Kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada de Drogas Psiquiátricas, cap. 5, parte 1

Capítulo 5 (parte 1):Kit de sobrevivência para jovens psiquiatras em um sistema doente

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KIT DE SOBREVIVÊNCIA EM SAÚDE MENTAL E RETIRADA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS

 

Nota do Editor: Por permissão do autor, o Mad in Brasil (MIB) está publicando o recente livro do Dr. Peter Gotzsche, Kit de Sobrevivência em Saúde Mental . Os capítulos estão ficando disponíveis em um arquivo aqui.

CAPÍTULO 5, PARTE 1

Kit de sobrevivência para jovens psiquiatras em um sistema doente

Escrevi este livro para os pacientes e seus parentes para ajudá-los a evitar que fiquem presos pela psiquiatria e fiquem ofuscados pelas drogas psiquiátricas, desperdiçando assim anos de suas vidas, ou, no pior dos casos, morrendo. Mas e a psiquiatria como uma especialidade médica; ela pode ser salva de si mesma?

Não pode. Muitos livros, incluindo este, documentaram que os líderes psiquiátricos desistiram do pensamento racional em favor dos benefícios que eles próprios adquirem ao apoiar um sistema totalmente doente. A única esperança que temos é se o povo protestar tão vigorosamente que isso se torne uma revolução imparável.

Dada a doutrinação generalizada, isto é improvável que venha acontecer. Sempre haverá muitos pacientes que acham que as drogas psiquiátricas têm sido boas para eles e que ficarão do lado da corporação psiquiátrica, e esta força, juntamente com a riqueza e o poder obsceno que a indústria farmacêutica acumulou ao nos vender comprimidos inúteis, é tão grande que nossos políticos, mesmo que tenham percebido o quanto tudo isso é ruim, não se atrevem a agir de acordo. O sistema está bloqueado, como se tivesse sido forçado a entrar em uma camisa de força.

Também é muito conveniente para os políticos que haja uma profissão que lide com os elementos mais perturbadores de nossas sociedades e que exerça um controle social rígido sobre eles, muito mais rígido do que o sistema criminoso permite, às vezes com penas indefinidas, num sistema fechado onde os gritos das vítimas não são ouvidos, como no sistema Gulag soviético ou nos campos de concentração nazistas, onde as mortes causadas por aqueles que detinham o poder eram chamadas de mortes naturais, e onde o sistema de apelação era uma farsa total. Qual é a diferença para a psiquiatria, que também chama as suas mortes de “mortes naturais”, onde o sistema de apelação é uma total farsa, onde a lei está sendo violada sistematicamente, e onde pesquisadores independentes acabam sendo demitidos após um julgamento de fachada, se eles tentarem descobrir por que as pessoas morreram?

Mas temos outra fonte de esperança que são os jovens psiquiatras em treinamento cujos cérebros ainda não foram bloqueados com todas as falsas crenças. Alguns deles haviam ficado tão desesperados que me contataram, embora eu não os conhecesse de antemão, para discutir as suas frustrações intensas a respeito de um sistema que tão claramente torna as coisas piores para os seus pacientes.

Um deles, a médica chefe Klaus Munkholm, de 46 anos, do departamento psiquiátrico do meu próprio hospital, que tinha percebido, ao ler os livros de Robert Whitaker e de mim mesmo, que aquilo em que ela acreditava há tantos anos era claramente errado. Ela me escreveu em julho de 2017 e me explicou que estava preocupada que a psiquiatria biológica não tinha sido útil para o entendimento do transtorno bipolar, o que era o seu principal interesse de pesquisa. Ela tinha preocupações semelhantes a respeito das outras doenças psiquiátricas e queria fazer uma pesquisa nesse sentido.

Sou muito rápido para julgar as pessoas e imediatamente marquei uma reunião que foi muito boa. Iniciamos uma frutífera colaboração em pesquisa, mas ela teve repercussões para Klaus. Já um mês após a nossa primeira reunião, ela havia sido desencorajada – tanto em um e-mail quanto em uma reunião – a colaborar com o meu grupo de pesquisa, e ela havia sido avisada de que isso teria consequências para a sua carreira. Eu respondi: “Você consegue ver a semelhança com o fanatismo religioso? É exatamente assim que as Testemunhas de Jeová, a Cientologia, e todas as outras reagem. Isto é inaudito em um contexto acadêmico, mas nos diz muito sobre onde está a psiquiatria”.

Klaus não cedeu e, a partir de dezembro de 2017, eu a empregava um dia por semana, para o grande desgosto do seu chefe, o professor Lars Kessing.

No mesmo mês, outro psiquiatra chefe, Kristian Sloth, também desconhecido para mim, pediu para ter uma reunião, e ele chamou a minha atenção para um anúncio da Psiquiatria na Região da Capital de que as pílulas da depressão poderiam prevenir a demência. É claro que elas não podem fazer isso; pesquisas mostraram que é mais provável que elas causem demência (ver Capítulo 2). Kristian também observou que ele tinha reduzido as despesas com medicamentos em 35% em apenas um ano desde que começou a trabalhar no departamento. Ele me contou sobre uma paciente que foi diagnosticada com esquizofrenia, recebeu uma dose alta de Leponex (clozapina), tornou-se psicótica, recebeu ainda mais Leponex e que acabou em uma enfermaria de segurança máxima. Quando pararam o Leponex, todos os sintomas psicóticos dela desapareceram.

Kristian abriu uma seção em sua unidade assistencial que ele chama de “espaço livre de força”, onde os seus pacientes têm a garantia de que nenhuma força será aplicada a eles.

Klaus era um tesouro. Brilhante e bondosa, um grande trunfo para todos os projetos psiquiátricos que eu havia iniciado. Não demorou muito até que eu lhe dissesse que queria empregá-la em tempo integral. Ela finalmente abandonou a psiquiatria e se tornou empregada em tempo integral, um ano depois de ter me contatado pela primeira vez. Alguns dos “gorilas” da psiquiatria, que antes a tinham em grande consideração, agora a tratavam como as Testemunhas de Jeová e a Cientologia tratam os desertores.

Uma psiquiatra deixou seu trabalho em um serviço onde o médico-chefe Lars Søndergård tinha prescrito uma overdose tão monstruosa aos pacientes, e contra as diretrizes, que ela não podia mais trabalhar como psiquiatra por causa de sua periculosidade. [1] Ela foi para um outro hospital, mas enquanto isso, Søndergaard foi autorizado a praticar novamente, sob supervisão próxima, e ele apareceu no hospital onde ela estava agora.

Søndergaard continuava a prescrever doses excessivas aos seus pacientes de forma monstruosa. Seu chefe, Michael Schmidt, não o supervisionou, e foi por pura sorte que todos os seus pacientes sobreviveram às enormes overdoses, muitas vezes com vários neurolépticos tomados simultaneamente. As enfermeiras e seus colegas psiquiatras estavam muito preocupados com o que viram e contataram Schmidt sobre isso, mas nada aconteceu. Schmidt respondeu que, “Muitos dos pacientes que encontramos hoje na unidade de emergência são muito extrovertidos e extremamente difíceis de tratar dentro das diretrizes correntes”. Como a cultura no serviço era de medo e intimidação, as enfermeiras decidiram envolver o seu sindicato.

A negligência médica de Søndergaard incluía a suspensão do tratamento correto de delírio alcoólico prescrito por outro médico, que é uma condição muito perigosa, bem como a prescrição de dois neurolépticos, na medida em que aumentam acentuadamente o risco de convulsões, arritmias cardíacas repentinas e morte. [3] Um paciente recebeu metadona, que pode causar arritmias letais, razão pela qual o Conselho Nacional de Saúde recomenda contra o tratamento concomitante com neurolépticos, mas a este paciente foram prescritos três neurolépticos simultaneamente, e recebeu alto no mesmo dia. [3]

A resposta de Schmidt foi extremamente arrogante. [4] Ele não conseguiu reconhecer nenhum dos exemplos horríveis de overdose do jornalista que a ele havia sido enviado.

Levou quatro meses para que a Autoridade de Segurança do Paciente respondesse. O veredicto foi duro.[5] Schmidt foi colocado sob supervisão rigorosa e Søndergård não podia mais trabalhar como psiquiatra. Schmidt tinha aprovado uma proposta de Søndergård que significava que os pacientes ficavam extremamente overdosados, e ele não tinha sido capaz de interpretar um artigo científico profissionalmente, mas concluiu o oposto do que o artigo dizia sobre a dosagem. Schmidt não tinha informado a Autoridade sobre as doses excessivas, embora tivesse o dever de fazê-lo, e ainda que o pessoal o tivesse informado várias vezes. Schmidt tinha até escrito à Autoridade que Søndergård “tem uma abordagem analítica apurada” e tinha “levado o serviço a um nível profissional muito elevado”, ao contrário da opinião da Autoridade, que era de que Søndergård em vários casos tinha exposto os pacientes a sérios perigos.

O Diretor Adjunto Søren Bredkjær, a Gerência de Psiquiatria na Região Zelândia, emitiu imediatamente um comunicado de imprensa enfatizando que eles ainda tinham plena confiança em Schmidt e que ele tinha recebido apenas uma “punição suave”.

A jovem psiquiatra em treinamento que havia relatado Schmidt à Autoridade depois de ter tentado durante meses resolver os problemas por conta própria, Schmidt a rotulou como “uma pessoa rabugenta e insana”, na frente dos colegas. [5]

Por fim, ela desistiu e foi até Bredkjær, a quem ela encorajou a examinar os arquivos relevantes dos pacientes. Ela lhe mostrou uma lista dos pacientes que foram admitidos em um dia em que ela estava de plantão e o deixou ver as suas anotações pessoais. Ela pediu que ele investigasse o caso, mas nada aconteceu. Então ela não viu outra opção a não ser ir à imprensa.

Para o jornalista, Bredkjær brigava o tempo todo e não queria pedir desculpas às enfermeiras e médicos que constantemente avisavam sobre os problemas, mas que haviam sido ignorados também por ele.

Todos os jovens psiquiatras que vieram me ver apreciavam muito trabalhar com os seus pacientes. Eu lhes disse que eles eram exatamente o tipo de médicos que os pacientes e a psiquiatria precisavam, e que eles não deveriam deixar a psiquiatria.

Uma delas foi seriamente repreendida pelo seu chefe quando começou a retirar lentamente os medicamentos de que os pacientes não precisavam mais, após os haver iniciado no ambulatório.

Outro me escreveu: “Você consegue imaginar como é compartilhar café e almoço com essas pessoas dia após dia, durante semanas, meses e anos? Sou forçado a ouvir as divagações loucas dos puristas prescritores até não poder mais suportá-los e pedir-lhes as suas referências científicas para o que afirmam, e isso só os deixa irritados. Sou forçado a ouvir aqueles que sempre querem falar sobre algum psiquiatra que os irrita porque ele é ruim em fazer diagnósticos corretos, até que eu pergunte como eles sabem que a sua marca particular de diagnóstico é a correta, o que os deixa com raiva. O pior de tudo é que preciso ouvir as conversas dos psiquiatras norteadas para o estilo de vida a respeito dos seus últimos apartamentos, carros e viagens, e eles ficam com raiva se eu puxar o assunto para a psiquiatria. O que eu aprendi dolorosamente sobre essas pessoas é que a maioria delas está completamente desinteressada em ler os artigos reais sobre os ensaios clínicos que temos. Em vez disso, eles simplesmente seguem o seu líder.”

Como observado no Capítulo 2, a cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen recebeu o diagnóstico de esquizotipia quando ficou estressada por causa de um divórcio difícil. Ela fez piada sobre este diagnóstico em seu filme, e como eu não tinha ideia do que esta coisa estranha deveria ser, procurei na Internet e encontrei um teste para o transtorno de personalidade esquizotípica. [6] Ele é definido de várias maneiras em diferentes fontes, mas o teste reflete muito bem como esta coisa é descrita no site da Mayo Clinical, [7] e como dizem que os sintomas são publicados pelo Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, [6] eu fui adiante. Havia nove perguntas e você deveria responder verdadeiro ou falso, ou sim ou não, a cada uma delas.

1: “Interpretações incorretas dos eventos, como a sensação de que algo que é realmente são e salvo ou inofensivo tem um significado pessoal direto”. Esta é uma pergunta muito vaga, e muitas pessoas interpretam os eventos de forma incorreta, particularmente os psiquiatras.

2: “Crenças estranhas ou pensamento mágico inconsistente com as normas culturais”. Essa é uma pergunta interessante. Quando um jovem psiquiatra discorda das estranhas “normas culturais” do serviço sobre o tratamento preventivo da esquizotipia, será que ele é anormal? E quanto às monstruosas overdoses de Søndergård, que era uma “norma cultural”, como seu chefe a aceitou? De acordo com a pergunta 2, parece que as pessoas normais da equipe que protestaram deveriam ser consideradas anormais.

3: “Percepções inusitadas, incluindo ilusões”. Eu forneci provas neste livro e em livros anteriores de que a maioria dos psiquiatras precisariam dizer sim a esta pergunta. Basta pensar sobre a ilusão chamada desequilíbrio químico.

4: “Estranhos padrões de pensamento e fala”. Certamente, a maioria dos psiquiatras demonstra um pensamento estranho, mantendo a mentira sobre o desequilíbrio químico e muitas outras mentiras, e também negando totalmente o que outras pessoas veem claramente, incluindo os seus próprios pacientes, por exemplo, que as drogas psiquiátricas fazem mais mal do que bem.

5: “Pensamentos suspeitos ou paranoicos, tais como a crença de que alguém está querendo lhe pegar”. Se você for detido em um serviço psiquiátrico, tal reação é totalmente normal e compreensível. O pessoal certamente quer “pegá-lo”, ou seja, quer tratá-lo energicamente com neurolépticos contra a sua vontade. Quando os líderes psiquiátricos usam termos sobre seus oponentes tais como “antipsiquiátricos” e “conspiração”, pode então ser considerado um “sim” à pergunta 5?

6: “Emoções planas, parecendo distantes e isoladas”. Isto é o que as drogas psiquiátricas fazem às pessoas, portanto, se elas não eram anormais para começar, os psiquiatras se assegurarão de que elas se tornem anormais.

7: “Comportamento ou aparência estranha, excêntrica ou peculiar”. Como observado no Capítulo 2, uma definição de loucura é fazer sempre a mesma coisa, esperando um resultado diferente, que é o que os psiquiatras fazem o tempo todo. Eu chamaria isso de um comportamento estranho, excêntrico e peculiar.

8: “Falta de amigos próximos ou de confidentes, além de parentes”. Isto é o que as drogas psiquiátricas fazem às pessoas, particularmente com os neurolépticos; elas isolam as pessoas e podem fazer delas zumbis.

9: “Excessiva ansiedade social que não diminui com a familiaridade”. Se você for detido em um serviço psiquiátrico, tal reação é totalmente normal e compreensível.

Há um divertido erro ortográfico no site. [6] Diz: “Nosso teste calculará com clareza e precisão seus pontos e dará uma sugestão impotente”. Concordo que o teste é impotente. É inútil e falso. Muitos, talvez até mesmo a maioria dos psiquiatras testariam positivo. Talvez eles devessem tentar um neuroléptico preventivo para a sua esquizotipia?

O que é menos divertido é que o teste fornece provas circulares para os pacientes que, mesmo que sejam normais, podem dar positivo quando tiverem sido tratados de forma desumana por psiquiatras, inclusive sendo tratados à força com neurolépticos.

Um debate na reunião anual de jovens psiquiatras suecos

 Em novembro de 2016, dei uma palestra em Estocolmo e me encontrei com Joakim Börjesson, um psiquiatra em treinamento que queria fazer pesquisa comigo. Ele ficou muito impressionado durante os seus estudos de medicina quando um psiquiatra disse aos estudantes que os psiquiatras sabiam tanto sobre o cérebro e as drogas que podiam usar drogas especificamente destinadas a trabalhar na origem biológica de um transtorno, o chamado desequilíbrio químico. Ele achou isso tão fascinante que decidiu tornar-se psiquiatra.

Mais tarde, quando Joakim trabalhou nessa unidade psiquiátrica, foi solicitado a ele que produzisse relatórios falsos que produziriam benefícios sociais para os compatriotas deste psiquiatra (ele não era da Suécia). Joakim estava em uma situação difícil, pois este psiquiatra era quem deveria aprovar a sua estada no serviço como parte da sua formação, mas ele encontrou uma forma de contornar isso onde ele evitava cometer uma fraude social.

Depois de ter lido os livros de Robert Whitaker e os meus, Joakim percebeu que havia sido totalmente enganado e considerou deixar a psiquiatria. Ele não o fez e veio me ver por três meses em Copenhague onde trabalhamos em uma revisão sistemática dos efeitos do lítio sobre o suicídio e o total de mortalidade. [8]

Em janeiro de 2018, Joakim organizou uma sessão em Götenborg durante a conferência anual de 150 psiquiatras suecos em treinamento, onde debati com o farmacologista clínico e professor Elias Eriksson.

Nossas conversas foram: “Os ISRSs têm um bom efeito e efeitos colaterais leves” e “Por que os ISRSs e antidepressivos similares não devem ser usados para a depressão” nessa ordem. Joakim tinha investido muito em diplomacia para ter isto arranjado, tanto internamente como ao lidar com Eriksson, que tem a reputação de atacar brutalmente os seus oponentes.

Havia outras questões. Durante a discussão, mencionei que Eriksson havia firmado um acordo secreto com a Lundbeck (que vende três ISRSs diferentes) contra as regras de sua universidade, o que significava que a Lundbeck poderia impedir a publicação de sua pesquisa se não gostassem dos resultados. [9,10] Eu disse isto porque Eriksson rotineiramente “esquece” de declarar os seus conflitos de interesse, [10] mas fui imediatamente parado pela presidência. Mais tarde, o Ombudsman criticou a universidade por encobrir o caso. [11] Eriksson declarou que não podia entregar a correspondência da Lundbeck a um jornalista, porque tinha ocorrido em um servidor da Lundbeck, uma arranjo altamente incomum, para dizer o mínimo, e mentiu sobre o que tinha sido o pedido de Liberdade de Informação.[9,10]

As regras para o debate incluíam que cada um de nós deveria escolher cinco artigos, que seriam os únicos que poderíamos discutir. Eriksson quebrou as regras ao me perguntar de repente sobre detalhes minuciosos em uma metanálise que eu havia publicado e que mostrava que a psicoterapia reduz pela metade o número de tentativas de suicídio.12 Felizmente, eu me lembrei dos detalhes e respondi. Eriksson não apenas quebrou as regras, a meta-análise também foi totalmente irrelevante para o debate, que era sobre os ISRSs. Obviamente, Eriksson usou truques sujos em suas tentativas de convencer o público de que eu não podia ser confiável. Joakim me escreveu três semanas antes da reunião que, “Elias Eriksson tinha o seu livro sobre psiquiatria em sua lista de artigos. Quando falei com Elias Eriksson por telefone e lhe perguntei por que ele o havia colocado lá (eu lhe disse que ele não poderia ter encontrado nenhuma evidência em benefício do ISRS em seu livro) ele me disse que tinha a intenção de ‘revelar que Peter Gøtzsche é um charlatão’ durante a sua palestra. Discutimos isto durante cerca de uma hora e eu tentei convencê-lo, sem sucesso, a aderir às regras do debate”.

Eriksson alegou em seu resumo para a reunião que não havia razão para acreditar que qualquer um dos efeitos colaterais dos comprimidos fosse irreversível e também que eles não eram viciantes. Ele opinou que as críticas às pílulas eram “fundadas ideologicamente” e que o uso de suas pílulas de acordo com os críticos era o resultado de uma conspiração mundial que incluía psiquiatras, pesquisadores, autoridades e empresas farmacêuticas. Cinco meses antes, quando debati com Eriksson na rádio sueca, ele disse que as pílulas ajudaram dramaticamente e poderiam evitar o suicídio em muitos casos.[15]

Após a reunião, um psiquiatra me escreveu que você não pode convencer as pessoas religiosas de que não há provas da existência de Deus, mas pode fazê-las perder a confiança em seu padre se você puder mostrar provas de que ele usou doações para a igreja para comprar cocaína em um bar gay. Ele escreveu ainda: “Elias Eriksson é um simples lobista que fez fortuna fazendo jogos políticos ao invés de fazer pesquisas honestas e ele mesmo sabe disso. É por isso que ele pode mentir sobre coisas que ele muito bem sabe que não são verdadeiras, como se houvesse boas evidências de que os antidepressivos funcionam”.

Também me disseram que muitos dos psiquiatras não haviam entendido as minhas explicações sobre as pílulas da depressão como causadoras de suicídio. Isto ilustra a dissonância cognitiva generalizada entre os psiquiatras. Quando eu apresento os mesmos slides para um público leigo, eles sempre os entendem. Os psiquiatras NÃO QUEREM entender o que eu lhes digo, pois é muito doloroso para eles.

Em 2013, quando Robert Whitaker foi convidado para falar em uma reunião em Malmö que os psiquiatras infantis tinham organizado, outros psiquiatras intervieram e conseguiram o controle da reunião. Eles disseram que Bob deveria falar apenas sobre a teoria da supersensibilidade à dopamina e não apresentar quaisquer dados sobre os resultados a longo prazo. Embora isto fosse claramente uma armadilha, Bob concordou em ir. Quando chegou, foi-lhe dito que Eriksson seria o seu “oponente”, e ele gastou o seu tempo denunciando Bob de uma forma inacreditavelmente desonesta. Nas próprias palavras de Bob: “A coisa toda foi uma montagem nojenta que se destaca por sua desonestidade, do início ao fim”. Eriksson declarou que considerava Bob como sendo um “charlatão que tortura os pacientes”.

Eu havia planejado ir, mas Eriksson havia declarado que não participaria se eu aparecesse!

É estranho como os apologistas da psiquiatria constantemente chamam aos seus oponentes de charlatães ou pior e usam falácias de palhaço o tempo todo. Nenhum de nós jamais postulou nada sobre uma “conspiração” ou usou esta palavra, mas ao fazê-lo, os apologistas se associam a um passado recente deplorável. A propaganda nazista falava constantemente de uma conspiração judaica mundial inexistente.

Os Conselhos Nacionais de Saúde não respondem aos suicídios em crianças

 Em 2018-19, alertei os Conselhos de Saúde dos países nórdicos, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido para o fato de que duas simples intervenções, a lembrança do Conselho de Saúde dinamarquês aos médicos de família e as minhas constantes advertências no rádio e na TV, e em artigos, livros e palestras, fizeram com que o uso de pílulas da depressão em crianças fosse quase que reduzido pela metade na Dinamarca, de 2010 a 2016, enquanto que em outros países nórdicos havia aumentado.[14]

Notei que este era um assunto sério porque as pílulas da depressão duplicam o risco de suicídio em comparação com o placebo nos ensaios randomizados e porque os principais professores de psiquiatria continuam a desinformar as pessoas dizendo-lhes que os comprimidos protegem as crianças contra o suicídio. Portanto, exortei os conselhos a agirem: “A consequência da negação coletiva e profissional é que tanto crianças quanto adultos cometem suicídio por causa das pílulas que tomam, na falsa crença de que os ajudarão”.

Não recebi respostas, respostas tardias, ou respostas sem sentido que parecessem besteira para mim, o que o filósofo Harry Frankfurt considera como quase mentindo.  [15] Após cinco meses, o Ministério Finlandês de Assuntos Sociais e Saúde respondeu da forma típica de um “lengalenga” que os funcionários públicos usam quando elogiam um sistema que claramente não funciona, mas se recusam a reconhecê-lo e a tomar medidas: “o aumento dos pensamentos suicidas tem sido relacionado com os ISRSs em alguns estudos”. Isto é terrivelmente enganoso. Quando todos os estudos são tomados em conjunto, fica claro que as pílulas da depressão aumentam tudo, pensamentos suicidas, comportamento, tentativas e suicídios, mesmo em adultos (ver Capítulo 2).

Após seis meses, a Agência Sueca de Drogas respondeu. Foi tudo sobre processos, e me disseram que a agência havia emitido as diretrizes do tratamento em 2016. Fui procurá-las.[16] Sob efeitos colaterais, não havia absolutamente nada sobre o suicídio. Nem uma única palavra. Mais abaixo no documento, foi mencionado que as pílulas da depressão aumentam ligeiramente o risco de suicídio, mas também nos foi dito que “elas não aumentam o risco de suicídio, e há algumas evidências de que o risco é diminuído”. Estas informações contrastam com o texto da bula sueca para a fluoxetina, que menciona que, “o comportamento relacionado ao suicídio (tentativa de suicídio e pensamentos suicidas), hostilidade, mania e sangramento nasal também foram relatados como efeitos colaterais comuns em crianças”. Alguns dos chamados especialistas que a agência havia utilizado, por exemplo, Håkan Jarbin, tinham laços financeiros com os fabricantes de pílulas da depressão, mas nada disso foi declarado no relatório.

Após seis meses, em junho de 2019, a Diretoria de Saúde da Islândia respondeu que havia pedido uma opinião de especialista, mas não tive mais notícias deles.

Em 2020, escrevi novamente aos conselheiros, desta vez anexando o meu trabalho sobre a inação deles. [14] A Direção de Saúde da Islândia respondeu que eles tinham pedido aos psiquiatras encarregados da psiquiatria infantil e da adolescência que dessem a sua opinião, nove meses antes, mas que eles não tinham respondido apesar de um lembrete, e que tinham dito há alguns dias antes que simplesmente não tinham tempo. Eu respondi: “Eles deveriam ter vergonha de si mesmos. As crianças se matam por causa das pílulas e não têm tempo para se preocupar com isso. Que tipo de pessoas são elas? Por que eles se tornaram psiquiatras? Que tragédia para as crianças que eles supostamente devem ajudar”.

Informei Whitaker sobre isso, que respondeu que ele sempre disse que a inação da profissão médica em relação à prescrição de drogas psiquiátricas para crianças e adolescentes é uma forma de abuso e negligência infantil, e de traição institucional.

Não recebi nenhuma resposta da Austrália ou do Reino Unido. Uma carta sem data do Ministério da Saúde da Nova Zelândia disse que a agência reguladora de drogas não havia aprovado o uso da fluoxetina para pessoas com menos de 18 anos de idade. Entretanto, a falta de aprovação das pílulas da depressão em crianças não é um obstáculo para o seu uso, que aumentou em 78% entre 2008 e 2016,17 e um relatório da UNICEF de 2017 mostrou que a Nova Zelândia tem a maior taxa de suicídio do mundo entre adolescentes entre 15 e 19 anos, duas vezes maior do que na Suécia e quatro vezes maior do que na Dinamarca.[18] Quando visitei John Crawshaw, Diretor de Saúde Mental, Psiquiatra-Chefe e Conselheiro- Chefe do Ministro da Saúde, em fevereiro de 2018, pedi-lhe que tornasse ilegal o uso dessas drogas em crianças para evitar alguns dos muitos suicídios. Ele respondeu que algumas crianças estavam tão severamente deprimidas que as pílulas da depressão deveriam ser experimentadas. Quando perguntei qual era o argumento para levar algumas das crianças mais deprimidas ao suicídio com pílulas que não funcionavam para a sua depressão, Crawshaw se sentiu desconfortável e a reunião terminou logo depois.

Os chamados especialistas em prevenção do suicídio parecem ser altamente tendenciosos em relação ao uso de drogas e na forma como escolhem os estudos que decidem citar, apesar de chamarem a sua revisão de sistemática.[19] As estratégias de prevenção de suicídios parecem sempre incorporar o uso de pílulas da depressão, [19] embora aumentem os suicídios, como também foi o caso em um programa de prevenção de suicídios para veteranos de guerra dos EUA.[20]

O título de um dos capítulos do meu livro sobre o crime organizado na indústria farmacêutica é: “Empurrar as crianças para o suicídio com pílulas da felicidade”. [21] Pode ser pior do que isso na área da saúde, dizendo às crianças e aos seus pais que as pílulas são úteis quando elas não funcionam e levam algumas crianças ao suicídio?

Censura nas revistas médicas e na mídia

 É muito difícil publicar qualquer coisa em uma revista psiquiátrica que a corporação psiquiátrica perceba ameaçadora por mostrar as suas ideias errôneas. Os editores de revistas estão frequentemente na folha de pagamento da indústria farmacêutica e os proprietários das revistas têm muitas vezes relações muito próximas com a indústria farmacêutica, o que pode ameaçar retirar o seu apoio se as revistas não prosseguirem com os seus esforços de marketing. Quando o BMJ em 2004 dedicou uma edição inteira a conflitos de interesse e teve uma página de capa mostrando médicos vestidos como porcos empanturrando-se em um banquete com vendedores de drogas como lagartos, a indústria farmacêutica ameaçou retirar a publicidade, e os Annals of Internal Medicine perderam uma receita de publicidade estimada em US$ 1-1,5 milhões depois de publicar um estudo que foi crítico em relação aos anúncios da indústria.[21]

Quando Robert Whitaker deu uma palestra no simpósio inaugural do meu novo Instituto para a Liberdade Científica em 2019, “Censura científica em psiquiatria”, ele apresentou dois tópicos de grande importância para a saúde pública: “Os antidepressivos pioram os resultados a longo prazo?” e “O que sabemos sobre disfunção sexual pós-ISRS?”. [22] Bob observou que nenhum dos 13 e 14 estudos centrais, respectivamente, sobre esses temas havia sido publicado nas cinco principais revistas psiquiátricas. Estas cinco revistas nem sequer pareciam ter discutido os assuntos.

O professor de psiquiatria Giovanni Fava achou tão desesperado publicar resultados que seus pares não gostaram que fundou a sua própria revista, Psychotherapy and Psychosomatics.

A censura nos principais meios de comunicação é enorme. Quando o meu primeiro livro de psiquiatria saiu em sueco, fui convidado a dar uma palestra em Estocolmo e fui entrevistado por jornalistas de dois grandes jornais. Eles estavam muito interessados, mas como nada foi publicado, eu perguntei pelo por quê. Inger Atterstam da Svenska Dagbladet não respondeu aos meus repetidos e-mails, enquanto Amina Manzoor da Dagens Nyheter respondeu que o seu editor achava que seria muito perigoso explicar aos cidadãos suecos que os comprimidos da depressão são perigosos, pois podem causar suicídio! Felizmente, houve uma fenda na censura sueca que nunca dorme, pois um terceiro jornal nacional, Aftonbladet, me permitiu publicar um artigo que preencheu toda a última página.

Quando o meu livro sobre a indústria do crime organizado, que alguns chamam de indústria de drogas, embora cometa crimes mais graves que qualquer outra indústria, [21,23] foi publicado em espanhol em 2014, fui entrevistado por um jornalista do jornal número um de Barcelona, La Vanguardia. A entrevista foi planejada para preencher a última página, que os leitores acham mais atraente do que a primeira página, mas ela nunca foi publicada, embora o jornalista estivesse muito entusiasmado com isso. Soube mais tarde que existiam relações financeiras pouco saudáveis entre o jornal e a indústria farmacêutica.

Também é muito difícil conseguir documentários críticos na TV nacional e, se você for bem sucedido, pode ter certeza de que as melhores partes foram removidas, “para não aborrecer ninguém ou receber demasiadas queixas dos psiquiatras, da indústria farmacêutica ou do ministro”. Eu sei que este é o caso porque tenho aparecido em muitos documentários e falado com muitos cineastas frustrados sobre este tipo de censura. Mesmo depois que os cineastas mataram todos os seus queridos, de modo que o que resta parece tal como o episódio 27 de uma novela britânica inofensiva, haverá uma narração dizendo à plateia que “muitas pessoas estão sendo ajudadas por drogas psiquiátricas”. Realmente?

Também pode ser difícil publicar livros altamente relevantes, como ilustra a próxima história.

Silje Marie Strandberg é uma menina norueguesa que sofria de bullying na escola a partir dos 12 anos de idade e foi admitida em uma enfermaria psiquiátrica com 16 anos de idade,24 mas os psiquiatras a diagnosticaram com depressão moderada e lhe deram Prozac (fluoxetina).

Eles dobraram a dose após três semanas. Silje começou a se cortar, no estômago e nos braços. Ela se tornou agressiva, ouvia uma voz interior e tinha pensamentos suicidas. Foi-lhe receitado Truxal (clorprotixeno), um neuroléptico, e apenas três dias depois ela viu um homem com uma túnica e um capuz negro que disse que ela estava prestes a morrer e ordenou que ela se afogasse em um rio. Ela lutou e chorou quando ele falou com ela; ela disse que não queria morrer, mas ele estava lá o tempo todo, dizendo- lhe que ela não merecia viver. Ela foi para o rio chorando e dizendo que não o faria. Ela voltou a subir.

Ela nunca tinha tido tais sintomas até ter tomado drogas, nem depois de ter deixado de tomá-las.

A psiquiatria roubou 10 anos da vida de Silje onde ela só piorou cada vez mais, com graves danos pessoais e muitas tentativas de suicídio. Ela foi colocada em cintos 195 vezes, foi diagnosticada com transtorno esquizoafetivo, foi isolada e recebeu eletrochoques.

Após 7 anos em psiquiatria, ela conheceu uma cuidadora que viu uma garota por detrás do diagnóstico e cuidou dela. Este esforço humano é a razão pela qual Silje é saudável hoje em dia.

Em 2016, Silje e uma cineasta vieram a Copenhague para me filmar para um documentário sobre a sua vida. Silje tinha um acordo com uma editora de livros sobre o que ela percebia ser uma das histórias de sucesso da psiquiatria. Ela queria me fazer algumas perguntas, incluindo se a depressão é devida a um desequilíbrio químico e sobre o que era a teoria da serotonina.

Eu disse a Silje que o seu percurso era tudo menos uma história de sucesso e que ela havia sido seriamente prejudicada pela psiquiatria. Ela aceitou as minhas explicações, mas quando a sua “carreira” psiquiátrica deixou de ser uma história de sucesso, e sim um escândalo, a editora não quis publicar o seu livro! A editora não queria que ela contasse que os medicamentos que lhe foram prescritos foram o motivo pelo qual ela ficou tão doente durante a sua estada no hospital psiquiátrico.

Silje foi medicada por 95 médicos diferentes. Ela recebeu 21 medicamentos psiquiátricos diferentes: 5 pílulas da depressão, 9 neurolépticos, lítio, 2 antiepilépticos e 4 sedativos/ hipnóticos. Esta não é uma medicina baseada em evidências:

Nome comercial Nome genérico Tipo de droga
Fontex fluoxetina pílula da depressão
Cipramil citalopram pílula da depressão
Effexor venlafaxine pílula para depressão
Zoloft sertralina pílula da depressão
Tolvon mianserin pílula da depressão
Risperdal risperidone neuroléptico
Leponex clozapina neuroléptico
Largactil clorpromazina neuroléptico
Seroquel quetiapina neuroléptico
Zeldox ziprasidone neuroléptico
Abilify aripiprazole neuroléptico
Zyprexa olanzapina neuroléptico
Truxal clorprothixene neuroléptico
Trilafon perfenazina neuroléptico
Lítio lítio “estabilizador de humor”
Tegretol carbamazepina anti-epiléptico
Orfiril valproate anti-epiléptico
Alopam oxazepam sedativo/hipnótico
Stesolid diazepam sedativo/hipnótico
Imovane zopiclone sedativo/hipnótico
Stilnoct zolpidem sedativo/hipnótico
Vallerga alimemazina anti-histamínico

 

O documentário é muito bom, informativo e profundamente comovente. [24] Ele pode ser visto gratuitamente. Seu título é “A pílula da felicidade”: Ela sobreviveu 10 anos de ‘tortura’ na psiquiatria. Silje e a cuidadora que a salvou das garras da psiquiatria viajam ao redor do mundo e dão palestras em conexão com a exibição do filme.

Aqui está outro relato de censura, que envolveu a dinamarquesa Lundbeck, fabricante de medicamentos, que vende várias pílulas da depressão e neurolépticos. [25]

O festival de documentários de Copenhague, CPH: DOC, o maior do mundo, mostrou um filme norueguês muito comovente, “Causa da morte: desconhecida”, em 2017. [26] Esta é uma forma alternativa de disfarçar as mortes em psiquiatria com neurolépticos, sendo uma outra “morte natural”. O filme teve estreia mundial em Copenhague. É sobre a irmã da cineasta que morreu muito jovem depois o que seu psiquiatra prescreveu uma overdose de olanzapina (Zyprexa), o que a transformou num zumbi, como o filme mostra claramente. O psiquiatra dela era tão ignorante que nem sabia que a olanzapina pode causar morte súbita. Eu apareci no filme e a cineasta, Anniken Hoel, pediu aos organizadores que me colocassem no painel de discussão. Meu nome foi o único no anúncio: “Medicina ou manipulação? Filme e debate sobre a indústria de medicamentos psiquiátricos com Peter Gøtzsche.

Sete dias antes do filme ser exibido, fui expulso do painel sob o pretexto de que os organizadores não conseguiam encontrar um psiquiatra disposto a debater comigo. Aconteceu que a Fundação Lundbeck havia concedido uma importante subvenção ao festival. Parece ser um fundo independente, mas não é. Seu objetivo é apoiar as atividades comerciais da Lundbeck. CPH: DOC nunca me contatou sobre isso, mesmo que eu pudesse ter nomeado vários psiquiatras dispostos a debater comigo.

O painel incluiu Nikolai Brun, chefe de pessoal, recentemente empregado pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos após uma longa carreira na indústria de drogas, e o psiquiatra Maj Vinberg, que tinha conflitos de interesse financeiros em relação com quem? Sim, é claro: Lundbeck (e AstraZeneca). Ela é muito positiva em relação às drogas psiquiátricas e publicou um completo disparate sobre a depressão ser hereditária e observável nos escaneamentos cerebrais.

No início daquele ano, eu havia respondido a declarações que ela havia feito em uma revista dinamarquesa financiada pela indústria, onde ela havia caracterizado a mais completa meta-análise das pílulas da depressão já feita [27] como sendo “uma campanha de difamação contra as drogas antidepressivas… discussões populistas duvidosas… ginástica na poltrona… realizada por um grupo de médicos, estatísticos e estudantes de medicina sem conhecimentos especiais sobre psiquiatria e, portanto, transtornos depressivos” (o que não era verdade). Esta meta-análise nos disse que as pílulas da depressão não funcionam e são prejudiciais.

Respondi aos delírios de Vinberg na mesma revista [28] explicando que eu havia publicado o artigo, “A reunião foi patrocinada por comerciantes de morte”,[29] que incluía AstraZeneca, um dos benfeitores de Vinberg.

O debate do painel foi uma farsa total. Depois de 25 minutos chatos, exceto as contribuições da cineasta, restaram apenas cinco minutos. Um ex-paciente interrompeu Brun, que havia falado sem parar, gritando: “Perguntas!”. Muitas pessoas na plateia haviam perdido entes queridos, mortos por drogas psiquiátricas, e tinham ficado cada vez mais zangadas porque os painelistas só discutiam entre si e não queriam envolver a plateia. Havia tempo para apenas três perguntas.

Uma mulher perguntou por que os neurolépticos não haviam sido retirados do mercado, pois matavam pessoas. Brun respondeu que não era especialista em drogas psiquiátricas e depois embarcou em outra conversa interminável, sobre drogas cancerígenas.

Eu gritei: “Perguntas do público“! Um jovem disse que havia tentado sair de seus comprimidos da depressão várias vezes sem sucesso e sem qualquer ajuda dos médicos. Anders, mais tarde, o ajudou a se retirar.

A última pergunta foi feita pela cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen, que tinha feito um filme sobre mim e suas próprias experiências como paciente psiquiátrica, que teve estreia mundial no mesmo cinema sete meses depois. [30] Anahi perguntou por que eu fui retirado do painel já que eu poderia ter dado uma boa contribuição. Um porta-voz do festival respondeu que eles tinham perguntado a “muitas pessoas”, mas que ninguém queria debater comigo. Anahi interrompeu e nomeou um psiquiatra que gostaria de ter vindo. O porta-voz não respondeu, mas disse que como o filme era crítico, não havia necessidade da minha presença; eles precisavam de alguém para debater as mensagens do filme.

No meio dessas intermináveis desculpas, alguém na plateia gritou: “Não há debate!” O porta-voz respondeu que me convidariam para “o debate de amanhã”, o que eu não aceitei porque tinha sido expulso da estreia mundial do filme.

Segundos antes que o tempo previsto acabasse, eu me levantei e gritei (porque eu duvidava, eu iria pegar o microfone): “Estou realmente aqui. Debato com psiquiatras de todo o mundo, mas não estou autorizado a fazer isso em minha cidade natal”. Houve uma grande gargalhada e aplausos, mas a plateia ficou furiosa. Foi um insulto profundo para eles mostrar um filme sobre uma jovem morta por uma overdose de Zyprexa, sem permitir que qualquer pessoa que tivesse perdido um membro da família da mesma maneira dissesse alguma coisa. Foi uma rejeição brutal e uma prostração total para a Lundbeck.

Anahi escreveu sobre o caso em uma revista jornalística. [31] Ela apontou que antes de eu ser removido, os organizadores haviam anunciado que haveria um forte foco no consumo excessivo de drogas psiquiátricas e se as drogas seriam o melhor tratamento para os transtornos psiquiátricos. Após a minha remoção, o foco passou a estar nas relações entre médicos, pacientes e indústria, o que não poderia ser uma razão para me remover, pois este foi o assunto do meu livro premiado de 2013 que apareceu em 16 idiomas. [21]

CPH:DOX escreve em seu site: “Temos muitos anos de experiência com acordos de patrocínio que atendem tanto a empresas individuais quanto ao festival. Todas as colaborações são criadas em estreito diálogo com essas iniciativas individuais e são baseadas em visões, desafios e oportunidades comuns”. [31]

Em resposta ao artigo de Anahi, Vinberg escreveu que era uma pena que um debate, que deveria ser sobre a melhoria do tratamento futuro das pessoas que sofrem de um transtorno mental grave na forma de esquizofrenia, terminasse em um debate bastante indiferente sobre os indivíduos (eu). [31] Sua declaração não concordou com as suas respostas evasivas durante o debate do painel.

Outro exemplo de censura envolveu a televisão pública dinamarquesa. O documentarista independente Janus Bang e sua equipe haviam me seguido ao redor do mundo por quatro anos, pois queriam que eu desempenhasse um papel central em seus documentários sobre como a psiquiatria é horrível e mortal. Janus encontrou um bloqueio de estrada tão grande que ele precisava se comprometer amplamente para conseguir alguma coisa na TV. Ele conseguiu trazer três programas interessantes em 2019, “O dilema da psiquiatria”, mas o debate público que ele tanto desejava para que grandes reformas fossem introduzidas estava totalmente ausente. Havia locuções de voz totalmente embaraçosas e totalmente falsas fazendo um serviço para a Lundbeck e psiquiatras (a exportação de drogas é a nossa maior fonte de renda). E eu? Eu não tinha permissão para aparecer.

Os jornalistas me disseram que a razão pela qual a TV pública dina- marquesa não ousa desafiar a psiquiatria ou a Lundbeck hoje é devido a dois programas enviados em abril de 2013.

Fui entrevistado para o primeiro programa, “Dinamarca em comprimidos”, em três partes, onde o comediante e jornalista Anders Stjernholm informou aos telespectadores sobre a depressão e o TDAH.

Esta foi a introdução: [32]

“No programa sobre antidepressivos … vamos encontrar Anne, que já aos 15 anos de idade lhe receitaram pílulas da felicidade e hoje vive com efeitos colaterais maciços. E Jimmy aos 53 anos, que, após 4 anos  tomando pílulas da felicidade, perdeu o seu impulso sexual. Agora acontece que ele não deveria ter tomado as pílulas. Jimmy não estava deprimido, mas sofria de estresse. No programa sobre drogas TDAH, Anders Stjernholm questiona a forma como o diagnóstico é feito. Ele se encontra com o menino Mikkel, que foi diagnosticado com TDAH por um psiquiatra que nunca o havia conhecido”.

A mensagem geral era que os comprimidos da felicidade são perigosos e são prescritos com muita frequência. Mas já no dia seguinte, o golpe do império psiquiátrico voltou. Em uma revista para jornalistas, o professor de psiquiatria Poul Videbech disse: [33] “É uma campanha de medo que pode custar a vida das pessoas. Conheço vários exemplos de suicídio depois que amigos e familiares aconselharam o paciente a largar a medicação antidepressiva. É claro que não posso dizer com certeza que foi por causa da mídia, mas enquanto a oportunidade existir, a mídia deve ser muito matizada em sua cobertura deste tópico”.

Videbech comparou isto com os jornalistas que faziam programas aconselhando os pacientes com diabetes a largar a sua insulina. Mesmo que ele, ao mesmo tempo, negue ferozmente que acredita na mentira sobre o desequilíbrio químico (ver Capítulo 2). Parece uma dissonância cognitiva.

Videbech ficou furioso por ter sido deixado de fora do programa e se queixou sobre isso no Facebook e na TV dinamarquesa: “Ficou claro … que eles não queriam informações reais sobre esses problemas – algo do qual os telespectadores podiam realmente se beneficiar – mas, em vez disso, tinham escolhido antecipadamente algumas opiniões que procuravam confirmar”. Videbech descreveu como o jornalista voltou a fazer-lhe perguntas de acordo com a sua própria agenda, que era que “os antidepressivos não funcionam”; “se funcionam, causam suicídio”; e “quando se os interrompe, causam sintomas horríveis de abstinência”.

Videbech é considerado como uma figura de destaque na psiquiatria dinamarquesa quando se trata de depressão e é muito frequentemente entrevistado. Isto lhe dá status de oráculo, que ele usa para influenciar a agenda pública e para moldar o que as pessoas pensam sobre a depressão e as pílulas da depressão. Ele não está acostumado a ser contraditado ou contornado, e isto o deixou furioso.

Fui eu quem documentou para Stjernholm que as pílulas da depressão não funcionam; que elas aumentam o risco de suicídio; e que os pacientes podem ter sintomas horríveis de abstinência quando tentam detê-los.

Houve muitos comentários ao artigo sobre a Videbech na revista. Um observou que eu estava certo que a mídia tem sido acrítica em sua cobertura das drogas psiquiátricas. Ele apontou que muitas pessoas haviam tentado advertir contra elas por muitos anos, mas que haviam sido silenciadas ou demitidas de suas posições de onde podiam chegar à população.

Como já observado, isto também aconteceu comigo, sobre o qual escrevi um livro. [33] Não me afetou economicamente na medida em que estou bem, em contraste com tantos outros que foram injustificadamente demitidos quando falaram a verdade ao poder. Gosto do meu trabalho como pesquisador em tempo integral, palestrante, escritor e consultor indepen- dente, por exemplo, em processos judiciais contra psiquiatras ou empresas farmacêuticas.

Outro comentador achou incrivelmente manipulador que Videbech tenha afirmado que as pessoas cometeram suicídio depois de parar a droga e tenha comparado isto com diabéticos que precisam de insulina: “Este é um exemplo típico da retórica que tem atormentado o debate sobre os compri- midos da depressão durante anos … É razoável prejudicar muitas pessoas para ajudar as poucas”?

Um comentário observou que era interessante ver que não havia praticamente nenhum programa sobre a afilação das drogas na psiquiatria e que cabe exclusivamente à opinião do médico o que pode acontecer com o paciente. Observou que as pessoas muitas vezes acabam tomando medicamentos por toda a vida.

Outro mencionou que era membro de um grande e diversificado grupo de pessoas que haviam advertido durante anos contra o uso acrítico de drogas e que dispensam o seu tempo ajudando as vítimas, seja porque haviam perdido um ente querido, ter visto a vida de uma pessoa próxima a elas ser destruída, seja porque as haviam experimentado em seu próprio corpo. “MAS!! toda vez que abrimos um debate sobre este tema, somos acusados de não pensar naqueles que se beneficiam dos remédios; somos confrontados com o argumento que você [Videbech] também usa, que nós não nos importamos com as vítimas da boa causa e que as nossas informações podem ter consequências fatais!! Pelo amor de Deus, como devemos conseguir daí um debate matizado??? … Quase diariamente, somos contatados por pessoas que, também por médicos especialistas, estão sendo pressionadas a tomar antidepressivos para todos os tipos de indicações. Portanto, algo drástico tem que acontecer para que não hajam mais vítimas”.

Uma pessoa se perguntava porque não ouvimos nada da  psiquiatria sobre os suicídios e as tentativas de suicídio que as drogas causam. “Porque são descartadas como não ocorrendo. No entanto, estava na lista de efeitos colaterais na bula do medicamento que recebi. E eu senti o impulso em meu próprio corpo. MAS me foi dito que era a minha depressão que era o gatilho para pensamentos e planos suicidas. O estranho nisso foi que o impulso veio logo após eu ter começado a tomar o medicamento … Mas a conclusão do médico e de outros envolvidos foi que a minha dose deveria ser aumentada, o que eu felizmente declinei e decidi afilar a droga por conta própria. Que as pessoas mudam totalmente sua personalidade – tornam-se agressivas e de cabeça quente, paranoicas, etc., também é descartado”.

Apenas quatro dias depois, o jornalista Poul Erik Heilbuth mostrou o seu fabuloso documentário de 70 minutos, “A sombra escura da pílula”, que já havia sido exibido internacionalmente.[35] Sua pesquisa foi excelente, e ele documentou em detalhes como Eli Lilly, GlaxoSmithKline e Pfizer esconderam que as suas pílulas da depressão causam algumas pessoas a se matarem ou a cometerem assassinatos, ou que fazem com que pessoas completamente normais e pacíficas comecem de repente uma onda de roubos violentos em lojas e postos de gasolina, sobre os quais eles não conseguiram se explicar depois e ficaram confusas a respeito. As pílulas mudaram totalmente a personalidade dessas pessoas.

Sobre a teoria do desequilíbrio químico, disse o material de fundo (não mais disponível): “Há muito poucos especialistas que mantêm a teoria de hoje em dia. O professor Tim Kendall – o chefe do órgão governamental que aconselha todos os médicos ingleses – chama a teoria de bobagem e disparate. O professor Bruno Müller-Oerlinghausen – o líder da Comissão de Médicos alemães por 10 anos – chama a teoria de uma loucura e de uma simplificação irracional. Ambos os professores dizem que a teoria tem funcionado como uma pura estratégia de marketing para as empresas porque elas poderiam vender às pessoas a percepção de que sua depressão tem algo a ver com um desequilíbrio químico – e que tomar um comprimido pode ajudar a corrigir esse desequilíbrio. Os dinamarqueses que visitarem o site oficial dinamarquês sobre saúde (escrito por professores dinamarqueses de psiquiatria) verão a essência da teoria: Os antidepressivos afetam a quantidade de mensageiros químicos no cérebro e neutralizam o desequilíbrio químico encontrado na depressão”.

Heilbuth tinha Blair Hamrick em seu filme, um vendedor americano da GlaxoSmithKline que disse que a sua palavra de ordem para a paroxetina era que se tratava da droga da felicidade, do tesão e do corpo esbelto. Disseram aos médicos que ela fará você mais feliz, perder peso, parar de fumar, aumentar a sua libido – todos deveriam estar a tomar esta droga. Hamrick copiou secretamente documentos, e GlaxoSmithKline recebeu uma multa de US$ 3 bilhões em 2011 por pagar propinas aos médicos e pela comercialização ilegal de várias drogas, também para crianças.[21]

Um editorial em um dos jornais nacionais da Dinamarca, Politiken, condenou o documentário de uma forma invulgarmente hostil, e Heilbuth respondeu.36 Politiken chamou o seu documentário de “imensamente manipulador”, “sensacionalista”, “simplesmente procurando confirmar ou verificar a tese que o programa tinha concebido como premissa”, e chamaram Müller-Oerling-hausen de “pensador confuso”.

O “pensador confuso” dá palestras em todo o mundo, inclusive em um simpósio organizado meio ano antes pelo Grupo Antidepressivo da Universidade Dinamarquesa. Ele foi muito claro e bem articulado durante todo o filme, e o que ele disse foi absolutamente correto.

David Healy é o professor de psiquiatria que viu os documentos mais secretos nos arquivos das empresas farmacêuticas, como especialista em processos judiciais, e foi também uma das principais fontes do filme.

Heilbuth contou as histórias de várias pessoas que haviam se matado ou de outras pessoas. Já dois dias depois de seu documentário, debati com o professor de psiquiatria Lars Kessing na TV ao vivo no programa noturno sobre suicídios causados pelas pílulas da depressão. Trechos aparecem no filme de Anahi.30 Kessing negou totalmente as advertências da ciência e das agências de drogas, dizendo que sabemos com grande certeza que os ISRSs protegem contra o suicídio. Ele acrescentou que o risco de suicídio é grande quando as pessoas param os ISRSs, mas deixou de mencionar que isso se deve aos efeitos nocivos dos comprimidos, pois os pacientes ficam com os terríveis sintomas da abstinência quando os interrompem subitamente.

Três dias depois, eu estava novamente em um debate na TV com Kessing, desta vez sobre como poderíamos reduzir o consumo das pílulas da depressão. Kessing alegou que eles não são perigosos. O diretor de pesquisa da Lundbeck, Anders Gersel Pedersen, também estava no estúdio e disse que o mais perigoso não é tratar os pacientes, e ele afirmou que os pacientes não se tornam viciados, mas que têm uma recaída da doença quando param de tomar os comprimidos. Kessing alegou que talvez apenas 10% daqueles que visitam o médico de família não são ajudados pelo medicamento, um comentário em tanto sobre os medicamentos que não funcionam e onde os testes defeituosos mostraram um efeito não de 90%, mas apenas de 10%. Quando Kessing foi perguntado pelo entrevistador como o consumo de pílulas poderia ser reduzido – não importa o que ele possa pensar sobre o seu tamanho – ele não respondeu à pergunta. Ele disse que tínhamos certeza de que havia uma incidência crescente de depressão moderada a grave nos últimos 50 anos. Eu respondi que não podíamos dizer porque os critérios para o diagnóstico da depressão haviam sido reduzidos o tempo todo durante este período.

Tenho experimentado que quando os jornalistas reagem violentamente e vão diretamente contra as evidências científicas e as advertências das autoridades, é praticamente sempre porque pensam que os comprimidos os ajudaram ou a alguém próximo a eles, ou porque um parente trabalha para Lundbeck ou é psiquiatra. Tenho sido exposto a muitos ataques extremamente rancorosos. É triste que os jornalistas joguem ao mar tudo o que aprenderam na escola de jornalismo e explodam numa cascata de raiva e ataques ad hominem, mas isso pode acontecer se você disser a verdade sobre as pílulas da depressão. Você está atacando uma religião.

Como exemplo, uma jornalista estampou em sua manchete: “Eu tomo pílulas da felicidade, senão eu estaria morto”.[37] Ela me chamou de uma pessoa em risco de vida, desiludida, não em completo equilíbrio comigo mesmo, mas uma pessoa que poderia precisar de consultar um psiquiatra, e que deveria ter vergonha de mim mesmo e ser privado do meu título de professor. “Meu desejo é que alguém possa deter o professor louco”. Ela escreveu isto em um jornal tabloide, mas eles não deveriam publicar tais delírios.

Em um debate de rádio, o Presidente Nacional da MIND, Knud Kristensen, argumentou que alguns de seus pacientes haviam dito que as pílulas da depressão haviam salvado as suas vidas. Eu respondi que era um argumento injusto porque todos aqueles que as pílulas tinham matado não podiam levantar da sepultura e dizer que as pílulas os mataram.

Vou terminar com a pior parte. Nunca tinha visto uma instituição admitir voluntariamente que ela educa os jornalistas para escrever artigos com erros, repetindo sem críticas as narrativas fortemente enganosas criadas pela indústria das drogas e por psiquiatras corruptos, para o grande mal de nossos pacientes e sociedades.[21,38] Mas lá estava, em 2020, em um país que já negociava abundantemente em notícias falsas.

O Carter Center’s Guide for Mental Health Journalism [o Guia do Centro Carter para o Jornalismo em Saúde Mental] é o primeiro de seu  tipo nos EUA.[39] Os repórteres são instruídos a escrever que as condições de saúde comportamentais são comuns e que as pesquisas sobre as causas  e tratamentos dessas condições levaram a importantes descobertas na última década. Eles devem informar ao público que os esforços de prevenção e intervenção são eficazes e úteis. Isto significa drogas, é claro, e é a mesma mensagem que a Associação Psiquiátrica Americana vem promovendo há mais de 40 anos.

Tudo isso é claramente errado. Mas continua: Os jornalistas devem identificar exatamente o que um profissional diz que está errado com um paciente e usar essa informação para caracterizar o estado mental de uma pessoa. Não há incentivo para que os jornalistas considerem como as pessoas assim diagnosticadas se veem, ou se aceitam o seu rótulo de diagnóstico.

Alguns dos fatos que os jornalistas são chamados a incluir são: “Os transtornos de uso de substâncias são doenças do cérebro”. O guia explica que, “embora a ciência não tenha encontrado uma causa específica para as muitas condições de saúde mental, uma complexa interação de fatores genéticos, neurobiológicos, comportamentais e ambientais muitas vezes contribuem para essas condições”. Os repórteres não são encorajados a explorar o porquê de a carga da saúde pública de transtornos mentais ter aumentado dramaticamente nos últimos 35 anos, ao mesmo tempo em que o uso de drogas psiquiátricas explodiu.[40]

Segundo o Centro Carter, o DSM-5 é um guia confiável para a realização de diagnósticos. Não há menção ao fato de que os diagnósticos são construções totalmente arbitrárias criadas por consenso entre um pequeno grupo de psiquiatras, ou que eles não têm validade, ou que os psiquiatras discordam totalmente quando solicitados a examinar os mesmos pacientes, ou que a maioria das pessoas saudáveis obteriam um ou mais diagnósticos se testadas.

O Guia leva os repórteres a fazer eco da mensagem da Associação Psiquiátrica Americana [APA] de que as condições psiquiátricas muitas vezes não são diagnosticadas e não são tratadas, e que o tratamento psiquiátrico é eficaz. O “tratamento psiquiátrico” é um eufemismo para as drogas, mas evita qualquer discussão sobre quão eficazes e prejudiciais elas são e faz com que todos mordam a isca porque o “tratamento” finge cobrir também a psicoterapia, embora esta raramente seja oferecida.

O Guia afirma que entre 70% e 90% das pessoas com um problema de saúde mental experimentam uma redução significativa nos sintomas e melhora na qualidade de vida após receberem tratamento. A fonte desta informação horrivelmente falsa é a Aliança Nacional de Saúde Mental [National Alliance on Mental Illness], uma organização de pacientes fortemente corrompida.[38] É verdade que a maioria das pessoas melhora, mas isso também teria acontecido sem nenhum tratamento. O Centro Carter parece ter “esquecido” por que fazemos ensaios controlados por placebo e, como expliquei no Capítulo 2, as pílulas psiquiátricas não melhoram a qualidade de vida; elas a pioram.

Os repórteres são aconselhados a enfatizar o positivo e evitar o foco nos fracassos dos cuidados psiquiátricos. O Guia não fornece nenhum recurso para obter as perspectivas das pessoas com experiência vivida, a maioria das quais falaria criticamente da sabedoria convencional. Além disso, não há “usuários de serviços” ou grupos sobreviventes discerníveis nos dois principais conselhos consultivos do Centro.

Infelizmente, o Centro Carter é visto como um líder no treinamento de jornalistas sobre como relatar sobre saúde mental. Ele incentiva os jornalistas a agirem como estenógrafos que repetem o dogma convencional.

É difícil ver muita esperança para a América. O Centro Carter foi fundado pela ex-primeira-dama, Rosalynn Carter.

Referências bibliográficas (Capítulo 5)

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2. Hildebrandt S. Lars Søndergård mistænkes atter for at overmedicinere. Dagens Medicin 2015; Oct 23.

3. Hildebrandt S. ”Det er monstrøse doser af medicin.” Dagens Medicin 2015; Oct 23.

4 Schmidt M. Svar fra ledelsen i Psykiatrien Vest. Dagens Medicin 2015; Oct 13.

5.  Hildebrandt S. Derfor er Lars Søndergårds supervisor sat under skærpet Dagens Medicin 2016; Mar 3.

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11. Riksdagens Ombudsman. Kritik mot Göteborgs universitet for handläggningen av en begäran om utlämnande av allmänna handlingar m.m. 2017; Dec 20:Dnr 7571-2016.

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[trad. e edição Fernando Freitas]