Medicina Insana, Capítulo 9: Os Pais Preocupados (Parte 2)

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[Nota do editor: Ao longo de vários meses, Mad in Brasil está publicando uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Medicina Insana (o original está disponível para compra aqui). Na Parte 1 deste capítulo, ele discutiu o Programa de Sensibilização Relacional (RAP) e o conceito de Guerras Emocionais, levando à noção de que as dinâmicas familiares se enraízam através da “dança relacional”, o que eventualmente se instala num script claro. Agora, na Parte 2, ele explora como as famílias podem melhorar as suas relações. Todos os capítulos estão aqui arquivados.]

Enriquecimento das energias emocionais

Uma vez que se tenha em mente o conceito de fluxo emocional nas relações, pode-se pensar mais sobre como conseguir que mais fluxo emocional desejável aconteça com mais frequência e os menos desejáveis aconteçam com menos frequência. Esta forma de se construir está centrada menos no comportamento e mais no fluxo emocional e na dança relacional.

Eu acredito que isto ajuda a construir relações mais duradouras e enriquecedoras e permite uma forma diferente de ver os comportamentos das crianças pelas lentes das emoções delas e das suas enquanto pais, em lugar de ver apenas um comportamento isolado.

Aqui estão algumas ideias que podem ajudar a perceber e criar fluxo emocional para as danças relacionais desejadas:

  • Descreva o que o seu filho está fazendo, quando está mostrando algo que você gosta, como se você estivesse falando com uma pessoa cega. Quer o faça na sua mente ou em voz alta, isso ajudará a transmitir energia emocional para o seu filho, enriquecendo as qualidades e os comportamentos que deseja ver nele, e irá demonstrar-lhe que está ligado e emocionalmente empenhado neste aqui-e-agora. Em vez de dizer algo como, “está muito bem feito, isto é uma bela imagem“, poderia descrever o que vê com mais detalhe, tal como “Vejo que você desenhou uma casa com 3 janelas e que coloriu a relva de verde. Isso parece uma pessoa de pé sobre a relva. Eu adoro o cuidado com que pintou o telhado vermelho da casa“. Pergunte a si mesmo se há maneiras de utilizar regularmente esta ideia para comportamentos que gostaria de ver, quando você observa pequenos exemplos dos mesmos.
  • Muitas vezes ensinamos às crianças valores e qualidades quando as vemos a mostrar alguma falta. Assim, “não falte ao respeito” é mais frequentemente dito do que “eu gosto da forma como você está sendo respeitoso“. Será que você pode encontrar exemplos simples de coisas que o seu filho está fazendo no dia-a-dia e às quais você pode acrescentar uma declaração de valor ou de qualidade? Talvez você olhe para o portfólio de qualidades desejadas que deseja para o seu filho. Poderia fazer uma lista de coisas que gostaria de observar, como ouvir, mostrar empatia, ser respeitoso, ser independente, para que quando você esteja vendo mesmo um pequeno exemplo de qualquer uma delas, você possa comentar o que elas estão monstrando. Você pode usar frases que começam com “eu aprecio” ou “eu gosto” ou “tenho prazer em ver” e assim por diante como uma introdução para dizer que qualidade ou valor demonstrou. Pode descrever e acrescentar uma declaração de valor, tal como “vejo que você estava escutando com atenção o que a sua irmã mais velha lhe dizia. Fico satisfeito por ver o quanto você foi amável para com ela“. Não tenha medo de usar palavras grandes ou palavras que as crianças não irão compreender (pode fazer uma pesquisa no `google` por sinônimos), pois você pode iniciar uma conversa sobre o significado dessa palavra, dando ainda mais oportunidade para o fluxo emocional.
  • Quando temos de lidar com comportamentos desafiadores, é comum encontrarmo-nos com todas as nossas energias ocupadas tentando gerir a difícil situação que enfrentamos. Uma vez que essas situações se tenham atenuado, mesmo que por pouco tempo, não é raro experimentar uma sensação de alívio e assim continuar com todas as coisas que você não foi capaz de fazer enquanto você estava gerindo a situação difícil. O que isto significa é que a energia emocional flui para o seu filho quando os comportamentos indesejados estão tendo lugar e essa energia pára quando os comportamentos desejados acontecem. Será que é possível inverter isso? Será que você pode retirar a energia emocional quando as coisas que não quer que aconteçam estão acontecendo e gerir a situação com a menor interação emocional quanto o possível? Será que você consegue concentrar a sua energia emocional na identificação proativa desses momentos mais calmos e mais bem comportados e proporcionar o fluxo emocional nesses momentos?

Será que você pode juntar estas três ideias para melhorar de alguma forma o fluxo emocional em direção a comportamentos mais desejados? Em primeiro lugar, descrever situações e coisas que o seu filho está fazendo como se estivesse a falar com uma pessoa cega. Em segundo lugar, acrescentar uma palavra de valor ou de qualidade sobre o que o seu filho está a demonstrar. Em terceiro lugar, repare nos momentos em que o seu filho não está a quebrar as regras e concentre a sua energia emocional nestes momentos. Não fique surpreendido se o seu filho rejeitar a sua tentativa de reforçar o fluxo de energia positiva. Se isto não tiver feito parte do seu ‘script’ e do que os filhos esperam na ‘dança’ deles com você, eles podem inicialmente rejeitar tal mudança ou pelo menos permanecer desconfiados de que você está ‘tramando alguma coisa’! Não deixem que isso lhes desanime.

Sofrendo dos fluxos emocionais indesejados

Pense nas regras. Você e o seu filho têm uma compreensão clara das regras em vigor em sua casa? Ao fazer cumprir uma regra, você pode ter a certeza de que o seu filho sabe o que regra é essa? Você tem a certeza de quais são as regras que você espera que o seu filho siga? Se pensa que você ou o seu filho podem não ter clareza sobre as regras, como você  pode tornar as regras claras para si e para o seu filho?

Como é que você faz pedidos ao seu filho? Por vezes faz perguntas em vez de instruções numa tentativa de ser justo? Saiba que os pedidos que são colocados como uma pergunta dão grande margem de manobra para se envolver num fluxo emocional indesejado. Por exemplo, você diz “Pode arrumar o seu quarto?” ou, “Vai levantar-se?” quando o que realmente o que você quer dizer é “Preciso que você arrume o seu quarto na próxima hora” e “Eu quero que você se levante da cama agora“?

Pedidos ambíguos dão muitas oportunidades a uma criança para ela decidir se deseja ou não atender aos seus pedidos, uma vez que lhe foi feita uma pergunta. Se o que se pretendia era um pedido, então pense cuidadosamente sobre se transmitiu com clareza o que deseja.

Em geral, regras que são claras, entre as quais regras `não`, são muito mais fáceis ser seguidas do que regras que têm limites confusos. Muitas das chamadas `regras positivas` têm limites pouco claros. Regras como “ser respeitoso” são difíceis para uma criança ou mesmo para o adulto de perceber quando estão a seguir ou a quebrar essa regra. No entanto, regras que começam com um `não` tal como, `não bater`, `não atirar coisas`, são muitas vezes mais fáceis de compreender e, portanto, de seguir.

A desobediência pode ser uma grande fonte de estresse e frustração para os pais. Devido a isso, as emoções dos pais serão impulsionadas para um elevado fluxo de energia emocional de você para o seu filho. Quando isto acontece, começamos muitas vezes usando palavras `ìnfinitas`. Palavras infinitas comunicam um alto nível de intensidade emocional durante o qual pensamos em termos infinitos. Por exemplo, quando alguém está apaixonado, pode dizer algo como: “Amar-te-ei para sempre“, em vez de: “Amo-te agora, mas na quinta-feira não sei bem como vou me sentir!”

Da mesma forma, podemos atrair uma elevada intensidade emocional para comportamentos indesejáveis quando dizemos coisas como, “você nunca ouve” ou “você está sempre atrasada” ou “sem dúvida que você se diverte quando a gente vai ao supermercado” e assim por diante. Se se ouvir a si próprio usando uma palavra ou frase infinita, pode ser um aviso de que você se encontra nem um estado de alta intensidade emocional. Em tais estados, a nossa biologia empurra o nosso corpo para a ação; para fazer algo em vez de pensar antes de agirmos. Que você fique avisado; usar palavras infinitas é um sinal de que há um fluxo de emoções de alta energia a sair de você em direção ao seu filho.

  • O que significa tudo isto para potenciais sanções? Os pais terão sanções específicas para as diferentes crianças. O que envolve e motiva os jovens será diferente para diferentes personalidades. Para uma criança, a retirada da XBox durante uma hora pode ser uma sanção mais indesejável, mas para uma outra criança não ser autorizada a sair com amigos nessa noite é uma sanção indesejável, mas não privilégios da XBox, e assim por diante. O que se segue é uma forma de pensar sobre o processo e a dinâmica energética das sanções e não as sanções específicas que você possa usar, uma vez que estas serão únicas para cada criança.
  • Que tal usarmos o árbitro de futebol como nosso ‘modelo’ para quando assumimos o papel de regra e implementação de sanções? Num jogo de futebol existem regras, mas ainda precisam de ser interpretadas e compete ao árbitro fazer cumprir essas regras da forma mais justa possível. Os árbitros recebem muito poucos elogios pela tarefa de fazer cumprir as sanções. Os jogadores da equipe que tiveram uma sanção (como uma falta, por exemplo) dada contra eles, protestam frequentemente contra a injustiça das decisões do árbitro. O trabalho de fazer cumprir regras e sanções é geralmente uma tarefa ingrata, que atrai poucos elogios e muito protesto. No entanto, sem um árbitro, um jogo de futebol seria caótico – por isso é uma tarefa ingrata que tem de ser feita.
  • O que faz um bom árbitro? Aqueles de nós que gostam de ver um bom jogo de futebol apreciam árbitros que são bons para deixar o jogo fluir sem interrupções frequentes. Uma das tarefas mais importantes de um árbitro é a de saber quando não deve intervir e assim permitir que o jogo flua.
  • Uma vez que seja necessária uma intervenção do árbitro e este tenha tomado a sua decisão, como uma falta, por exemplo, então essa penalidade particular é anunciada e tem de ser cumprida e o jogo não pode continuar até que o tiro direto seja batido. A sanção (neste caso, uma falta) é dada pelo árbitro com o mínimo de confusão. Muitas vezes, os jogadores rodeiam o árbitro, argumentando sobre a injustiça da penalidade. Contudo, para além de uma explicação muito breve do motivo de haver dado a penalidade, o árbitro não se envolve em qualquer conversa prolongada, argumento ou debate sobre se foi ou não uma falta cometida. Um bom árbitro, se não estiver totalmente seguro de ter tomado a decisão correta, pode discutir a sua decisão com um assistente, antes de decidir qual é a penalidade correta. No entanto, uma vez tomada a decisão, a penalidade tem de ser cumprida.
  • Uma vez que a penalidade tenha sido cumprida, está então ultrapassada a irregularidade, e o árbitro está de volta a concentrar-se em manter o jogo fluindo. Não se vê bons árbitros a correr pelo túnel no intervalo, continuando a dizer a um jogador o que ele fez ou não fez durante o jogo. Os árbitros de futebol não fazem longas palestras ou explicações, nem no campo, nem fora dele. Há muito pouco fluxo de energia emocional quando se produzem e fazem cumprir as sanções e pouca discussão sobre isso depois.
  • No que diz respeito às sanções reais, todas elas são transmitidas no momento, no aqui-e- agora. As penalidades raramente são adiadas. Os árbitros não dizem: “OK, no próximo jogo irei certificar-me se foi de fato uma falta“. As sanções atrasadas dão muito tempo para negociar a sua saída e muitas vezes têm pouco impacto no aqui-e-agora.
  • Um bom árbitro não se preocupa em saber se um jogador está a aprendendo com os seus erros. Eles apenas implementarão a sanção com um fluxo emocional mínimo e seguirão em frente.

A esta altura você já deve ter compreendido a analogia que estou apresentando. Você pode utilizar o modelo de ser um árbitro de futebol e adaptá-lo ao seu próprio ambiente/família e com os seus próprios filhos, quando tiver a tarefa de aplicar regras e sanções no seu ambiente. Lembre-se, as sanções são mais importantes para mostrar que você notou e está intervindo, e por isso não precisa de ser por muito tempo. Curto (como alguns minutos) e imediato funciona muitas vezes melhor do que longo e atrasado.

Reinicialização emocional

Um dos maiores obstáculos para se tornar mais sensível à natureza do fluxo emocional nas nossas relações é que se trata de emoções. Emoções não têm a ver com lógica ou raciocínio. Lidar com a intensidade das nossas emoções, particularmente porque podemos encontrar-nos em situações em que, neste modelo, estamos indo contra o que instintivamente sentimos que deveríamos estar a fazer, e isso pode ser bastante esgotante.

Um conceito que pode ser útil é a ideia de encontrar o seu próprio botão de ‘reset’. Este é um botão imaginário que, quando o acionamos, funciona sobre as nossas emoções, trazendo-as de um estado de alta intensidade para um mais baixo.

Como conseguimos sair de estados emocionais elevados para regressar a um lugar emocional mais calmo? Quando estamos altamente ” excitados ” emocionalmente e os nossos filhos nos convidam a envolver-nos com comportamentos indesejáveis, como é que “recuamos” emocionalmente? Se esperamos que os nossos filhos passem de um estado emocional elevado para um estado mais calmo, devemos primeiro demonstrar que o podemos fazer?

Pense em coisas que já faz e que podem agir como um botão de “reset”. Estas podem ser coisas que funcionam no “calor do momento”, bem como fora do calor do momento. Todos nós temos formas de trabalhar para nos ajudar a relaxar ou a acalmar. Você pode também querer aprender novas estratégias, falando com a família e amigos e descobrindo o que funciona para eles.

O que é que na sua lista poderia funcionar nesse calor imediato, aqui-e-agora, no momento? Como poderia ter acesso a eles? O que poderá ser necessário praticar para melhorar a sua capacidade de acessar o seu botão de reset de forma ‘rápida’?

Quais são na sua lista as suas estratégias de reinicialização ‘lenta’; ideias que o ajudam a acalmar-se do calor do momento?

Que tal um plano de ‘reabastecimento’ ou de ‘recarga da bateria’? Lidar com uma criança intensa é esgotar a sua energia emocional. Como é que se pode recuperar os seus níveis de energia? Como é que poderia criar mais oportunidades de reabastecimento? Quem poderá ser capaz de o ajudar e de que forma?

Criar crianças é sempre uma tarefa que requer uma rede de apoio social à sua volta, desde ter apenas alguém com quem falar, até à ajuda física direta que outros podem fornecer. Não devemos ser demasiado duros conosco próprios como pais. É uma tarefa tão difícil com tantas atitudes de julgamento social no melhor dos momentos, quanto mais quando temos um filho intenso.

Encorajar a contínua mudança de ritmo

Se algumas destas ideias se revelarem úteis, verificará frequentemente que o ‘script ‘ que mencionei anteriormente (o ” S ” em guerras emocionais – WARS-) continuará a fazer com que volte ao seu ‘normal’ indesejável anterior sem que se aperceba disso. Para o ajudar a ultrapassar isto, talvez você deva:

  • Ficar atento a qualquer exemplo, seja ele grande ou pequeno, de algo diferente que aconteça na sua família e ficar muito curioso sobre isso.
  • Orgulhar-se de qualquer uma das suas próprias realizações positivas. Ficar ‘excitado’ por qualquer coisa diferente que tenha acontecido.
  • Esar atento aos contratempos. Eles acontecem sempre. O principal perigo com os contratempos é o que sentimos e não o contratempo em si. Quando um revés acontece, podemos começar a sentir que estamos de volta à estaca zero. Começamos a sentir que não há esperança de que a mudança possa ser sustentada. Podemos sentir que já não temos mais poder e já não somos capazes de acreditar que podemos continuar a manter a mudança. Podemos então começar a acreditar que o nosso filho necessita de alguma terapia ou um diagnóstico especial. Na realidade, é provável que seja apenas o ‘script ‘ que regressa. Tente não deixar que isto turve o seu sentido de realização com qualquer mudança, mesmo que seja pequena, que você tenha sido capaz de fazer antes de o’script’ regressar.
  • Pergunte-se como conseguiu fazer as coisas de forma diferente. Qual é a sua surpresa por ter conseguido fazer isso e como é que isso o fez sentir?
  • É provável, se tiver conseguido mudar algo da dança relacional, que tenha tido de lidar com o ir contra o que lhe apetecia fazer – ir contra os seus instintos. Como conseguiu isso? O que aprendeu sobre si próprio e as suas relações ? Que coisas novas aprendeu sobre o seu filho?
  • Que novas competências você sente que começou a desenvolver? Como poderia continuar a desenvolver essas competências?

Uma vez que tenha conseguido mudar a dança relacional durante algum tempo, começará a seguir em frente com a sua nova vida e o foco nas novas formas de ‘dançar’ começará a retroceder. Isto será bom e espero que tenha avançado o suficiente para estabelecer um novo ‘ script ‘; uma nova dança relacional familiar.

Contudo, nem sempre é este o caso, e a velha dança pode estar à espreita, pronta para recuperar o centro do palco. Como poderá ajudar a proteger o seu futuro contra isto e ser capaz de lidar com um regresso da velha dança sem se sentir desnecessariamente sobrecarregado ou estressado por ela? Para se preparar para isso, considere as três perguntas seguintes:

  • Quando o próximo revés acontecer (e acontecerá), que ideia quer que lhe venha imediatamente à mente que o ajudará a ultrapassar o inevitável regresso dos sentimentos de desespero?
  • Se amanhã conhecer um pai que tenha um filho exatamente igual ao seu e que esteja exatamente na mesma situação em que se encontrava antes de começar a fazer mudanças, que conselho específico daria ao pai e à mãe?
  • Se tivesse de fazer uma caixa de “Primeiros Socorros” imaginária ou real, que objetos imaginários ou reais colocaria nela e porquê?

Habilidades Infantis

Habilidades Infantis é uma abordagem para ajudar as crianças a ultrapassar problemas emocionais e comportamentais e que foi desenvolvida nos anos 90 na Finlândia por uma equipe de psicoterapeutas e professores de educação especial precoce – liderados pelo psiquiatra e psicoterapeuta Ben Furman. Vejo isto como tendo um conjunto de ideias complementares às do RAP, uma vez que também isto afasta o foco do comportamento da criança e tenta livrar-se do problema, para uma forma de imaginar que tem ingredientes destinados a construir relações úteis (ver https://www.kidsskills.org para mais informações).

Uma ideia chave é que você não se concentre nos problemas das crianças, mas nas competências que as crianças precisam de aprender para ultrapassar os seus problemas. Esta mudança de enfoque dos problemas para as competências pode melhorar a probabilidade de colaboração entre as crianças, os seus pais e a rede social mais ampla que rodeia a criança. Todas as crianças estão continuamente aprendendo novas aptidões à medida que crescem e se desenvolvem. Para qualquer criança em particular, algumas competências serão dominadas por elas de forma mais rápida e fácil do que outras. A ideia nesta abordagem é compreender que competências a criança pode ser beneficiada pela aprendizagem que as ajudará a ultrapassar situações que ainda não dominaram.

Uma importante mudança de perspectiva é a de converter os problemas das crianças em competências para que aprendam. Tal como no RAP, é relativamente fácil perceber do que se trata a um nível racional/intelectual, porém é mais fácil dizer do que fazer a um nível emocional.

A ideia básica é descrever situações em que os comportamentos indesejados da criança ocorrem, para se ter uma ideia sobre que situações são desafiadoras para elas. Quando se sabe que situações são difíceis, pergunta-se como, como adulto preocupado, se quer que a criança aprenda a lidar com essas situações no futuro.

Os pais e outros educadores que falam de situações difíceis para os seus filhos ajudam-nos a desenvolver ideias de como gostariam que a criança aprendesse a lidar com essas situações no futuro, e isso, por sua vez, leva a ideias de que habilidades a criança iria se beneficiar com a sua aprendizagem.

A seguir, você transforma ‘negativos’ em ‘positivos’. Isto significa imaginar o que quer que a criança faça em vez do que não quer que a criança faça. Por exemplo, em vez de querer que a criança aprenda a “parar de gritar comigo” (isto é, aprender a não fazer nada), você gostaria que ela aprendesse a habilidade de “aceitar as decisões que tomamos juntos”, ou o que quer que você considere relevante para a situação específica que com frequênca dá origem às preocupações dos pais.

Uma vez que você tenha uma habilidade em mente, pense em quantos dos apoiantes da criança na sua rede social (pais, professores, avós, amigos, pais de amigos, etc.) poderiam juntar-se a você e à criança para ajudá-los a desenvolver essa habilidade. A ideia é ser criativo. Será que o seu grupo de apoiadores, junto com o seu filho, pode inventar alguns rituais simples, coisas para serem praticadas? Você poderia dar um nome à habilidade, imaginá-la como sendo um amigo, fazer um desenho da mesma, etc. Depois você precisa de uma forma de celebrar as realizações ao longo do caminho do desenvolvimento da habilidade. Pense em rituais que as crianças adoram, para mostrar o quão bem estão a fazer, como versões de “mostrar e contar” ou “ganhar um certificado” e assim por diante.

É possível adaptar estas ideias a crianças e adolescentes mais velhos. Muitos adolescentes agem como se o “odiassem” e não se importam com o que você diz ou pensa; mas isto é frequentemente apenas uma defesa compreensível de sentir que os adultos importantes da sua vida não se importam com eles, não gostam deles, ou que vêem-nos como um fardo. No fundo, eles anseiam por um reconhecimento positivo e um orgulho genuíno nas suas realizações.

Tal como no RAP, pode-se pensar em termos de como melhorar o fluxo emocional desejado. Em vez de nomear uma habilidade e esperar que o adolescente colabore (em vez de o rotular como paternalista!), basta pensar na habilidade que deseja que eles aprendam e depois procurar exemplos minuciosos onde eles o demonstrem e reconhecê-los quando o virem. Por exemplo, se quiser que o seu adolescente aprenda a habilidade de ‘ser respeitoso’, basta reparar regularmente em pequenos exemplos, como em “eu apreciei muito o respeito que hoje você teve pela sua irmã quando ambos assistiam à televisão hoje de manhã”. Treine-se para reparar nestes pequenos exemplos, em vez dos exemplos em que sente que estão a ser ‘desrespeitosos’.

Outras coisas simples para tentar

As ideias que podem revelar-se úteis são tão numerosas como há pessoas e famílias a querer ajuda. As especificidades de cada caso diferem, o que significa que encontrar conceitos úteis também diferirá de acordo com a família. As seguintes ideias podem também revelar-se úteis para alguns:

Dieta e nutrição: Tente eliminar potenciais irritantes (tais como aditivos artificiais), adicionando diariamente um suplemento multi-vitamínico e mineral e um ácido gordo essencial rico em EPA. Melhore o equilíbrio da dieta se necessário, removendo o excesso de açúcares e produtos lácteos.

Ar fresco e exercício: Permita que os seus filhos tenham muitas oportunidades de exercício (particularmente ao ar livre), incluindo oportunidades para brincadeiras ativas não estruturadas e não supervisionadas.

Tempo regular positivo para estar com a família: Encontrar oportunidades de fazer coisas em conjunto em família, numa base regular. Como todas as relações, temos de continuar a ‘trabalhar’ nas nossas relações com os nossos filhos (dia após dia, semana após semana, mês após mês, e ano após ano e após ano…).

Comunicação e compreensão: Falar uns com os outros, mas mais importante, ouvir uns aos outros (o que não é a mesma coisa). Tente compreender o ponto de vista do seu filho e ajude-o a compreender o seu. Crie oportunidades regulares para comunicar, ouvir e tentar compreender o que está na mente de cada um de vocês.

Vale também a pena ter em mente as seguintes ‘armadilhas’:

Desistir demasiado depressa: Com algumas intervenções, os comportamentos indesejados podem piorar antes de começarem a melhorar, resultando na desistência prematura da estratégia tomada pelos pais.

Perder a esperança após um contratempo: Os contratempos são uma parte inevitável de qualquer processo. O desespero pode entrar e com ele uma sensação de fracasso e uma perda de confiança na capacidade de provocar mudanças duradouras. Quando o inevitável contratempo ocorrer, lembre-se que é muito comum e não é algo sobre o qual se precise de ficar estressado.

Expectativas irrealistas: Se tivermos expectativas irrealistas em relação aos nossos filhos, então sentimo-nos desiludidos com eles, independentemente das mudanças. Quais são as suas expectativas em relação às emoções deles, ao comportamento deles, à capacidade acadêmica deles?

Inconsistência: As crianças são muitas vezes suficientemente inteligentes para detectar oportunidades que surgem de incoerências a fim de promoverem os seus próprios desejos, por exemplo, jogando com um dos pais contra outro.

Dificuldades não resolvidas entre os pais: É aqui que questões como a incoerência podem tornar-se um obstáculo potencialmente sério ao progresso. Numa situação em que o casal parental se tenha separado, é vital que os pais ponham de lado qualquer animosidade contínua um em relação ao outro e que mantenham a criança afastada de qualquer dos seus argumentos. Os pais separados terão ainda de se comunicar um com o outro quando tomarem decisões sobre os seus filhos.

Questões não resolvidas da própria infância dos pais: Por exemplo, se um pai teve uma relação infeliz com os seus próprios pais, resultando num sentimento de ódio ou medo em relação a esse pai, pode agir com os seus próprios filhos de uma forma concebida para evitar que isso lhes aconteça, resultando em dificuldades em impor limites com os seus próprios filhos por medo de que os seus filhos venham a odiá-lo também. As crianças precisam dos pais para poderem suportar o seu ódio sem que os seus pais ‘se desmoronem”.

O ciclo de reparação raiva-culpa: Neste ‘drama’ um pai fica enfurecido com o comportamento da criança, impõe algum tipo de castigo (raiva), depois acalma-se e sente que o seu castigo foi indevidamente severo (culpa), como resultado tentam reparar alguns dos danos que sentem ter feito e assim podem dar algum tipo de tratamento ou conforto ao seu filho (reparação). A criança pode aprender que qualquer sanção imposta pode ser retirada e, de fato, pode ser seguida de algum tipo de recompensa. O pai sente então que a criança ‘deu uma volta nele’, fica novamente zangado, e lá vamos nós.

Criação de uma ‘zona segura’: Estamos expostos a mensagens constantes que nos dizem como o mundo exterior é perigoso, particularmente para as crianças. O desejo subsequente de proteger os nossos filhos dos perigos percebidos do mundo pode dificultar a capacidade das crianças de desenvolverem as capacidades de independência de que poderão necessitar para enfrentarem uma vida futura.

Medo de mudança: Pode ser uma mudança para qualquer membro da família (ver acima sobre ‘scripts’) da família. A mudança causa geralmente uma certa ansiedade e medo do desconhecido, não só para o indivíduo, mas também para outros membros da família.

Falta de apoio: Como nos lembra o velho ditado africano, “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. Criar crianças exige muito dos pais, tanto física como mentalmente, e dadas as pressões que enfrentam, precisam de parceiros de confiança, amigos e outros membros da família para fornecer apoio emocional e prático.

Falta de tempo: Outra característica da vida moderna é o quanto estamos muito ocupados e sem tempo. Com tantas coisas para fazer e tão pouco tempo para as fazer, podemos sentir-nos estressados, e isto tem muitas vezes impacto nas crianças, no tempo que passamos com elas, e na qualidade do tempo que passamos com elas.

Fontes de referência

Chess, S., Thomas, A. (1997) Temperament: Theory and practice. Brunner/Mazel.

Glasser, H., Easley, J. (2007) Transforming the Difficult Child: The Nurtured Heart Approach. Worth Publishing.

Timimi, S. (2009) A Straight Talking Introduction to Children’s Mental Health Problems. PCCS Books.

Timimi, S. (2017) Non-diagnostic based approaches to helping children who could be labelled ADHD and their families. International Journal of Qualitative Studies on Health and Well-being, 12, sup1.

 

[trad. e edição Fernando Freitas]