Há dois anos foi iniciado em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, o projeto Roda de Conversa, baseado nos sete princípios do Open Dialogue (Diálogo Aberto): resposta imediata, inclusão na rede social, flexibilidade e mobilidade, responsabilização, garantia de continuidade, tolerância à incerteza e dialogismo. Como resultado dessa experiência, foi produzido o artigo Open Dialogue: Uma Experiência no Brasil, de autoria do psiquiatra Marcelo José Fontes Dias e publicado na revista Diversitates (UFF).
O autor realizou uma primeira experiência em 2015, quando trabalhava como apoiador matricial de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) da cidade de Jaraguá. Baseado em dois dos princípios do Diálogo Aberto, ‘dialogismo’ e ‘inclusão na rede’, Marcelo realizou intervenções em três pacientes em crise psicótica, as quais foram realizadas na casa do paciente e com a presença da família. Como resultado da intervenção, todos os pacientes saíram da crise em no máximo 15 dias e somente um deles fez uso de medicação em doses baixas. Além disso, não houveram internações e todos os pacientes voltaram a trabalhar.
Com os bons resultados, a gestão e outros profissionais doa saúde mental de Jaraguá, decidiram ampliar a ação territorial. Resolveram então, utilizar novamente o modelo do Diálogo Aberto, dessa vez tentando se aproximar dos sete princípios propostos pela abordagem finlandesa, mas com a consciência da possível necessidade de adaptação para a realidade do local. Isso porque não haviam profissionais suficientes nem a formação exigida no Diálogo Aberto, além da rede de serviços ser diferente da finlandesa. Em função da adaptação a estratégia foi chamada de Roda de Diálogo.
A primeira dificuldade encontrada pela equipe foi quanto à formação e capacitação dos profissionais, pois na Finlândia é exigida a formação de três anos para os profissionais atuarem com o Diálogo Aberto. A solução encontrada pela equipe foi realizar uma apresentação sobre a abordagem finlandesa e seus princípios para todos os profissionais da saúde mental e da atenção básica, a fim de que todos pudessem participar na Roda de Diálogo. Qualquer profissional de nível médio ou superior poderia participar da equipe, desde que participasse também dos encontros semanais de educação permanente.
Os princípios de inclusão na rede social, flexibilidade e mobilidade foram alcançados sem obstáculos. Todos os encontros aconteceram na residência do paciente em crise, com as pessoas da sua rede social. As decisões a respeito do tratamento foram sempre tomadas durante as ‘rodas de diálogo’, inclusive quanto ao uso de medicamentos. O princípio da responsabilização foi levada em consideração a partir da criação de um grupo de Whatsapp formado pelos profissionais que aderiram ao projeto, os casos eram colocados no grupo e agendados dentro de 24 horas. A roda deveria ser composta por pelo menos dois profissionais, e um deles deveria participar de todos os encontros. Apenas dois casos tiveram descontinuação no acompanhamento.
A tolerância à incerteza foi considerado o princípio mais difícil de ser alcançado. Este princípio significa que o profissional deve participar da roda sem definições preliminares, a verdade é do paciente. As maiores dificuldades encontradas pela equipe foi a presença diária nas rodas, já que o Diálogo Aberto sugere que no início do tratamento os encontros devem ser diários nos primeiros 10 a 12 dias. Outra dificuldade encontrada foi de não inciar logo o medicamento e não se colocar em uma relação verticalizada em relação à rede. Apesar das dificuldades, a equipe conseguiu fazer até 3 rodas por semana e não medicaram no início do tratamento. Quanto ao princípio do Dialogismo, o autor fez uma fusão entre o modelo finlandês e a sua realidade como psicanalista de orientação lacaniana, associando algumas ideias do dialogismo de Bakhtin, fortemente empregadas pela abordagem do Diálogo Aberto, com algumas propostas de Lacan.
Dos pacientes abordados pelo trabalho (10 pacientes), apenas 3 encontravam-se em sua primeira crise psicótica, do restante alguns já faziam uso de psicofármacos. Desses apenas 1 precisou ser internado e outro foi encaminhado para tratamento exclusivo no CAPSII. Dois pacientes saíram das crises sem uso de medicamentos e os demais o utilizaram, mas em doses baixas.
A maioria dos profissionais envolvidos se mobilizou para um rápido início de tratamento dos pacientes, e a inclusão de profissionais da atenção básica e de nível técnico nas rodas foram facilitadores do diálogo, assim como a presença de um psicanalista auxiliou no entendimento e aplicação do dialogismo. A implicação dos gestores de saúde mental e atenção básica foi identificado como fundamental já que a eficácia do Diálogo Aberto depende dos contextos institucionais e treinamento de equipe.
Como dificuldades o autor apontou para a pouca adesão de profissionais do CAPS, a gestão ficou centrada nas mãos dos apoiadores matriciais. A proposta feita pelo autor é criar uma equipe fixa e delimitar a clientela – ou seja, aqueles que estejam na sua primeira crise psicótica -, e que a gestão ocorra a partir do CAPS. A forte cultura da medicalização entre os profissionais pode ter influenciado a dificuldade quanto a tolerância à incerteza. Também foi sugerido pelo autor que a equipe tenha acompanhamento psicoterapêutico.
O artigo tem uma enorme relevância, traz uma experiência pioneira de grande importância para o cenário da saúde mental brasileira. Existem alguns artigos brasileiros sobre o Diálogo Aberto, mas nenhum ainda havia trazido uma experiência de tentativa de implementação nos serviços brasileiros. Essa experiência mostra que o princípios do Diálogo Aberto, mesmo em uma cultura muito diferente da finlandesa, obtiveram resultados significativos, o que nos deve deixar atentos a essa abordagem. Ademais, podemos ver que não foi necessário aumento dos gastos financeiros, ou uma mudança drástica nos serviços para a implementação do projeto, o que abre portas para mais tentativas de implementação. É possível que futuramente tenhamos mais experiências bem- sucedidas no Brasil!
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DIAS, M.J.F. Open Dialogue: uma experiencia no Brasil. Diversitates Int j 09(3): 97-110, 2017. (link)