Robert Whitaker
Robert Whitaker

Em 23 de dezembro, a FDA aprovou um novo medicamento para esquizofrenia, a Lumateperona, que foi considerado um medicamento ‘de primeira classe’, sugerindo que seu mecanismo de ação difere dos antipsicóticos em uso atualmente. Um artigo publicado na JAMA Psychiatry concluiu que com este medicamento está “demonstrada a eficácia para melhorar os sintomas da esquizofrenia e com um bom perfil de segurança”.

Depois que a FDA deu seu selo de aprovação, o preço das ações da Intra-Cellular Therapies – empresa que trouxe a Lumateperona ao mercado – subiu em 23 de dezembro, passando de US $ 12,44 para US $ 36,51. A avaliação da empresa subiu US $ 1,3 bilhão naquele dia, dando aos investidores motivos para erguer uma taça de champanhe.

No comunicado de imprensa feito pela empresa, Jeffrey Lieberman, ex-presidente da Associação Americana de Psiquiatria (APA), quem foi um dos investigadores principais nos ensaios clínicos realizados, e quem também atuou como consultor da própria Intra-cellular Therapies, contou como a Lumateperona era uma adição bem-vinda ao armário de remédios para esquizofrenia.

“A esquizofrenia é uma doença complexa que afeta severamente os pacientes e suas famílias. O tratamento eficaz em tempo hábil pode mudar o destino das pessoas com esquizofrenia ”, afirmou ele. “O perfil de eficácia e segurança de Caplyta (nome comercial), aprovado pela FDA (Food and Drugs Adminstration dos EUA), oferece aos profissionais de saúde uma nova e importante opção para o tratamento de pessoas que vivem com esquizofrenia.”

Essa é a história geral que está sendo contada ao público, com o artigo JAMA Psychiatry, publicado on-line em 10 de janeiro, fornecendo um selo científico de aprovação para a decisão da FDA. Seria um novo medicamento que provou ser um tratamento seguro e eficaz para a esquizofrenia. Um editorial da JAMA Psychiatry resumiu o possível avanço terapêutico que isso representa.

“Embora não saibamos quais serão as principais vantagens comparativas da Lumateperona, é encorajador e potencialmente emocionante ver um novo medicamento com novas propriedades farmacológicas progredindo através da avaliação do desenvolvimento de medicamentos e da aprovação da Food and Drug Administration dos EUA”.

Uma Charada Científica

Embora essa seja a história pública, uma análise aprofundada das ‘evidências’ da Lumateperona revela que o teste clínico e a aprovação desse medicamento são melhor descritas como uma charada, um jogo de pretensão científica, onde o dito esconde os não-ditos fundamentais. Os ensaios clínicos, em seu design, serviram como o estudo de um medicamento para uso depois que pacientes crônicos parassem abruptamente de tomar seus medicamentos psiquiátricos, em oposição a um estudo de um ‘medicamento para esquizofrenia’. E mesmo nesse contexto, o medicamento em nenhum dos três estudos foi de forma confiável melhor do que placebo.

Tampouco a alegação de ser uma droga ‘nova’ é totalmente precisa.

Não há nada no design dos ensaios com Lumateperona que seja particularmente novo, ou até surpreendente, dada a história dos testes de novos medicamentos para a esquizofrenia e as influências comerciais nesse processo. Os testes clínicos da Lumateperona não se afastaram, de maneira significativa, da norma. No entanto, a aprovação deste medicamento oferece uma oportunidade para ver novamente que os testes de antipsicóticos para esquizofrenia é, de uma perspectiva científica, um processo fatalmente defeituoso, produzindo ‘descobertas’ que pouco dizem sobre a eficácia de um medicamento enquanto um ‘tratamento para a esquizofrenia’.

De fato, a descoberta mais interessante que surge nos ensaios clínicos com Lumateperona provoca uma pergunta surpreendente: por que os pacientes crônicos que foram abruptamente retirados de todos os seus medicamentos psiquiátricos e randomizados para placebo melhoraram, enquanto grupo, durante o período de 28 dias da pesquisa? Esse resultado contraria tudo o que se sabe sobre as dificuldades emocionais e físicas que as pessoas experimentam após a retirada abrupta de drogas psiquiátricas. Espera-se que os pacientes que interrompem abruptamente seus medicamentos piorem, pelo mens no período imediato após a retirada, e ainda assim isso não é verdade neste caso.

Uma droga como a Clozapina

A Lumateperona está sendo promovida como sendo um novo composto que não causa os efeitos colaterais dos antipsicóticos hoje existentes. Lumateperona, escreveram os autores do artigo em JAMA Psychiatry, “é um agente investigativo mecanicamente novo para a esquizofrenia. O mecanismo de ação é único na medida que modula simultaneamente a neurotransmissão da serotonina, dopamina e do glutamato, os principais neurotransmissores envolvidos em doenças mentais graves. . . Além disso, a Lumateperona carece de interação com os receptores fora do alvo que podem contribuir para os efeitos adversos comuns em outros medicamentos antipsicóticos.”

Em outras palavras, essa nova molécula é uma espécie de bala mágica. Ela ‘modula’ os mesmos transmissores que dizem ser a causa da esquizofrenia, mas – se se acredita no relatório no JAMA Psychiatry– não interage com outros neurotransmissores que causam os efeitos adversos que os outros antipsicóticos o fazem.

Isso lembra as reivindicações ‘revolucionárias’ feitas a respeito do Risperdal e do Zyprexa, quando essas drogas foram lançadas no mercado na década de 1990. No entanto, como o protocolo para o estudo de fase III da Intra-Cellular – usado para obter a aprovação da FDA – deixa claro, a Lumateperona é bastante semelhante à Clozapina em seus efeitos na dopamina e serotonina.

Todos os antipsicóticos bloqueiam os receptores D2, supostamente o mecanismo que reduz as alucinações e os outros sintomas psicóticos. Em uma dose terapêutica, a maioria dos antipsicóticos bloqueia mais de 60% dos receptores D2 estriados. No entanto, como observa o protocolo, a droga da Intra-Cellular também faz o mesmo. A dose de 120 mg. testada em seu estudo da fase II bloqueia 70% dos receptores estriados D2, enquanto que a dose de 60% mg bloqueia 50%.

Embora o bloqueio com a dose de 60 mg. seja ligeiramente mais baixo do que a maioria dos antipsicóticos, é semelhante ao bloqueio D2 com a Clozapina. A Clozapina e outros antipsicóticos de ‘segunda geração’ também bloqueiam os receptores serotoninérgicos (5HT2a), com a Clozapina – a mais potente das drogas nesse sentido – bloqueando 90% desses receptores.

Com a dose de 60 mg. , é exatamente isso o que a Lumateperona faz. A Lumateperona, afirma o protocolo, é “semelhante à Clozapina com saturação total dos receptores corticais de 5HT2a  quando a ocupação do receptor estriado D2 é relativamente baixa”.

Os pesquisadores identificaram os efeitos colaterais característicos que fluem do bloqueio de um neurotransmissor de uma droga em particular. O bloqueio das vias de dopamina e de serotonina, embora creditado como um benefício terapêutico, causa uma série de efeitos colaterais. Um medicamento semelhante à Clozapina pode não causar sintomas extrapiramidais tão regularmente quanto um medicamento que bloqueia uma porcentagem maior de receptores D2, mas é provável que seja sedativo e cause alterações metabólicas que levam a um ganho de peso significativo.

Embora o editorial do JAMA Psychiatry tenha apontado a Lumateperona como tendo “novas propriedades farmacológicas”, também reconheceu que seu mecanismo de ação principal, o bloqueio da dopamina e da serotonina, era o que os antipsicóticos existentes já o fazem. “Se o seu mecanismo de ações é verdadeiramente novo isso permanece sem resposta”, afirmou o editorial. “Ainda é possível que a Lumateperona seja apenas mais um antipsicótico da segunda geração.”

Os elementos de uma charada

O protocolo

A Lumateperona foi testada em um estudo de fase II e em dois estudos de fase III, cada um com duração de 28 dias, com desenhos de pesquisa semelhantes. O artigo do JAMA Psychiatry relatou resultados do estudo 301, com um link para um pdf do protocolo.

No estudo 301, foi necessário que os participantes estivessem em um ‘ambiente de vida estável’ nos três meses anteriores e, enquanto nesse ambiente comunitário, sofreram uma ‘exacerbação’ dos sintomas da esquizofrenia. Eles precisavam ter um histórico prévio de resposta positiva a um antipsicótico. E, mais interessante ainda, os pesquisadores precisaram decidir que os pacientes poderiam ser “descontinuados com segurança da terapia com antipsicóticos, estabilizadores de humor, lítio, anticolinérgicos e medicamentos antidepressivos”.

Havia uma longa lista de critérios de exclusão. Os voluntários do estudo não podiam ser suicidas, não podiam abusar de substâncias químicas (de álcool ou outras drogas) e não podiam ter “valores laboratoriais clinicamente anormais”. Eles também não podiam estar sofrendo de nenhuma doença “hematológica, renal, hepática, endocrinológica, neurológica e (ou) cardiovascular”, e eles não poderiam ter um“ histórico de síndrome maligna dos neurolépticos ”.

Os recrutados para o estudo foram admitidos em uma unidade de internação e, no primeiro dia, foram retirados abruptamente de todos os medicamentos psiquiátricos. Se os investigadores clínicos decidissem que seria apropriado fazer uma avaliação da retirada dos medicamentos, isso poderia ser feito por um período máximo de quatro dias da retirada. Todos tiveram que tomar todos os medicamentos psiquiátricos por pelo menos três dias antes da randomização.

No final do período de triagem, que pôde durar até sete dias, os pacientes foram randomizados para o estudo no caso de obterem 70 ou mais pontos na Escala de Sintomas Positivos e Negativos (PANSS). Esse critério de inclusão selecionaria os pacientes que estavam pelo menos ‘levemente a moderadamente doentes’.

No estudo 301, os pacientes foram randomizados para 60 mg. ou 40 mg. de Lumateperona ou placebo. Durante o estudo de 28 dias, os investigadores foram autorizados a prescrever Lorazepam para “agitação, ansiedade ou para ajudar no sono”.

A principal medida de eficácia foi uma alteração na pontuação do PANSS na linha de base até o final do estudo no vigésimo oitavo dia. O estudo foi projetado, relataram os pesquisadores em seu artigo no JAMA, para ter o poder de demonstrar um “tamanho de efeito de 0,4”, o que corresponderia a uma diferença de seis pontos entre a droga e o placebo na redução dos sintomas.

A população do estudo

Como pode ser visto, os critérios de inclusão-exclusão foram projetados para inscrever um grupo seleto de pacientes com ‘esquizofrenia’. Os inscritos vieram de ambientes estáveis na comunidade, responderam anteriormente a um antipsicótico positivamente, não abusavam de álcool ou outras drogas e estavam com uma saúde relativamente boa, mesmo que possam ter tido anos de exposição a medicamentos antipsicóticos. Esses critérios foram os usados para selecionar pacientes com maior probabilidade de responder a um antipsicótico do que ocorreria com um recrutamento aleatório de pacientes com ‘esquizofrenia’ e, considerados os seus perfis relativamente saudáveis, apresentariam menor risco de sofrer efeitos adversos.

As empresas farmacêuticas usam regularmente critérios de inclusão e exclusão para selecionar um subconjunto de pacientes de um grupo de diagnóstico com uma maior probabilidade de responder bem ao medicamento. No entanto, é sabido que, devido a esse processo de seleção, os resultados podem não refletir a eficácia de um medicamento em uma população de pacientes no ‘mundo real’.

O exemplo mais dramático desse problema do ‘mundo real’ vem de ensaios clínicos com antidepressivos. Duas décadas atrás, o NIMH financiou dois estudos de antidepressivos em pacientes do ‘mundo real’ e, em ambos, um dos quais foi o grande estudo STAR * D, as taxas de resposta e remissão foram muito baixas e notavelmente inferiores às taxas de resposta dos ensaios clínicos com drogas comercialmente financiadas.

Este é o primeiro elemento da charada deste estudo com Lumateperona, sendo um elemento comum à maioria dos estudos sobre drogas psiquiátricas financiados pelo setor. O estudo usou critérios de inclusão-exclusão para inscrever um subconjunto de pacientes que poderiam ter taxas de resposta mais altas e menos eventos adversos do que um conjunto de pacientes no ‘mundo real’. Os voluntários do estudo não eram representativos de uma seção transversal de ‘pacientes do mundo real’, mas os resultados passam a ser promovidos como comprovação de eficácia e segurança para o uso no ‘mundo real’.

Exposição prévia a medicamentos

No estudo 301, os 449 pacientes randomizados para o estudo tinham, em média, 42 anos e haviam sido diagnosticados 17 anos antes. Pelo menos 94% estavam tomando medicamentos psiquiátricos antes do estudo, com quase dois terços em Lorazepam. Os antipsicóticos mais comuns que os pacientes estavam tomando eram Quetiapina, Risperidona, Haloperidol, Olanzapina e Aripiprazol. Por conseguinte, todos os pacientes tinham histórico de exposição a antipsicóticos.

Como é sabido, antipsicóticos e outras drogas psiquiátricas alteram o cérebro. As drogas psiquiátricas perturbam os sistemas de neurotransmissores e, em resposta, o cérebro passa por uma série de adaptações compensatórias, em um esforço para manter um ‘equilíbrio homeostático’. No final desse processo de adaptação, como o ex-diretor do NIMH, o Dr. Stephen Hyman escreveu em um artigo de 1996, o cérebro está operando de maneira “qualitativa e quantitativamente diferente do estado normal”.

Por exemplo, os antipsicóticos bloqueiam os receptores D2. Em resposta, o cérebro aumenta a densidade de seus receptores D2. Assim, qualquer pessoa que seja exposta a um antipsicótico por qualquer período de tempo terá essa densidade incomumente alta de receptores D2, e essa é apenas uma das muitas mudanças que serão induzidas por anos de exposição a antipsicóticos e a outras drogas psiquiátricas.

Como resultado dessa exposição a medicamentos, a Lumateperona não foi testada em ‘pessoas com esquizofrenia’, como se seus cérebros estivessem no momento no estado original da ‘doença’. A droga estava sendo testada em pessoas cujos cérebros haviam sido dramaticamente remodelados por seus anos de exposição a antipsicóticos e a outras drogas psiquiátricas e, se os pacientes deste estudo compartilharam alguma fisiologia comum, foram as anormalidades – como é um aumento nos receptores D2- induzida pela exposição aos medicamentos.

Todo mundo sabe disso. No entanto, este elefante científico na sala nunca é discutido. Em vez disso, o fingimento está em que um projeto de drug-washout * remova o efeito desse uso anterior e que devolva os participantes do estudo a uma fisiologia primitiva de ‘esquizofrenia’.  Isso permite alegações de que um medicamento foi testado para uma ‘doença’, mesmo que esteja sendo testado em uma população de pacientes cujos cérebros são ‘anormais’ devido aos anos de exposição aos medicamentos.

Note-se que esse processo de faz de conta que permeia 65 anos dos ensaios clínicos randomizados que avaliam a eficácia a curto prazo dos antipsicóticos. Como Lieberman e colegas confessaram em um artigo de 2017, nunca houve um “estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo” de um antipsicótico em pacientes que não estejam tomando medicamentos. Em outras palavras, não há um bom registro científico de que esses medicamentos sejam eficazes, mesmo a curto prazo, em pacientes psicóticos cujos cérebros não foram alterados pela exposição prévia a antipsicóticos.

Sem controle placebo

Como é sabido, existe a possibilidade de as pessoas diagnosticadas com uma doença melhorarem sem tratamento; e isso é particularmente verdadeiro para as pessoas que recebem um diagnóstico psiquiátrico. Um controle placebo é projetado para fornecer uma medida dessa capacidade natural de recuperação, com o entendimento de que, para que um tratamento medicamentoso seja eficaz, o medicamento deve fornecer melhores resultados do que a ‘recuperação natural’ no grupo placebo.

Neste estudo, o desenho do projeto de promover uma retirada abrupta produz um ‘grupo placebo’ que está a sofrer de sintomas de retirada, em oposição à esquizofrenia ‘não medicada’; e há um longo registro de pesquisa documentando os riscos associados à retirada abrupta de antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos . Esses riscos incluem um agravamento dos sintomas psicóticos, ansiedade, medo, depressão, agitação interna, alterações de humor, dores de cabeça, insônia, vômitos e um possível agravamento dos sintomas extrapiramidais.

De fato, o pensamento comum é que a retirada abrupta de pacientes crônicos de todos os seus medicamentos psiquiátricos seria negligência clínica, uma vez que é conhecido por colocar os pacientes em grande risco de deterioração do seu estado de saúde.

A charada aqui é óbvia. Um grupo de abstinência de drogas serve como substituto de um controle de placebo, fornecendo uma ‘comparação’ esperada que a droga apareça como sendo melhor.

Esse fato revelador também é ocultado regularmente dos leitores da literatura médica. No artigo da JAMA Psychiatry, não há menção ao fato de os participantes terem sido abruptamente retirados de seus medicamentos psiquiátricos imediatamente antes da randomização; esse detalhe revelador está ausente nas seções ‘Métodos’ e ‘Discussão’ do artigo.

Um estudo de restauração de medicamentos

Dada a retirada abrupta de todos os medicamentos durante o período de triagem, os ensaios clínicos com a Lumateperona são adequadamente descritos como estudos de ‘restauração do medicamento’. Aqueles que foram randomizados para a Lumateperona foram colocados de volta no mesmo tipo de medicamento –  que bloqueia os receptores de dopamina – para o qual seus cérebros estavam já acostumados.

Em contextos clínicos, essa é obviamente a prática usual. Se um paciente com esquizofrenia parou abruptamente de tomar seus medicamentos e agora sofre de sintomas psicóticos, o paciente é rapidamente recolocado em um antipsicótico. O esperado é que essa restauração da droga ajude a aliviar os sintomas que surgiram após a retirada abrupta do antipsicótico.

Independentemente das expectativas, a questão é que os estudos com Lumateperona, como a maioria dos estudos financiados pela indústria farmacêutica que utilizam um plano de retirada de medicamentos, fornecem apenas uma avaliação dos possíveis méritos desse medicamento em uma situação clínica específica: Se os pacientes com esquizofrenia crônica pararem abruptamente os medicamentos, qual é o efeito a curto prazo de devolvê-los à Lumateperona? Nos próximos 28 dias, eles se saem melhor do que aqueles que não são postos de volta em um antipsicótico?

Os dados ausentes

O curso clínico estudado nos ensaios com a Lumateperona é o seguinte: pacientes com esquizofrenia que vivem na comunidade sofrem de algum grau de exacerbação enquanto estão a tomar seus medicamentos. Eles são retirados abruptamente de todos os seus medicamentos e randomizados para Lumateperona ou para placebo. Eles permanecem nesses grupos de tratamento pelas próximas quatro semanas.

A fim de fornecer uma avaliação clara desse curso de tratamento, o estudo deve apresentar três avaliações do PANSS para os participantes:

  • Pontuações na triagem inicial;
  • Pontuações após retirada abrupta de medicamentos (imediatamente antes da randomização);
  • Pontuações no final do período de estudo de 28 dias.

Nos ensaios com Lumateperona, não houve uso do PANSS na triagem inicial. Em vez disso, os recrutados em potencial foram rastreados com o uso de uma escala (CGI-S) que avalia rapidamente o estado clínico ‘global’, e aqueles que pontuaram pelo menos quatro foram vistos como potencialmente elegíveis, em termos de sintomas, para o ensaio clínico. No entanto, mesmo esses escores iniciais do CGI-S, avaliados antes da retirada do medicamento, nunca são relatados.

Portanto, não há informações que detalhem os sintomas dos pacientes antes que os medicamentos fossem retirados abruptamente. No entanto, espera-se que a retirada abrupta exacerbe os sintomas dos pacientes, pelo menos em pequeno grau. Essa exacerbação induzida pela retirada torna-se a medida inicial para avaliar a eficácia no final dos 28 dias.

Com esse desenho, um participante do estudo pode acabar sendo avaliado como tendo ‘respondido’ ao medicamento do estudo, embora esteja pior do que quando foi rastreado pela primeira vez para a pesquisa.

Por exemplo, no estudo com Lumateperona 301, a pontuação média do PANSS na linha de base para os pacientes foi de 89. Mas quais seriam as pontuações do PANSS antes da retirada abrupta? É possível que eles estivessem apenas levemente doentes, o que teria produzido escores do PANSS altos em torno de 60 ou baixos em torno de 70, com a retirada abrupta elevando a pontuação para 89 na ‘linha de base’. Vinte e oito dias depois, as pontuações do PANSS deles poderiam ter caído para mais ou menos 70 e agora seriam categorizadas como tendo respondido à droga, mesmo estando agora piores do que na triagem inicial.

Se esses estudos fossem realizados para fornecer informações clinicamente relevantes, os sintomas dos pacientes deveriam haver sido avaliados usando a escala PANSS nos três momentos: triagem inicial, após retirada abrupta de medicamentos e ao final do estudo. Em seguida, seria possível avaliar se a ‘melhoria’ com o medicamento era um artefato do projeto drug-washout ** Além disso, seria possível ver quanto dano havia sido causado aos voluntários do estudo pelo projeto abrupto de retirada de drogas.

O uso concomitante de um benzodiazepínico

Nos testes com Lumateperona, aproximadamente dois terços dos pacientes estavam tomando Lorazepam antes de serem retirados de seus medicamentos psicotrópicos e randomizados para o estudo. No entanto, após a randomização, o protocolo permitiu que os pesquisadores prescrevessem mais uma vez o Lorazepam para tratar ansiedade, agitação e insônia. Mais de 70% dos pacientes, nos grupos placebo e medicamentos, receberam esta benzodiazepina.

O uso de um segundo psicotrópico obviamente confunde a eficácia que pode ser atribuída ao medicamento do estudo. Como um especialista em projeto de ensaios clínicos testemunhou em um caso civil envolvendo o Prozac, o uso concomitante de benzodiazepina nos estudos do Prozac foi ‘cientificamente ruim’, pois ‘confundia os resultados’ e ‘interferia na análise de segurança e eficácia .”

Mais uma vez, todo mundo sabe disso. A prescrição de uma benzodiazepina nos estudos com Lumateperona pode ajudar a esconder efeitos adversos e diminuir muitos dos 30 sintomas avaliados com PANSS. E embora o emprego de um benzodiazepínico seja certamente de uso clínico quando as pessoas foram retiradas abruptamente de todos os medicamentos psiquiátricos e sofrem de sintomas de abstinência, a farsa é ignorar que seu uso confunde os resultados do estudo.

Essa farsa se estende ao artigo publicado na JAMA Psychiatry. Não há menção ao uso concomitante de Lorazepam. É preciso ler o protocolo e o suplemento online para descobrir isso.

A ética da retirada abrupta

É sabido, tanto por médicos quanto por pacientes, que a retirada abrupta de antipsicóticos e outras drogas psiquiátricas pode ser perigosa. Ela expõe o paciente a qualquer número de riscos físicos e emocionais e, em cuidados clínicos regulares, nunca isso é aconselhável.

No entanto, no estudo da Lumateperona, os pacientes poderiam ser incluídos se o investigador determinasse que eles poderiam ser ‘com segurança’ retirados de todos os seus medicamentos psicotrópicos.

Essa expressão ‘com segurança’ tem como objetivo fornecer uma cobertura ética para o estudo. Mas como isso deveria ser feito? O protocolo não forneceu nenhum método para os investigadores descobrirem quem entre os pacientes selecionados poderia ser ‘com segurança’ retirado de seus medicamentos. Tampouco foi dada explicação para o porquê de haver um subconjunto de pacientes crônicos poderem, de fato, ‘retirar com segurança’ todos os seus medicamentos psiquiátricos de uma só vez.

De fato, se existe um subconjunto de pacientes crônicos que podem ser retirados com segurança de todos os seus medicamentos, por que a ‘retirada abrupta de drogas’ não é vista como uma opção na prática clínica regular?

Este é mais um elemento da farsa. Os critérios de inclusão fornecem cobertura ética para um ato antiético.

A linha de base

Não havia nada de incomum no desenho do estudo 301 ou nos outros dois estudos clínicos de Lumateperona. Mas, de uma perspectiva científica, não se pode dizer que esses estudos fornecem um teste de segurança e eficácia desse medicamento para a ‘esquizofrenia’. O melhor que se poderia dizer dos ensaios clínicos é o seguinte: Em uma população de pacientes crônicos diagnosticados com esquizofrenia , com anos de exposição a antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos, a Lumateperona proporcionou um benefício após a retirada abrupta dos medicamentos em que estiveram usando?

A farsa é fingir que os ensaios clínicos testaram algo diferente disso.

A eficácia da Lumateperona

O aspecto notável da aprovação da FDA deste medicamento, através de um processo acelerado de aprovação, é que, mesmo nesse contexto científico, como sendo um tratamento para pacientes retirados de todos os seus medicamentos psicotrópicos, o medicamento não proporcionou um benefício confiável.

A Intra-Cellular Therapies realizou um estudo de fase II e dois estudos de fase III como parte de seu pedido enviado a FDA. Forneceu resumos desses estudos em seu arquivo 10-K de 2019 à Comissão de Valores Mobiliários.

No estudo de fase II (estudo 005), 335 pacientes foram randomizados para um dos quatro tratamentos: 120 mg. de Lumateperona, 60 mg. de Lumateperona, 4 mg. de Risperidona ou placebo. O estágio final do processo foi a redução dos sintomas na escala PANSS desde o início até o final do estudo no dia 28. Enquanto que a dose de 60 mg. de Lumaterona e a dose de 40 mg. de Lumateperone e a dose de 4 mg. de Risperidona proporcionaram um benefício ‘estatisticamente significativo’, os 120 mg. dose de Lumateperona não. * *

Em um dos dois estudos de fase III (estudo 302), os pacientes foram randomizados para 60 mg. dose de Lumateperona, 40 mg. dose de Lumateperona, risperidona ou placebo, com redução dos sintomas na escala PANSS como desfecho primário. Nenhuma das doses de Lumateperona ‘se separou do placebo’ nesta fase final, enquanto a Risperidona o fez.

Assim, nesses três estudos, foram realizadas seis comparações entre uma dose de Lumateperona e placebo, e em quatro dos seis, o medicamento não proporcionou benefício superior ao placebo. A dose de 60 mg. foi a dose aprovada pela FDA e nas duas comparações com Risperidona forneceu resultados semelhantes no estudo de fase II, mas foi inferior à Risperidona no estudo de fase III.

Além disso, no estudo 301, a eficácia da dose dos 60 mg. sobre o placebo foi de um tipo mínimo. A pontuação inicial do PANSS para os participantes do estudo foi de 89 a 90 e, no final dos 28 dias, a redução média na pontuação do PANSS foi de 15,6 para o grupo dos 60 mg.  versus 12,4 para o grupo placebo.

Embora essa diferença de três pontos seja  ‘estatisticamente significativa’, ela não tem significado clínico algum. O PANSS avalia trinta sintomas em uma escala de 1 a 7, o que significa que as pontuações podem variar de 30 a 210. Em um artigo de 2012, os pesquisadores determinaram que era preciso haver uma diferença de 15 pontos na escala PANSS para que essa diferença ocorresse de forma clinicamente significativa. Uma diferença de três pontos em uma escala de 210 pontos não seria clinicamente perceptível.

Os pesquisadores do estudo 301, em seu artigo JAMA Psychiatry, também relataram taxas de resposta, afirmando que uma redução de 20% nas pontuações do PANSS seria evidência de que um paciente ‘melhorou minimamente’ até o final do estudo. Cinquenta por cento dos pacientes do grupo com a dose de 60 mg. respondeu por esta medida em comparação com 38 por cento no grupo placebo.

Isso produz um NNT de 8, o que significa que oito pessoas precisam ser tratadas com a droga para produzir uma resposta adicional ‘minimamente aprimorada’. Isso também significa que sete dos oito tratados com o medicamento sofrerão os efeitos adversos do medicamento sem receber nenhum benefício. Esses sete são compostos por não respondedores ao medicamento e aqueles que responderiam sem o tratamento (respondedores a placebo).

Assim, em suma:

  • Houve apenas dois casos – em seis tentativas – em que a Lumateperona se mostrou ‘estatisticamente superior’ ao placebo no desfecho primário de redução dos sintomas na escala PANSS.
  • No estudo 301 positivo, a superioridade da dose ‘efetiva’ de 60 mg. foi de um tipo tão marginal que não tinha significado clínico.
  • De acordo com o NNT “minimamente aprimorado” de 8, sete de oito pessoas tratadas com Lumateperona sofrerão os riscos de eventos adversos sem nenhum benefício, pois não responderão ao medicamento ou que teriam melhorado na mesma extensão sem ele.

A segurança da Lumateperona

Intra-Cellular Therapies, em sua promoção da Caplyta, a consideram a droga antipsicótica mais segura e que causa menos efeitos colaterais do que os antipsicóticos no uso atual. As reações adversas mais comuns nos ensaios clínicos, informou o Medscape Psychiatry, “seriam sonolência / sedação” e “boca seca”.

O artigo no JAMA Psychiatry, em sua conclusão, forneceu uma imagem igualmente otimista de seu perfil dos efeitos colaterais. “Os eventos adversos nos grupos de Lumateperona que ocorreram foram sedação, sonolência, fadiga e constipação, todos predominantemente leves”.

Aparentemente, isso mostra um grande avanço. Sem disfunção metabólica, sem ganho de peso dramático e aparentemente sem sintomas extrapiramidais.

Aqui está como esse perfil de segurança foi criado.

Lista de efeitos colaterais comuns

Primeiramente, de acordo com o protocolo do estudo 301, os únicos ‘eventos adversos’ que seriam registrados seriam aqueles que viessem a surgir durante os 28 dias de tratamento. Os participantes do estudo poderiam estar sofrendo efeitos adversos em seus anos anteriores de uso de drogas psiquiátricas, como sintomas extrapiramidais, com essa sintomatologia permanecendo ao longo dos 28 dias, mas esses sintomas não seriam relatados a menos que emergissem após a randomização. No relatório JAMA Psychiatry, estes foram descritos como “sintomas adversos emergentes do tratamento” (TEAS).

O protocolo foi projetado para minimizar o reconhecimento de tais eventos adversos. Não houve uso de uma lista de verificação de eventos adversos que exigisse que os investigadores perguntassem sobre possíveis efeitos negativos. Em vez disso, o protocolo dizia: “Eventos adversos podem ser espontaneamente serem relatados pelos sujeitos do estudo, ou descobertos pela equipe do estudo durante exames físicos ou fazendo uma pergunta aberta e não principal, como ‘Como você está se sentindo desde a última vez que foi perguntado? ‘”

Este é um método que as empresas farmacêuticas usam regularmente para minimizar os relatórios de efeitos adversos. Se você não procurar ativamente esses efeitos negativos, não os encontrará.

Este método produziu a seguinte lista de efeitos colaterais comuns, que pareciam bastante benignos.

O que está faltando claramente nesta lista é qualquer evidência de sintomas de EPS, e em seu relatório JAMA, os pesquisadores do estudo 301 enfatizaram esse ponto. “Nenhum TEAS relacionado ao EPS ocorreu em 5% ou mais dos pacientes em qualquer ramo de tratamento”, eles escreveram. “TEAS relacionados com EPS foram raros.”

Sintomas extrapiramidais

Os antipsicóticos de primeira geração – Clropromazina, Haloperidol e assim por diante – eram notórios por causar sintomas extrapiramidais (EPS). Os pacientes desenvolviam tiques, distonias, sintomas parkinsonianos, uma agitação interna conhecida como acatisia e assim por diante. Os antipsicóticos de segunda geração, como Olanzapina e Quetiapina, foram em grande parte vistos como drogas melhoradas, porque não bloqueiam os receptores D2 da mesma forma que as drogas da primeira geração, portanto induzindo sintomas extrapiramidais em menor grau.

Uma droga que não cause sintomas de EPS, mas que seja igualmente eficaz como os medicamentos existentes para melhorar os escores do PANSS, seria visto como uma melhoria notável. Embora a lista de eventos adversos pareça considerar que a Lumateperona não causa EPS, uma empresa que deseja fazer essa afirmação precisaria mostrar que avaliou ativamente os sintomas de EPS, em vez de apenas esperar para ver se esses sintomas aparecerão como efeitos adversos.

Intra-Cellular Therapies fez isso em seus ensaios. Os pacientes inscritos no estudo 301 receberam testes de linha de base para avaliar a presença e gravidade dos sintomas de EPS e a acatisia e, em seguida, essas mesmas avaliações foram feitas periodicamente durante o estudo e no último dia do estudo. Os pesquisadores relataram que, com base nessas medidas, “o tratamento com (qualquer dose) de Lumateperona não esteve associado ao aumento do EPS”.

A palavra-chave nessa frase, que pode ser facilmente perdida, é aumentada.

No artigo da JAMA Psychiatry, os pesquisadores relataram as alterações médias na sintomatologia da EPS desde o início até o dia 28, em oposição à porcentagem de pacientes que poderiam estar sofrendo desses sintomas. Os pacientes que apresentavam sintomas extrapiramidais na linha de base ainda poderiam estar exibindo esses sintomas no dia 28, mas desde que seus sintomas não piorassem, isso não produziria nenhuma ‘alteração média’ nas pontuações de EPS.

Além disso, os investigadores omitiram as informações que forneciam informações sobre a porcentagem de pacientes que estavam sofrendo de EPS durante o estudo.

O protocolo permitiu a prescrição de Lorazepam durante o estudo para tratar agitação, ansiedade e insônia. Todos estes são sintomas relacionados ao EPS, com agitação e ansiedade vistas como sinais cardinais de acatisia induzida por drogas (que geralmente aumenta após a retirada abrupta de drogas). Os investigadores não mencionaram esse fato em seu artigo. Mas o suplemento on-line diz: mais de 70% dos pacientes receberam Lorazepam durante o estudo para ansiedade, agitação e insônia.

No entanto, esses eventos adversos estão ausentes da lista de efeitos colaterais gerais.

Diante dessa apresentação dos dados de segurança, é impossível conhecer a porcentagem de pacientes no estudo 301 que estavam sofrendo de EPS. Parece que houve apenas alguns casos em que esses sintomas surgiram recentemente e, no geral, não houve ‘alteração média’ dos sintomas de EPS nos grupos de pacientes nesses 28 dias. No entanto, mais de 70% dos pacientes receberam Lorazepam para tratar agitação, ansiedade e insônia, sintomas que são um sinal de acatisia. Parece então que 70% ou mais estavam sofrendo com esse ‘evento adverso’.

A empresa, em seu comunicado de imprensa, afirmou que “a incidência de sintomas extrapiramidais foi de 6,7% para Caplyta e de 6,3% para placebo”, o que indicaria que seu medicamento não causaria esses efeitos adversos. Mas as informações no comunicado de imprensa da empresa e no artigo JAMA Psychiatrysobre o uso de Lorazepam nos estudos estão ausentes e, portanto, o público fica no escuro sobre o potencial desse medicamento para causar ‘agitação, ansiedade e insônia’.

Disfunção metabólica

Com os antipsicóticos de segunda geração, a disfunção metabólica – ganho de peso, diabetes e assim por diante – passou para a frente como sendo efeito adverso mais problemático. O estudo 301 investigadores relataram essa preocupação da mesma maneira que relataram sintomas de EPS.

O protocolo exigia que os investigadores avaliassem fatores metabólicos na linha de base e, novamente, durante o estudo e no dia 28. Mas no artigo JAMA, os pesquisadores relataram apenas ‘alterações médias’ da linha de base para o dia 28 e, portanto, se os pacientes tiveram leituras anormais nos fatores metabólicos na linha de base, desde que as medidas metabólicas não piorassem durante as quatro semanas, parece que a Lumateperona não causou esses problemas.

Como os pesquisadores escreveram em seu artigo JAMA, “não houve alterações significativas nos parâmetros metabólicos da linha de base no dia 28 em comparação com o placebo”.

No entanto, assim como o uso regular de Lorazepam no estudo 301 fala de pacientes que continuaram a sofrer de sintomas relacionados à acatisia, os dados de ganho de peso publicados no suplemento sugerem que a Lumateperona, assim como a Clozapina, pode causar problemas metabólicos, pelo menos para alguns pacientes. Doze dos 143 pacientes no grupo com 60 mg. teve um aumento de mais de 7% do seu peso corporal inicial em 28 dias, o que indica que eles ganharam de 5 kg a 7,5 kg (ou mais) nesse curto período.

A linha inferior

Pode ser que a Lumateperona tenha um perfil de segurança relativamente benigno em comparação aos medicamentos psiquiátricos existentes. No entanto, o que está claro é que a empresa e seus pesquisadores, em sua coleta e relato de dados de eventos adversos, não forneceram uma imagem da presença de disfunção metabólica e de sintomas de EPS nos participantes do estudo durante o estudo. O fato de não haver ‘alterações médias’ nesses domínios indica que pelo menos aqueles tratados com Lumateperona não pioraram nesses dois domínios durante seus 28 dias de uso do medicamento. Mas isso não se traduz em evidências de que a Lumateperona não cause efeitos negativos em uma porcentagem significativa de pacientes do mundo real.

A aprovação da Lumateperona pela FDA

Depois que a empresa concluiu seus testes de fase III, a FDA, em novembro de 2017, deu à Lumateperona sua designação de ‘trâmite rápido’. Isso foi concedido, declarou a empresa em um comunicado à imprensa, porque “a Lumateperona tem o potencial de atender às necessidades médicas não atendidas do tratamento da esquizofrenia com melhorias significativas em vários parâmetros de segurança clinicamente significativos, inclusive com relação a problemas metabólicos, motores e cardiovasculares associados com muitos agentes antipsicóticos atualmente disponíveis. ”

Depois que a empresa entrou com seu pedido de novo medicamento, a FDA agendou uma reunião do comitê consultivo para 31 de julho de 2019. Mas cancelou a reunião em 23 de julho, o que assustou a comunidade de investidores. Talvez a FDA não tenha achado os dados da Lumateperona muito convincentes.

Esses medos foram rapidamente sufocados. Em 10 de setembro, a FDA anunciou que não planejava mais realizar uma revisão do comitê consultivo e, três meses depois, em 23 de dezembro, aprovou o medicamento. Isso foi feito apesar da falta de dois ensaios positivos da fase III, que é o padrão usual para a aprovação de um medicamento.

No início de 2019, a FDA aprovou a Eskatamina como tratamento para a depressão, embora a evidência de eficácia fosse de um tipo igualmente pouco convincente e, com essa aprovação da Lumateperona, o analista financeiro Paul Matteis explicou o padrão que agora passava a ser evidente. “A FDA é mais flexível do que a norma quando se trata de medicamentos para a neurociência” e agora está adotando uma “abordagem que tanto pode ser vista com pessimismo quanto com otimismo” para aprovar esses medicamentos, escreveu ele.

O desenvolvimento da Lumateperona produziu benefícios financeiros para os envolvidos. É claro que os investigadores que conduziram os ensaios clínicos foram pagos por esse trabalho e, como observado acima, depois que a FDA anunciou sua decisão, a avaliação da Intra-Cellular saltou US $ 1,3 bilhão em um único dia. O CEO e o CFO da Intra-Cellular venderam ações de suas ações desde aquele dia, cada um recebendo mais de US $ 1 milhão com essas negociações.

Analistas disseram que a empresa deveria cobrar pelo Caplyta US $ 900 por mês quando o medicamento for lançado na primavera. Isso é mais de 200 vezes o custo mensal da Risperidona genérica no Walmarts ou em outras farmácias que vendem antipsicóticos genéricos a taxas reduzidas. Nesse campo do comércio, os custos serão suportados por quem compra os comprimidos.

A pergunta não respondida

Como mencionado anteriormente, há um resultado dos ensaios clínicos com a Lumateperona que justifica uma investigação mais aprofundada. Por que os escores do PANSS de pacientes crônicos que foram retirados abruptamente de seus medicamentos e depois randomizados para placebo melhoraram nos próximos 28 dias? Os estudos de recaída relatam regularmente pacientes retirados cujos sintomas psicóticos aumentam no primeiro mês, e o entendimento geral é que a retirada abrupta regularmente leva à erupção de muitos sintomas difíceis. Mas não neste caso, e essa melhoria no grupo placebo é vista regularmente em estudos financiados pelo setor, apesar de seu design de retirada de medicamentos.

A melhoria no grupo placebo neste estudo pode ser uma evidência que apoia o uso regular de protocolos de redução gradual. Se os pacientes crônicos podem melhorar após a retirada abrupta de todos os seus medicamentos psiquiátricos, que melhoria eles podem experimentar por períodos mais longos se os medicamentos psiquiátricos forem gradualmente retirados? No entanto, outra explicação possível é que, durante um estudo financiado pelo setor, os avaliadores esperam ver uma melhora nos participantes, um viés que se estende tanto aos pacientes tratados com medicamentos quanto aos pacientes tratados com placebo.

Mas essa não é uma questão que interessa aos financiadores comerciais de ensaios clínicos com drogas ou evidentemente aos investigadores nos ensaios com a Lumateperona. No relatório de psiquiatria da JAMA, eles nem sequer mencionaram o plano de abstinência. Não há discussão sobre essa melhora no grupo placebo, o que representa mais uma maneira pela qual esses estudos não ajudam a informar os cuidados clínicos de maneira significativa.

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** A molécula que foi testada no julgamento foi o tosilato de Lumateperona. A dose de 60 mg tinha 42 mg de Lumateperona, enquanto a dose de 40 mg tinha 28 mg de Lumateperona. No artigo JAMA Psychiatry, algumas das conclusões são apresentadas usando os 42 mg. e 28. mg.

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Nota do Editor:

  • O termo técnico “drug-washout” se refere a um recurso técnico utilizado muito em ensaios clínicos com drogas medicinais. Isso se refere a uma interrupção no tratamento em andamento. É frequentemente utilizado em ensaios cruzados, nos quais é definido um período definido antes de mudar para um novo medicamento. Nesse período, os níveis do medicamento anterior no organismo e os efeitos devem ser reduzidos a zero.