O uso do Facebook melhora as conexões sociais ou diminui a atenção?

Uma análise do uso de redes sociais na internet e suas relações com o bem-estar dos participantes revela vínculos complexos com capital social, mas uma associação mínima com controle da atenção.

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Um estudo recente conduzido por um grupo de psicólogos na Bélgica busca desafiar estereótipos comuns sobre o uso de mídias sociais e problemas com atenção. A maioria das premissas sobre esse relacionamento começa com o pressuposto de que o uso excessivo de qualquer coisa é o resultado de problemas com o controle da atenção. No entanto, aplicar isso de maneira muito ampla a todas as instâncias de uso de mídia social leva ao enquadramento dos usuários e das plataformas que nos sugerem simplificações exageradas, ignorando os diversos propósitos para os quais as redes de mídia social podem ser usadas.

Este estudo, liderado por Lien Faelenes, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Departamento de Psicologia Clínica e da Saúde Experimental, usou uma abordagem de análise de rede para construir uma imagem mais complexa do uso do Facebook. As análises de rede são métodos usados para criar modelos gráficos de várias variáveis, com cada variável representada por um nó e os relacionamentos entre os nós mapeados como arestas. Mais especificamente:

“O presente estudo buscou modelar as associações únicas entre indicadores centrais do uso do Facebook e a vulnerabilidade para transtornos afetivos. Uma força importante deste estudo é que ele examina o papel do capital social e da comparação social na relação entre o uso do Facebook e os indicadores de bem-estar. ”

Public Domain

 

Não há falta de estudos recentes associando as mídias sociais à depressão. Muitos desses estudos destacam uma série de riscos psicossociais relacionados ao tempo excessivo frente à tela, incluindo problemas com a atenção.

E, no entanto, outros estudos têm desafiado essas abordagens puramente pessimistas sobre o relacionamento entre as mídias sociais e a psicologia. Eles argumentam, em vez disso, que o uso de redes de mídia social pode aumentar o senso de propósito e os sentimentos de conectividade de uma pessoa, de maneiras que podem potencialmente neutralizar os efeitos negativos do seu uso excessivo. Em outras palavras, talvez não sejam essas ferramentas que causam problemas para as pessoas, mas como essas ferramentas são usadas para se relacionar com outras pessoas.

O estudo de Faelens et al. baseia-se em pesquisas anteriores conduzidas pelo autor principal, e que também usaram uma abordagem de análise de rede para ilustrar “associações complexas entre uso de mídia social, comparação social, autoestima e indicadores de risco para transtornos afetivos”.

O modelo desta pesquisa anterior sugeria que, quando a mídia social é usada principalmente para se comparar a outras pessoas, há uma probabilidade maior de baixa autoestima e sintomas de depressão. O estudo mais recente, no entanto, concentrou-se especificamente no uso do Facebook e procurou integrar fatores relacionados ao capital social e o controle da atenção nesse modelo gráfico.

O conceito de capital social– entendido como os benefícios mensuráveis que cada pessoa recebe das relações sociais – foi emprestado das pesquisas em sociologia e da teoria política. Indo além, os autores do estudo fazem uma distinção mais sutil, proposta por Putnam (2000), entre dois tipos de capital social: ‘capital social de ligação’ e ‘capital social de ponte’.

O capital social de ligação refere-se a benefícios de relacionamentos íntimos com a família e amigos, enquanto que o capital social de ponte refere-se aos benefícios dos laços ‘relativamente fracos’, mas que, não obstante, fornecem novas informações e têm o potencial de ampliar a visão de mundo do indivíduo.

Foram os benefícios relacionados ao capital social de ponte aqueles que os autores estiveram mais interessados em conectar ao uso regular do Facebook. Como eles explicam:

“As redes sociais na internet oferecem aos usuários a oportunidade de ativar vínculos latentes em vínculos fracos ou de ponte. Isso dá aos usuários a chance de manter conexões que de outra forma desapareceriam, permitindo que usuários (intensivos) mantenham redes maiores e mais heterogêneas. ”

Para estudar essas correlações, os autores desenvolveram uma pesquisa composta por escalas já existentes e a administraram a 469 usuários do Facebook. Eles então usaram estatísticas descritivas coletadas da pesquisa para criar um ‘Modelo Gráfico Gaussiano’ dos seguintes fatores: “Facebook (intensidade do Facebook (FBI), público ativo, uso privado passivo e ativo do Facebook (MSFU-PU / MSFU-PA / MSFU) -PR), capital social de ligação (BOSC) e capital social de ponte (BRSC)) e vulnerabilidade emocional (ruminação (RRS), depressão (DEPR), estresse (STRESS), ansiedade (ANX), controle da atenção (ATC)). ”

No geral, o estudo mostra um quadro mais complicado das variáveis que vinculam o uso das mídias sociais à saúde mental do que a maioria dos estudos anteriores sobre o assunto. Especificamente, o estudo não encontrou uma correlação direta entre a capacidade de controlar a atenção e o uso do Facebook.

E, no entanto, o construto de ‘capital social de ponte’, descrito acima, “emergiu como uma variável-chave na rede, a unir indicadores de (intensidade de) uso do Facebook com indicadores de risco para distúrbios afetivos pela via da comparação social e autoestima”.

Isso implica que não é simplesmente o uso da mídia social em geral o que causa problemas psicológicos notáveis, abrangendo diminuição da atenção, depressão, estresse e ansiedade. Em vez disso, à medida que os usuários expandem suas redes sociais para aumentar o ‘capital social de ponte’, sugerem esses autores, há uma tendência maior a se avaliar negativamente em relação aos outros que são observados on-line.

Como tal, as tendências para se avaliar negativamente em relação aos outros, e não os problemas relacionados à própria atenção, parecem estar mais fortemente associados aos sintomas de depressão ou ansiedade. E, no entanto, os sintomas de depressão ou ansiedade ainda podem estar ligados indiretamente à capacidade de controlar a atenção por meio de relações bidirecionais formadas entre afeto negativo e controle sobre o foco.

Isso é notavelmente diferente de pesquisas anteriores, que sugeriam que o uso excessivo das mídias sociais pode causar problemas no controle da atenção. Por outro lado, Faelens et al. não descobriram nenhum benefício positivo relacionado ao uso do Facebook para qualquer forma de capital social.

Existem várias limitações potenciais desta pesquisa a serem consideradas.

Como os próprios pesquisadores observaram, todos os participantes tinham entre 18 e 35 anos e os dados foram baseados em uma abordagem de amostragem de conveniência – o que significa que os dados coletados provavelmente não são representativos de todos os usuários do Facebook. O gráfico produzido também foi baseado quase exclusivamente em dados de autorrelato, tornando quase impossível saber até que ponto os dados correspondem à realidade da vida cotidiana dos participantes.

Para abordar essas preocupações, os autores sugerem que estudos futuros associem medidas objetivas do uso do Facebook a indicadores fisiológicos de humor. Isso certamente faz sentido em termos de verificação de possíveis relações causais entre variáveis. E, no entanto, também o estudo destaca os dilemas éticos em jogo a qualquer momento em que são realizadas pesquisas sobre o uso da internet por indivíduos.

As plataformas de mídia social são organizadas por meio de algoritmos programados pelos cientistas de dados para maximizar a interatividade do usuário. O objetivo principal das empresas que controlam esses processos é coletar dados sobre o comportamento do usuário para otimizar a ‘experiência do usuário’. Apesar de usar (e propor) os mesmos métodos que as empresas de dados usam para aumentar o envolvimento do usuário com seus sites, Faelens et al. não abordam tópicos tão importantes como esses em seu artigo.

Ao mesmo tempo, usuários individuais também desempenham papéis críticos na reinvenção de tais plataformas quando são usados para fins coletivos, além daqueles que atendem às empresas de tecnologia. À medida que a tecnologia digital se torna cada vez mais integrada às atividades cotidianas, o controle da atenção, por sua vez, se torna mais amplamente distribuído por uma rede crescente (a Internet) de coisas. Aqui, quaisquer fronteiras entre espaços virtuais e reais estão destinadas a se tornarem ainda mais porosas do que já são.

Esse mercado crescente da atenção, juntamente com uma coleta de dados mais concertada, foi nomeado pelos ex-programadores do Google, muito apropriadamente, como a ‘economia da atenção’. Já começamos a testemunhar como os dados coletados por softwares de saúde mental podem ser usados de maneiras que cruzam fronteiras éticas sem o consentimento dos usuários. Uma questão essencial para os psicólogos nesta conjuntura, portanto, é se eles refletirão criticamente sobre as maneiras pelas quais contribuem para a economia da atenção, em vez de apenas participarem dela de forma não reflexiva.

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Faelens, L., Van de Putte, E., Hoorelbeke, K., de Raedt, R., & Koster, E. H. W. (2019). A Network Analysis of Facebook Use and Well-being in Relation to Key Psychological Variables: Replication and Extension. https://doi.org/10.31234/osf.io/y9u4a (Link)