Antidepressivos no tratamento da insônia

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psimonsUma nova meta-análise no Banco de Dados Cochrane de Revisões Sistemáticas examinou ensaios clínicos randomizados e controlados de medicação antidepressiva para o tratamento da insônia. Os autores, liderados por Hazel Everitt, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, descobriram que haviam muito poucos estudos, de pequena amplitude, cada um com muitos problemas metodológicos. A revisão do Cochrane conclui que “as evidências não apoiavam a prática clínica atual de prescrever antidepressivos para insônia”.

     “No geral, a qualidade das evidências foi baixa devido a um pequeno número de pessoas nos estudos e a problemas com a forma como os estudos foram realizados e relatados”, dizem Everitt e seus colegas.

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Além disso, os autores escrevem que os efeitos colaterais foram subnotificados ou não relatados em todos os estudos que examinaram, tornando impossível fornecer consentimento informado sobre os riscos e benefícios dos medicamentos. Da mesma forma, não houve estudos de longo prazo.

Drogas “hipnóticas” como benzodiazepínicos e drogas “Z” são aprovadas para tratar insônia, mas preocupações foram levantadas sobre tolerância e dependência. Por esse motivo, as diretrizes recomendam que sejam usadas por até quatro semanas. Intervenções psicológicas, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), também são fornecidas para a insônia, mas muitas vezes não são acessadas. Por esta razão, os médicos podem recorrer a outras soluções, como os antidepressivos.

Everitt e seus colegas escrevem que, embora os antidepressivos não tenham aprovação da FDA para o tratamento da insônia, eles são comumente prescritos para esse fim. Os dois mais comuns são trazodona e amitriptilina.

“Os efeitos dos ISRSs em comparação com o placebo são incertos, com poucos estudos para chegar a conclusões claras”, escrevem os pesquisadores. “Pode haver uma pequena melhora na qualidade do sono com o uso a curto prazo de doxepina em baixas doses e trazodona em comparação com o placebo. A tolerabilidade e segurança dos antidepressivos para insônia é incerta devido à notificação limitada de eventos adversos. Não houve evidência de amitriptilina (apesar do uso comum na prática clínica) ou uso prolongado  para insônia. ”

A revisão incluiu 23 ensaios clínicos randomizados e controlados de antidepressivos, com um total de 2.806 participantes. Os estudos foram todos publicados antes de 2016. Ensaios clínicos randomizados e controlados são considerados a mais alta qualidade de evidência – embora isso não os impeça de ter problemas metodológicos. A revisão também incluiu ensaios com participantes com condições comórbidas (como depressão ou ansiedade), o que é útil, uma vez que essas comorbidades são comuns em situações da vida real.

Os pesquisadores analisaram três estudos que compararam os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) com placebo (dois com paroxetina e um com fluoxetina); seis estudos que compararam antidepressivos tricíclicos (ADTs) com placebo (cinco com doxepina e um com trimipramina); sete estudos que compararam a trazodona ao placebo; e um estudo que comparou a mianserina ao placebo.

Eles concluíram que as evidências disponíveis eram de baixa qualidade, insuficientes para demonstrar que essas drogas eram eficazes no tratamento da insônia. Em alguns casos, o estudo não mostrou melhora, como o estudo da fluoxetina. Foi notável que não houve um único estudo sobre a eficácia da amitriptilina para a insônia. A trazodona se saiu um pouco melhor, havia pelo menos alguma evidência de melhora no sono no curto prazo, embora seus estudos tenham sido marcados por limitações metodológicas, falhas na identificação de efeitos adversos e falta de acompanhamento em longo prazo, .

Além de pedir mais pesquisas sobre antidepressivos para insônia, Everitt e seus colegas escrevem que “os profissionais de saúde e os pacientes devem estar cientes da escassez atual de evidências de antidepressivos comumente usados para o controle da insônia”.

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Everitt, H., Baldwin, D. S., Stuart, B., Lipinska, G., Mayers, A., Malizia, A. L. . . . Wilson, S. (2018). Antidepressants for insomnia in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews, 5(Art. No.: CD010753). doi: 10.1002/14651858.CD010753.pub2 (Link)

Mais Evidências de que Atividade Física Previne a Depressão

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jjanzeUm novo estudo, publicado no American Journal of Psychiatry, investiga o efeito da atividade física nos níveis de depressão. Os resultados da meta-análise de efeitos aleatórios que examinou a atividade física e a depressão incidente indicam que níveis mais altos de atividade física servem como fator de proteção contra o desenvolvimento futuro da depressão.

“Nossos resultados indicam que níveis mais altos de atividade física oferecem um efeito protetor no desenvolvimento futuro da depressão para pessoas de todas as idades (jovens, adultos em idade de trabalho, idosos), e este achado é robusto nas mais distintas regiões geográficas ao redor do mundo” pesquisadores relatam.

 

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Sendo um dos transtornos de saúde mental mais comuns, a depressão é uma experiência portanto familiar para muitas pessoas. Embora na maioria das vezes tratada com inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), esse tratamento de primeira linha tem sido criticado por causar problemas psicopatológicos e médicos adicionais com o uso em longo prazo. Com evidências crescentes a alertar para o uso de ISRSs, os pesquisadores estão voltando a sua atenção para tratamentos alternativos.

Os tratamentos não farmacológicos (TNP) para depressão vêm ganhando apoio como sendo opções seguras e efetivas de tratamento e prevenção. Tratamentos como mindfulness, psicoterapia e exercício físico são exemplos de alternativas comuns e bem pesquisadas aos ISRSs para tratamento de transtornos depressivos.

“As pessoas com transtorno depressivo maior são conhecidas por terem uma probabilidade de 50% de não atingir os níveis de atividade física recomendados (por exemplo, realizar> 150 minutos de atividade física moderada a cada semana) em comparação com pessoas sem depressão grave”.

Embora revisões anteriores tenham sugerido que a atividade física pode ser protetora contra o desenvolvimento de depressão, o presente estudo é a primeira meta-análise agrupada a investigar essa relação. A meta-análise agrupada fornece um quadro mais robusto da relação entre depressão e níveis de exercício do que um acúmulo de estudos analisados separadamente.

Para este projeto, o Dr. Schuch e sua equipe analisaram 49 estudos que incluíram mais de 200.000 indivíduos, com distribuição sexual quase igual, várias idades e que foram realizados em várias regiões geográficas. Variáveis intervenientes, como o tamanho da amostra, o tempo de seguimento e a qualidade do estudo, foram investigadas para verificar se forneciam explicações significativas da variação nos efeitos da atividade física sobre a depressão. Os pesquisadores relatam os seguintes resultados:

“Comparados com pessoas com baixos níveis de atividade física, aqueles com altos níveis tiveram menor chance de desenvolver depressão (odds ratio ajustado = 0,83, 95% CI = 0,79, 0,88; I2 = 0,00). Além disso, a atividade física teve um efeito protetor contra o surgimento de depressão em jovens (odds ratio ajustado = 0,90, IC95% = 0,83, 0,98), em adultos (odds ratio ajustado = 0,78, IC95% = 0,70, 0,87) e em idosos (odds ratio ajustado = 0,79, IC 95% = 0,72, 0,86). Nenhuma variável interveniente foi identificada. “

Embora mais estudos sejam necessários para investigar os níveis mínimos de atividade física exigidos e o impacto de diferentes tipos de atividade física, o presente estudo fornece uma contribuição importante para um crescente corpo de literatura que promove medidas preventivas para lidar com a depressão. Os pesquisadores concluem:

“Nossos dados enfatizam ainda mais a importância das políticas que visem aumentar os níveis de atividade física. Ensaios clínicos randomizados são necessários para determinar se a atividade física pode ou não prevenir o desenvolvimento de depressão em pessoas de alto risco ”.

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Schuch, F. B., Vancampfort, D., Firth, J., Rosenbaum, S., Ward, P. B., Silva, E. S., … & Fleck, M. P. (2018). Physical activity and incident depression: a meta-analysis of prospective cohort studies. American Journal of Psychiatry, appi-ajp. (Link)

O movimento da Antipsiquiatria

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Publicado em Truthdig: Na semana passada comemorou-se os 40 anos da revolucionária obra de Franco Basaglia em Trieste, Itália, que levou à inovadora Legge 180 (Lei 180, também conhecida como ‘Lei Basaglia’), que acabou com a prática do confinamento involuntário em asilos em toda a Itália. O movimento da anti-psiquiatria foi parte de um movimento intelectual e profissional bem amplo, promovido através dos trabalhos de Basaglia, Michel Foucault na França, R. D. Laing na Grã-Bretanha, Thomas Szasz nos Estados Unidos e Erving Goffman nos Estados Unidos. Esses pensadores criticaram os poderes legais conferidos aos psiquiatras para deter e tratar indivíduos com transtornos mentais, e que contribuíram para a medicalização da loucura.

Eles também defenderam a noção de que a subjetividade pessoal é independente de qualquer mandato hegemônico de normalidade imposto pela medicina psiquiátrica organizada. Esse movimento até mesmo sugeriu que a doença mental pode não existir de forma alguma fora da linguagem que a enquadra. O trabalho de Basaglia no asilo em Trieste tornou-se um modelo internacional para psiquiatras radicais que vinham trabalhando em seus próprios países para acabar com a institucionalização forçada de pacientes e tentar forjar um novo modelo de atenção de saúde mental.

Artigo →

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‘Tiras com dose reduzida’ ajudam as pessoas que desejam interromper o uso de antidepressivos

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Peter SimonsUm novo estudo realizado por Peter Groot e Jim Van-Os revelou que as ‘tiras de redução (tapering strips) ajudam com êxito as pessoas a suspender o uso de antidepressivos. O estudo publicado na revista Psicosis encontrou que, finalmente, 71% foram capazes de ter êxito, ao usar esse novo processo com as ‘tiras de afunilamento’. Esse resultado foi especialmente importante, já que 62% dos participantes haviam no passado feito tentativas de interromper seus antidepressivos, e que foram infrutíferas justamente devido aos sintomas graves experimentados.

“Em muitas partes do mundo, os números de prescrição de medicamentos psiquiátricos continuam em ascensão, entretanto temos invertido pouco tempo e esforço em ajudar as pessoas a chegar ao fim do tratamento e que desejam parar de tomar antidepressivos, por exemplo” escreve o Dr. Groot. “Nosso último estudo observacional revelou claramente que os medicamentos antidepressivos são difíceis de serem interrompidos, e também demonstrou a eficácia da utilização da redução gradual das doses em tiras de afunilamento, para ajudar as pessoas a não ter ou a reduzir ao mínimo os sintomas desagradáveis. As tiras de afunilamento podem proporcionar um método confiável, seguro e fácil para os pacientes trabalharem com os médicos para a redução dos problemas acarretados com a abstinência.”

Tapering StripsAs ‘tiras de afunilamento’ são promovidas por uma organização holandesa sem fins lucrativos, Cinderella Therapeutics. O que são ‘tiras de afunilamento’?  São pacotes personalizados de medicamentos, em que cada pílula tem a mesma, ou uma dose ligeiramente menor, do que a anterior. Para o desmame de psicofármacos como os antidepressivos, os usuários podem utilizar essas tiras que se afunilam ao longo dos meses. Isso permite aos usuários ter maior controle sobre a duração do seu processo de redução e interrupção.

Sem o uso das ‘tiras de afunilamento’, apenas existem duas opções para o processo de retirada das drogas psiquiátricas (além da interrupção brusca). Os usuários podem fazer grandes saltos entre as doses que são disponibilizadas pelas empresas farmacêuticas, o que aumenta a probabilidade de graves sintomas de abstinência. A outra opção é esmagar ou abrir pílulas para tomar só um aparte da dose. Isso é problemático, já que não proporciona necessariamente a dose, pois a parte ativa da medicação pode não ser distribuída uniformemente pela pílula dividida, por exemplo.

Os usuários têm muitas razões para deixar de tomar antidepressivos. Em estudos anteriores, os efeitos adversos (tais como os efeitos sexuais secundários, aumento de peso e embotamento emocional) foram relatados por até 72% dos participantes. Os participantes também expressaram sua preocupação pelos possíveis efeitos dos medicamentos ao longo prazo de uso. Ademais, alguns participantes simplesmente sentiram que haviam melhorado o suficiente para definir se ainda necessitavam seguir tomando o medicamento.

Infelizmente, muitas pessoas que tentam interromper seu regime de medicamentos passam por dificuldades durante o processo. Isso de deve frequentemente aos sintomas de abstinência que podem ser severos e durar meses – ou inclusive anos. Esses sintomas são descritos como diferentes da reaparição dos sintomas depressivos (por exemplo, sintomas semelhantes a gripe, tonturas, ‘curtos-circuito no cérebro’).

No atual estudo, 895 usuários na Holanda tentaram interromper o uso de antidepressivos com o uso das ‘tiras de afunilamento’. A quantidade média de tempo que estes usuários tinham usado antidepressivos foi de 2-5 anos. 62% já haviam tentado anteriormente – a maioria havia tentado mais de uma vez.

Quase todos (97%) deles haviam experimentado sintomas de abstinência durante as tentativas anteriores. A metade deles (49%) haviam experimentado sintomas graves de abstinência, a qualificação de seus sintomas tendo sido no nível máximo do que é permitido pela escala utilizada (7 em uma escala de 1-7). Depois de usar as ‘tiras de afunilamento’, 71% foram capazes de interromper com êxito a sua medicação, o que é especialmente notável, já que 2/3 haviam tentado de maneira infrutífera anteriormente. Aqueles que conseguiram, utilizaram uma média de 2 ‘tiras de afunilamento’ ao longo de 56 dias.

A quantidade do tempo necessário para diminuir a medicação apareceu ser bem sucedida quando correlacionada com o período de tempo em que a pessoa estava tomando a medicação. Aqueles usuários que haviam estado por mais tempo com antidepressivos, esses necessitaram significativamente de mais tempo para com sucesso deixarem de tomar as drogas.

Ao final do estudo, uns 8% adicional dos participantes continuaram ainda a tentar diminuir seus antidepressivos. 4% dos participantes desistiram, devido aos efeitos graves da abstinência, ainda que com as ‘tiras de afunilamento’. Outros 6% haviam deixado de tentar interromper o uso de antidepressivos, devido ao reaparecimento de sintomas depresivos. A maioria dos participantes do estudo estava tomando paroxetina (Paxil: 47%) e a venlafaxina (Effexor: 43%).

“É alarmante encontrar que 97% de mais de 600 pessoas que tentaram deixar os antidepressivos haviam experimentado a síndrome de abstinência ”,  Dr. Jim Van Os, da Universidade Masstrict , escreveu depois da publicação do estudo. “O fato de que 49% delas tenham dito haverem experimentado o nível mais extremo da escala de gravidade, isso mostra que é imperdoável que os profissionais sigam minimizando ou ignorando este problema. A vida de milhões de pessoas está sendo impactada de maneira significativa.”

No mês passado, muitas pessoas ao redor do mundo foram introduzidas aos efeitos da retirada de antidepressivos, graças a um artigo do New York Times intitulado “Muitas pessoas que tomam antidepressivos acham que não podem mais deixar de tomar”.  Esse artigo põem em destaque as histórias de pessoas que tentaram parar a medicação antidepressiva, apenas para descobrir experiências de sintomas severos de abstinência, incluindo tonturas, confusão, e insônia, assim como náuseas e ‘curto-circuitos no cérebro’. Pior, muitos dos entrevistados receberam pouca ou nenhuma ajuda de seus prescritores e não foram advertidos de que os efeitos da abstinência poderiam ocorrer ou serem tão severos.

Infelizmente, os efeitos de abstinência dos antidepressivos não são novos para a comunidade científica – embora raramente sejam reconhecidos publicamente. Em um estudo de 2016, citado pelo artigo do New York Times, os pesquisadores entrevistaram pessoas que tomavam antidepressivos e descobriram que 73,5% haviam experimentado sintomas de abstinência. Os participantes também expressaram o desejo de mais e melhores informações sobre resultados a longo prazo, efeitos após a descontinuação e apoio para a supressão de antidepressivos. Metade dos participantes desse estudo indicou que se sentiam ‘viciados’ em antidepressivos.

O artigo do New York Times também citou outro estudo recente que descobriu que aproximadamente metade dos participantes não conseguia interromper os antidepressivos, por causa da gravidade experimentada com a retirada. Esse estudo também revelou que os prescritores geralmente não ajudam no processo de interrupção. Esse mesmo estudo relatou que 86% daqueles que suspenderam a medicação com sucesso se encontravam felizes com essa decisão.

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Groot, P. C., & van Os, J. (2018). Antidepressant tapering strips to help people come off medication more safely. Psychosis. → (link)

 

 

Tempo para uma mudança de paradigma nas intervenções de psicologia escolar

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SadieEm uma recente análise publicada no Fórum de Psicologia Escolar da Associação Nacional de Psicólogos Escolares, Amanda VanDerHeyden aborda padrões de práticas ultrapassadas no campo da psicologia escolar, apesar do aumento de alternativas efetivas, viáveis e baseadas em evidências. Primeiro examinando a categoria de classificação de incapacidade de aprendizagem específica (SLD), através de uma lente crítica, e depois considerando práticas comuns sem apoio empírico, VanDerHeyden pede mudanças dentro do sistema de educação dos EUA.

Psicologia Escolar
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VanDerHeyden, que trabalhou como pesquisadora, consultora e instrutora em vários distritos escolares, e é editora associado da School Psychology Review, expõe a lacuna problemática entre o conhecimento adquirido com a avaliação dos alunos e as formas de apoio aos alunos. Ela também chama a atenção para os riscos potenciais associados à atribuição de rótulos na ausência de instrução e serviço de qualidade em todas as escolas. Em muitos casos, intervenções consideradas eficazes em amostras pequenas e homogêneas de estudantes são generalizadas para apoiar diversas populações, e é necessária uma maior atenção aos efeitos e à adequação das intervenções para melhorar as experiências dos alunos nas escolas.

De acordo com VanDerHeyden, a classificação ‘incapacidade de aprendizagem específica’ (SLD) foi designada, desde a sua origem na década de 1970, como uma categoria para incluir uma variedade de alunos com diferentes tipos de atrasos de desempenho. Quando um aluno demonstra dificuldade de leitura ou com matemática, e deixa de se encaixar perfeitamente em uma outra categoria de classificação, não é incomum que o aluno receba um rótulo de SLD. Apesar das preocupações em torno da validade da classificação SLD, e questões sobre até que ponto ela representa déficits de desempenho dos alunos versus déficits de instrução e fraquezas da escola, ela é aplicada liberalmente em nível nacional.

“Diagnósticos de SLD dispararam, mesmo quando estudos científicos após estudos científicos que têm surgido sublinhem as falhas fundamentais no construto e os resultados pobres para os alunos que receberam o rótulo SLD”, escreve VanDerHeyden.

Nos últimos anos, assistiu-se a um movimento no sentido da adoção de sistemas de apoio multicamadas (MTSS), caracterizados por um aumento de iniciativas acadêmicas e socioemocionais em todas as escolas, em oposição a planos de apoio individualizado e de classificação. A melhoria geral da qualidade do ensino e o apoio comportamental reduzem os padrões de classificação excessiva.

No entanto, apesar do enorme apoio empírico para a resposta à intervenção (RtI), ao MTSS e à prática de avaliar e responder aos pontos fortes e fracos dos alunos em vez de se ficar buscando déficits inatos, muitos psicólogos escolares se apegam a rótulos e intervenções ultrapassadas. Em alguns Estados, a avaliação cognitiva tem sido excluída do uso para determinações de incapacidades, mas essa abordagem é usada em abundância em outras.

 “Psicólogos escolares estão otimistas de que seus esforços podem funcionar, e otimismo é útil, porém continuando a esperar que um tratamento com poucas evidências venha a funcionar não passa de um hábito que sai caro e diminui a eficácia geral da psicologia escolar como profissão”, ela escreve. “Esse hábito está infiltrado em nossos programas de treinamento, e os estudantes são formados sendo treinados para conduzir práticas que são de pouco ou nenhum valor demonstrável para as crianças.”

A principal explicação de VanDerHeyden para a implementação contínua de programas desatualizados de psicólogos escolares não é que os apoios escolares viáveis e baseados em evidências não estejam disponíveis, mas sim “porque eles foram treinados para fazer isso”. Universidades e cursos de treinamentos não alcançaram a esmagadora maioria das pesquisas que desafiam os modelos tradicionais de classificação e intervenção.

O melhor e mais eficiente suporte para o maior número de alunos é realizado por meio de ajustes nos ambientes de aprendizado social e acadêmico, em vez de características individuais dos alunos. VanDerHeyden sugere que os psicólogos da escola devem:

  • Chegar junto
  • Conhecer a combinação certa dos ingredientes para facilitar as condições corretas que possam garantir uma intervenção eficaz
  • Saber como empregar (ou treinar outros para implementar) intervenções baseadas em evidências
  • Saber como sustentar uma intervenção até que os efeitos sejam significativos e duradouros

Como pode ser extraordinariamente  penoso para professores e psicólogos recém-formados ingressarem em sistemas escolares complexos e disfuncionais e informar mudanças significativas, muitos dos candidatos mais bem treinados procuram emprego em escolas que já são de alto desempenho. O primeiro componente acima apresentado  é fundamental, porque em muitas escolas que estão prontas para uma mudança de paradigma psicólogos qualificados não estão aparecendo.  Alunos vulneráveis à exposição a taxas mais altas de instrução inadequada, conflito e violência, tumulto social e emocional e trauma podem estar mais propensos a ser rotulados ou receber diagnósticos, mas não menos propensos a receber acomodações de apoio que teriam sido de outra forma devidos a padrões desatualizados na prática.

Variações significativas na capacidade do professor em se adaptar às necessidades dos alunos contribuem para a importância da gestão da qualidade em relação à prática social, emocional e de ensino, e os psicólogos escolares estão em uma posição única para atender à necessidade de uma melhor gestão. No entanto, se o treinamento é discrepante com a pesquisa atual, focando em intervenções para indivíduos e grupos pequenos, e se psicólogos escolares talentosos não estão pensando em casar com pesquisa e prática, as escolas continuarão a se apegar a métodos obsoletos apenas porque é isso que foi feito no passado.

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VanDerHeyden, A. (2018). Why Do School Psychologists Cling to Ineffective Practices? Let’s Do What Works. School Psychology Forum, 12(1), 44-52. (Link) 

A Vida após as Drogas Psiquiátricas: Laura Delano

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Will HallComo as pessoas podem sair de medicamentos psiquiátricos da maneira mais segura? Quais são as principais lições e ingredientes vitais para deixar a assistência psiquiátrica? Existe vida depois que se deixa de tomar remédios? Laura Delano passou 14 anos como paciente psiquiátrica antes de deixar para trás seus diagnósticos psiquiátricos e se reabilitar. Hoje ela é Diretora da Iniciativa Inner Compass e do The Withdrawal Project, trabalhando para apoiar a retirada de drogas e construir uma comunidade além do sistema de saúde mental.

Entrevista com Laura Delano:

Laura Delano 1

http://www.madnessradio.net/?powerpress_pinw=2201-podcast

 

Links Importantes:

he Inner Compass Initiative

The Withdrawal Project

TWP Connect

Medication Liberation: Laura Delano

Laura Delano: conectando as pessoas através de Inner Compass Initiative e The Withdrawal Project

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James MooreEsta semana, Laura Delano é a entrevistada. Laura é co-fundadora e diretora executiva de The Inner Compass Initiative (ICI) e do The Withdrawal Project, que visa criar espaços seguros para as pessoas se conectarem e a oportunidade de aprender e ser guiada pelo processo de ir além do sistema de saúde mental e das drogas psiquiátricas.

A paixão que Laura sente pela missão e visão do ICI surge dos quatorze anos gastos por ela perdida no sistema de saúde mental, e igualmente pelo percurso que ela tem feito desde 2010, quando optou por deixar para trás uma identidade de ser alguém ‘mentalmente doente’ e os diversos tratamentos que veio com essa identidade, e como gradualmente começou a redescobrir e a reconectar-se com quem ela realmente é e o que significa sofrer, lutar e ser humano neste mundo.

Laura DelanoDesde que se tornou uma ‘ex-paciente’, Laura tem escrito e falado sobre suas experiências pessoais e sobre as questões sociais e políticas mais amplas que estão no centro da ‘doença mental’ e ‘saúde mental.’ Desde 2011, ela tem trabalhado tanto dentro como para além do sistema de saúde mental.

Na área de Boston, ela trabalhou por quase dois anos para uma grande organização comunitária de saúde mental, apoiando e defendendo os direitos dos indivíduos, em salas de emergência, hospitais psiquiátricos e ambientes institucionais de ‘grupo doméstico’. Depois de deixar de estar ‘dentro’ do sistema de saúde mental, ela começou a dar consultas a pessoas e famílias que procuravam ajuda durante o processo de retirada das drogas psiquiátricas; deixar de tomar drogas psiquiátricas é o maior desafio para quem um dia foi diagnosticado como ‘doente mental’.  Laura também tem dado palestras e workshops na Europa, na América do Norte e mais recentemente no Brasil. Tem organizado grupos de ajuda mútua para pessoas em processo de retirada das drogas psiquiátricas, bem como organizado várias conferências e eventos públicos, como o Mad in America International Film Festival.

Nesta entrevista, tivemos tempo de conversar sobre as experiências pessoais de Laura sobre o sistema de saúde mental e o que a levou a co-fundar a Iniciativa Inner Compass e o Withdrawal Project.

Lembrando que no dia 28 de maio, segunda-feira, Laura estará dando uma palestra no auditório internacional da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/RJ), das 14:00 às 16:00. Haverá transmissão ao vivo.

Neste episódio nós discutimos:

  • As experiências de Laura como paciente no sistema de saúde mental, iniciando o tratamento aos treze anos e deixando o sistema para trás aos 27 anos.
  • Como ela passou a maior parte do tempo sendo uma paciente complacente, tomando os medicamentos e seguindo o conselho de seus médicos.
  • Que, em 2010, ela estava usando 5 medicamentos (Lítio, Abilify, Lamictal, Effexor e Ativan) e passou a última década piorando e incapaz de se envolver com a vida.
  • Como ela chegou a ler Anatomia de uma Epidemia, de Robert Whitaker, o que foi um momento profundo de tomada de consciência.
  • Que Laura decidiu assumir o controle de sua vida e ficou determinada a abandonar as drogas o mais rápido possível.
  • Quão traumático foi tomar consciência de que quase tudo o que lhe havia sido dito durante o tratamento era excessivamente simplista ou incorreto.
  • Que Laura passou a experimentar sentimentos de ser uma vítima da psiquiatria, e percebeu que isso apenas aumentava sua dependência emocional à psiquiatria e que, para se sentir livre, seria necessário ela ir para o além disso.
  • Que essas experiências a deixaram apaixonada pelo seu próprio processo de cura e de redescoberta de si mesma, e a passar a ajudar os outros a encontrar o caminho de volta para si mesmos – depois de haverem sido psiquiatrizados.
  • Ao curar-se, mudou-se para um espaço de aceitação e de gratidão, e sentiu que no período de cerca de três anos, estando fora das drogas, foi quando começou a se sentir realmente viva e motivada novamente.
  • Laura acha que, se quisermos ir além do sistema de saúde mental, devemos ajudar as pessoas a perceberem que não precisam desse sistema, a encontrar alternativas e a criar espaços físicos onde possam se unir os que têm experiências em comum.
  • Como Laura fundou a The Inner Compass Initiative (que em português seria algo como Iniciativa da Bússola Interna) e o The Withdrawal Project (Projeto de Retirada), que visam criar espaços seguros para as pessoas se conectarem e como oportunidade de aprender e ser guiadas pelo processo de ir além do sistema de saúde mental e das drogas psiquiátricas.
  • Que o projeto de abstinência foi destacado em um recente artigo do New York Times, onde a retirada do antidepressivo é discutida.
  • Como ICI e TWP apresentam informações sobre muitos aspectos das drogas psiquiátricas e a sua retirada, para ajudar a orientar e informar as pessoas que querem começar a jornada fora de suas drogas psiquiátricas e longe do sistema de saúde mental.
  • O TWP Connect é uma plataforma de rede gratuita de mútua ajuda, que permite que as pessoas que tenham experiências semelhantes se conectem umas com as outras.
  • Como um sistema semelhante de mútua ajuda está disponível no ICI, para permitir conversas sobre ir além do sistema de saúde mental.
  • Que Laura quer encorajar as pessoas a não desistirem, porque podemos nos curarmos das drogas psiquiátricas e que precisamos espalhar essa mensagem por toda parte.
  • A necessidade de aprender e desaprender, quando nos aproximamos de como recuperamos nosso poder e o controle de nossas vidas após o tratamento psiquiátrico.
  • Quão importante é se preparar adequadamente antes de começar a reduzir as drogas psiquiátricas, e como o Projeto de Retirada (Withdrawal Project) pode permitir essa preparação.
  • O ‘paradoxo da velocidade’ quando se trata de drogas psiquiátricas.
  • Como as pessoas podem descobrir mais sobre a Iniciativa Inner Compass e o The Withdrawal Project.
  • Que Laura está empenhada em apoiar as iniciativas da comunidade local para que comecem esse processo.

Links Importantes:

The Inner Compass Initiative

The Withdrawal Project

TWP Connect

Learn about psychiatric drug withdrawal

Inner Compass Initiative’s The Withdrawal Project Gets Mention in The New York Times—Is the Tide Finally Turning?

The New York Times – Many People Taking Antidepressants Discover They Cannot Quit

Read more about Laura’s journey into and out of the mental health system

Laura’s presentation in Alaska, 2015

Anatomia de uma Epidemia, 2017

PESQUISADORES QUESTIONAM STATUS “PADRÃO OURO” DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

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ZenobiaEm uma nova revisão, o Dr. Leichsenring e uma equipe de pesquisadores examinaram criticamente as evidências que sustentam a Terapia Comportamental Cognitiva (TCC). Os autores, que representam uma variedade de modalidades, deixam claro que seu objetivo não foi o ‘bater com força na TCC’, pelo contrário, eles se propuseram a explorar construtivamente as suposições e evidências do campo. Suas descobertas sugerem que as evidências atuais que apoiam a eficácia da TCC não são tão robustas quanto o alegado.

“Mais importante, não há evidências consistentes de que a TCC é mais eficaz do que outras abordagens baseadas em evidências”, escrevem eles. “Essas descobertas não justificam a TCC como a psicoterapia padrão-ouro”.

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A TCC é uma das várias abordagens psicoterápicas. Terapias interpessoais, humanísticas, sistêmicas e psicodinâmicas são comumente praticadas como alternativas. A TCC é a abordagem que tem recebido mais atenção e tem sido referida como o ‘padrão ouro’ do tratamento psicoterápico. Alguns até argumentam que uma psicoterapia única e integrada baseada na TCC deve ser o único tipo de psicoterapia. No entanto, outros discordam, argumentando que existe uma pluralidade e diversidade de abordagens psicoterápicas tão eficazes quanto, particularmente se levarmos em consideração que as evidências não apoiam a superioridade da TCC sobre outros métodos.

Nesta revisão, Leichsenring e colegas identificam quatro premissas usadas para reivindicar a eficácia superior da TCC: (1) mais estudos estão disponíveis para TCC do que para outras psicoterapias; (2) nenhuma forma de psicoterapia demonstrou ser superior à TCC; (3) os fundamentos teóricos e os (4) mecanismos de mudança da TCC foram pesquisados mais extensivamente.

Eles começam observando que a pesquisa dentro da psicologia e da teoria cognitiva está no meio de uma crise de replicação. Isso coloca em questão o status da teoria da TCC, que vem da pesquisa cognitiva. A mudança na terapia, de acordo com muitos defensores da TCC, envolve mudar os pensamentos dos indivíduos. No entanto, a pesquisa sobre mecanismos de mudança na psicoterapia mostra que os resultados positivos do tratamento não estão exclusivamente relacionados às características da TCC.

Enquanto alguns afirmamque outras abordagens “nem sequer chegam perto” da qualidade dos estudos que apoiam a TCC, os autores acham que as evidências “contam uma história diferente”. Leichsenring e equipe levantam as seguintes questões sobre a qualidade dos estudos da TCC:

  1. Os estudos da TCC usam comparadores fracos, em que as abordagens da TCC são frequentemente comparadas com controles de lista de espera, em vez de outras psicoterapias.
  2. Eles argumentam que muitos estudos de TCC apresentam um alto risco de viés, quando avaliados com o risco de viés da Cochrane. No entanto, eles dizem que essa ferramenta pode não ser a ideal para se avaliar o viés em estudos de psicoterapia.
  3. A qualidade dos estudos da TCC não foi considerada superior às revisões de outras abordagens, como as da psicoterapia psicodinâmica.
  4. Uma revisão de estudos descobriu que, quando os estudos da TCC eram adequadamente comparados com outras práticas psicoterápicas, não havia vantagem.
  5. O viés de fidelidade dos pesquisadores não foi controlado, e isso pode afetar os resultados relatados.

Dadas estas considerações, os autores levantam a sexta questão: de que há ‘alta incerteza com relação ao suporte científico da TCC. “Devido ao baixo número de estudos de alta qualidade e ao grande número de estudos com alto risco de viés, os autores de uma grande metanálise sobre transtornos depressivos e de ansiedade concluíram que os efeitos da TCC são ‘incertos e devem ser considerados com cuidado.'”

Além disso, eles observam que a quantidade de estudos não implica qualidade e que, se a TCC deve ser considerada o ‘padrão ouro’ da psicoterapia, são cruciais as demonstrações de sua eficácia. Eles sublinham duas considerações importantes: (1) alguns estudos não conseguiram encontrar a TCC superior ao placebo no tratamento da depressão, e outros descobriram que ela é ineficaz para sintomas de psicose ou bipolar. (2) as taxas de remissão e resposta à TCC são modestas.

Os autores argumentam que evidências mais convincentes são indispensáveis para apoiar a TCC como a psicoterapia preferível. Este ponto convincente é reforçado por sua descoberta de que as evidências disponíveis não apoiam a superioridade da TCC em relação a outras psicoterapias. Estudos que fizeram essa afirmação apresentam tamanhos de efeito que ou são ‘pequenos e insignificantes’ ou não levaram em consideração como os clínicos variam em sua eficácia.

Além disso, há evidências consideráveis para demonstrar que nenhuma abordagem pode reivindicar ser o padrão-ouro quando a pesquisa sustenta que intervenções específicas exclusivas de cada abordagem não são o fator influente que impulsiona resultados positivos. Em vez disso, os pesquisadores defendem a diversidade e a pluralidade nas abordagens psicoterápicas. Eles escrevem:

“Uma pluralidade de abordagens apoiadas por pesquisas pode ser vantajosa; por exemplo, em pacientes que não respondem a uma determinada abordagem terapêutica. Em contraste, um apelo por uma psicoterapia integrada ‘científica’ sob a hegemonia da TCC implica que as outras abordagens não são científicas: isso, em si, é uma posição não científica “.

Finalmente, eles chamam a atenção para a forma como a pesquisa apoiando a TCC ficou estagnada nas últimas décadas. Além disso, a TCC tem tomado de empréstimo técnicas de outras abordagens, e aqueles que praticam a TCC não a fazem exclusivamente, ao invés disso, tendem a aplicar abordagens não-TCC que são apresentadas em terapias humanísticas, interpessoais e psicodinâmicas.

Eles concluem que “no momento, nenhuma forma de psicoterapia pode reivindicar ser o padrão ouro”. Como resultado, eles defendem a pluralidade no treinamento, na pesquisa e na prática.

“Diferentes pacientes podem se beneficiar de diferentes abordagens, ou podem se beneficiar de diferentes rotas. Os terapeutas são diferentes também. Eles devem ser capazes de escolher qual abordagem se encaixa melhor: um critério não serve para todos. Aprender também com as abordagens dos outros requer que diferentes formas de psicoterapia baseadas em evidências existam e sejam valorizadas igualmente. Pluralidade é o futuro da psicoterapia, não uma ‘monocultura’ centrada na TCC.  “

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Leichsenring, F., Abbass, A., Hilsenroth, J., Luyten, P., Munder, T., Rabung, S., & Steinert, C. (2018). “Gold standards,” plurality and monocultures: the need for diversity in psychotherapy. Frontiers in Psychiatry9, 159. (Full Text)

 

(trad. Fernando Freitas)

Distinguindo Distúrbios Dissociativos de Distúrbios Psicóticos: Compondo a Alienação

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ron ungerAs histórias nos organizam, e as ‘histórias ruins’ igualmente nos organizam de maneiras destrutivas. Neste post irei abordar um exemplo disso: a história contada sobre como os profissionais de saúde mental – qualificados – podem distinguir entre transtornos dissociativos – com suas raízes no trauma -, e transtornos psicóticos – considerados como doenças do cérebro.

Por que os profissionais insistem em fazer essa distinção?

A ideia é que as pessoas com distúrbios dissociativos precisam de uma terapia cuidadosa e habilidosa que lide com seu passado traumático e sua resposta fragmentada a ele, para que possam se reorganizar de maneira mais integrada. Acredita-se que tal abordagem psicológica seria inútil para aqueles com transtornos psicóticos, na medida em que seus problemas são entendidos como baseados em seus cérebros doentes, sendo as drogas necessárias para controlar as disfunções.

Se os profissionais realmente pudessem distinguir com segurança aqueles cujos problemas provenham de experiências difíceis e que podem ser ajudados pela terapia e pela auto compreensão, daqueles cujos problemas sejam mais orgânicos e que não podem ser ajudados de maneira psicológica, concentrando-se em fazer tal distinção seria uma abordagem útil. Mas se sua fé em sua capacidade para fazer isso for realmente uma ilusão, então o que eles estão realmente fazendo é definir todos do lado ‘psicótico’ da distinção como estando além da compreensão e ajuda humanas, e assim infligem outro golpe naqueles já severamente afetados.

É bem sabido que as pessoas se desassociem quando a a mente não consegue dar conta diretamente do que lhes aconteceu. Mais tarde, partes da pessoa cuja experiência não foi enfrentada podem ser incapazes de se integrar com as partes que conseguiram: cada uma se sente estranha à outra.

É o que acontece a seguir, o que pode ser crucial para separar aqueles que serão reconhecidos como tendo um distúrbio dissociativo daqueles que serão vistos como tendo um distúrbio psicótico.

Se a pessoa reconhece as partes ‘alienígenas’ de si mesmas como sendo apenas partes de si mesmas, mesmo que pareçam ser perturbadoras ou até mesmo ‘personalidades diferentes’, então elas têm uma boa chance de se verem a si mesmas e que os profissionais as vejam, como tendo PTSD ou transtorno dissociativo. Mas se as pessoas veem as partes ‘alienígenas’ de si mesmos como sendo literalmente alienígenas, ou demônios, ou agentes da CIA conversando com elas através de um implante cerebral, então elas provavelmente serão diagnosticados como psicóticos.

É importante nos darmos conta do que está acontecendo aqui: é a pessoa que se sente mais fortemente alienada de partes de si quem provavelmente fará a interpretação ‘psicótica’ sobre o que essas partes são – e então é essa pessoa que será vista pelo sistema de saúde mental como tendo um distúrbio que é compreensível apenas como disfunção cerebral.

Podemos imaginar a seguinte conversação:

Pessoa: “Eu tenho um alienígena dentro de mim.”

Profissional de saúde mental: “Não, o que você tem dentro de você é um cérebro defeituoso, isso é patologia cerebral ou é uma doença mental”.

Quando somos alienados de alguém, podemos deixar de cooperar com eles e lutar com eles, mas pelo menos percebemos que eles são seres vivos. Quando as pessoas são alienadas de pensamentos, sentimentos e partes de si mesmas, ou de personagens dentro de si mesmas, elas podem falhar em trabalhar com essas partes ou integrá-las em sua identidade, mas pelo menos elas se relacionam com essas partes como algo vivo. O que os profissionais fazem quando patologizam partes de pessoas ou suas experiências é desumanizá-las, vê-las não como algo que pode ser relacionado, mas como algo que deve ser exterminado. É aí que a alienação se torna composta.

O que falta na resposta do profissional é um reconhecimento de que o que a pessoa pode ter dentro de si é uma resposta muito humana a experiências muito difíceis, e o cérebro pode estar simplesmente respondendo a essas experiências. Ao não admitir essa possibilidade, a recuperação torna-se mais difícil. Se a pessoa aceitar a explicação do profissional, ela pode não mais ser habitada por um alienígena, mas agora ela é habitada por patologia, e pode-se esperar que a patologia seja vitalícia e exija esforços para o extermínio em curso.

Profissionais se diferenciam evidentemente quando começam a ver evidências de ‘patologia do cérebro’, versus quando estão abertas a ver um problema como sendo psicológico.

  • Alguns ainda identificarão qualquer relato de audição de voz como evidência de patologia cerebral, sem considerar a possibilidade de que as vozes possam ser dissociativas.
  • Alguns imaginam que podem usar certos critérios para distinguir ‘vozes dissociativas’ de ‘vozes psicóticas’ – mesmo que as pesquisas mostrem que não há base confiável para fazer tal distinção.
  • Alguns alegam que se uma voz é dissociativa a pessoa poderá falar com ela, enquanto a pessoa não pode falar com uma voz psicótica.

A hipótese alternativa é que os profissionais estão simplesmente deixando de reconhecer que a alienação existe em um espectro, e esses profissionais estão confundindo diferenças no grau de alienação com uma distinção categórica que não existe.

É comum, por exemplo, que as pessoas sejam informadas de que as vozes dissociativas são vivenciadas como vindo de “dentro” da pessoa, enquanto as vozes psicóticas são vivenciadas como “externas” à pessoa. Mas o que ocorre de fato é que essas experiências estão realmente em um espectro e, ao que parece, um espectro muito complicado.

Para os propósitos desta discussão, digamos que uma pessoa é apenas dissociativa, e não psicótica, se perceberem todas as vozes que ouvem (que outras não ouvem) como parte de seu eu, enquanto que definir alguém como ‘psicótico’ quando as pessoas percebem vozes que ouvem como algo diferente de si mesmos. (Visto dessa maneira, ser ‘psicótico’ não se distingue de um problema dissociativo, mas visto como uma possível complicação que pode ocorrer, ou que é um grau mais profundo de alienação).

A questão complicada é que muitas pessoas que são apenas dissociativas, no sentido definido acima, realmente ouvem as vozes das outras partes de si mesmas como se estivessem vindo de fora de si mesmas, de algum outro lugar da sala, por exemplo. Elas também podem ‘ver’ partes de si mesmas fora de si mesmas, embora estejam cientes de que isso é apenas uma experiência mental e, portanto, não são psicóticos. Enquanto isso, muitas pessoas que são ‘psicóticas’ no sentido definido acima, ouvem suas vozes ou muitas de suas vozes localizadas dentro de si, embora acreditem que não faz parte de si mesmas – como no caso em que acreditam que um demônio ou cérebro implantado ficou dentro delas.

A ideia de que os profissionais podem definir vozes como mais ‘psicóticas’, se as pessoas se acharem incapazes de conversar com elas, também ignora a possibilidade de um espectro; ignora a possibilidade de que a incapacidade de conversar possa ser outra função do grau de alienação. Todos sabemos, por exemplo, que quando as pessoas estão se sentindo muito alienadas dos outros seres humanos, muitas vezes descobrem que não conseguem conversar com elas. Muitos de nós descobrimos, por exemplo, que não podemos falar com pessoas politicamente muito diferentes – ou mesmo se estivermos dispostos a conversar, os outros não falarão conosco!

As pessoas que fazem parte movimento de ouvidores de vozes, e os terapeutas que trabalham com psicose, comumente descobrem desde o início que as pessoas não podem conversar com suas vozes, mas com algum trabalho, tal conversa se torna possível e útil.

Este trabalho não é visto como possível, no entanto, quando a incapacidade inicial da pessoa para conversar com as vozes, e a incapacidade de ver as vozes como parte de si mesmas com as quais poderiam se relacionar, é interpretada como evidência de que as vozes são apenas patologias cerebrais. Há uma noção de que ‘não se pode conversar com uma doença’ e, assim sendo, a interpretação do profissional de que a voz é patologia cerebral torna-se parte do problema da comunicação ou a compõe.

Devo salientar que a ‘dissociação’ – assim como a ansiedade ou o humor deprimido – não é uma coisa totalmente ruim. Há momentos em que é útil, e um certo grau disso faz parte do funcionamento humano saudável. As pessoas que fazem parte da rede de ouvidores de vozes apontam que ouvir vozes – um tipo particular de experiência dissociativa – também pode fazer parte do funcionamento humano saudável, embora as pessoas igualmente possam ter vários tipos de problemas com essas experiências. Alguns desses problemas atingem o nível do que é chamado de psicose – estar seriamente ‘fora de contato com a realidade’ e / ou seriamente desorganizado. Mas todos esses problemas podem ser potencialmente abordados  e resolvidos, ajudando as pessoas a se relacionarem com o que estão vivenciando, em vez de patologizá-lo.

Há muitas pessoas que publicamente têm descrito a jornada delas como havendo estado verdadeiramente perdidas em uma psicose, e que preenchem completamente os critérios diagnósticos para ‘esquizofrenia’, e que no entanto, à medida que obtiveram mais insight, mudaram para experiências que pareciam algo mais como um distúrbio dissociativo, e em seguida mudaram para não se sentirem mais ‘perturbadas’. Eleanor Longden é um exemplo bem eloquente. Quando estava totalmente ‘psicótica’, ela estava plenamente convencida de que suas vozes emanavam de seres fisicamente reais fora dela que poderiam prejudicá-la e à sua família, se ela não obedecesse aos seus comandos, e seu processo de raciocínio era tão ruim que chegou a fazer furos em sua cabeça para conseguir chegar às vozes, sem entender o fato de que ela provavelmente se mataria nesse processo. Mais tarde, ela passou a reconhecer as vozes como partes separadas de si mesma e, ao se reconciliar com aquelas partes, curou-se. Ela conta sua história eloquentemente em sua palestra Ted talk e em mais detalhes nesta versão mais longa.

Eu trabalho como terapeuta especializado em terapia para psicose e, embora nem sempre tenha sucesso, tive a sorte de ajudar as pessoas a fazer jornadas semelhantes em direção à cura.

Estes são problemas complexos, e este post apenas toca de leve no assunto. Eu tenho trabalhado para tornar a educação sobre este assunto mais disponível, em particular na forma do meu curso on-line Trabalhando com Trauma, Dissociação e Psicose: CBT e Outras Abordagens para Entendimento e Recuperação, que vem com 6 créditos CE para a maioria dos profissionais dos EUA. . (Até 23/5/18, está sendo oferecido com um grande desconto, e até mesmo gratuito para não-profissionais.)

Em um quadro mais ampliado, alienação e dissociação é algo que acontece não apenas dentro das pessoas, mas dentro e entre grupos sociais, tribos, nações, etc. Ver o ‘outro alien’ como apenas algo patológico, algo a ser exterminado, não costuma funcionar muito bem. Precisamos de dar mais atenção a abordagens que reconheçam a vida e a validade no outro estrangeiro, e que ajudem as pessoas e os grupos sociais a afirmarem suas próprias necessidades, enquanto também encontram maneiras de reconhecer e se reconciliar com as necessidades mais profundas do outro. Há razões para esperança, então vamos fazer o que pudermos para nutrir as possibilidades!

Pesquisador Discute Retirada das Drogas Psiquiátricas e o Movimento dos Sobreviventes

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Will Hall, entre outros papéis, é terapeuta e pesquisador e ex-paciente com psicose,  que publicou recentemente um artigo que explora experiências retirada de drogas que estão centradas no paciente, e chama a atenção para o recente momento dos movimentos de pacientes / sobreviventes. Ele mostra a conexão entre as ideias reducionistas sobre medicação psiquiátrica e as ideias igualmente reducionistas sobre a loucura, insistindo na urgência em se repensar o que constitui ‘saúde’.

“Reconsiderar a eficácia da medicação é inseparável do imperativo de se repensar a própria loucura”, escreve Hall. “As doenças mentais e a psicose são distúrbios cerebrais, como é alegado? E quanto aos pacientes que tomaram medicamentos que agora vem sendo questionados? Como resultado desse crescente ceticismo, demandas por mais pesquisas estão surgindo, especialmente para que seja preenchida a lacuna de investigação a respeito da retirada de medicamentos ”.

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Will Hall é uma liderança no campo da Saúde Mental nos Estados Unidos, consultor, escritor e professor. Diagnosticado com esquizofrenia, ele uma liderança e organizador do movimento dos sobreviventes da psiquiatria. 

 

Hall começa destacando as tendências recentes em direção à colaboração entre pacientes e os prestadores de serviços em diversos ambientes médicos. Quando se trata de tomada de decisão médica e pesquisa, descobriu-se que a colaboração aumenta os resultados e a satisfação do paciente. No campo da psiquiatria, no entanto, a cooperação está ainda muito atrasada.

Pesquisas recentes recomendam cada vez mais cautela em torno dos potenciais efeitos adversos e danos causados pela ingestão de medicamentos psiquiátricos. Muitos suportam efeitos graves de abstinência, na medida em que tentam descontinuar o uso, e têm que enfrentar resistências e falta de apoio dos profissionais de saúde. A importância das decisões de tratamento psiquiátrico é justamente o que garante uma maior colaboração, argumenta Hall.

“Ser totalmente humano significa ser reconhecido como tendo direitos iguais para a escolha do risco médico”, escreve Hall.

Além disso, Hall afirma que a psiquiatria pode aprender observando como os pacientes passaram a abordar a abstinência de medicamentos relacionados a outras condições de saúde, como epilepsia, dor crônica e diabetes tipo 2, para citar algumas. Ele descreve as experiências comuns de pacientes com a retirada das drogas psiquiátricas que são espelhadas nas abordagens do movimento de sobreviventes em psiquiatria:

  • Diversidade e imprevisibilidade. As condições se manifestam de maneira diferente em pessoas diferentes, assim como os medicamentos provocam efeitos diferentes. As opiniões variam entre os médicos, e todas as decisões acarretam riscos.
  • Adaptando as decisões às necessidades individuais. “Uma medida não serve para todos”, quando se trata de decisões de tratamento. Muitas vezes, várias mudanças no estilo de vida estão por detrás das decisões de deixar de tomar a medicação.
  • A importância da retirada gradual. Exceto em circunstâncias em que a retirada abrupta é necessária, a redução gradual pode ajudar a reduzir os efeitos de uma retirada rápida.
  • O paradoxo de tornar as condições piores. Algumas drogas, como drogas antiepilépticas, têm o potencial de exacerbar os sintomas para os quais as drogas foram prescritas. Essa preocupação também vem sendo manifestada com relação aos antipsicóticos.
  • Consideração da informação sobre risco-benefício. “Muitas tomadas de decisão do paciente não se concentram na certeza, mas em riscos e benefícios a serem calculados em uma escolha pessoal.”
  • A dignidade do risco e autonomia do paciente. “Os pacientes são livres para assumir riscos, mesmo quando há discordância”.
  • Riscos da medicina integrativa e holística. Os médicos estão dispostos a incorporar em suas práticas tratamentos integrativos, mesmo que sejam céticos quanto ao seu mecanismo de cura, na medida em que podem fortalecer o relacionamento clínico, motivar a mudança e melhorar a agência do paciente.

Tratamentos das psicoses ou substâncias psicoativas?

Hall observa que, não havendo evidências de marcadores biológicos, as drogas psiquiátricas são mais bem entendidas quando consideradas como substâncias psicoativas: elas alteram a consciência, por meio de mudanças cerebrais, de placebo ou de efeitos nocebo, e podem criar dependência semelhante às substâncias recreativas. Apesar de anos de pesquisa, Hall descobre que não há consenso sobre o protocolo das melhores práticas de tratamento da dependência e, mais uma vez, enfatiza a diversidade que provavelmente existirá no processo de descontinuação.

Dois fatores podem informar a retirada, como ele escreve. 1) que a duração e o grau de uso da substância podem geralmente aumentar a dificuldade de retirada, e 2) a retirada gradual é geralmente recomendada para a maioria das drogas.

(trad. Fernando Freitas)

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Hall, W. (2018). Psychiatric Medication Withdrawal: Survivor Perspectives and Clinical Practice. Journal of Humanistic Psychology, 0022167818765331. (Link)

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