Novas pesquisas feitas na Espanha se concentram em relatos de psicose em primeira pessoa e em como as pessoas fazem sentido às suas próprias experiências. As descobertas sugerem que as pessoas atribuem a experiência em curso da psicose tanto à infância quanto ao trauma pósepisódio.
O estudo, que realizou uma análise qualitativa descritiva dos dados obtidos de grupos de foco de pessoas diagnosticadas com transtornos psiquiátricos, foi realizado no Serviço de Saúde Mental do Hospital Universitário Regional de Málaga, na Espanha. O sistema atende a mais de 8.000 pacientes por ano, incluindo mais de 1.200 pacientes diagnosticados com algum tipo de transtorno psicótico.
Como os autores o descrevem, o objetivo principal deste estudo foi analisar o conteúdo da fala relacionado ao trauma em um estudo qualitativo e considerar sua associação com psicose do ponto de vista das pessoas mais diretamente afetadas. Consistente com outras pesquisas mostrando que uma grande proporção de usuários de serviços de saúde mental relataram sofrer de eventos traumáticos, as questões relacionadas ao trauma estavam presentes na fala espontânea de muitos dos sujeitos da pesquisa neste estudo.
Aproximadamente um terço das pessoas entrevistadas para o estudo relatou ter experimentado um ambiente familiar não estruturado, e a maioria relatou ter sofrido abusos em suas próprias casas quando crianças. Mas notavelmente, além das experiências infantis de negligência e violência, as interações com instituições de saúde também foram vivenciadas como traumatogênicas. Os autores observam:
“A experiência da imobilização física foi descrita como uma situação de máxima vulnerabilidade e impotência. Mesmo após a recuperação dos sintomas psicóticos, a sensação de insegurança persistiu por meses”.
Foi constatado que a hospitalização involuntária aumenta o risco de suicídio e dissuade a juventude de procurar tratamento de saúde mental. Não é, portanto, surpreendente que pessoas que sofreram tratamento coercitivo em um ambiente de saúde tenham ligado essas experiências ao início de seus sintomas psicóticos.
Em geral, receber tratamento percebido como desumano em ambientes de saúde aumenta ainda mais o sofrimento psicológico em indivíduos que sofreram psicose. Estes sujeitos, por sua vez, atribuem sintomas psicóticos a estas experiências de angústia.
Portanto, a consciência do trauma e a coerção traumatogênica devem fazer parte da abordagem feita às pessoas com transtornos psicóticos em ambientes de assistência à saúde. Do ponto de vista dos usuários de serviços, os prestadores de saúde também devem buscar o consentimento informado, na medida do possível, durante os encontros hospitalares para minimizar o impacto emocional das intervenções de assistência à saúde.
Este estudo reforça a necessidade de se reduzir ou abolir o tratamento coercitivo de pessoas que sofrem de psicose.
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Hurtado, M., Villena-Jimena, A., Quemada, C., & Morales-Asencio, J.M. (2021). “‘I do not know where it comes from, I am suspicious of some childhood trauma’ association of trauma with psychosis according to the experience of those affected.” European Journal of Psychotraumatology, 12:1, 1940759, DOI: 10.1080/20008198.2021.1940759 (Link)