Na Noruega, o Ombudsman da Justiça concluiu em dezembro de 2018, com referência à Lei da Psiquiatria, que esta lei violava uma lei mais ampla, ao ser usado o tratamento forçado com antipsicótico – em um caso concreto.
De acordo com a lei norueguesa, o uso forçado de drogas medicinais só pode ser usado quando, “com alta probabilidade, pode levar à recuperação ou à melhora significativa da condição do paciente, ou se o tratamento psicofarmacológico irá evitar um agravamento significativo da doença”. Muitos outros países têm leis semelhantes, mas às vezes o critério de probabilidade está relacionado à admissão forçada, e não ao tratamento forçado – sendo entendido que a hospitalização forçada permite o tratamento forçado. Espero que seja entendida essa “sutil” diferença: “hospitalização forçada” e “tratamento forçado”.
“A alta probabilidade” para uma melhoria significativa, via a prescrição forçada de drogas, significa muito mais do que 50%. A maioria dos pacientes está submetida à prescrição forçada. Referindo-se à ciência, o Ombudsman observou que a probabilidade de ser alcançada a melhoria pretendida não é mais do 10-20%; o que significa que, durante décadas, decisões ilegais vem sendo tomadas sobre o uso forçado de drogas. Não mais do que 20% das pessoas apresentam melhorias com o “tratamento forçado”.
O Ombudsman criticou muitas outras questões, geralmente vistas também em outros países. É um pré-requisito para o uso forçado de drogas que o efeito benéfico supere claramente os danos (chamados de “desvantagens”); mas, violando a lei. A autoridade médica – no caso – não havia avaliado esse equilíbrio.
A autoridade médica se referia ao “que surgiu” em uma conversa com o paciente; ao que estava nos arquivos do paciente; e a uma conversa com a equipe, que era principalmente sobre como o paciente parecia estar e como se comportava. Foi uma violação da boa prática administrativa que nenhuma anotação seja tirada da conversa com a equipe, ou das conversas entre o hospital e a autoridade.
A autoridade médica também apontou que a equipe expressou que haviam chegado ao “fim da estrada” para alcançar uma melhora sem antipsicóticos; que o profissional responsável acreditava que seria “irresponsável e antiético” não iniciar tratamento médico para evitar deterioração significativa; que o conhecimento geral do efeito dos medicamentos tinha que merecer confiança; que o paciente estava doente e que precisava de ajuda; que a pessoa responsável pelo tratamento havia escolhido usar os medicamentos relevantes; e que havia um amplo conhecimento e experiência profissional com foco no melhor interesse do paciente. Nenhuma dessas explicações foi aceita pelo Ombudsman, já que elas não têm nada a ver com os requisitos da lei para a probabilidade de uma melhoria significativa.
A autoridade médica também se referiu ao Drug Compendium (guia para a prescrição), porém a Agência de Medicamentos da Noruega respondeu que não se pode dizer nada sobre a probabilidade de um efeito positivo para um paciente individual.
A autoridade médica perguntou por que o Ombudsman queria entrar em uma questão acadêmica sobre se o terapeuta responsável havia usado ou não drogas relevantes no caso específico. Argumentos semelhantes são ouvidos em outros lugares, quando “pessoas de fora” tentam avaliar objetivamente as questões, e seu objetivo é manter as pessoas “de fora” afastadas, para que os psiquiatras não prestem contas a ninguém. O Ombudsman ficou surpreendido com esta questão, porque a sua tarefa legítima era nada mais do que descobrir se a lei do país havia sido violada.
Eu colaborei com o ex-Procurador da Suprema Corte norueguesa Ketil Lund sobre essas questões e, já em 2016, explicamos em um periódico de direito por que a medicação forçada não pode ser justificada [1]. A eficácia do medicamento é ruim e o risco de sérios danos são tão grandes que a medicação forçada parece fazer muito mais mal do que bem [2]. Também explicamos por que é enganoso afirmar que os antipsicóticos podem prevenir recaídas em 1/4 dos pacientes, o que foi mencionado pelo Ombudsman. O que é chamado de recorrência, quando os pacientes não recebem mais a droga, é muitas vezes sintomas de abstinência que aparecem porque o cérebro já se encontra acostumado com a droga. O que é visto em estudos randomizados de retirada no grupo livre de drogas é, portanto, geralmente os efeitos prejudiciais da droga e não a recaída da doença.
Em todos os países, precisamos trabalhar para garantir que a medicação forçada para pacientes psiquiátricos seja proibida por lei.
Praticamente todos os países, com exceção dos Estados Unidos, ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência [3], que proíbe o uso de drogas forçadas; mas, até onde eu sei, nenhum país fez nada a respeito.
Em 2003, usando argumentos científicos, o advogado Jim Gottstein convenceu a Suprema Corte do Alasca a decidir que o governo não pode drogar alguém contra a sua vontade sem primeiro provar, por evidência clara e convincente, que é do seu interesse e não há alternativa menos intrusiva disponível. Infelizmente, essa vitória dos direitos humanos não criou precedência no Alasca, onde as autoridades continuam forçando as pessoas a serem tratadas com antipsicóticos. Assim como em qualquer outro lugar, incluindo a Noruega, isso vem ocorrendo. Isso deve parar.
Notas de pé de página
[1]Gøtzsche PC, Lund K. Tvangsmedisinering må forbys. Kritisk Juss 2016;2:118-57.
[2] Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.
[3] United Nations Convention on the Rights of Persons with Disabilities. General comment No. 1 2014 May 19. http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/031/20/PDF/G1403120.pdf?OpenElement.