O Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana é lançado

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O Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana baseia-se na expertise combinada de indivíduos com experiência vivida de sofrimento mental e / ou a experiência com a Psiquiatria, seus familiares e profissionais de saúde mental e de saúde comunitária. Nas reuniões que iniciei em Berlim entre agosto e setembro de 2019, uma ampla aliança de organizações e indivíduos (o Grupo de Ação Trialógica que assinou o Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana) elaborou um catálogo de demandas com o objetivo de alterar o mais rápido possível as condições insustentáveis de todo o sistema de assistência em saúde mental e atenção psicossocial existentes na Alemanha.

O Grupo de Ação Trialógica apresentou o Manifesto de Berlim em 10 de outubro na Potsdamer Platz, em Berlim. O Manifesto apresenta cinco ideias gerais que devem formar a base de todo suporte psicossocial e das estruturas de assistência à saúde mental, tornando-as mais aceitáveis e acessíveis. O objetivo é permitir que as pessoas com sofrimento mental se recuperem segundo seu modo de ser e que sejam desenvolvidos um ambiente conforme a isso. Também deve apoiar a família e os amigos a permanecerem ou a se tornarem mais úteis nessa jornada de recuperação. Mudar o sistema de saúde mental e de apoio psicossocial na Alemanha exige um debate público sobre como nossa sociedade deve ajudar e apoiar as pessoas em crise mental e as que vivem com problemas crônicos de saúde mental. Acreditamos que a força motriz por trás de toda ajuda e apoio deve ser o humanitarismo e o respeito pelos direitos humanos inalienáveis. É esse debate público que o Manifesto de Berlim procura inflamar.

Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana

Ao examinar a situação da psiquiatria na Alemanha hoje, o quadro é alarmante: mais e mais drogas psicotrópicas, mais uso de eletrochoque, muitas medidas coercitivas evitáveis, expansão de hospitais e de leitos residenciais e forenses e, muitas vezes, serviços ambulatoriais inacessíveis e inadequados. Além disso, há uma superabundância de requisitos burocráticos e econômicos em todas as áreas de atendimento psiquiátrico. Essas são algumas das deficiências que impedem que as pessoas em crise psicológica sejam respeitadas – sempre – em sua dignidade humana.

As consequências são graves e prejudiciais. As taxas de recuperação de longo prazo de pessoas com deficiências psicossociais não melhoraram nos últimos 20 anos. As taxas de mortalidade de pessoas que recebem diagnósticos psiquiátricos e que recebem tratamentos convencionais permanecem muito altas. Os medicamentos psicotrópicos são prescritos com muita frequência, por muito tempo e em doses muito altas. Isso afeta negativamente todos os envolvidos: pessoas com problemas de saúde mental, familiares e pessoas que trabalham em serviços psiquiátricos. Do ponto de vista dos direitos humanos, a reforma dos serviços de saúde mental e de apoio está progredindo muito lentamente! Isso contradiz a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (UN-CRPD), que fornece uma estrutura legal para todas as formas de apoio a indivíduos em sofrimento mental. A convenção foi ratificada pela Alemanha em 2009.

Um número crescente de pessoas não deseja mais aceitar essa situação intolerável. Este manifesto foi elaborado por indivíduos com experiência vivida de sofrimento mental, por familiares e por profissionais psiquiátricos, bem como cuidadores formais de Berlim. Estabelecemos as seguintes demandas como princípios orientadores para uma reforma de todo o sistema de saúde mental e apoio psicossocial na Alemanha. Dar vida a essas ideias não é apenas responsabilidade dos profissionais de saúde mental, familiares e usuários / consumidores / sobreviventes de serviços psiquiátricos; é um empreendimento de todos e uma tarefa para toda a sociedade.

Princípios orientadores para uma psiquiatria humana

As pessoas em busca da felicidade e do bem-estar são o parâmetro para as nossas ações. Os princípios de direitos humanos estabelecidos em convenções internacionais como a UN-CRPD devem alimentar todas as estruturas de assistência em saúde mental. É necessário um amplo debate público, incluindo todas as partes interessadas no sistema de saúde mental e apoio psicossocial. O debate deve evitar e neutralizar a estigmatização de pessoas com deficiências psicológicas.

Nossas demandas são as seguintes:

  1. Autonomia e autodeterminação

Uma psiquiatria humana, de acordo com a UN-CRPD, garante o direito dos usuários / consumidores / sobreviventes de decidir por si mesmos que tipo de serviços de apoio psiquiátrico e psicossocial eles desejam usar e como fazê-lo. Em situações de crise, se e quando for mais difícil determinar as próprias preferências da pessoa, deve ser oferecido um apoio individual intensivo. A tomada de decisão apoiada também ajuda a evitar medidas coercitivas. Qualquer suporte fornecido para melhor coordenar o uso dos serviços deve permanecer como ‘ajuda para autoajuda’.

  1. Segurança econômica

O cuidado não deve abordar o indivíduo sozinho, mas também deve levar em consideração a situação social e econômica dos usuários e seu respectivo ambiente. Segurança de renda e moradia adequada são pré-requisitos para qualquer sucesso terapêutico. É uma experiência comum que indivíduos que têm capacidade de trabalho limitada, ou que recebem pensões com capacidade de ganho reduzido devido a seu estado de debilitação, frequentemente caiam em situações econômicas precárias. Por outro lado, medidas para garantir a segurança econômica devem sempre ser ajustadas às necessidades da pessoa.

  1. Levando em conta as redes sociais individuais

Crises mentais ou emocionais, bem como prejuízos a longo prazo sempre surgem e existem dentro de um grupo social e têm um impacto sobre ele. Portanto, a inclusão da rede social da pessoa é necessária e deve ser garantida durante todo o processo de atendimento e suporte. Isso requer a melhoria e extensão, bem como uma variedade maior, de serviços de apoio a crises (por exemplo, salas de crise, pensões de crise) que são hospitais psiquiátricos de baixo limiar, acessíveis e externos. O atendimento ambulatorial e comunitário deve ter precedência sobre o tratamento hospitalar. Isso requer, entre outras coisas, uma redução de leitos em serviços psiquiátricos agudos, especialmente em enfermarias de saúde mental grandes, superlotadas e confusas. Essas etapas são necessárias para abrir todas as estruturas de assistência à saúde mental e de apoio a toda a sociedade.

  1. Transparência dos sistemas de apoio à saúde mental

Usuários / consumidores / sobreviventes precisam de informações abrangentes sobre seus direitos e sobre os serviços de suporte disponíveis. Isso se aplica especialmente quando uma variedade de serviços de assistência à saúde mental está disponível localmente. A capacidade de escolher como e quando o atendimento e o apoio são prestados está em conformidade com o direito humano das pessoas de que sua vontade e preferências sejam respeitadas e, ao mesmo tempo, que levem em consideração a realidade de suas vidas. A transparência e a diversidade de serviços devem ser garantidas para todas as fases do processo de recuperação. Os sistemas de apoio psiquiátrico e psicossocial devem ser financeiramente transparentes e sua organização deve ser clara. O cumprimento dos princípios de direitos humanos em todo o sistema de assistência e saúde mental deve ser monitorado regularmente. As violações devem ser sancionadas de maneira eficaz.

  1. Participação

Precisamos de mais participação em todos os níveis. Isso requer uma mudança de paradigma de um modelo de tratamento médico para um modelo de suporte. Profissionais de saúde mental não podem produzir recuperação; eles podem apenas acompanhar e facilitar. De acordo com o princípio de ajudar os indivíduos a ajudarem a si mesmos, a autonomia dos usuários / consumidores deve ser fortalecida. Os profissionais devem ser especialistas em aumentar a conscientização e criar capacidade de assumir auto-responsabilidade. Participação, no entanto, é mais do que isso! Por fim, os sistemas de apoio psiquiátrico e psicossocial não podem ser planejados sem os experts com experiência vivida, conforme o afirmado no slogan “Nada sobre nós sem nós”.

Muitas dessas demandas são discutidas entre especialistas há anos. Eles fazem parte de modelos bem-sucedidos e estão incluídos nas recomendações do conselho de especialistas do Ministério Federal da Saúde (na Alemanha). É surpreendente que eles ainda não constituam a base de nossos sistemas de assistência e saúde mental.

Para conseguir isso, precisamos de comprometimento em todos os níveis da sociedade. Questões fundamentais sobre serviços públicos e políticas sociais e de saúde estão em jogo.  O “Psychiatrie-Enquête“, o Relatório da Comissão Alemã de Peritos sobre o estada da arte da Psiquiatria, iniciou melhorias significativas nos cuidados psiquiátricos desde 1975. No entanto, no contexto de uma burocratização e comercialização nos serviços de saúde mental, essas abordagens de reforma foram desgastadas e perdidas em muitos aspectos.

É hora de se mudar isso!

Assine o Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana em www.change.org/berliner-manifest

Mais informações podem ser encontradas em www.berliner-manifest.de

E-Mail: [email protected]

Membros do Grupo de Ação que juntos criaram o Manifesto de Berlim em agosto e setembro de 2019 e / ou o traduziram para o inglês em outubro de 2019 (em ordem alfabética): Stephan B. Antczack, Gamma Bak, Burkhard Bröge, Uwe Brohl-Zubert, Julia Eder, Dietlinde Gogl, Sabine Haller, Jacob Helbeck, Ingrid E. Johnson, Ute Krämer, Thomas Künneke, Anja Lehmann, Peter Lehmann, Tina Lindemann, Ule Mädgefrau, Yvonne Mahling, Peter Mast, Katrin Nordhausen, Jann E. Schlimme, Uwe Wegener, Stefan Weinmann, Gudrun Weißenborn, Claudia Wiedow, Jenny Ziegenhagen.