira pesquisa americana com uma grande amostra de usuários drogas em longo prazo e que optaram por interromper os medicamentos psiquiátricos”.

O estudo, financiado pela Fundação para Excelência em Saúde Mental (Excellence in Mental Health Care) – liderada por usuários atuais e por ex-usuários de medicamentos psiquiátricos -, procurou compreender experiências e estratégias em primeira mão de indivíduos que decidiram interromper medicamentos psiquiátricos, parando ou reduzindo o uso desses medicamentos.

Os pesquisadores pesquisaram 250 participantes, a maioria deles brancos (87%) e mulheres (76%). Os participantes podiam haver sido diagnosticados com mais de uma condição psiquiátrica; a maioria dos participantes (64%) teve diagnóstico de depressão, enquanto 41% foram diagnosticados com transtorno bipolar.  E 20% dos participantes foram diagnosticados com um transtorno psicótico.

Assim sendo, 76% dos participantes estavam tomando antidepressivos. 56% estavam tomando ansiolíticos. E 47% estavam tomando antipsicóticos. Os participantes também chegaram a tomar estabilizadores do humor (38%) e estimulantes (13%).

Todos os participantes estavam tentando parar um ou dois medicamentos prescritos. Todos tinham tomado seus medicamentos por pelo menos nove meses, embora a maioria (71%) dos participantes estivesse tomando medicação psiquiátrica há mais de nove anos. Quase dois terços dos participantes haviam passado um tempo em internação hospitalar.

“Entre aqueles que estavam em um período de mais de seis meses de uso, cerca de um terço (36%) optou por descontinuar,  um outro terço (31%) fez isso entre um a seis meses de uso, e o outro um terço (33%) em menos de um mês com drogas psiquiátricas, com metade deste último grupo (16% da amostra) optando parar de tomar ‘bruscamente’ “.

Quer dizer, mais da metade (54%) dos participantes no estudo conseguiram descontinuar com sucesso seus medicamentos psiquiátricos, e os pesquisadores descobriram que as pessoas geralmente estavam felizes com essa decisão. De acordo com Ostrow, “Daqueles que interromperam completamente, 82% estavam satisfeitos ou muito satisfeitos com sua decisão de descontinuar”.

RAZÕES PARA A DESCONTINUAÇÃO

Os participantes enumeraram muitas razões para querer parar de usar seus medicamentos. Entre os principais motivos foram:

  • Preocupações com os efeitos a longo prazo (74%)
  • Experimentando efeitos adversos (72%)
  • Sentindo que a medicação os impediu de auto-compreensão (48%)

34% disseram que encontraram um tratamento alternativo, enquanto que outros 34% disseram que se sentiram melhor mesmo sem qualquer tratamento.

29% disseram que a droga simplesmente não era eficaz, e 23% disseram que sua medicação havia parado de funcionar.

Os motivos apresentados neste estudo são consistentes com a literatura anterior. As pessoas com diagnóstico de doença mental têm sua expectativa de vida cortada em uma média de 25 anos, e pelo menos algumas das razões são atribuíveis aos efeitos adversos do uso prolongado de medicamentos – como problemas metabólicos e danos aos órgãos. Mesmo o uso a curto prazo é muitas vezes acompanhado de efeitos adversos severos.

Por exemplo, um estudo recente que examinou a experiência do usuário com o uso de antidepressivos descobriu que mais de 85% dos participantes experimentaram efeitos colaterais. As citações dos participantes incluíam sentir-se “desconectados e sem vida” e, comumente, “falta de desejo sexual e anorgasmia”, o que afeta intensamente os relacionamentos românticos dos participantes. Pesquisas também mostram que os efeitos colaterais sexuais podem persistir muito depois que o uso de antidepressivo é interrompido.

Além disso, as pessoas muitas vezes querem interromper o uso de medicamentos porque as drogas não estão tendo o impacto esperado nos sintomas. A eficácia dos antidepressivos, por exemplo, tem sido constantemente questionada. As meta-análises descobriram que o benefício dos medicamentos antidepressivos “pode ser mínimo ou inexistente em pacientes com sintomas leves ou moderados”.

EXPERIÊNCIAS DE RETIRADA

Ostrow escreve que “a experiência de descontinuação foi muitas vezes fisica e emocionalmente extenuante”. Mais de metade (54%) dos participantes classificaram seus sintomas de abstinência como “graves”.

Os sintomas de abstinência mais comuns neste estudo foram mudanças no sono (80%), aumento da ansiedade (76%), dificuldade em emoções (73%) e tristeza ou lágrima (70%).

Algumas experiências de retirada adicionais incluíram:

  • Fadiga (69%)
  • Sintomas tipo gripais (62%)
  • Problemas de memória e de concentração (61%)
  • “Sensações de choques elétricos” ou problemas neurológicos (61%)
  • Diarreia ou constipação (47%)

Os pesquisadores destacam que 44% dos participantes experimentaram pensamentos de suicídio e 36% experimentaram pensamentos de automutilação.  22% experimentaram psicose.

O QUE É ÚTIL?

Menos da metade (45%) dos participantes consideraram que o serviço de saúde mental havia sido útil no processo de retirada – embora quase todos (73%) recebessem serviços sistemáticos de profissionais de saúde mental.

Os participantes declararam que, em vez disso, o que de fato tinha ajudado havia sido o apoio de amigos e familiares, assim como práticas pessoais de autocuidado. 42% dos participantes relataram que os amigos que também tinham passado pela experiência de retirada dos medicamentos foram de grande ajuda, enquanto 41% relataram que os grupos de apoio na internet haviam sido úteis. 39% relataram que o apoio familiar havia sido benéfico.

As estratégias de autocuidado, avaliadas pelos participantes, foram as seguintes:

  • Autoeducação (por exemplo, leitura, pesquisa na internet sobre descontinuação) (76%)
  • Atividades ao ar livre (74%)
  • Dormir (67%)
  • Estar com animais de estimação (67%)
  • Dar expressão aos sentimentos (67%)
  • Exercício físico (66%)
  • Entretenimento como TV, filmes, leitura (63%)
  • Alterações dietéticas e nutricionais (57%)
  • Atenção Plena (mindfullness‘) / meditação (57%)
  • Estar na água / banhos (55%)
  • Hobbies (55%)
  • Diário / Escrita (46%)
  • Fitoterápicos e Produtos Naturais em geral (39%)
  • Estimulação reduzida (39%)
  • Oração / mantras / cânticos (38%)

PORQUE OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE MENTAL NÃO SÃO UMA AJUDA?

A literatura anterior descobriu que os profissionais de saúde mental podem ignorar a prevalência, os tipos e os perigos dos efeitos adversos. Os profissionais de saúde mental também foram criticados por não fornecerem o ‘consentimento informado’ adequado para as prescrições psicofarmacológicas. Por exemplo, em um desses estudos, os usuários que receberam antidepressivos declararam que:

“Na realidade, os psiquiatras se recusam a responder perguntas e se recusam a aceitar ou a discutir os efeitos colaterais”.

“Os efeitos colaterais não foram muito bem explicados pelo médico da atenção primária que fez a prescrição. A anorgasmia é um efeito colateral particularmente ruim”.

“Eu gostaria de ter ouvido mais sobre os efeitos colaterais … Eu tive que descobrir muitas informações quando estava em um estado difícil e ansioso”.

“Não me disseram todos os efeitos colaterais; na verdade, quando eu os investiguei e depois disse à minha médica o que eu havia descoberto, ela me disse que não tinha ideia de que o medicamento poderia me afetar da maneira como me afetou “.

Em outro estudo, quase metade dos entrevistados afirmou que seus médicos não comunicaram a duração do tempo que se esperava de manutenção com a medicação. Mais da metade deles não foram informados sobre possíveis efeitos de retirada.

CONCLUSÃO

De acordo com os autores do estudo atual,

“A interrupção da medicação psiquiátrica parece ser um processo complicado e difícil, embora a maioria dos entrevistados tenha relatado satisfação com a sua decisão. Pesquisas futuras devem orientar os sistemas de cuidados de saúde e os profissionais para melhor apoiarem a escolha do paciente e a autodeterminação quanto ao uso e descontinuação da medicação psiquiátrica “.

Ou seja, há uma necessidade clara que os profissionais de saúde mental ouçam as experiências dos usuários desses medicamentos. Os serviços de tratamento devem estar melhor equipados para orientar e apoiar os usuários no processo de travessia pelas experiências de descontinuação.

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Ostrow, L., Jessell, L., Hurd, M., Darrow, S. M., & Cohen, D. (2017). Discontinuing psychiatric medications: A survey of long-term users. Psychiatric Services, 68(7). https://doi.org/10.1176/appi.ps.201700070 (LINK)

Se Você Não Tem um Cérebro…

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Peter Breggin“Se você não tem seu cérebro, você não pode nunca mudar a sua mente. ”

Essas palavras me foram ditas pela minha esposa na noite passada e elas ativaram as minhas lembranças e pensamentos.

No início da década de 1970, sob forte pressão minha, Ted Kennedy, ainda que relutantemente, realizou as audiências do Comitê de Saúde para investigar o ressurgimento da lobotomia e formas mais recentes de mutilação cerebral ou psicocirurgia psiquiátrica. O senador Kennedy estava a favor dos tratamentos; ele pensava que eles eram científicos.

Eu estava fazendo uma campanha contra o ressurgimento da psicocirurgia em toda a Europa e América do Norte, falando em conferências aqui e no exterior, testemunhando no tribunal e no Congresso, dirigindo-me a agências federais, redigindo legislação para a criação de uma Comissão Federal de Psicocirurgia, organizando oposição e escrevendo artigos científicos e capítulos de livros. Isso tomou vários anos da minha vida.

No final, meus esforços levaram a que a maioria das psicocirurgias no mundo ocidental fossem interrompidas.

Na audiência do Senado sobre psicocirurgia, Kennedy me desafiou em um breve debate no qual ele perguntou retoricamente se eu seria também contra a cirurgia cardíaca, porque às vezes para melhorar a sua função o procedimento cirúrgico prejudica o coração, embora isso retarde perigosas arritmias, por exemplo.  Eu respondi, que na verdade, “Senador Kennedy, quando você danifica seu coração, isso pode afetar a circulação do sangue através da corrente sanguínea; mas quando você danifica seu cérebro, prejudica a expressão de sua alma aqui na Terra “.

Devo admitir que foi uma observação que fiz com raiva, o que não me ajudou, porque o New York Times voltou-se contra mim. O jornal afirmou falsamente que por motivos religiosos eu estava contra a psicocirurgia, e não a partir de bases éticas e científicas. Porém, o meu testemunho havia sido de fato muito científico.

Naquela noite, o confronto entre Kennedy e eu foi exibido na TV em Washington DC. O pessoal de Kennedy expurgou esse confronto da transcrição oficial da audiência. Muitas vezes eu desejei o clip original da TV com o meu breve debate com o senador.

O confronto entre eu e Kennedy simboliza o problema da psiquiatria. Muitos psiquiatras veem o cérebro sem mais reverência do que o coração ou o fígado. Se você receber um transplante de fígado, você ainda está lá; mas se você receber um transplante de cérebro, você se foi. E se você está afligido com drogas psicoativas, você achará mais difícil saber que você está lá.

Quando forçamos as pessoas a tomarem drogas psiquiátricas, ou quando mentimos para levá-las a tomar as drogas, não estamos prejudicando apenas o órgão de seu corpo chamado cérebro – estamos prejudicando a capacidade de pensar e sentir e conhecer e de se expressar. Estamos limitando sua personalidade e identidade, e a expressão de sua alma ou de seu espírito.

Drogas, tratamento de choque e lobotomia tornam muito mais difícil para os indivíduos entender e superar seus problemas emocionais. Essas lesões no cérebro e em seu funcionamento tornam difícil, e às vezes impossível, para as pessoas fazerem as melhores escolhas em suas vidas. É provável que permaneçam presas em um só lugar ou que piorem ao longo do tempo. Como a frase de Ginger tão apropriadamente expressou, “Se você não tem o seu cérebro, você nunca pode mudar de ideia”.

Sobre a Lei 13.438, de 26/4/17: Riscos e Desafios

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Em relação a lei 13.438, sancionada pelo Temer em abril de 2017, que obriga o estado brasileiro a avaliar risco psíquico em TODOS os bebês de 0 a 18 meses, está circulando pela internet um texto contendo análise crítica e algumas proposições para o problema em questão, uma iniciativa apoiada integralmente pelo Despatologiza e pelo MAD IN BRASIL.

Despatologiza infância

Este texto estará aberto para assinatura de todos os que concordarem com seus argumentos e propostas.

Os profissionais, instituições, usuários e familiares que quiserem assinar, deverão mandar mensagem com nome completo e instituição de pertencimento para o seguinte endereço eletrônico:  [email protected]

As assinaturas serão recebidas nos próximos 15 dias.

Leia na íntegra o texto.   

 

Sobre as Motivações e Consequências Clínico-Políticas da lei 13.438, de maio de 2017

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Luciano EliaQuem contestaria o valor inestimável de iniciativas voltadas para prevenir quadros como autismo (ou afecções similares, graves, sobrevenientes na infância)? Quem discutirá que, quando essas iniciativas tomam a forma da lei, supostamente o instrumento de garantia de direitos, esta vicissitude só poderia ser celebrada pela sociedade e pelos cidadãos de bem?

Questões e situações como esta que tentamos caracterizar acima são particularmente espinhosas, sobretudo pela sutiliza e complexidade de suas ambiguidades, plurivocidades, multiplicidades de intenções e fatores implicados nela, cujo exame crítico, que no entanto se impõe a toda postura não ingênua diante da realidade e dos fatos discursivos, pode assumir, com grande facilidade, um sentido antinômico ao direito, ao bem-estar e à ética do cuidado em matéria de política pública, principalmente envolvendo a saúde.

Este é o caso da Lei 13.438, sancionada em maio último, que, acrescentando um parágrafo ao Artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 1990), torna:

“obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos seus primeiros dezoito meses de vida, de protocolo ou outro instrumento construído com a finalidade de facilitar a detecção, em consulta pediátrica de acompanhamento da criança, de risco para o seu desenvolvimento psíquico”.

Ora, será que podemos sustentar, no rigor ético exigível de todo procedimento científico, que todas as crianças de 0 a 18 meses de vida devam ser submetidas a protocolos de testagem a fim de detectar possíveis indícios de risco para seu desenvolvimento psíquico? E isso independentemente de todo e qualquer indício real manifesto, porquanto a lei assevera claramente que a aplicação do referido protocolo é obrigatória a todas as crianças, do nascimento aos 18 meses.

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Existe nessa obrigatoriedade uma sanha evidente de controle prevencionista excessivo, abstrato, que prescinde do real para intervir sobre ele, nisso consistindo aliás o aspecto mais abusivo do excesso do controle. Podemos chegar a afirmar que o anseio deteccionista tende a produzir, no limite, os indícios que supostamente se pretendem detectar como se já foram existentes, uma vez que a investigação de um ainda-não-objeto-de-investigação o busca, o procura, e, portanto, em algum grau, o produz.

Entretanto, o aspecto mais grave que podemos identificar nesta lei, que foi sancionada sem que tenha havido qualquer discussão ampla na comunidade científica interessada e de percurso longo e qualificado neste campo, talvez nem esteja no aspecto performático de sua investigação abstrata e irreal, como assinalamos primeiro, mas nos efeitos de alastramento, em escala inimaginavelmente ampla, de “detecções” infundadas, sem suporte real algum.

Os protocolos e instrumentos de detecção, cuja aplicação a toda criança torna-se obrigatória prescindindo-se fragorosamente da realidade clínica, deixam assim de estar a serviço de uma ratio científica, para a qual eles são sempre úteis quando o bom cientista, o rigoroso, mesmo sabendo-os falhos, utiliza-os para abordar, estudar, investigar e intervir sobre um real concreto que assim confere âncora, bússola e baliza ao processo investigativo, reduzindo os riscos de seus indefectíveis erros. Sem isso, a embarcação navega à deriva, ou seja, ao sabor das correntes ideológicas dominantes nas águas do mar. Esses protolocos/instrumentos passam por um processo de fetichização que consiste em suplantar a prevalência do próprio objeto investigado (que, na operação, fora tornado irrelevante de saída) tornando-se, eles próprios, o foco e o eixo da operação, o que, incidentalmente, faz também com que a margem de erro e incerteza (própria a toda atividade científica séria e salutar e que a torna, em aparente paradoxo, mais e mais confiável) fique abolida. Resulta disso um método que consiste justamente em produzir o erro como forma sistemática, de funcionamento operacional, e não como acidente contingencial.

Podemos antever uma proliferação de diagnósticos de falsos quadros de autismo e outras modalidades de sofrimento psíquico, e não sua detecção rigorosa e o mais precoce possível – o que seria alta e absolutamente desejável. Ao invés de trabalhar em prol da detecção a mais tempestiva possível, aquela que seria feita no momento mais inicial de um processo real de adoecimento psíquico na infância, os profissionais e pesquisadores que propuseram e sustentam esta lei preferem operar na abstração de um controle do irreal, tentando produzir realidades que de outro modo possivelmente não seriam produzidas.

Será necessário dizer que uma tal postura atende aos dois senhores absolutos da contemporaneidade, que subjugam sem cessar a Ciência e o Estado: o Capital-em-si e o Controle da sociedade? A proliferação dos diagnósticos sem base real (isto é, preliminar ao diagnóstico mesmo – já que este, na conjuntura em que se inscreve esta lei, vem antes, é ele que é preliminar) serve ao mercado de psicofármacos – o mais rentável do mundo (o de fármacos, que já suplantou o de armamentos que até poucos anos ocupava a pole position) e às práticas de controle e adestramento comportamental, tão hegemônicas e dominantes no mundo atual. Não estamos diante da prevenção do autismo, mas da oficialização da mais clara psiquiatrização e medicalização da infância em escala nacional.

É por isso que é importante deplorar esta lei, e fazer o que estiver ao nosso alcance para barrá-la, impedir sua aplicação, revogá-la (já que, de forma surda e fora da luz do dia das discussões democráticas, ela foi sancionada), começando por exigir a maior participação possível de profissionais críticos no processo de sua regulamentação, em curso.

A luta pela detecção precoce e, portanto, do tratamento o mais cedo possível do autismo e quadros similares terá que utilizar outras vias, clinico-politicamente mais éticas e cientificamente mais rigorosas para sua execução.

 

Paulo Amarante: ‘Medicalizar Problemas Cotidianos Faz Mais Mal à Saúde do que a Depressão’

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Em uma entrevista dada ao blog do Centro de Estudos Estratégicos (CEE-Fiocruz), o Dr. Paulo Amarante, sanitarista e pesquisador da FIOCRUZ, alerta quanto aos danos produzidos pelas drogas psiquiátricas, em especial os antidepressivos. Trata-se de um sério problema de saúde pública, sobre o qual ainda mal começamos a ter consciência da sua extensão, bem como da incorporação desse fenômeno no cotidiano de milhares de brasileiros.

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Como é sublinhado por Paulo Amarante:

 “Começou-se a observar que esses medicamentos geram dependência e que sua suspensão e retirada sejam tão difícil quanto com uma droga ilícita ou com o álcool. E praticamente não há serviço especializado no mundo nesse tipo de desintoxicação. ”

Na entrevista dada à jornalista Eliane Bardanachvili, Paulo Amarante faz referência a iniciativas para que o público em geral – e os profissionais de saúde em particular – possam ter acesso ao que a literatura científica apresenta como evidências dessa ‘epidemia de transtornos mentais’, que está sendo condicionada sobretudo pela aliança entre a Indústria Farmacêutica e os interesses corporativos da Psiquiatria enquanto instituição. Paulo destaca duas referências: a publicação do livro do jornalista estadunidense Robert Whitaker, Anatomia de uma Epidemia, pela Editora Fiocruz; e este site do Mad in Brasil.  E para aprofundar o debate nacional, ele anuncia que haverá um Seminário Internacional sobre  Prescrição de Drogas Psiquiátricas, Causas e Danos, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-RJ), nos dias 30 e 31 de Outubro e 1 de Novembro, com a presença de renomados nomes internacionais.

Leia a entrevista na íntegra.

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