Em um novo artigo no Journal of Mental Health, David Pilgrim questiona a eficácia e a ética do tratamento em saúde mental. Ele sugere que a assistência em saúde mental não é nem efetiva e nem ‘cuidadosa’, na medida em que ela está baseada em pesquisa cheia de falhas, em tratamentos ineficazes, e por última se baseia em um sistema de tratamento involuntário que conforme ele argumenta é uma violação aos direitos humanos.
Pilgrim observa que os interesses dos profissionais, da indústria farmacêutica e do público leigo influenciam a natureza e a prestação dos serviços de saúde mental. Ele observa ainda que os usuários de serviços de saúde mental não são um grupo monolítico, mas têm opiniões variadas sobre psiquiatria, diagnóstico e tratamento (até incluindo antipsiquiatria). Esta agregação de interesses, muitas vezes em desacordo uns com os outros, pode ter levado a um sistema que não é eficaz ou humano.
Pilgrim sugere que o enfoque onipresente que torna a assistência em saúde mental sinônimo de medicação é contrário à evidência de que fatores socioeconômicos e traumas estão implicados na criação e exacerbação das preocupações com a saúde mental. Mesmo quando a assistência à saúde mental não é equiparada à medicação, ainda está fora do alcance de um terapeuta melhorar a pobreza ou intervir para evitar a adversidade na infância.
“Dado que muitas das condições sociais que influenciam a saúde mental, especialmente a pobreza, a urbanidade e as variantes da adversidade infantil, estão fora do controle dos serviços de saúde, então a perspectiva de uma cura médica para seu impacto psicológico adverso pode ser um impedimento”.
Pilgrim nota que muitos dos usuários dos serviços de saúde mental acreditam em uma causa bioquímica, e, portanto, em uma cura médica, para os problemas em saúde mental. Contudo, ele escreve que “psiquiatrias acadêmicos honestos, não corrompidos pelo suporte financeiro da indústria farmacêutica, mostram-nos a partir das evidências que essa imagem positiva das drogas psiquiátricas é profundamente sem sustentação”.
Pilgrim entende ser um absurdo a noção de que uma droga pode ‘consertar’ anos de adversidade na infância, traumas e pobreza. Ele sugere que é insinceridade do establishment psiquiátrico promover seus tratamentos como sendo ‘eficazes’ enquanto seleciona cuidadosamente medidas de resultado que não estão relacionadas a esses problemas socioeconômicos centrais.
No entanto, o mais preocupante para Pilgrim é o sistema de tratamento involuntário e o tratamento forçado que alguns usuários sofrem. Pilgrim argumenta que a detenção involuntária para ‘tratar’ pela força problemas com a saúde mental é uma violação dos direitos humanos e que não atende aos seus próprios padrões de equidade.
Ele sugere que os pacientes têm experiências muito diferentes de hospitalização e que, em alguns casos, não recebem cuidados adequados “em troca da […] perda de liberdade, sem julgamento e sem defesa garantida de sua liberdade”. Afinal, ele escreve, tem havido e continuam a haver processos movidos pelo Departamento de Justiça dos EUA afirmando que os Estados não forneceram cuidados de saúde mental adequados.
Pilgrim escreve que a necessidade de detenção involuntária de alguém é geralmente baseada na percepção de perigo – ‘essa pessoa é um perigo para si ou para os outros!’. Talvez em um mundo ideal, isso seria aceitável; no entanto, vivemos em um mundo onde preconceitos baseados em raça, gênero e outros traços colorem todas essas decisões. Pilgrim oferece o seguinte exemplo: “Se uma norma social é perceber jovens negros como sendo anormalmente perigosos, isso será espelhado nas admissões em unidades psiquiátricas e na tomada de decisão sobre o risco, e, a partir de então, sobre os níveis de alta hospitalar e de segurança.” Ele cita pesquisas que encontraram justamente esses vieses na prática de saúde mental.
“A ‘legislação de saúde mental’ existe para administrar, às vezes de forma muito rígida, algumas pessoas, mas não outras. Trata-se do controle legal de um grupo de pacientes problemáticos e não da promoção da saúde mental”, escreve Pilgrim.
Afinal, pessoas não-diagnosticáveis se envolvem em todos os tipos de comportamentos de risco, tornando-se um perigo para si e para os outros. No entanto, elas têm o privilégio de agir assim, enquanto que as pessoas com diagnósticos de saúde mental são monitoradas por qualquer indicação de risco e detidas involuntariamente sem julgamento, e sem necessariamente haverem violado qualquer lei.
“Os profissionais de saúde mental ainda são, em última instância, os aplicadores de regras”, argumenta Pilgrim, que fazem parte de um sistema com duplo padrão: garantir que os valores culturais em torno da normalidade sejam seguidos, com terríveis consequências para aqueles que não são considerados normais.
Pilgrim pede uma assistência criteriosa às pessoas vítimas de traumas. E, sobre tratamentos em geral no campo da saúde mental , ele escreve:
“Se esperar que eles sejam ‘eficazes’ é pedir demais, poderíamos pelo menos esperar que eles deveriam ser sempre aceitáveis para os pacientes”.