Um editorial foi publicado recentemente no British Journal of Psychiatry para abordar as preocupações que alguns psiquiatras têm levantado em relação à iniciativa QualityRights da Organização Mundial da Saúde (OMS). O editorial, intitulado “The WHO QualityRights initiative, building partnerships among psychiatrists, people with lived experience, and other key stakeholders to improve the quality of mental healthcare” [“A iniciativa QualityRights da OMS, construindo parcerias entre psiquiatras, pessoas com experiência vivida e outros atores-chave para melhorar a qualidade da saúde mental”], aborda o papel da psiquiatria na promoção dos direitos humanos na saúde mental global.
“Em um editorial recente no BJPsych, Hoare & Duffy expressaram a preocupação de que as ferramentas de treinamento e orientação QualityRights possam ‘marginalizar’ a psiquiatria e comprometer os direitos das pessoas com condições de saúde mental”, escrevem os autores.
“É importante abordar essas preocupações e outras percepções errôneas e destacar como QualityRights está causando um grande impacto melhorando a qualidade do atendimento psiquiátrico em diferentes países, construindo parcerias e colaboração entre psiquiatras, pessoas com experiência vivida de doenças mentais e outros atores-chave”.
O objetivo principal da iniciativa QualityRights da Organização Mundial da Saúde é mudar tanto as mentalidades quanto as práticas para promover direitos e recuperação para indivíduos com deficiências psicossociais, intelectuais e cognitivas. A OMS já implementou a iniciativa QualityRights em alinhamento com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) em países de todo o mundo através de um treinamento abrangente que utiliza abordagens educacionais distintas e módulos que ilustram tanto a necessidade de abordagens baseadas em direitos na saúde mental quanto a sua urgência.
Os autores do editorial, Maria Francesca Moro, Soumitra Pathare, Martin Zinkler, Akwasi Osei, Dainius Pūras, Rodelen C. Paccial, e Mauro Giovanni Carta, são todos psiquiatras; sua principal intenção por trás deste editorial é assegurar a seus colegas psiquiatras que a iniciativa de QualityRights foi concebida tendo em mente os psiquiatras.
“Os psiquiatras estiveram envolvidos em cada etapa da produção dos materiais QualityRights, e sua colaboração foi fundamental para o sucesso desta iniciativa. No total, 8 dos 26 especialistas internacionais que contribuíram para a elaboração dos módulos e 31 dos 151 revisores foram psiquiatras. Além disso, na realização do treinamento para psiquiatras, pelo menos um psiquiatra é envolvido como instrutor e ajuda a liderar a discussão sobre os tópicos mais desafiadores”.
Embora algumas vinhetas não dêem a melhor luz sobre a psiquiatria, elas dão um brilho preciso. Uma que faz justiça à experiência vivida daqueles que foram prejudicados pelo sistema de saúde mental de seu país e sua dependência excessiva em psiquiatria, medicação e outras práticas coercitivas de saúde mental. Dito isto, os autores observam que QualityRights ainda reconhece a importância das drogas psicotrópicas no tratamento, mas que estas opções de tratamento não devem vir desprovidas de alternativas.
Em particular, os autores incitam os psiquiatras a procurar e defender alternativas às práticas involuntárias e a serem cautelosos quanto ao perigo de criminalizar pessoas com condições de saúde mental, mesmo em sistemas com recursos limitados. Eles escrevem:
“Há provas crescentes de que as práticas involuntárias são deletérias e minam a dignidade e o bem-estar das pessoas com condições de saúde mental”. As práticas involuntárias freqüentemente também têm impactos negativos sobre a confiança, incluindo a falta de vontade de buscar ajuda e de se envolver com os profissionais”.
Os autores esclarecem que os psiquiatras têm desempenhado um papel essencial na realização contínua da CRPD e são necessários para promover a realização e a promoção da iniciativa QualityRights.
No entanto, também é evidente que discussões francas sobre as realidades coercitivas e abusivas do campo, da ciência e da profissão precisam ser discutidas e aprendidas, pois a falta de conversa é muito provavelmente mais prejudicial do que as conseqüências potenciais da marginalização da psiquiatria.
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Moro, M. F., Pathare, S., Zinkler, M., Osei, A., Puras, D., Paccial, R. C., & Carta, M. G. (2021). The WHO QualityRights initiative: building partnerships among psychiatrists, people with lived experience and other key stakeholders to improve the quality of mental healthcare. The British Journal of Psychiatry, 1-3. (Link)