Especialista aponta uso excessivo de antidepressivos

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Palomba fez duras críticas à condução da Psiquiatria atual (Foto: Irandy Ribas/ AT)

Publicado em A Tribuna. Um dos nomes mais respeitados no campo Psiquiátrico denuncia a própria Psiquiatria.

“A Psiquiatria de hoje é absolutamente decadente, uma porcaria”, a opinião é do médico psiquiatra Guido Palomba, um dos maiores especialistas da área do Brasil. Ele fez palestra ontem no 14º Congresso Médico Científico (Comec), organizado por estudantes do Centro Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).”


Palomba fez duras críticas à condução da Psiquiatria atual (Foto: Irandy Ribas/ AT)

Confira a matéria na íntegra →

Quadro de Referência Poder, Ameaças e Sentido (PTMF)

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Nos dias 29, 30 e 31 de Outubro próximo, ocorrerá no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), o 3 Seminário Internacional A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. O foco do Seminário serão alternativas ao diagnóstico psiquiátrico e alternativas ao tratamento psicofarmacológico.

A seguir uma entrevista com Lucy Johnstone (Reino Unido), quem irá nos apresentar o documento oficial da Divisão Clínica de Psicologia da Sociedade Britânica de Psicologia.

Um grupo de psicólogos seniores (Lucy Johnstone, Mary Boyle, John Cromby, David Harper, Peter Kinderman, David Pilgrim e John Read) e ativistas de alto prestígio dos movimentos de usuários de serviços (Jacqui Dillon e Eleanor Longden) passaram cinco anos desenvolvendo o documento Quadro de Referência Poder, Ameaças e Sentido (Power Threat Meaning Framework) como uma alternativa aos modelos mais tradicionais baseados no diagnóstico psiquiátrico. Eles foram apoiados pela pesquisadora Kate Allsopp, por um grupo de consultoria de usuários / prestadores de serviços e por muitas pessoas que forneceram exemplos de boas práticas que não se baseiam no diagnóstico.

A ENTREVISTA

Fernando: Oi Lucy. Depois de ler o documento Quadro de Referência Poder, Ameaças e Sentido (que para facilitar iremos resumir pelas iniciais em inglês PTMF), e haver trabalhado com partes desse documento em um grupo de estudos aqui no Laboratório [LAPS], enquanto psicólogo sinto-me orgulhoso, eu já lhe disse isso. É uma honra estar agora a entrevista-la.  Esse documento do qual você é uma das coautoras é uma tomada de posição oficial da Divisão Clínica de Psicologia da Sociedade Britânica de Psicologia do Reino Unido. E é muito interessante que o seu produto seja uma obra coletiva, com a participação de profissionais da clínica, profissionais da academia, e muito em particular representantes dos movimentos organizados de ex-usuários.  O documento nos mostra ser possível trabalhar com pessoas com estresse psicológico, independentemente da forma como esse estresse se manifesta, com meios que não são da abordagem do modelo biológico.  E que o Quadro de Referências consegue dialogar com distintas escolas clínicas de abordagem psicossocial, como psicanálise, teoria cognitivo-comportamental, psicologia existencial, psicologia sistêmica, etc., bem como com as experiências de vida dos usuários. Sabemos que sistema oficial de diagnóstico psiquiátrico é terrível. Saiba que a sua presença entre nós em nosso Seminário no Rio será muito importante, mostrando como é possível oferecer alternativas à abordagem biomédica para a nossa sociedade.

Então, Lucy. Minha primeira pergunta é a seguinte. Em poucas palavras, você poderia resumir quais são as questões mais importantes implicadas no sistema oficial de diagnóstico psiquiátrico?

Lucy: O sistema de diagnóstico psiquiátrico está em crise. Até os psiquiatras seniores que elaboraram essas categorias admitiram que falta confiabilidade e validade a elas. É por isso que a British Psychological Society apoiou nosso projeto de cinco anos, o PTMF, para desenvolver um sistema conceitual alternativo. Muitos profissionais não percebem que os diagnósticos não são cientificamente fundamentados e os usuários do serviço raramente são informados. Os diagnósticos psiquiátricos são impostos às pessoas como se fossem fatos médicos comprovados, enquanto a verdade é que são conjuntos de julgamentos sociais sobre crenças e comportamentos inoportunos, elaborados por comitês. As pessoas diagnosticadas podem muito bem ter problemas, mas não há evidências de que esses problemas sejam melhor compreendidos como distúrbios ou doenças médicas. No entanto, esses rótulos são muito poderosos. Eles carregam mensagens de estigma, vergonha e auto-culpa. Eles frequentemente obscurecem os abusos e privações que as pessoas sofreram. Em um nível social mais amplo, os diagnósticos impedem todos nós de fazer a ligação entre o sofrimento pessoal – o que é muito real – e a desigualdade e a injustiça social. O PTMF tenta restaurar esses links.

Fernando: O foco do PTMF são as ‘ameaças ao poder’. Por que essa mudança de foco para as ‘ameaças do poder’? Por que é tão importante que todos nós tenhamos o ‘poder’ como foco ‘?

Lucy: O foco principal do PTMF está no impacto do poder em todas as suas formas e nas ameaças que isso pode criar em todas as áreas de nossas vidas. Isso inclui não apenas as maneiras pelas quais as pessoas podem ferir, abusar ou negligenciar uma à outra, mas formas mais amplas de poder em nossos sistemas sociais, econômicos e políticos. Queríamos tornar a consideração do poder muito central, porque é o elemento que falta nos sistemas de diagnóstico. Assim que damos a alguém um diagnóstico, nos concentramos nela enquanto indivíduo, separando-a de seu contexto mais amplo. Mas muitas vezes também falta uma consciência do papel do poder na psicologia e na psicoterapia. A menos que o recoloquemos, nós sempre corremos o risco de individualizar problemas sociais, e, assim, nunca lidaremos com causas profundas.

Fernando: Considerando que no Brasil existem milhões de pessoas vivendo em inimagináveis condições miseráveis, sujeitas a todos os tipos de violência econômica e político-social, mas igualmente física, psicológica e sexual. Como o PTMF pode ajudar os profissionais de saúde mental a serem úteis no dia a dia da assistência em saúde mental? Eu sei que é uma pergunta complexa, em particular para alguém que não viva no Brasil. Teremos a oportunidade de discutir sobre isso durante o nosso seminário. Mas brevemente, você poderia nos preparar para pensar sobre isso?

Lucy: Não há respostas simples para esses problemas muito reais e muito complexos. O PTMF pediria, em primeiro lugar, aos profissionais de saúde mental, que não diagnostiquem as pessoas que vivem nessas situações com ‘doenças mentais’. Isso simplesmente lhes dá uma identidade de ‘doentes mentais’, além de outros problemas. É uma resposta não científica e ofensiva, que aumenta o senso de fracasso e desesperança das pessoas. Em vez disso, o PTMF nos encoraja a ver que as pessoas estão experimentando reações compreensíveis às circunstâncias da sua vida. Isso pode fornecer a base para apoiar mudanças, mesmo que pequenas, em suas situações. Freqüentemente, isso não é melhor feito pela terapia, mas ajudando as pessoas a acessar qualquer suporte prático disponível e, talvez, juntando-se a outras pessoas para compartilhar suas histórias e agir socialmente.

Fernando: Por fim, conte-nos suas perspectivas com este Seminário no Rio.

Lucy: No Rio, descreverei os princípios básicos do PTMF e discutirei algumas das maneiras pelas quais ele está influenciando a prática no Reino Unido e além. Uma de suas implicações é que precisamos ver o papel dos medicamentos psiquiátricos de maneira muito diferente. As drogas podem proporcionar alívio a curto prazo, mas não estão ‘tratando doenças’. Isso se encaixa bem com o tema da conferência e espero compartilhar essas idéias com outras pessoas.

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Clique aqui para ver um curto vídeo do lançamento do Documento em Londres.

Diretrizes para prescrição de antidepressivos reconhecem a gravidade dos sintomas de abstinência

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Creative Commons

Uma nova atualização das diretrizes da NICE, Reino Unido, para o tratamento da depressão sugere que os profissionais informem os pacientes sobre o potencial de sintomas de abstinência graves a longo prazo ao se interromper os medicamentos antidepressivos. A mudança relevante nas diretrizes recomenda que psiquiatras e profissionais de saúde mental conversem com os usuários sobre retirada de antidepressivos:

“Explica que, embora os sintomas de abstinência que surgem ao se interromper ou reduzir os antidepressivos possam ser leves e auto-limitados, há uma variação substancial na experiência entre as pessoas, com sintomas que podem durar muito mais (às vezes meses ou mais) e para alguns pacientes são muito mais graves”.

Creative Commons

Uma notícia na revista científica BMJ forneceu mais detalhes sobre a atualização. De acordo com esse artigo, o Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE) do Reino Unido publicou as diretrizes originais de tratamento para depressão em 2009. Naquela época, eles sugeriram que os sintomas de abstinência eram “geralmente leves e autolimitados por cerca de uma semana”.

No entanto, recentemente os pesquisadores entraram com um pedido de liberdade de informação para ver as evidências que o NICE usou para fazer essa polêmica alegação de “uma semana”. Aconteceu, conforme relatado no BMJ, que o NICE não podia dar sustentação científica à tal declaração. Em vez disso, suas fontes o contradiziam explicitamente:

“O NICE foi capaz de fornecer apenas dois artigos curtos e revisão, nenhum dos quais apoia a reivindicação de uma semana, embora ambos citem várias fontes que a contradizem.”

Agora, o NICE atualizou essa declaração para reconhecer o extenso conjunto de pesquisas que encontrou sintomas de abstinência prolongados e graves após o uso de antidepressivos.

BMJ cita Paul Chrisp, diretor do Centro de Diretrizes da NICE: “Alteramos as diretrizes para reconhecer as evidências emergentes sobre a gravidade e a duração dos sintomas de abstinência de antidepressivos”.

As diretrizes do NICE de 2009 têm sido amplamente criticadas por não considerar a pesquisa sobre a retirada dos antidepressivos. Um artigo recente no BMJ sugeriu que diretrizes que minimizam a gravidade e a duração dos sintomas de abstinência servem para desinformar os provedores dos serviços. Sintomas de abstinência mais longos e mais graves acabam sendo diagnosticados incorretamente como recaída da depressão.

O resultado é muitas vezes restabelecer o antidepressivo para tratar a suposta recaída, em vez de considerar estratégias de redução mais ampliadas para minimizar a retirada.

O NICE estava programado para lançar uma revisão significativa de suas diretrizes de tratamento da depressão no ano passado. No entanto, preocupações foram levantadas por um grande grupo de especialistas em saúde mental, usuários de serviços e sobreviventes. Segundo esse grupo, havia “falhas significativas na metodologia, falta de transparência e várias inconsistências no documento”.

O grupo documentou muitos desses problemas. Por exemplo, as recomendações para o uso prolongado de antidepressivos geralmente se baseiam em estudos de curto prazo, geralmente com duração de apenas um mês ou dois. O grupo também observou problemas, incluindo dados de coleta de dados, análises estatísticas controversas usadas para determinar a eficácia e relatórios inadequados dos perigos dos medicamentos. Além disso, o NICE foi criticado por não ouvir as vozes dos usuários e sobreviventes do serviço.

Em 2017, a Rede Nacional de Usuários Sobreviventes (NSUN) emitiu uma declaração apontando que as diretrizes do NICE ignoraram amplamente as vozes dos usuários de serviços, usando evidências desatualizadas de experiências de usuários de serviços, datadas principalmente de antes de 2004 e falharam. mesmo para incorporar essa evidência nas recomendações.”

Devido a essas preocupações, o NICE passou por um processo de consulta para basear suas diretrizes revisadas em evidências mais atuais com melhor metodologia. Esta atualização, reconhecendo a gravidade e a duração da retirada do antidepressivo, é o primeiro resultado desse processo.

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National Institute for Care and Health Excellence (NICE). Depression in adults: recognition and management. 2019. www.nice.org.uk/guidance/cg90/chapter/1-Guidance#continuation-and-relapse-prevention

Entrevista com o Dr. Peter Groot

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Dias 29, 30 e 31 de Outubro próximo, teremos o 3 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas – Alternativas ao Diagnóstico Psiquiátrico e ao Tratamento Psicofarmacológico.

O Seminário será transmitido on-line e com transmissão simultânea. youtube.com/VIDEOSAÚDEDEFIO

 

 

Tive o prazer de entrevistar o Dr. Peter Groot. O Dr. Peter desenvolveu junto com o Dr. Jim Van_Os, os dois são pesquisadores da Universidade de Maastrich (Holanda), uma tecnologia revolucionária que garante que médicos e pacientes planejem e executem um programa individualizado de redução da medicação psiquiátrica de forma segura e eficaz. São as chamadas “tiras de afunilamento” (tapering strips).

A ENTREVISTA

Fernando: Olá Peter. Antes de tudo, devo dizer que foi muito bom haver conhecido você em Gotemburgo durante o Encontro do Instituto Internacional para a Retirada de Drogas Psiquiátricas (IIPDW). A apresentação que você fez para nós das tiras de afunilamento teve um forte impacto em todos nós, você sabe. E certamente o mesmo acontecerá com o público brasileiro.

Muito obrigado por responder a esse pequeno número de perguntas que apresentarei. Esta breve entrevista será importante para preparar o público brasileiro para o que você nos trará.

Você poderia nos dizer por que é tão importante oferecer às pessoas meios para reduzir ou interromper o uso de drogas psiquiátricas?

Peter Groot: Parar abruptamente com medicamentos psiquiátricos pode causar sintomas de abstinência. Esses sintomas podem ser leves, mas também podem ser graves. Tão graves que os pacientes não conseguem parar e (precisam) continuar usando seus medicamentos. Mesmo se eles não quiserem fazer isso. Mesmo que isso seja desnecessário ou até prejudicial. Os sintomas de abstinência podem deixar as pessoas ansiosas, agitadas e até suicidas e, portanto, podem ter consequências muito graves. Para impedir que isso aconteça, os médicos devem poder deixar seus pacientes pararem com segurança. No entanto, até agora, isso era muito difícil ou praticamente impossível.

Para fazer algo sobre isso, desenvolvemos as chamadas tiras de afunilamento. As tiras de afunilamento tornam praticamente possível para os médicos prescreverem programas de redução individualizados, e adaptáveis na medida que for o necessário. É muito importante que o paciente e o médico trabalhem juntos, que as decisões de tratamento sejam feitas com base na tomada de decisão compartilhada e que sejam feitas consultas sobre o auto (monitoramento) durante e após o tratamento da redução gradual. Se o médico e o paciente fazem isso bem, sair com êxito de medicamentos psiquiátricos se torna muito mais fácil. Nosso objetivo é tornar isso praticamente possível. Já há muitos pacientes (e ainda estão) sofrendo desnecessariamente com a retirada e, como consequência disso, estão usando medicamentos psiquiátricos desnecessariamente e por muito tempo.

Fernando: Você desenvolveu a estratégia das “tiras de afunilamento” para o processo de retirada de medicamentos psiquiátricos. Você poderia explicar em poucas palavras qual é a racionalidade das tiras de afunilamento? Como elas operam?

Peter Groot: A lógica das tiras de afunilamento é muito simples: redução da dose em etapas muito pequenas. Tornamos praticamente possível o que muitos pacientes tentam fazer em casa, porque não conseguem diminuir com segurança a dosagem do medicamento que o médico possa haver prescrito.

Inicialmente, queríamos desenvolver apenas uma tira de afunilamento para os antidepressivos Paroxetina e Venlafaxina, os dois antidepressivos mais difíceis de serem eliminados com segurança. Logo descobrimos que isso não era o suficiente. Ao longo dos anos, foi solicitado o desenvolvimento de tiras de afunilamento para outros medicamentos: não apenas para outros antidepressivos, mas também para benzodiazepínicos, antipsicóticos, antiepiléticos, analgésicos opioides como Oxicodona, e a lista ainda está crescendo. A retirada é um problema muito maior do que muitas pessoas pensam. Depois que desenvolvemos as primeiras tiras de afunilamento, também aprendemos muito rapidamente que o sistema que desenvolvemos tinha que ser flexível, porque os pacientes diferem um do outro. As soluções de tamanho único não funcionam muito bem na medicina, a tomada de decisões compartilhadas funciona muito melhor. O sistema que desenvolvemos para a medicação afunilada torna isso praticamente possível.

Fernando: Você sabe, no Brasil e no resto do mundo, nosso sistema de assistência à saúde mental depende fortemente do modelo biomédico. O senso comum é que os sintomas que aparecem quando alguém reduz ou para de tomar drogas psiquiátricas são os sintomas da suposta doença mental. Você tem formação em química. Então, o que você diz sobre os sintomas de abstinência? Os sintomas de abstinência não são bem aceitos pela comunidade científica e pelos médicos. O que poderia nos dizer sobre isso? Sabemos que é uma questão complexa, mas em poucas palavras, você poderia nos dizer algo do que nos mostrará com mais detalhes durante nosso Seminário no Rio de Janeiro?

Peter Groot: A confusão sobre a distinção entre sintomas de abstinência e sintomas de recaída é um grande problema clínico. Importante para resolver isso é ser capaz de impedir a ocorrência de sintomas de abstinência e a redução gradual da medicação torna isso praticamente possível.

Penso que nas últimas décadas a consciência da presença e importância dos problemas de abstinência foi mínima e que os problemas de abstinência foram amplamente subestimados. Não foi dada atenção suficiente às experiências dos pacientes e os ensaios clínicos não são adequados para detectar problemas de abstinência suficientemente bem.

Mas acho que isso está realmente mudando agora. Há um grupo crescente de pessoas em todo o mundo, e você é uma delas, que está trabalhando duro para conseguir mudanças importantes. E acho que vemos isso acontecendo agora.

Fernando: Por fim, conte-nos sobre as suas perspectivas com este seminário no Rio.

Peter Groot: Meu plano é contar com mais detalhes sobre a medicação afunilada. E para falar sobre o que gostaríamos de fazer no futuro próximo. Uma coisa importante é usar os dados fornecidos a nós pelos pacientes que usam medicação afunilada, não apenas durante a redução, mas também por um período mais longo. Isso é importante porque sabemos que os pacientes que abandonam a medicação com sucesso podem ter problemas mais tarde. Problemas que podem indicar recaída, mas também podem ser efeitos tardios do uso prolongado de medicamentos. Há uma crescente conscientização sobre a ocorrência de tais efeitos tardios, ou como se queira chamá-los. Sabemos muito pouco sobre isso, porque isso nunca foi investigado adequadamente. Eu acho que para começar a investigar isso estamos dando um bom passo.

Finalmente, espero ver o que está acontecendo na Fundação Oswaldo Fiocruz e no Brasil, aprender uns com oss outro e trabalhar juntos. Também estou ansioso para conhecer Lucy Johnstone pessoalmente. Fernando, nos encontramos pela primeira vez na Reunião de Rede da IIPWD em Goteborg, na Suécia, que achei muito emocionante, encorajadora e energetizante. Espero muito que esse também seja o caso no Rio. Estou ansioso por isso!

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As “tiras de afunilamento” ganham expressão em diversas partes do mundo.  Como você pode verificar com um click aqui, conhecendo por exemplo o movimento no Reino Unido para que o seu Sistema de Saúde reconheça oficialmente as “tiras”.

O reconhecimento oficial que os Antidepressivos produzem Sintomas de Abstinência

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Do British Medical Journal. O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE) alterou suas diretrizes sobre depressão,  reconhecendo a gravidade e a duração dos sintomas de abstinência de antidepressivos.

As orientações sobre o tratamento da depressão em adultos afirmam que os sintomas de abstinência podem ser graves e prolongados em ‘alguns pacientes’.

As diretrizes anteriores do NICE, publicadas originalmente em 2009 e atualizadas no ano passado, diziam que os sintomas de abstinência são “geralmente leves e auto-limitados por cerca de uma semana“.

Porém, em uma emenda, o NICE acaba de reconhecer que:

“há uma variação substancial na experiência das pessoas, com sintomas que duram muito mais (às vezes meses ou mais) e são significativamente graves para alguns pacientes”.

James Davies, psicoterapeuta e principal autor da carta publicada no The BMJ, diz que a mudança foi “extremamente significativa“.

Paul Chrisp, diretor do Centro de Diretrizes da NICE, diz o seguinte:

“Alteramos as diretrizes, para reconhecer as evidências emergentes sobre a gravidade e a duração dos sintomas de abstinência de antidepressivos.”

Aqui está o artigo do BMJ na íntegra →

3 Seminário A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUÁTRICAS

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Publicado na página do Centro de Estudos Estratégicos da FIOCRUZ (CEE/FIOCRUZ). É a respeito do 3 SEMINÁRIO INTERNACIONAL A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. Que irá ocorrer nos dias 29, 30 e 31 de Outubro, no Rio de Janeiro (ENSP/FIOCRUZ).

“Os sistemas oficiais de classificação de doenças e de diagnóstico transformam em doença as formas cotidianas de pensar, sentir e agir, gerando uma falsa “epidemia de transtornos mentais” e enfatizando tratamentos com foco na medicalização. Milhões de pessoas ao redor do mundo buscam deixar de usar drogas psiquiátricas, mas encontram dificuldade, tendo em vista os severos efeitos gerados pela abstinência. Essas questões estarão em debate no 3º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, de 29 a 31/10/2019, iniciativa do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Ensp/Fiocruz), em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes).

Coordenado pelos pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, do Laps, o evento tem como foco: Alternativas ao diagnóstico psiquiátrico e ao tratamento psicofarmacológico, e reunirá, no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), pesquisadores, alunos, familiares e usuários da assistência psiquiátrica e saúde mental. Haverá transmissão ao vivo e tradução simultânea.”

Veja na íntegra a matéria →

 

Rachaduras no paradigma dominante da Psiquiatria

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Magnus Hald

Tenho o prazer de trazer ao público brasileiro, em particular aqueles que seguem o nosso site do Mad in Brasil (MIB), uma entrevista entre dois colegas que tive a oportunidade de recentemente conhecer em Gotemburgo (Suécia), na reunião do Instituto Internacional para a Retirada das Drogas Psiquiátricas (International Institute for Psychiatric – IIPDW). O entrevistado é o Dr. Magnus Hald, psiquiatra, Diretor da Divisão de Saúde Mental e Abuso de Substância, na Noruega.  Quem o entrevistou foi Auður Axelsdóttir, terapeuta ocupacional, Islândia. A entrevista foi dada, muito recentemente, em uma estação de rádio de grande audiência na Islândia.

Eu fiz a transcrição não literal dessa entrevista. Mas você poderá ouvir na íntegra o conteúdo da entrevista clicando o link que está no término desta matéria.

Antes de apresentar o conteúdo da entrevista, algumas informações importantes que ajudarão a melhor compreender o seu contexto.

Na semana seguinte da reunião do IIPDW, em Gotemburgo, houve na Noruega o 24º. Encontro da Rede Internacional para o Tratamento da Psicose. Entre os diversos temas, foi discutido o trabalho e o desenvolvimento da psiquiatria sem drogas na Noruega. O colega Magnus Hald é um dos protagonistas de uma experiência bastante inovadora, relatada por Robert Whitaker e postada aqui no MIB. Trata-se de uma iniciativa do Governo da Noruega, através do seu Ministério da Saúde. É, portanto, uma política de saúde do Estado Norueguês. Que consiste em que é obrigatório que sejam oferecidas na rede de assistência em saúde mental nacional o direito a ter a opção de tratamento livre de drogas psiquiátricas.  É algo fortemente inovador no cenário internacional da assistência psiquiátrica.

Na próxima última semana de Outubro, nos dias 29, 30 e 31, no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), haverá o III SEMINÁRIO INTERNACIONAL A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. O foco neste ano são os dois pilares do ‘modelo biomédico’ da Psiquiatria: o diagnóstico psiquiátrico e o tratamento psicofarmacológico.

Essa entrevista com o Dr. Magnus Hald, narrando com detalhes a experiência norueguesa de tratamento sem drogas psiquiátricas, é uma boa ocasião para a abertura de novos horizontes para a assistência em saúde mental em nosso país.

A ENTREVISTA

Atendendo à demanda dos usuários

Foi decidido, em 2016, que teríamos uma enfermaria livre de drogas no Hospital da Universidade de Tromsø, em que eu era o Diretor da Divisão de Saúde Mental e Abuso de Substâncias. Isso foi em 2016. E em 2017 eu abri as portas para o inicio do Programa.

Isso na verdade começou por iniciativa dos usuários, por cinco organizações de usuários, demandando opções por liberdade para tratamento sem drogas. Portanto, foi uma iniciativa dos usuários.

Deveríamos ouvir as vozes dos pacientes, uma demanda do Ministério da Saúde. E as organizações dos usuários se uniram. É por isso que o Ministério da Saúde decidiu que deveríamos ter isso no país.

Houve uma forte oposição dos psiquiatras, e ainda há hoje uma forte pressão contra essa iniciativa. Pensam que isso não é correto, que é uma irresponsabilidade. Eles (psiquiatras) acreditam que não deve haver esse tipo de opção [tratamento sem drogas psiquiátricas].

Eu penso que é ainda um começo.

Em muitas partes do mundo isso está ocorrendo fora dos locais da Medicina, mas aqui faz parte do nosso sistema público de saúde.

Os problemas conectados com as drogas psiquiátricas

Eu penso que há diferentes desenvolvimentos da Psiquiatria. Eu, da minha parte, não considero ser difícil apoiar essa direção que estamos tomando. Eu trabalho como psiquiatra desde os anos 70. E tenho visto que há muitos problemas conectados com as drogas. Na Noruega já temos muitas unidades livres de drogas. É isso um problema? Por que deveria ser? É difícil dizer isso. É um bom debate.

O que nos leva a não apenas debater o não uso de drogas, mas também, ao usá-las, discutir o quanto. Eu penso que a maioria dos psiquiatras irão concordar que nem todos os pacientes podem ter um bom uso das drogas psiquiátricas. O que acontece quando você vê que um paciente não está tendo um bom uso das drogas? Ao invés de interromper, em geral o que se faz é prescreve mais e mais drogas.

Na agenda dos Direitos Humanos

[o direito a ser tratado sem drogas psiquiátricas] Eu concordo muito com isso. Eu desenvolvo isso há mais de 2 anos, e vejo que ainda há um longo caminho a percorrer para que possamos oferecer um serviço realmente bom para as pessoas. Mas penso que entre as principais coisas que alcançamos [ com a experiência em Tromsø] é que nós colocamos isso na Agenda. Quero dizer, que as pessoas passam a ver isso. Que nós temos que debater essa Agenda.

Ainda que no sistema hospitalar (…)

Sim. Isso é no sistema hospitalar nosso. É uma enfermaria [livre de drogas psiquiátricas] ao lado de outra enfermaria. É um grande desafio. Porque é um desafio para a nossa enfermaria.

A questão é como não conter pacientes (…)

Na Noruega somos obrigados a dar um Consentimento Informado e Esclarecido. E o paciente deve ter condições para dar o Consentimento. E se alguém é considerado como sendo incapaz para dar o Consentimento, ele não pode ter um tratamento voluntário. Assim sendo, como dar conta dessa questão em uma Unidade livre de drogas?

Como funciona a Unidade?

Tentamos fazer um planejamento individualizado, para cada pessoa. Tentamos fazer esse plano com a rede social do paciente, assim como com a rede social dos profissionais. Mas pode ser apenas com o paciente e em sua rede social natural de vida. E se tenta sempre educar as pessoas da rede natural do paciente.

Geralmente as pessoas pedem voluntariamente para entrar no Programa. Recebemos a referência vinda de um Centro Especializado de Psiquiatria ou de psiquiatras privados. Em geral, o próprio paciente é quem preenche ele próprio o pedido: “o que você quer ao vir para este Programa?”

Pode haver diferentes tipos de coisas que as pessoas queiram alcançar. Por exemplo, muitas e muitas pessoas querem reduzir o seu consumo de drogas. Então chegam já fazendo uso de drogas e nós iniciamos um programa de redução e de término. Nós iremos tentar desenvolver com o paciente um Programa de redução das drogas. E isso pode durar algum tempo, como de 1 ano a 2 anos. Pelo menos com aqueles que já estão fazendo o consumo de drogas há algum tempo.

Nós damos suporte ao que querem fazer. Esse é um grande desafio: dar suporte às pessoas que estão em processo de redução das doses usadas! Esse é um grupo.

Mas há um outro grupo dos que querem estar na enfermaria sem fazer uso algum de drogas psiquiátricas. E temos que construir um Programa para essas pessoas.

E há algumas outras pessoas que não estão em consumo pesado de drogas psiquiátricas, que entram em contato conosco porque necessitam ser hospitalizadas e não querem ir para um lugar onde serão tratadas forçosamente com medicamentos.

É muito interessante ver que há diferentes tipos de pessoas que querem fazer tratamento livre de drogas psiquiátricas. Isso é um desafio.

A equipe

Há um médico em formação em psiquiatria. Há um psicólogo. 6 enfermeiro(a)s. 2 fisioterapeutas. 2 ex-pacientes com experiência de vida de retirada das drogas psiquiátricas. Há estudantes de psicologia. Há 2 arte-terapeutas. 1 terapeuta ocupacional. Sei que no total somos 20 pessoas. Há pessoas para o trabalho durante o dia. Há aqueles para a noite. Há o trabalho não apenas para os pacientes na enfermaria, mas fora, com reuniões com as redes sociais. Há vezes que temos que viajar por longas distâncias, até mesmo de avião. Há vezes que as reuniões são feitas por Skype, com os pacientes, os profissionais e a rede social dos pacientes, porque estão em diferentes partes da região.

A orientação teórica

Eu penso que em Tromsø as pessoas não dizem que se trata de um modelo de assistência baseado no Diálogo Aberto. Temos tido muita colaboração ao longo de muitos anos [com os colegas da Finlândia]. Eu penso que estamos trabalhando mais com “Processos Reflexivos” ou “Equipes Reflexivas”. [Uma metodologia desenvolvida pelo norueguês Tom Andersen].

O histórico de tratamento psicofarmacológico

A maioria que nos procura tem uma história de sucessivas tentativas de deixar de tomar as drogas psiquiátricas e de ouvir que mexer com a medicação pode provocar o retorno dos sintomas. Que ouviram das equipes que as ‘sensações’ ruins retornarão. E que sabem que esse processo não é fácil, a partir da sua própria experiência. Que se os sintomas retornarem, o que farão?

A permanência no Programa

Assim é que chegam. E ficam 2 a 3 semanas. Às vezes, vindo 3 vezes durante o ano. É feito um Plano individualizado.

Se houver necessidade de retorno [sintomatologia insuportável] há sempre um leito disponível, para qualquer necessidade (demanda).

Apenas creio eu que tivemos apenas uma paciente que permaneceu por meses, porque não queria de modo algum fazer uso de drogas, e que apresentava muitos sintomas, que lhe eram impossíveis de ser manejados. Então ela permaneceu na enfermaria, com uma recuperação muito lenta, em um processo que durou muito tempo. Sua família tinha dúvidas se seria ou não uma boa ideia permanecer sem drogas. Se ela estaria ou não melhorando (…) Porém, a grande maioria fica apenas por um tempo muito limitado.

Os resultados (follow-up)

Os resultados? Muita gente vem conseguindo muito bons resultados. Mas o nosso Programa está funcionando há apenas 2 anos. Nós ainda não temos uma experiência de longo prazo.

As ‘tiras de afunilamento

Começamos a fazer uso das ‘tiras’. A indústria farmacêutica não produz doses com as quais se possa fazer a redução de uma forma segura e eficaz. Tentar dividir esses medicamentos é algo muito difícil! E nem sempre isso é possível.

Na Holanda, há uma farmácia que produz as ‘tiras de afunilamento’.  Nós as compramos da Holanda. Há muita burocracia envolvida aqui na Noruega para importar medicamentos. O que temos que fazer é preencher muitos e muitos pedidos, e argumentar muito.  Cada vez mais fazemos uso das ‘tiras’. Eu penso que sai muito caro.

Mas temos que fazer isso. Porque quando se usa as ‘tiras de afunilamento’ o paciente não precisa se preocupar com qual o medicamento ele deve tomar, quantos medicamentos deve ingerir, qual o ritmo do processo de redução. Porque está tudo em uma ‘tira’. Basta tomar a dose da ‘tira’ correspondente ao dia.

[Por exemplo] Em 3 meses você sai de 50 mg. de Seroquel até chegar a 0 mg.  Isso ocorrre em apenas 3 meses.

A dinâmica do Programa

4 vezes na semana temos as chamadas ‘recovery workshops’. Cada um percorre as diferentes equipes, como ‘medicação psiquiátrica’, ‘vida cotidiana’, ‘vida sexual.  As pessoas compartilham as suas experiências.

3 vezes na semana há um ‘treinamento físico’, com os fisioterapeutas. Em grupos, mas que também pode ser individual. Você sabe, as pessoas têm altos e baixos, muitas coisas ocorrendo em seus corpos. Consideramos as atividades físicas essenciais para o êxito do tratamento.

Há ainda arte-terapia em grupo, 1 vez por semana, e que também pode ser individual, conforme a demanda. Também essencial para o bom êxito.

Há também as reuniões com as redes sociais dos pacientes.

Sobre a ‘resistência’ dos colegas (psiquiatras)

Estou acostumado.

Acho que o debate é fundamental.

Acho importante que saibamos que existem diferentes opções, diferentes possibilidades.

Penso que devemos lutar contra os regimes de opressão.

Que as diferenças não são perigosas.

Que devemos fazer diferentemente do que já estamos acostumados. As pessoas não querem que as coisas sejam sempre como já são.

Há algumas pessoas que querem fazer uso das drogas. E há outras pessoas que não querem fazer uso de drogas. Temos que respeitar a ambas.

Temos que respeitar, por exemplo, aquelas pessoas que querem parar de fazer uso das drogas de uma vez só. E as outras que querem reduzir lentamente. É a nossa experiência.

Futuro

Que a experiência se aprofunde.

Eu quero desenvolver um Programa de pesquisa. E que seja adequada à experiência que estamos desenvolvendo. A experiência não pode ser pesquisada usando o método do duplo cego randomizado, para dar um exemplo. Esse tipo de metodologia não é adequada à clínica.

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Como eu disse no início desta matéria, a transcrição da entrevista que fiz não é literal. Portanto, é possível que tenha omitido algo importante, involuntariamente.

O MIB é um espaço informativo. Mas, sobretudo, um espaço destinado a despertar um debate e a buscar pela construção de alternativas ao paradigma psiquiátrico hoje dominante entre nós, seja lá fora seja aqui no Brasil.

E mais uma vez renovo o convite a participar do III SEMINÁRIO INTERNACIONAL, na ENSP/FIOCRUZ. Você poderá acompanhar ao vivo tudo o que será apresentado no SEMINÁRIO, pelas redes sociais na Internet. Informações mais detalhadas estarão disponibilizadas aqui e na página do Facebook do Mad in Brasil.

E para quem interessar, clique aqui para ouvir a entrevista na íntegra →

No Dia Mundial da Saúde: sobre os esforços de prevenção ao suicídio

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A prevenção do suicídio não deve ser tratada pelo aumento da prescrição de medicamentos, diz Dainius Pūras, relator especial da ONU sobre o direito à saúde. Em um comunicado à imprensa sobre prevenção de suicídio para o Dia Mundial da Saúde Mental, em 10 de outubro, ele declarou:

“A dor emocional vem frequentemente da pessoa ser vítima de violência, discriminação ou exclusão. Visar a química cerebral dos indivíduos geralmente exacerba o estigma e a exclusão social, agrava a solidão e o desamparo e falha em reduzir o risco de suicídio.

A alta incidência e o ônus econômico das condições de saúde mental também podem ser vistos como efeitos de trauma e de outras adversidades, incluindo violência interpessoal e de gênero, além de abuso e negligência de crianças.

Patologizar a diversidade das respostas individuais às adversidades como se fossem condições médicas desestimula os indivíduos e perpetua a exclusão social e o estigma.

Devemos buscar novas rotas para a prevenção do suicídio que invistam no fortalecimento de relacionamentos saudáveis, respeitosos e confiantes, que também incluem a conexão de pessoas em suas comunidades.

A prevenção do suicídio deve abordar os fatores estruturais que tornam a vida impossível de viver e examinar como a angústia surge nos desequilíbrios de poder; também deve abordar problemas de relacionamento e reduzir a violência interpessoal. ”

O Relator Especial diz que uma resposta individualizada e direcionada a cada situação permanece vital na prevenção do suicídio, mas alerta contra o uso excessivo de medicamentos e contra a coerção e o isolamento.

“Para garantir que as pessoas permaneçam vivas e desenvolvam as habilidades necessárias para prosperar, é necessário haver cuidados comunitários contínuos em robustos sistemas de suporte que possam alcançar adequadamente as pessoas onde vivem, trabalham, aprendem e se divertem”, disse ele.

“Para prevenir o suicídio, os Estados devem adotar estratégias com uma abordagem baseada em direitos que evite a medicalização excessiva e lide com os determinantes da sociedade, promovendo autonomia e resiliência por meio de conexão social, tolerância, justiça e relacionamentos saudáveis.”

Leia a declaração completa no site da ONU clicando aqui.

O Dr. Dainius Pūras é médico da Lituânia, com notável experiência em saúde mental e saúde infantil; ele assumiu suas funções como relator especial da ONU em 1º de agosto de 2014. Dainius Pūras é diretor do instituto de monitoramento de direitos humanos em Vilnius, na Lituânia, professor de psiquiatria infantil e adolescente e saúde mental pública na Universidade de Vilnius e leciona nas faculdades de medicina e filosofia da mesma universidade.

Os relatores especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de pesquisa e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Especialistas em procedimentos especiais trabalham voluntariamente; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e servem em sua capacidade individual.

A Solidão Aumenta os Riscos de Graves Problemas de Saúde Mental, além dos Físicos

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Um estudo recente publicado em Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology examina a relação entre a solidão e os “transtornos mentais comuns” de gravidade variável. Realizando uma análise longitudinal em uma coorte de adultos holandeses com idades entre 18 e 64 anos, os autores descobriram que a solidão prediz o início de transtornos mentais comuns (TMC) graves, mas não de TMC de leve a moderado. Eles também descobriram que os TMC graves preveem um aumento da solidão ao longo do tempo.

“Estudos em larga escala de jovens, de meia idade e idosos, na população em geral, relatam taxas de solidão que variam de 14 a 47%, escrevem Jasper Nuyen e coautores. “Vários estudos transversais de base populacional descobriram que a solidão está fortemente relacionada a transtornos de humor e ansiedade em adultos (incluindo idosos), e estudos recentes também sugerem um vínculo transversal com transtornos por uso de substâncias”. 

Solidão pode ser definida como uma situação vivenciada por um indivíduo na qual há uma ausência desagradável ou inadmissível de (ou qualidade de) certos relacionamentos. A solidão prediz uma variedade de problemas de saúde mental e física, de modo que alguns pesquisadores nos EUA a chamam de ameaça à saúde pública.

O vínculo social de qualidade é amplamente considerado como sendo uma necessidade humana fundamental, embora dois em cada cinco estadunidenses relatam que “às vezes ou sempre sentem que seus relacionamentos sociais não são significativos”. Mais da metade de todos os estadunidenses relatou sentir que ninguém os conhece bem. Muitos países europeus também mostram altas taxas de solidão, embora países como Portugal, Grécia e outros possam ter menos incidência dessa epidemia.

“Existem algumas evidências de pesquisas longitudinais baseadas na população sugerindo que a solidão aumenta o risco de aparecimento de ansiedade e transtornos depressivos”, escrevem os pesquisadores.

“Entre os adultos com idades entre 30 e 31 anos no início do estudo (baseline), durante um período de 13 anos de acompanhamento (follow-up) verificou-se que a solidão aumentou o risco da primeira internação hospitalar ocasionada por um transtorno de ansiedade, assim como após o ajuste por idade, renda e número de doenças físicas.  Um estudo anterior entre adultos mais velhos mostrou que a solidão verificada no início do estudo previa a incidência da depressão incidente em um follow-up de três anos.”

O presente estudo busca melhorar e expandir as pesquisas existentes sobre os efeitos da solidão na saúde mental. A maior parte da literatura existente concentra-se em ansiedade e depressão, mas Nuyen e seus coautores acreditam que uma orientação mais ampla na abordagem dos transtornos mentais ajudará a esclarecer melhor a epidemia de solidão. Além disso, grande parte da pesquisa anterior se concentrou em populações clínicas e de idosos. Os autores do presente estudo concentram-se em populações adultas na Holanda que não estão em clínicas em geral.

Dados longitudinais após uma coorte de adultos holandeses foram extraídos do The Netherlands Mental Health Survey and Incidence Study-2(NEMESIS-2), com adultos de 18 a 64 anos. Um método de acompanhamento de três anos foi usado para examinar os efeitos a longo prazo da solidão na saúde mental e da saúde mental na solidão. Um total de 6646 adultos holandeses foram entrevistados face-a-face, no começo com o suporte de um computador, com várias entrevistas de acompanhamento, ao longo dos três anos de follow-up.

O número de entrevistados disponíveis diminuiu a cada acompanhamento, de 5303 para 4618 e, por fim, para 4007. Os dados da segunda e terceira sessões de entrevistas de acompanhamento foram utilizados no presente estudo, a fim de analisar os efeitos da solidão a longo prazo, usando a escala de solidão De Jong Gierveld.

Os “transtornos mentais comuns” foram classificados de leve a moderado até grave, usando o DSM-IV e o CID. Foram incluídos os seguintes transtornos: transtornos do humor (depressão maior, distimia e transtorno bipolar), transtornos de ansiedade (transtorno do pânico, agorafobia sem transtorno do pânico, fobia social, fobia específica e transtorno de ansiedade generalizada) e transtornos relacionados ao uso de substâncias (álcool / drogas abuso e dependência).

As seguintes condições foram consideradas como ‘graves’: transtorno bipolar I, dependência de substâncias com uma síndrome de dependência fisiológica, tentativa de suicídio nos últimos 12 meses ou comprometimento grave auto-relatado em pelo menos duas áreas de funcionamento.

No início do estudo, uma sub-coorte sem TMC de 12 meses foi descoberta e a taxa de solidão nesse grupo foi de 16,8%. Após três anos, 5,8% desse grupo desenvolveram um TMC leve a moderado em 12 meses, enquanto 2,8% desenvolveram um dos TMC graves. Uma análise de regressão logística multinomial univariada mostrou que a solidão basal estava associada ao aparecimento tardio de TMC graves, mas não de um TMC leve a moderado, o que também foi apoiado por três regressões multivariadas.

38% dos entrevistados com um TMC de 12 meses desde o início relataram sentir solidão. 45,3% desses entrevistados continuaram experimentando TMCs no seguimento, sendo 24,1% leve a moderado e 21,2% grave. Novamente, as análises de regressão univariada e multivariada mostraram uma ligação entre a solidão e a continuação de TMC graves, mas não de TMC leve a moderada.

De um grupo que respondeu inicialmente como não tendo solidão, 7,7% apresentaram algum TMC leve a moderado em 12 meses e 3,3% relataram TMC graves. Depois de três anos, quase 10% desse grupo relatou ter solidão.

“O TMC grave observado no início do estudo (baseline) permaneceu um preditor do início da solidão na análise multivariada, também ao se ajustar para o suporte social percebido no início do estudo. Nenhum dos três modelos multivariados revelou que algum TMC leve a moderado estava na linha de base associada ao desenvolvimento da solidão no seguimento do estudo”, escrevem Nuyen e coautores.

Por fim, da coorte que relatou ter solidão no início do estudo, 12,1% apresentaram um TMC leve a moderado no acompanhamento, enquanto 15,3% apresentaram um TMC grave. 59,9% relataram solidão no follow-up seguinte.

Curiosamente, a relação entre a solidão verificada no início do estudo e os TMC graves no seguimento desapareceu quando os pesquisadores controlaram o suporte social percebido.

“Isso concorda com uma descoberta anterior de que, entre pacientes mais velhos com transtorno depressivo, a associação entre solidão inicial e o curso ruim da depressão se tornou não significativa após o ajuste para outros aspectos das relações sociais, incluindo o suporte social subjetivo”.

 O artigo teve vários pontos fortes, como a grande amostra populacional não clínica, o desenho longitudinal que abrange os efeitos da solidão em vários períodos de tempo e o uso de instrumentos psicométricos estabelecidos para avaliar variáveis ​​como a solidão e os TMC.

As limitações incluíram uma sub-representação de habitantes holandeses que não eram fluentes em falar holandês, bem como dificuldades em avaliar o grau de solidão, porque estes indivíduos que viviam solidão muito grave eram muito poucos para serem analisados ​​de maneira significativa.

Além disso, os autores relataram algumas inconsistências em relação à forma como as duas principais variáveis ​​foram medidas, de modo que a solidão foi avaliada nos períodos inicial e de acompanhamento, mas os TMC foram avaliados em intervalos de 12 meses antes e após as sessões de entrevista.

Os autores concluem:

“Além disso, este estudo aponta para a importância de prestar atenção adequada à solidão, tanto em adultos com e sem TMC. Profissionais que trabalham em vários contextos, incluindo a comunidade local, a prática geral e os cuidados de saúde mental, devem estar cientes de que adultos solitários correm um risco maior de desenvolver TMC grave e que a solidão em adultos com TMC existente aumenta o risco de resultados ruins, em especial em termos de TMC grave persistente “.

“E mais ainda, os profissionais devem estar alertas ao aparecimento da solidão entre adultos com TMC graves, pois são um grupo de risco. Nossas descobertas sugerem que intervenções para reduzir a solidão podem ajudar a prevenir o aparecimento de TMC grave em adultos e podem contribuir para melhores resultados em pacientes com TMC existente.”

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Nuyen, J., Tuithof, M., de, G. R., van, D. S., Kleinjan, M., & Have, M. T. (2019). The bidirectional relationship between loneliness and common mental disorders in adults: Findings from a longitudinal population-based cohort study. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology. (Link)

Movimento de Ex-Usuários da Psiquiatria

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No Brasil estamos acostumados como o movimento de usuários da psiquiatria. Como se isso represente o máximo do que se pode alcançar: ex-usuários dos manicômios apoiam a Reforma Psiquiátrica.

O movimento de usuários tem sido um forte aliado dos profissionais de saúde mental comprometidos com uma assistência fora dos hospitais psiquiátricos. Graças a essa aliança, importantes conquistas foram alcançadas.

Porém, o Brasil não tem movimentos de “ex-usuários” ou de “sobreviventes da Psiquiatria”.

Quer dizer, no Brasil não há movimentos organizados daqueles que foram “usuários” da Psiquiatria e que saíram do sistema de assistência psiquiátrica. E que têm experiências de vida que devem ser incorporadas ao sistema oficial de assistência. Por exemplo, serem atores ativos, enquanto profissionais, nos serviços de assistência em saúde mental.

Ou que, por haverem sido “vítimas” da assistência psiquiátrica, os “ex-usuários” negam radicalmente que a Psiquiatria possa fazer algum bem. E que lutam por uma assistência não orientada pelo “modelo biomédico” da Psiquiatria.

Se a incorporação de ex-usuários aos serviços de assistência em saúde mental é algo inexistente no país, muito menos se pode imaginar um movimento contra a própria Psiquiatria enquanto tal.

Eis uma problemática que ainda é muito incipiente aqui no Brasil.

Para alimentar o debate a respeito, veja  esse vídeo

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