Como deixar de ser Dependente Químico de Droga Psiquiátrica?

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Um dos mais graves problemas que as pessoas enfrentam com o tratamento psicofarmacológico é que as drogas psiquiátricas em médio e longo prazo criam uma dependência química que é eliminada com dramáticas dificuldades. Movimentos liderados por pacientes e ex-pacientes buscam encontrar soluções seguras e eficazes.

Recentemente, a revista New Scientist publicou um artigo relatando uma experiência que pode ser uma referência para nós aqui no Brasil. Trata-se de um ‘site’ holandês que vende kits para ajudar as pessoas em seu processo de ‘desmame’ das drogas psiquiátricas, e que está prestes a ser lançado na língua inglesa. (E como era o de se esperar, tal iniciativa está despertando preocupações entre os reguladores de venda de medicamentos e os médicos do Reino Unido.)

O problema que os usuários de drogas psiquiátricas enfrentam para poder deixar de ser dependentes é que esses medicamentos não são vendidos em dosagens pequenas o suficiente para permitir a diminuição gradativa do tratamento (psicofarmacológico). Isso tem levado algumas pessoas a criticar o modo como os médicos em geral as prescrevem e a buscar métodos alternativos para reduzir suas doses, como moer os comprimidos e dissolvê-los em água, ou quebrar as cápsulas e contar os grânulos. No Reino Unido, a ONG Mind aconselha as pessoas que querem parar de tomar antidepressivos com algumas técnicas, mas recomenda que os usuários recebam primeiramente conselhos de seu médico ou farmacêutico.

New Scientist

Para ajudar as pessoas a diminuir sua dose com mais facilidade, uma ONG médica holandesa, chamada Cinderella Therapeutics, cria “kits” personalizados, com comprimidos precisamente pesados, disponíveis em pacotes rotulados, em dosagens que possam ser reduzidas gradualmente ao longo de vários meses. O ‘site’ recomenda que as pessoas façam isso sob supervisão médica e que devem primeiro receber receita médica.

O artigo da New Scientist aborda alguns dos sintomas comuns que as pessoas sofrem ao buscar interromper o uso de antidepressivos, por exemplo.  Há quem se sinta como se “houvesse sido atropelado por um ônibus”, como é dito por um entrevistado. Ele teve tonturas, náuseas e dores de cabeça quando parou de tomar o antidepressivo mirtazapina. Outros que param de tomar antidepressivos relatam efeitos colaterais, como ataques de pânico ou problemas de memória e concentração.

Há que se observar que os folhetos informativos que os fabricantes de medicamentos fornecem na caixa do medicamento alertam sobre os efeitos de retirada de curto prazo, e os médicos geralmente recomendam que as pessoas reduzam sua dose lentamente. Mas mesmo que as pessoas façam isso, uma vez que elas param de tomar a menor dose de comprimidos disponíveis, algumas ainda enfrentam graves problemas. Algumas pessoas são informadas por seus médicos de que se trata de uma recaída, mesmo que isso não seja verdadeiro, o artigo nos lembra.

Uma solução, muitas vezes proposta, é tomar uma pílula a cada dois dias, mas alguns antidepressivos comuns, como a venlafaxina e a paroxetina, são quebrados pelo organismo em algumas horas, de modo que esse método não interfere que os níveis dessas drogas no sangue fiquem flutuando de um dia para o outro no organismo. Em vez desse método tradicional, as pessoas começaram a trocar ‘on line’ dicas de como diminuir a medicação.

Há quem tente cortar suas pílulas em pedaços menores, mas que descobre que a dosagem passa a ser muito variável e seus sintomas de abstinência retornam.

David Healy, um psiquiatra da Universidade Bangor (Reino Unido), diz que as experiências das pessoas com a retirada de antidepressivos podem variar muito. Ele ajuda aqueles com sintomas graves, prescrevendo formulações líquidas dos remédios, que podem ser medidas em pequenas quantidades.

O farmacêutico Paul Harder, que faz os kits para Cinderella Therapeutics, diz que uma pesquisa não publicada da instituição descobriu que cerca de 80% dos usuários conseguem parar completamente de tomar seus remédios. Outros 10% reduzem, porém o resto retorna à sua dose original. O tempo médio em que as pessoas usam o atendimento do serviço é de dois meses, ele diz, mas algumas pessoas demoram até sete meses.

Tony Kendrick da Universidade de Southampton no Reino Unido diz que outra opção para algumas pessoas é mudar os antidepressivos para fluoxetina (Prozac), que está amplamente disponível em uma formulação líquida. Mas algumas pessoas sentem que não podem mudar.

Eis aí um desafio para nós aqui no Brasil. Um desafio que clama pela colaboração dos médicos e farmacêuticos. Mas que igualmente depende da colaboração de usuários e ex-usuários. Alternativas existem, mas há a força do querer.

Leia o artigo da New Scientist, na íntegra.

Quando substitui-se antipsicóticos, não há diferença entre a interrupção imediata e a gradual

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bruizUma revisão sistemática de uma meta-análise que acabou de ser publicada na revista Schizophrenia Bulletin não encontra diferenças significativas nos eventos adversos entre descontinuação imediata e gradual de um antipsicótico ao mudar de um antipsicótico para outro. Este resultado contradiz pesquisas anteriores, que sugerem uma redução progressiva como sendo um método mais seguro.

Os pesquisadores escrevem: “as avaliações anteriores das estratégias de comutação antipsicótica recomendam a descontinuação gradual dos antipsicóticos como um método mais seguro em geral; porém, esse endosso é baseado em evidências empíricas, mas não em dados reais de ensaios clínicos “.

Estudo com antipsicóticos

A imediata descontinuação de antipsicóticos tem sido associada com numerosos riscos, incluindo síndromes de hipersensibilidade dopamínica, síndromes de rebote relacionadas com atividade colinérgica, histaminérgica e serotonérgica, e a emergência/exacerbação de sintomas. A descontinuação gradual também vem acompanhada com consequências negativas que incluem o aumento de riscos de efeitos colaterais, que podem ser aditivos ou sinérgicos, quando utilizados em uma abordagem cruzada. Embora esta revisão feita forneça uma visão sobre a descontinuação, os participantes não permaneceram fora dos antipsicóticos, portanto, fornece apenas uma janela curta demonstrando os efeitos da descontinuação. Um estudo anterior que relatou os resultados a longo prazo da descontinuação descobriu que dos 51% dos participantes que interrompiam todas as medicações antipsicóticas, 35,3% não apresentavam recaída e apresentaram redução nos sintomas. Além disso, a descontinuação bem-sucedida foi prevista quando há melhor integração social, uma maior qualidade de vida, mais anos de educação e um melhor prognóstico no ponto de partida.

Além disso, foi anunciado uma nova pesquisa (RADAR), pesquisa essa que está sendo feita utilizando o método randomizado: entre os que recebem tratamento antipsicótico de manutenção e os que participam do grupo de redução antipsicótica. Os principais resultados que motivam essa pesquisa RADAR são: o funcionamento social, juntamente com a recaída, os efeitos colaterais, a vida laboral, e custos. No momento da redação deste artigo, ainda não foram publicados nenhum dos resultados da pesquisa RADAR.

Os autores do estudo que estamos apresentando explicam que os clínicos são mais propensos a usar estratégias de mudanças abruptas, embora a interrupção gradual dos antipsicóticos seja recomendada como sendo um método mais seguro. A presente revisão sistemática e meta-análise analisaram 9 ensaios clínicos de controle randomizados (ECAs) que comparam a descontinuação antipsicótica imediata versus a gradual, em pacientes diagnosticados com esquizofrenia. Foram incluídos nove estudos, incluindo um total de 1416 pacientes (n = 714, descontinuação imediata, e n = 702, descontinuação gradual). A duração do estudo variou de 3 a 12 semanas. Os participantes do estudo estavam em risperidona, olanzapina ou haloperidol no início dos estudos, e foram transferidos para outro antipsicótico (risperidona, olanzapina, ziprasidona, aripiprazol, iloperidona ou clozapina) na conclusão dos estudos. O afunilamento foi completado em 1 (n = 3), 2 (n = 4), 3 (n = 2) e 4 (n = 1) semanas. Os estudos também variaram em suas estratégias para iniciar o novo antipsicótico, alguns usando iniciação imediata (n = 8) e outros usando abordagens graduais ou de espera e gradual. Os resultados da análise não mostram diferenças significativas entre os grupos imediatos e graduais; quando se compara o número de pacientes que descontinuaram, a psicopatologia, os sintomas extrapiramidais, e o número de pacientes que sofreram algum Evento Adverso (TEAEs, acatisia, ansiedade, diarreia, dor de cabeça, insônia, náusea e sonolência). No entanto, o grupo imediato tendeu a ter um resultado menos favorável na insônia.

Mais especificamente, ao mudar para a olanzapina, foram encontradas diferenças significativas na insônia a favor da descontinuação gradual. Quando os participantes foram transferidos para ziprasidona, houve diferenças significativas nos escores de sintomas extrapiramidais na Escala Simpson-Angus (SAS) em favor da descontinuação gradual. Por outro lado, houve diferenças significativas na sonolência em favor da descontinuação imediata. Por último, embora não estatisticamente significativo, os escores de sintomas extrapiramidais na Escala de Movimento Involuntário Anormal (AIMS) favoreceram a descontinuação gradual. No geral, embora houvesse uma tendência para melhores resultados com descontinuação gradual, as diferenças não foram fortemente significativas entre as duas estratégias.

Depois de examinar os nove ensaios clínicos randomizados incluídos neste estudo, não foi encontrada pelos pesquisadores diferença significativa entre as estratégias de descontinuação antipsicótica nos resultados clínicos. Os autores chamam a atenção para o fato de que os achados estão em desacordo com inúmeras revisões de pesquisas a respeito de estratégias de interromper o uso de tratamento com antipsicóticos recomendando a descontinuação gradual.

A evidência significativa e bem conhecida dos efeitos colaterais negativos que acompanham os medicamentos antipsicóticos, combinada com a falta de achados significativos nesta revisão, chama a atenção para a importância e os próximos resultados do estudo RADAR.

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Takeuchi, H., Kantor, N., Uchida, H., Suzuki, T., & Remington, G. (2017). Immediate vs gradual discontinuation in antipsychotic switching: a systematic review and meta-analysis. Schizophrenia bulletin43(4), 862-871.  Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

O POSICIONAMENTO CRÍTICO DA ONU SOBRE A PSIQUIATRIA: ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O MAIS RECENTE RELATÓRIO

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Após extensivas consultas feitas no campo da saúde mental, incluindo representantes de usuários e de ex-usuários dos serviços de saúde mental, o Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito à Saúde, Dainius Pūras produziu um importantíssimo relatório sobre o tema. Essencialmente, o documento aborda a questão de como os direitos têm sido reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nos serviços de saúde mental, com vistas à promoção e proteção dos sujeitos em nossas sociedades.

Estamos apresentando o Relatório para quem tiver interesse em ler na íntegra, o que é fortemente recomendado. O que iremos fazer aqui é destacar alguns aspectos importantes, e assim utilizamos aspas. Acreditamos que desta forma estamos respeitando o conteúdo do Relatório e deixando ao leitor tempo para uma reflexão autônoma.

O Relator Especial considera que as situações de crise não devem ser tratadas como condição das pessoas individualmente, mas como uma crise produzida por obstáculos sociais que ameaçam os direitos das pessoas. O Relator Especial considera ainda que são três os obstáculos maiores aos direitos à saúde mental das pessoas: o domínio do modelo biomédico, as assimetrias de poder e o uso tendencioso das evidências.

O domínio do modelo biomédico

No que diz respeito a este tópico, o Relatório reconhece “que os serviços de saúde mental têm sido governados há décadas por um paradigma reducionista biomédico”.  Tal paradigma tem contribuído para a sistemática violação dos direitos, através da exclusão, da negligência, da coerção e do abuso das pessoas com dificuldades “intelectuais, cognitivas, psicossociais, bem como para aquelas com autismo e as que se desviam das normas culturais, sociais e políticas prevalecentes”.

Ao estarem dominadas pelo paradigma reducionista biomédico no campo da saúde mental, as políticas públicas negligenciam o contexto social, dando pouca importância para as precondições que levam ao empobrecimento da saúde mental de suas nações, tais como a violência, a falta de poder de parcelas significativas da sociedade, a exclusão social e o isolamento, a ruptura das comunidades, as sistêmicas desigualdades socioeconômicas e as péssimas condições no trabalho e nas escolas.  Dá-se muita atenção às perdas econômicas que os chamados transtornos mentais acarretam para a sociedade, e muito pouca atenção para os contextos sociais em que tais transtornos aparecem.

A esse respeito, o Relatório afirma que “embora seja incontestável que milhões de pessoas em todo o mundo estejam mal atendidas, a abordagem atual do ‘fardo da doença’ enraíza firmemente a crise global da saúde mental no modelo biomédico, muito estreito para ser proativo e responsivo ao tratamento de problemas de saúde mental em nível nacional e global. O foco no tratamento de condições individuais conduz inevitavelmente a arranjos de políticas, sistemas e serviços que criam resultados estreitos, ineficazes e potencialmente prejudiciais. Ele prepara o caminho para uma maior medicalização da saúde mental global, evitando que os formuladores de políticas abordem os principais fatores de risco e proteção que afetam a saúde mental para todos. ”

O Relatório deixa claro que o que nos tem sido vendido é o mito de que as melhores soluções para enfrentar os desafios de saúde mental são os medicamentos além de outras intervenções biomédicas. Textualmente o Relatório afirma: “o modelo biomédico considera aspectos e processos neurobiológicos como a explicação para as condições mentais e a base das intervenções. Acredita-se que as explicações biomédicas, como o ‘desequilíbrio químico’, aproximariam a saúde mental da saúde física e da medicina geral, eliminando gradualmente o estigma. No entanto, isso não aconteceu, e muitos dos conceitos que sustentam o modelo biomédico em saúde mental não têm sido confirmados por pesquisas. As ferramentas de diagnóstico, como a Classificação Internacional de Doenças (CID) e o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM), continuam a expandir os parâmetros do diagnóstico individual, muitas vezes sem uma base científica sólida. Críticos advertem que a hiperinflação de categorias de diagnóstico invade a experiência humana em uma maneira que pode levar a uma estreita aceitação da diversidade humana”.

A partir do acúmulo de evidências científicas que demonstram a ausência de suporte do modelo de doença da Psiquiatria, o Relatório reconhece que campo da saúde mental continua a ser excessivamente medicalizado e dominado pelo modelo biomédico reducionista, com o apoio da psiquiatria e da indústria farmacêutica. “A maioria dos investimentos em saúde mental em países de baixa, média e alta renda financiam desproporcionalmente os serviços com base no modelo biomédico da psiquiatria”.  Também existe uma tendência para o tratamento de primeira linha com medicamentos psicotrópicos, “apesar de acumular evidências de que eles não são tão eficazes como se pensava anteriormente, que produzem efeitos colaterais nocivos e, no caso dos antidepressivos, especificamente para depressão leve e moderada, o benefício experimentado pode ser atribuído a um efeito placebo. Apesar desses riscos, os medicamentos psicotrópicos são cada vez mais usados em países de alta, média e baixa renda em todo o mundo”.

Assimetrias de Poder

No que diz respeito às assimetrias de poder, o relatório continua a observar que “os defensores do paradigma biomédico, em particular a psiquiatria biológica apoiada pela indústria farmacêutica, são a influência dominante. As estratégias nacionais de saúde mental tendem a refletir agendas biomédicas e a obscurecer os pontos de vista e a participação significativa da sociedade civil”. Esse viés biomédico leva à desconfiança de muitos usuários e ameaça e prejudica a reputação da profissão psiquiátrica e dos serviços. O modelo biomédico não conta com suporte científico. Em suma, o poder biomédico mina os princípios de cuidados holísticos, a regulamentação para a saúde mental, a pesquisa interdisciplinar inovadora e independente, e a formulação de prioridades baseadas em direitos em políticas de saúde mental.

A relação individual entre profissional psiquiátrico e usuário também pode ser utilizada para reforçar o modelo biomédico. “O desequilíbrio do poder reforça o paternalismo e até abordagens patriarcais”. A assimetria entre profissionais e usuários retira o poder dos usuários e prejudica seu direito de tomar decisões sobre sua saúde, criando um ambiente onde as violações dos direitos humanos podem ocorrer. Este uso sistemático de assimetrias de poder prospera, em parte, porque os estatutos jurídicos muitas vezes compelem a profissão e obrigam o Estado a tomar medidas coercitivas.

 O uso tendencioso das evidências

No que diz respeito ao uso tendencioso das evidências, o Relatório observa que “a base de evidências para a eficácia de certos medicamentos psicotrópicos é cada vez mais desafiada, tanto da perspectiva científica quanto a da experiência”. Ao mesmo tempo, a pesquisa vem acumulando suporte de evidências que mostram o papel fundamental dos serviços psicossociais, orientados para a recuperação e alternativas não coercitivas. Há preocupações crescentes sobre a prescrição excessiva e o uso excessivo de medicamentos psicotrópicos nos casos em que não são necessários. Devido ao viés biomédico em saúde mental, existe um atraso preocupante entre evidências emergentes e como são usadas para informar a prática. ”

Existem vários motivos para esse viés de pesquisa, alguns dos quais são mencionados no relatório. “Há uma longa história de empresas farmacêuticas que não revelam resultados negativos de testes de drogas, o que tem obscurecido a base de evidências. “ A pesquisa científica em saúde mental continua a sofrer com a falta de financiamento diversificado e continua focada no modelo neurobiológico. A psiquiatria acadêmica tem influência extraordinária, informando os formuladores de políticas sobre a alocação de recursos e princípios orientadores para os serviços de saúde mental. Tem limitado sua agenda de pesquisa aos determinantes biológicos da saúde mental. Também há implicações para o ensino, na medida em que “o viés biomédico em saúde mental domina o ensino nas escolas de medicina, restringindo a transferência de conhecimento para a próxima geração de profissionais. “

Como essa realidade pode ser mudada?

Como tudo isso pode ser alterado? Deve haver um forte enfoque ético. “Os serviços de saúde mental devem respeitar a ética e os direitos (incluindo “primeiro, não prejudicar”), a escolha, o controle, a autonomia, a vontade, a preferência e a dignidade. O excesso de segurança na farmacologia, as abordagens coercitivas e o tratamento hospitalar são incompatíveis com “o não fazer mal”, bem como os direitos humanos. O abuso de intervenções biomédicas compromete o direito a cuidados de qualidade em serviços de saúde mental”.

O Relatório faz alguns comentários específicos sobre o tratamento. “As intervenções e o apoio psicossocial, e o não aos medicamentos, devem ser a opção de tratamento de primeira linha para a maioria das pessoas que sofrem problemas de saúde mental. Infelizmente, tais intervenções tendem a ser vistas como luxo, em vez de essenciais, e, portanto, não possuem investimentos sustentáveis.  Na maioria dos casos de depressão leve e moderada, a ‘espera vigilante’, o suporte psicossocial e a psicoterapia devem ser os tratamentos de linha de frente. Não é um direito à saúde prescrever medicamentos psicotrópicos apenas porque intervenções efetivas de saúde pública e psicossocial não estão disponíveis. Existem argumentos convincentes de que o tratamento forçado, inclusive com medicamentos psicotrópicos, não é eficaz, apesar do uso generalizado. O suporte dos pares, quando não comprometido, é parte integrante dos serviços baseados em recuperação. O direito à saúde exige que os cuidados de saúde mental se aproximem dos cuidados primários e da medicina geral, integrando a saúde mental com a saúde física”.

Obrigações

O Relatório lembra que já há um quadro jurídico vinculativo para o direito ao mais alto padrão de saúde mental. Como é o previsto no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. E já há um conjunto de normas legais já estabelecidas em tratados internacionais, entre outros, pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança.  Isso implica que os Estados têm a obrigação de respeitar, proteger e cumprir o direito à saúde mental nas leis, regulamentos, políticas, medidas orçamentárias, programas e outras iniciativas nacionais.

Entre as recomendações de como implementar tais direitos tornando-os uma realidade, o Relatório afirma que “os Estados devem usar indicadores e pontos de referência adequados para monitorar o progresso, inclusive no que se refere à redução e eliminação da coerção médica. Os indicadores devem ser desagregados, entre outros, por sexo, idade, raça e etnia, deficiência e status socioeconômico. “

O Relatório denuncia que menos do que 10% dos gastos com a saúde física são destinados à saúde mental, o que representa um enorme descompasso frente à realidade. Algumas obrigações podem e devem ser implementadas imediatamente, incluindo certas liberdades e obrigações básicas. “As obrigações básicas incluem a elaboração de uma estratégia nacional de saúde pública e acesso não discriminatório aos serviços (…) o fim do tratamento coercitivo e o acesso igualitário aos serviços de saúde mental baseados em direitos, incluindo a distribuição equitativa de serviços na comunidade. ”

Cooperação Internacional

Trata-se de um assunto que é de grande interesse para sociedades como a brasileira.  O Relatório afirma com todas as letras que “os Estados de renda superior têm o dever particular de prestar assistência para o direito à Saúde, incluindo saúde mental, em países de baixa renda”.  Mas não é qualquer tipo de ajuda, na medida em que a cooperação para o desenvolvimento baseada em direitos deve “apoiar a promoção equilibrada da saúde e intervenções psicossociais e outras alternativas de tratamento, entregues na comunidade para proteger eficazmente os indivíduos de cuidados clínicos discriminatórios, arbitrários, excessivos, inadequados e / ou ineficazes”.  Isso quer dizer que a cooperação internacional não deve reforçar o modelo biomédico hoje dominante, quer dizer, não deve “priorizar a melhoria dos hospitais psiquiátricos existentes e das instalações para cuidados prolongados que são inerentemente incompatíveis com os direitos humanos”.

Vem se tornando senso-comum que a agenda global para a saúde mental deva se concentrar na ansiedade e depressão. É muito comum se ouvir que frente ao grande número de pessoas diagnosticáveis com algum “transtorno mental”, os serviços carecem de recursos adequados, desde a capacidade para diagnosticar à disponibilização de leitos hospitalares e medicamentos psiquiátricos. O que não é o recomendável, deixa bem claro o Relatório. Porque tal agenda “pode refletir a incapacidade de incluir as pessoas que mais precisam de mudanças baseadas em direitos humanos nos serviços de saúde mental. Tais agendas seletivas podem reforçar práticas baseadas na medicalização de respostas humanas e abordar de forma inadequada questões estruturais, como pobreza, desigualdade, estereótipos de gênero e violência. “

E quanto ao setor privado? O Relatório deixa bem claro a sua posição, ao afirmar que “os Estados têm a obrigação de proteger contra danos por parte de terceiros, incluindo o setor privado, e devem trabalhar para assegurar que os atores privados apoiem a realização do direito à saúde mental, ao mesmo tempo em que compreendam plenamente seu papel e deveres a esse respeito. “

Participação

Frente às assimetrias de poder, a realização dos direitos humanos em saúde apenas será possível na medida em que houver a participação de todos, “particularmente aqueles que vivem na pobreza e em situações de vulnerabilidade”. Participação nas tomadas de decisões no nível legal, das políticas públicas, na comunidade e nos serviços de saúde.  Quanto aos serviços de saúde, eles devem garantir aos usuários os direitos de “exercício à autonomia e à participação de forma significativa e ativa em todos os assuntos que lhes concernem, o direito a tomar as suas próprias escolhas a respeito da saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, ao tratamento, com o suporte apropriado onde é necessário. ”

Ao contrário de se pensar em direitos humanos em saúde mental como iniciativas vindas de cima para baixo, o Relatório enfatiza as diversas iniciativas dos movimentos de usuários e de ex-usuários e sobreviventes da psiquiatria nas últimas décadas. O que implica que se deve dar “apoio às iniciativas de autodefesa, às redes de apoio compostas por pares, e outras iniciativas de defesa de direitos lideradas por usuários, bem como novos métodos de trabalho, como a coprodução, que asseguram a participação representativa e significativa no desenvolvimento e fornecimento de serviços de saúde. ” Merecem destaques as experiências de gestão das prestações de serviços em saúde mental realizadas por ex-usuários e sobreviventes da psiquiatria, por sua experiência inestimável no lidar com os problemas.

A não-discriminação

“O direito internacional dos direitos humanos garante o direito à não discriminação no acesso e prestação de serviços de saúde mental e os determinantes subjacentes à saúde. O direito à saúde mental também depende da igualdade e da não discriminação no gozo de todos outros direitos humanos que podem ser considerados um determinante subjacente”.

O Relatório aponta as diversas formas de discriminação. Como as de gênero, racial e étnica. “A discriminação e a desigualdade são uma causa e uma consequência de uma má saúde mental, com implicações a longo prazo para a morbidade, mortalidade e bem-estar social. Discriminação, estereótipos prejudiciais (incluindo gênero) e estigma na comunidade, família, escolas e local de trabalho desativam relacionamentos saudáveis, conexões sociais e os ambientes de apoio e inclusivos que são necessários para a boa saúde mental e o bem-estar de todos. Do mesmo modo, atitudes discriminatórias que influenciam políticas, leis e práticas constituem barreiras para aqueles que necessitam de apoio e / ou tratamento emocional e social”.

O papel da Psiquiatria é incontornável.  “Os diagnósticos mentais têm sido usados para patologizar identidades e outras diversidades, incluindo tendências para medicalizar a miséria humana, como a patologização das pessoas lésbicas, gay, bissexual, transgênero e pessoas intersexuais, reduzindo suas identidades a doenças”.

O Relatório deixa bem claro como entender a diversidade. “A diversidade deve ser amplamente compreendida, reconhecendo a diversidade da experiência humana e a variedade de maneiras pelas quais as pessoas processam e experimentam a vida. Respeitar essa diversidade é crucial para acabar com a discriminação. Movimentos dirigidos por pares e grupos de autoajuda, que ajudam a normalizar experiências humanas que são consideradas não convencionais, contribuem para sociedades mais tolerantes, pacíficas e justas”.

Prestação de contas

O Relatório reconhece que a responsabilização pelo gozo do direito à saúde mental depende de três elementos: (a) monitoramento; (B) revisão independente e não independente, como por órgãos judiciais, quase judiciais, políticos e administrativos, bem como por mecanismos de responsabilidade social; e (C) e reparações.  Quem presta serviços de saúde mental não pode estar isento de deveres e responsabilizados por violações de direitos.  O Relatório adverte a especial preocupação se dirige “à crescente prevalência de tribunais de saúde mental, que, ao invés de fornecer um mecanismo de responsabilização, legitimam a coerção e isolam mais ainda as pessoas dentro dos sistemas de saúde mental para o acesso à justiça (…) Os indivíduos geralmente têm acesso limitado, incluindo mecanismos de responsabilidade que sejam independentes. Isso pode surgir porque são considerados com falta de capacidade legal e com conhecimento limitado de seus direitos”.

A questão do consentimento esclarecido merece destaque, e a apresentamos na íntegra tal como está no documento:

  • “O consentimento informado é um elemento central do direito à saúde, tanto como uma liberdade e uma salvaguarda integral para o seu gozo. O direito de consentimento para tratamento e hospitalização inclui o direito de recusar o tratamento. A proliferação da legislação paternalista em saúde mental e a falta de alternativas tornaram a coerção médica comum. “
  • A justificação para o uso da coerção baseia-se geralmente em “necessidade médica” e “periculosidade”. Esses princípios subjetivos não são suportados pela pesquisa e sua aplicação está aberta a ampla interpretação, levantando questões de arbitrariedade (…) O ‘Perigo’ é muitas vezes baseado em preconceitos inapropriados, e não em evidências científicas. Existem também argumentos convincentes de que o tratamento forçado, inclusive com medicamentos psicotrópicos, não é efetivo, apesar do uso generalizado. “
  • As decisões de usar coerção são exclusivas aos psiquiatras, que trabalham em sistemas que não possuem ferramentas clínicas para tentar opções não coercitivas. A realidade em muitos países é que as alternativas não existem e a dependência do uso da coerção é o resultado de uma falha sistêmica para proteger os direitos dos indivíduos.”
  • A coerção na psiquiatria perpetua desequilíbrios de poder nos relacionamentos de cuidados, provoca desconfiança, exacerba o estigma e a discriminação e faz com que muitos se afastem, com medo de procurar ajuda nos principais serviços de saúde mental. ”
  • Considerando que o direito à saúde agora é compreendido no âmbito da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, é necessária uma ação imediata para reduzir radicalmente a coerção médica e facilitar a mudança para o fim de todo tratamento psiquiátrico forçado e confinamento. A este respeito, os Estados não devem permitir que terceiros forneçam consentimento em nome de pessoas com deficiência em decisões que digam respeito à sua integridade física ou mental; em vez disso, o apoio deve ser providenciado em todos os momentos para tomar decisões, inclusive em situações de emergência e de crise. “
  • O Relator Especial toma nota das preocupações de várias partes interessadas, em particular nas comunidades médicas, em relação à proibição absoluta de todas as formas de medidas não consensuais. “
  • Ele reconhece que sua redução radical e eventual eliminação é um processo desafiador que levará tempo. No entanto, existe um consenso compartilhado sobre a prevalência inaceitavelmente alta de violações dos direitos humanos dentro de configurações de saúde mental e essa mudança é necessária. Em vez de usar argumentos legais ou éticos para justificar o status quo, são necessários esforços concertados para abandoná-lo. A falta de medidas imediatas para tal mudança não é mais aceitável e o Relator Especial propõe cinco ações deliberadas, direcionadas e concretas da seguinte forma:
    • Principais alternativas à coerção na política com vista à reforma legal;
    • Desenvolver uma cesta bem abastecida de alternativas não coercivas na prática;
    • Desenvolver uma política para reduzir radicalmente as práticas médicas coercivas, com vista à sua eliminação, com a participação de diversas partes interessadas, incluindo titulares de direitos;
    • Estabelecer um intercâmbio de boas práticas entre e dentro dos países. “

Conclusões

 – A área da saúde mental tem sido negada com frequência, e quando recebe recursos em geral estes são direcionados para modelos ineficazes e daninhos.

– A sistemática violação dos direitos humanos é algo inaceitável.

– Os obstáculos maiores para a péssima situação da saúde mental não são os “transtornos mentais”, mas são aqueles apresentados pelo sistema assistencial hoje dominante.

– É urgente que se abandone o modelo médico que visa curar indivíduos, ao tomar como alvo os “transtornos”.

– E que se apoie o desenvolvimento de alternativas de natureza psicossocial.

O Relatório na íntegra você pode acessar clicando aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Antipsiquiatria – Diz O Que ?

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bburstowAo longo dos últimos dois anos, escrevi vários artigos destinados a esclarecer o termo / fenômeno “antipsiquiatria”. Para citar apenas alguns desses meus artigos, “Sobre a Antipsiquiatria“, “Antipsiquiatria Revisada” e “Lutando contra a Psiquiatria Institucional com o ‘Modelo de Desgaste ‘ ”). Este artigo é o próximo dessa série.

As questões aqui abordadas incluem: o que exatamente significa “antipsiquiatria”? E havendo mais de um significado ou referência, como você escolhe entre eles? O termo é útil ou irremediavelmente ambíguo? Pode haver antipsiquiatria sem ser abolicionista? A antipsiquiatria participa de graus, como alguém ser “muito antipsiquiatra” ou “um pouco antipsiquiatra”? E se alguém quiser acabar  com a coerção psiquiátrica apenas, isso o qualifica como antipsiquiatra?

No processo de oferecer o esclarecimento que está ao meu alcance , farei uma imersão dentro e fora da história, pois não podemos chegar a um acordo sobre este fenômeno ou se desembaraçar do emaranhado de confusões que o cercam sem investigar os desenvolvimentos históricos. Gostaria apenas de acrescentar que estou escrevendo este artigo não apenas como um teórico da antipsiquiatria, mas como alguém envolvida ativamente no ativismo antipsiquiátrico há quarenta anos.

Mais uma consideração prévia quero fazer: ao longo do texto irei escrever “antipsiquiatria” exatamente como até hoje tenho feito. Para saber mais sobre a questão do termo, veja o final deste artigo.

Para começar, o termo “antipsiquiatria” (expresso inicialmente como “anti-psiquiatria”) é uma expressão que foi inventada por um colega de Ronald Laing, Dr. David Cooper, em 1967[1] . Esse termo foi rapidamente recuperado pelas várias pessoas que conviviam com o Laing. Com o termo o que o grupo laingiano pretendia era uma abordagem diferente para “ajudar” as pessoas com os chamados problemas psiquiátricos, reformatando-os como sendo intrinsecamente problemas sociais, políticos e psicológicos, ao em vez de médicos. A filosofia existencial de Jean-Paul Sartre foi fortemente apropriada por eles [2]. Laing e Cooper também exploravam na época (e em diferentes graus) como é viver em uma comunidade terapêutica, onde as pessoas recebiam, pelo menos hipoteticamente, ajuda na sua viagem pela loucura. E é nessa mesma época que Cooper introduziu o conceito “anti-hospitalar”, assim como o conceito de “antipsiquiatria”.

Cooper era muito mais ativista do que Laing e pensava muito em termos de movimentos sociais. No entanto, o que é evidente é que mesmo com Cooper, apesar de sua legendária crítica  aos “especialistas”, o movimento que ele discutia era o movimento profissional – não um movimento vindo dos próprios oprimidos. O que também é relevante é que, apesar de quão profundamente ele se sentisse antipsiquiatra, a sua oposição à psiquiatria era à sua maneira uma oposição muda; e mais ainda, ela foi se silenciando ao longo do tempo (embora, reconhecidamente, Cooper avançasse e recuasse); e ele acabou se tornando tão “moderado” que até mesmo abandonou o termo antipsiquiatria (como pode ser visto nas memórias informativas de Stephen Ticktin “Brother Beast-A Personal Memoir of David Cooper “), quando ele voltou ao termo” não-psiquiatria ” e, alternativamente,” psiquiatria não médica “.

Agora, no que diz respeito a este último termo, tive uma conversa interessante com Ticktin sobre isso, há menos de um mês atrás, que ocorreu aproximadamente da seguinte maneira:

Ticktin: Mais tarde, David abandonou a palavra “antipsiquiatria”, usando, em vez disso, o termo mais político: “psiquiatria não médica”.

Burstow: Isso não soa para mim como mais político. Parece menos político.

Ticktin: Você acha que é menos político?

Burstow: Veja o termo. Não está anunciando oposição à psiquiatria ou mesmo à psiquiatria biológica, é simplesmente levar em conta uma forma diferente de prática. (Conversa pessoal, reunião CAPA, 3 de junho de 2017).

Irei comentar essa curiosa mudança mais tarde. Por enquanto, deixo os próprios leitores refletirem sobre como podemos entender isso.

Então, em uma sequência bastante curta, a “antipsiquiatria” (e sim, ainda soletrada por Cooper como “anti-psiquiatria”) tornou-se o léxico aceito pelos acadêmicos. No entanto, em vez de ter um significado claro, tornou-se algo como categoria de “um saco onde cabem todos”, com o termo sendo aplicado às posições de um grande número de estudiosos que criticavam substancialmente a psiquiatria, embora sob perspectivas muito diferentes. Exemplos são os teóricos tão variados como Thomas Szasz, nos EUA, e Michel Foucault, na França. O primeiro, um psiquiatra libertário de direita, que demonstrou que o próprio conceito de “doença mental” era um mito, o segundo, um filósofo francês que abordou a profissão / prática como um exemplo paradigmático do que ele chamava de “conhecimento-poder”[3]. Significativamente, enquanto que quase todos os teóricos – cujas críticas à psiquiatria impactavam fortemente nos anos 1960, 1970 e 1980, por exemplo, Szasz, Foucault, Goffman, Becker – eram agrupados sob o termo “antipsiquiatria”, e enquanto todos eles influenciaram muito outros que assim se identificavam, nenhum desses teóricos  assumiu pessoalmente o termo antipsiquiatria. Na verdade, foi o contrário: em um dos últimos livros de Thomas Szasz (2009 [4]), ele atacou especificamente o que ele via como antipsiquiatria, não apenas simplesmente se afastando dela, mas descartando-a como sendo profundamente um “charlatanismo ao quadrado”.

Dito isto, há ainda um outro público – que eu sugiro ser o mais importante – associado à palavra “antipsiquiatria”. Ele é composto por sobreviventes psiquiátricos e seus aliados, pessoas que se veem como parte de um movimento social, cujo objetivo primordial é abolir a psiquiatria. O que distingue esses ativistas (e para ser claro, eu me considero entre eles) dos indivíduos e grupos discutidos até o momento são os seguintes princípios:

  1. Eles invariavelmente combinam uma posição médica (uma posição sobre o que a ciência mostra e não mostra sobre o que está errado com as reivindicações alegadamente médicas que estão sendo apresentadas) com uma posição epistemológica (uma posição sobre como conhecemos e sobre a própria natureza do conhecimento) e uma posição ética (o que, à luz do que é revelado como conhecimento, a sociedade é chamada a fazer).
  2. Eles se identificam como parte de um movimento social libertário.
  3. A experiência e o ponto de vista dos sobreviventes – e não dos profissionais – são considerados como sendo o fundamental.
  4. A psiquiatria é teorizada como um falso e opressor campo da medicina.
  5. O compromisso geral é livrar o mundo desta opressão – isto é, livrar o mundo da psiquiatria – assim como as feministas estão empenhadas em livrar o mundo do sexismo.
  6. A antipsiquiatria não é simplesmente um rótulo dado aos membros deste movimento para os distinguir dos outros. É ao mesmo tempo uma forma de auto-identidade e um chamado para que todos abracem ativamente esse modo de ser.

Esta posição e essa identidade vem se expressando em várias publicações do movimento, desde o início dos anos 80  (veja, por exemplo, as várias questões da revista totalmente antipsiquiátrica com sede em Toronto, a Phoenix Rising, com o subtítulo  “a voz dos psiquiatrizados”), que apresentou, entre outras coisas, as vozes de sobreviventes icônicos como a voz de Don Weitz. Enquanto se baseiam fortemente nos fundamentos teóricos fornecidos por escritores como Szasz – e orientados significativamente sobre a experiência vivida, bem como a teorização de sobreviventes psiquiátricos em todos os lugares, sob a bandeira da antipsiquiatria – o que todos esses ativistas fizeram e continuam a fazer ao longo dos anos é fundamentalmente criticar a psiquiatria e lutar por sua abolição. Isso tem sido também um componente importante em revistas de sobreviventes que combinam antipsiquiatria e outras vozes críticas, por exemplo, Madness Network News.

Alguns pontos que sobressaem e distinções importantes: embora dificilmente seja idêntica ao movimento do sobrevivente psiquiátrico, a antipsiquiatria praticada pelas pessoas discutidas acima se conecta profundamente com o movimento dos sobreviventes. Ao mesmo tempo, também é distinta. Conforme discutido por Shaindl Lin Diamond em sua tese inovadora[5], alguns membros do movimento dos sobreviventes são antipsiquiátricos, enquanto outros não o são. Do mesmo modo, embora os sobreviventes psiquiátricos constituam a maioria do movimento da antipsiquiatria, o movimento não se restringe a eles.

O que diz respeito àquela que é de longe a maior e a mais antiga organização antipsiquiátrica e rede social do mundo a respeito, Coalition Against Psychiatric Assault (CAPA), é instrutivo se notar. Comprometidos com a abolição da psiquiatria e orientados por um ponto de vista dos sobreviventes, a organização está aberta a todos que assumam uma posição abolicionista, independentemente da sua posição social. A este respeito, peço que se dê atenção a estas palavras de inclusão que está na declaração da sua missão institucional: “A CAPA é uma coalizão de pessoas comprometidas com o desmantelamento do sistema psiquiátrico e a construção de um mundo melhor. Radical e visionária, somos formados por ativistas, sobreviventes psiquiátricos, dramaturgos, acadêmicos e profissionais “. Como lá, as organizações de antipsiquiatria refletem as operações de grupos de movimentos sociais, como as organizações marxistas, por exemplo, em que a base da unidade é o conjunto de princípios e compromissos comuns, e não a posição social das pessoas. E aqui este movimento difere tanto do movimento dos sobrevivente quanto do movimento dos loucos (ao qual, mais uma vez, está intrinsecamente conectado).

Mais um pouco de contexto: contrastando com outros graus interagindo com os vários grupos discutidos até agora – quer dizer, tanto aqueles que se auto-identificam como antipsiquiátricos como aqueles que são chamados por terceiros de antipsiquiátricos -, há ainda outros que ninguém vê como antipsiquiatras, mas que, no entanto, argumentam / lutam por algo melhor do que o que existe, que se veem como parte de um movimento social. Não localizo o movimento de sobreviventes nesta categoria, pois o movimento de sobreviventes tem sua própria entidade especial e abrange a maioria dos outros movimentos. Pivô aqui são movimentos de profissionais, com os quais os sobreviventes geralmente sentem que têm algo em comum e trabalham juntos. Um exemplo é “o movimento para uma Psiquiatria Democrática”, que se originou com Basaglia na Itália e é exemplificado atualmente pelo trabalho da Asylum Magazine na Inglaterra. Um exemplo ainda mais formidável é a rede muito maior de teóricos, sobreviventes e ativistas que se identificam como “psiquiatria crítica”, com o pessoal da “psiquiatria democrática”  em grande parte agora sendo subsumido sob o termo “psiquiatria crítica”. O mandato principal desses grupos pode ser descrito como “reforma da saúde mental” ou “reforma psiquiátrica”.

O contexto agora estando claro, retornemos às perguntas com as quais este artigo começou: então o que significa “antipsiquiatria”? Esse termo é útil?

De uma perspectiva muito limitada, certamente parece ambíguo, pois o termo tem sido usado de diferentes maneiras por diferentes atores sociais. Dito isto, gostaria de seguir uma linha de raciocínio diferente aqui. Por um lado, a palavra evoluiu, e quando uma palavra evolui não a comparamos ao significado original e, com base na diferença entre eles, reivindicamos a sua ambiguidade. Fazer isso aqui seria um pouco como dizer que o significado da palavra “datilógrafo” é ambíguo, porque inicialmente o termo se referia à pessoa que fazia uso de uma máquina de escrever. O que também é significativo, o inventor original e o promulgador da palavra não dão conta do que ‘datilógrafo’ significa hoje em dia.

Para irmos mais além, as palavras podem ter significado e relevância sob várias bases diferentes. Uma – e uma importante – é a base prática. As perguntas a serem feitas, a este respeito, incluem: um determinado uso da palavra distingue claramente o fenômeno em questão de fenômenos separados, embora relacionados? E estabelece uma direção? O que é claro é que os ativistas que se proclamam antipsiquiatras estão usando o termo de uma forma que estabelece uma direção- abolição – e no processo, criamos um nicho que distingue muito bem  a antipsiquiatria da ‘psiquiatria crítica’. Como tal, a antipsiquiatria tem um “significado evoluído” que é ambivalente e útil. O que é igualmente relevante, de todos os usos do termo que surgiram ao longo dos anos, esse é o único – e apenas o único – e que se afirma como “linguisticamente correto”. Como assim?

Examinemos de perto a palavra “antipsiquiatria”. É um termo complexo composto de duas partes, a primeira das quais define a orientação a ser levada pela segunda. Então há “anti”, o que significa “contra”, e há “psiquiatria”, cujo significado, infelizmente, todos sabemos muito bem qual é. “Anti” identifica a orientação para a psiquiatria. Por conseguinte, ser antipsiquiatra, pela própria lógica de como funciona a linguagem, significa ser contra a psiquiatria. Ser “contra”, notem, é manifestamente diferente de “reformar a psiquiatria”, ou “modificá-la” ou “inventar uma nova versão”; o que, em essência, é o que a ‘psiquiatria crítica’ representa. Seguem-se duas conclusões. A primeira é que os ativistas que estão usando o termo “antipsiquiatria” o usam para designar uma posição abolicionista, que é o que a grande maioria dos ativistas da antipsiquiatria estão fazendo hoje, portanto estão usando o termo corretamente. O segundo, e já abordamos isso, é que não é uma palavra ambígua, mas uma palavra com um significado claro e preciso. Ser antipsiquiatra, em poucas palavras, deve ser estar “contra a psiquiatria” – é estar empenhado em se livrar dela.

Como enquadrar esta realidade com o início do uso histórico do termo? Reconhecendo que as palavras mudam de significado. Além disso, no entanto, ao aceitar que, quando Cooper inventou o termo “antipsiquiatria”, o que ele fez, com efeito, foi criar um termo “inapropriado” – pois, enquanto ele tinha problemas com a psiquiatria, estritamente falando ele não era “contra a psiquiatria”. O termo foi rapidamente aceito sem que ninguém comentasse ou parecesse notar o nome inapropriado. O que resultou dessa aceitação do termo é que, durante muito tempo, todos com uma crítica substancial da psiquiatria foram reunidos sob esta palavra. Vieram os ativistas modernos – e os sobreviventes sendo absolutamente fundamentais para essa mudança – e pouco a pouco foram certeza produzindo uma enorme reviravolta. Pela primeira vez, o significado linguístico da palavra e para o que ela está sendo usada para designar realmente se uniram! O resultado? Embora o termo “antipsiquiatria” tenha entrado no nosso vocabulário político como um nome equivocado, o que se materializa na plenitude do tempo é uma palavra útil, uma palavra associada a uma posição clara e a uma agenda muito importante. Consequentemente, não há dúvida sobre sobre a precisão do significado da palavra.

Aqui estão as respostas para a maioria das questões colocadas no início deste artigo. Sim, o termo é útil. Não, ele não é ambíguo. Sim, é claro qual o uso a seguir. Não, não está sujeito a graus. Com respeito a este último aspecto, para ser clara, é óbvio que se pode ter uma forte crítica à psiquiatria sem querer livrar-se dela – e nesse caso se é da “psiquiatria crítica” e não da “antipsiquiatria”. O mesmo é verdade para as pessoas que se chamam de antipsiquiatras, quando, por exemplo, na prática tomam a posição de que eles só querem se livrar da psiquiatria não consensual, e que como tal isso já seria um avanço importante. Para entender por que estou dizendo isso, considere termos políticos comparáveis em outras áreas – termos como “antirracismo” e “anti-sexismo”. Ninguém, por exemplo, diria que eles não sejam antirracistas, mas isso não implica que eles queiram parar todo o racismo, apenas “racismo não consensual”. Nem alguém diria que são contra as discriminações, mesmo sendo a favor quando ocorrem privadamente – que são apenas contra a discriminação socialmente organizada, porém que não têm objeção a outros tipos de discriminação.

Agora, se as pessoas optam por assumir uma posição crítica à psiquiatria, elas são, é claro, livres para fazê-lo. O que seria útil, no entanto, é que elas não confundam a sua própria posição com a antipsiquiatria, que elas não transformem um termo inequívoco em um termo vago, que elas não combinem a antipsiquiatria com a ‘psiquiatria crítica’ – que, por assim dizer, não nos enviem – recuando no tempo – de volta à era da categoria “onde tudo cabe”.

Estou ciente, evidentemente, de que existem pessoas que estão em cima do muro entre a antipsiquiatría e a ‘psiquiatria crítica’, ou para colocar isso de outra forma, entre abolição e reforma. E, é claro, respeito o direito das pessoas de usar as palavras que escolherem. No interesse da clareza, no entanto, o que eu incentivaria as pessoas que se encaixam nessas posições é que procurem articular sua posição sem chamá-la de antipsiquiatria, pois apesar das melhores intenções – e eu de modo algum duvido que as intenções das pessoas sejam honradas – agindo dessa forma elas “turvam as águas”. E como estou ciente de que estou aqui “indo fundo na questão”, gostaria de encorajá-los de forma mais geral a se perguntarem: o que os impede de assumir uma posição de abolição? Não há talvez melhores maneiras de lidar com o que os preocupa sem tomar uma posição que, para todos os efeitos, envolva sustentar um sistema falso e destrutivo, emprestando tanto poder quanto legitimidade a ele? (Para um artigo que ilustra que, apesar das melhores intenções, a história mostra uma e outra vez que aonde a reforma não abolicionista nos leva, veja ” Liberal ‘Mental Health’ Reform: A ‘Fail-Proof’ Way to Fail”.

A título de exemplo, se eles estão preocupados com o fato de as pessoas precisarem de ajuda – e quem entre nós nega isso? – então, sobre como trabalhar para estabelecer redes de ajuda participativa que sejam voluntárias e que não empoderem a psiquiatria? O mesmo  dito com outras palavras, se você está preocupado com o fato de as pessoas passarem a ficar privadas de sua maneira de lidar com seus problemas se a psiquiatria for eliminada – seriam deixadas sem as drogas que as ajudam a viver o dia-a-dia, por exemplo (obviamente, uma preocupação totalmente legítima) – por favor observe que há nada na agenda abolicionista que implique “deixar as pessoas abandonadas à sua própria sorte”. Aqui, permitam-me sugerir, reside a diferença entre trabalho abolicionista pensativo e aquele que é irrefletido.

Não irei aqui montar uma argumentação em defesa da antipsiquiatria neste artigo, pois muitas vezes já fiz isso e esse não é o objetivo deste artigo. Sobre isso basta dizer que já foi demonstrado repetidamente por centenas de teóricos sólidos (tanto da antipsiquiatria quanto da variedade dos que defendem a psiquiatria crítica) que a psiquiatria carece de fundamentos, que é um ramo falso da medicina, e isso prejudica esmagadoramente as pessoas (ver, por exemplo, Breggin 1991[6], Whitaker 2010[7], Burstow, 2015[8] e Gøtzsche, 2013[9]). Como tal, das diversas formas como isso está acontecendo, não faz sentido que a psiquiatria acabe? Nem a questão de respeitar as escolhas das pessoas é relevante, embora compreensivelmente, essa questão quase sempre apareça quando as pessoas explicam por que elas não são antipsiquiátricas. É claro que os desejos das pessoas precisam ser respeitados! Isso é absolutamente não negociável. E, claro, as pessoas precisam de escolhas! Como discuti em detalhes em outro lugar, é uma questão totalmente distinta daquela de impedir que os medicamentos falsos passem como remédio real, ou de interromper o financiamento público da psiquiatria e as indústrias que a cercam, parando de dar-lhes poder e legitimidade – o que, não é por coincidência, é uma boa parte do que a maioria de nós quer dizer com a abolição da psiquiatria. Além disso, como também se mostra no artigo mencionado acima, a psiquiatria elimina impreterivelmente a escolha; isto é, ela realmente aborta a multiplicidade de serviços que muitos querem, na medida em que cooptamos com o que está aí

Quanto àqueles que se sentem incomodados com a noção de abolição, na medida em que a abolição pode parecer extrema para as pessoas, eu entendo totalmente o impulso para a “moderação”, embora comumente uma posição sábia, a “moderação” nem sempre é uma resposta para tudo. Se uma prática ou instituição é fundamentalmente inaceitável (assassinar, escravizar), não devemos nos livrar dela ao invés de apenas procurar desenvolver uma versão menos horrível?

Da mesma forma, enquanto alguns temem o conceito, porque ele parece confuso, notem que não há nada no compromisso dos abolicionistas que de alguma forma envolva derrubar instantaneamente o sistema psiquiátrico. Gostaria de lembrar aos leitores o modelo de  ‘desgaste da psiquiatria’, onde pouco a pouco, a gente desencaminha a psiquiatria, apoiando apenas as reformas que levem na direção da abolição (para obter detalhes sobre como implementar uma estratégia como essa, veja Burstow , 2013[10]). Em termos mais gerais, trata-se de perseguir a abolição de forma inteligente, gentil, sensível e de modo a levar a sério a situação e os direitos de todos; é precisamente isso o que é o bom trabalho abolicionista.

Para resumir, em suma, o termo “antipsiquiatria” tem um significado muito claro, um objetivo muito claro. Estabelece um espaço totalmente distinto. E a sua agenda é defensável, pode-se até dizer necessária. Mais ainda, os argumentos contra os antipsiquiatras não são válidos. No máximo, eles se aplicam ao trabalho de abolição descuidada, o que não está de modo algum implicado no compromisso autêntico de abolição.

Dito isto, para retornar rapidamente à história inicial com a qual este artigo começou – sabendo que eu estava escrevendo um artigo desta história, há vários dias atrás um dos meus amigos me perguntou isso: se Cooper tivesse vivido o suficiente para ver em que a psiquiatria e a antipsiquiatria se tornariam, o que ele diria? Pensaria eu que ele mesmo teria endossado uma visão de antipsiquiatria honesta aos olhos de Deus? Embora seja difícil saber com certeza, meu palpite provavelmente não é que ele estaria hoje negando de imediato o termo. Meu palpite é que, em parte, Cooper abandonou o termo precisamente porque começou a perceber o quanto estava fora da caixa. Por outro lado, quem pode dizer onde ele teria ido, se ele tivesse ficado no campo e se encontrado a lutar contra o mega crescimento da psiquiatria biológica?

Permitam-me sugerir, no entanto, que, mesmo que ele não viesse apoiar a antipsiquiatria, além do fato de que seu endosso não seria necessário, isso não tornaria o termo menos importante ou a agenda da antipsiquiatria fora de lugar. O que seria, em vez disso, é um outro indicador das limitações das iniciativas de movimento social que se originam de profissionais em oposição ao que vem dos oprimidos. A este respeito, os profissionais podem ser importantes, mesmo aliados inestimáveis, e além disso, irmãos e irmãs em luta – e, felizmente, todos sabemos quem são. Não obstante, exceto em certas circunstâncias, o que ocorre é que os profissionais simplesmente não são os oprimidos de fato. Apesar disso, a tirar o chapéu para David Cooper, por ele haver chegado a um termo que era mais corajoso e até mais sábio do que ele sabia.

Finalmente, em conclusão, e para retornar ao enigma que rodeia a ortografia, o que eu sugeri acima: independentemente de como você soletra “antipsiquiatria”, linguisticamente falando, isso significa o mesmo. Ou seja, como Shakespeare, que escreveu a palavra “lança” de três formas diferentes ao longo de sua obra, sempre considerei a preocupação da sociedade com a “ortografia padrão” como algo pedante. No entanto, uma diferença curiosa aparece na ortografia do termo “antipsiquiatria”. Enquanto a palavra inventada por Cooper era hifenizada, e enquanto a grande maioria dos outros que passaram a empregá-la ou a fazer referência seguiu o exemplo, há gerações de ativistas que repetidamente, escreveram a palavra de forma diferente, em alguns casos, mesmo conscientemente pretendendo ruptura com o Cooper. A este respeito, as trinta e duas questões da histórica revista antipsiquiatria Phoenix Rising usando consistentemente a versão não-hifenizada, assim como as legiões de ativistas antipsiquiatras e suas organizações (por exemplo, Resistance Against Psychiatry e Coalition Against Psychiatric Assault). Eu, pessoalmente, publiquei sete livros consistentemente empregando a versão não hiefinizada e, literalmente, centenas de artigos. E todos os escritos do icônico autor de sobrevivência, Don Weitz (e seus escritos nesta área datam dos anos 1970) sustentam de forma similar a forma ortográfica “antipsiquiatria”.

Claro, a ortografia é “apenas uma ortografia” e a grande maioria das pessoas que se deparam com sua escrita provavelmente não perceberá a diferença. Então, “sem grilos” se você optar por reter qualquer ortografia que você tenha empregado (“antipsiquiatria” ou “anti-psiquiatria”). Não obstante, se você quiser permanecer em uma tradição de quase quarenta anos de pessoas que usaram a “antipsiquiatria” consistentemente para significar “abolição” (nota, “antipsiquiatria” sem o hífen nunca foi usado de outra maneira), se você quer se alinhar com os ativistas e os radicais, distinto dos profissionais, se você deseja manter sua posição como visionário abolicionista, considere se juntar a nós e oferecendo o hífen “adieu”.

Referências:

[1] Cooper, D. (1967). (Ed.). Psychiatry and antipsychiatry. London: Paladin. Em português, Psiquiatria e Antipsiquiatria. Editora Perspectiva.

[2] Laing, R. D. (1965). The divided self. London: Pelican Books

[3] Foucault, M. (1980). Power/Knowledge (C. Gordon, Trans.). New York: Pantheon.

[4] Szasz, T. (2009). Antipsychiatry: Quackery squared. Syracuse, New York: Syracuse University Press.

[5] Diamond. S. (2012). Against the medicalization of humanity. Doctoral Thesis. Toronto: University of Toronto.

[6] Breggin, P. (1991). Toxic psychiatry. New York: St. Martins Press.

[7] Whitaker, R. (2010). Anatomy of an epidemic. New York: Broadway Paperbacks.

[8] Burstow, B. (2015). Psychiatry and the business of madness. New York: Palgrave

[9] Gøtzsche, P. (2013). Deadly medicine and organized crime. New York: Radcliffe.

[10] Burstow, B. (2013). The withering of psychiatry: An attrition model for antipsychiatry. In B. Burstow, B. LeFrançois, and S. Diamond (Eds.). Psychiatry disrupted (pp. 34-51). Montreal: McGill-Queen’s University Press.

 

Tratamento Simples Melhor que Antidepressivos

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Caminhar rápidoDe PsyBlog: pesquisas sugerem que fazer uma caminhada rápida três vezes por semana pode ser mais efetivo no alívio da depressão do que os antidepressivos. Quase dois terços dos participantes do estudo já não estavam deprimidos após 16 semanas de exercício regular.

Artigo.

Jovem sob Efeito de Antidepressivo Incita o Suicídio do seu Namorado

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Uma jovem julgada por exortar seu namorado a se matar, estava em estado delirante por se tornar involuntariamente “intoxicada” por antidepressivos, disse o psiquiatra Dr. Peter Breggin, na segunda-feira, como testemunha de defesa, em um tribunal de Massachusets.

Segundo Breggin, a jovem Michelle Carter “não pode ser acusada de intenção”, após haver mudado a sua prescrição de antidepressivo, apenas semanas antes de seu namorado se suicidar em julho de 2014, o Dr. Peter Breggin testemunhou.

Ela até mesmo continuou a enviar mensagens em seu telefone semanas depois que o seu namorado cometeu suicídio, foi lembrado por Breggin.

Michelle Carter, de 20 anos, está sendo julgada por homicídio involuntário na morte de Conrad Roy III, com 18 anos quando se envenenou inalando monóxido de carbono em sua caminhonete.

Os promotores argumentam que, enquanto Michelle Carter desempenhava o papel de namorada amorosa e perturbada, ela empurrou secretamente o seu namorado Roy para o suicídio, enviando inúmeras mensagens de texto encorajando-o a tirar sua própria vida. Algo como “Romeu e Julieta” de Shakespeare foi reproduzido.

Breggin_Massachusets

O que o Dr. Peter Breggin afirmou frente ao júri é que a jovem Michelle Carter agiu dessa maneira por estar sob os efeitos da mudança de antidepressivos, ao passar a tomar Celexa (Citalopram, no Brasil).

Breggin é bem conhecido por seus inúmeros livros, artigos científicos, e por várias vezes ter sido convocado para denunciar a indústria farmacêutica em tribunais, tendo imposto pesadas indenizações às empresas farmacêuticas pelos danos causados em usuários de drogas psiquiátricas.

O Mad in Brasil tem tido a oportunidade de disponibilizar para o público brasileiro vários artigos de Peter Breggin. Ele formulou o conceito “anosognosia por intoxicação”, para se referir aos fenômenos comuns aos que são usuários de drogas psiquiátricas, em particular os antidepressivos: a perda da consciência de que está sob “embotamento emocional” induzido pelos efeitos psicoativos da droga. “Tais drogas podem prejudicar o julgamento, a sensatez, o discernimento, o entendimento, o amor e a empatia”, diz Breggin.

Confira a matéria na íntegra que acaba de ser publicada (13 de junho de 2017) por CNN.

Psicóloga de ‘loucos’ fala da sua experiência

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HelenEstou em meu carro em direção ao meu trabalho como psicóloga clínica, lutando com as vozes em minha cabeça relacionadas ao abuso …

Posso ouvir uma voz que diz algo assim:

“Você é inútil.”

“Você não vale nada.”

“Você merece morrer”.

“Mate-se”.

Quando chego ao trabalho, participo de uma reunião durante a qual uma paciente que ouve semelhantes vozes, porque também se relacionam com abuso que sofreu quando criança, e vejo que ela está sendo informada de que sofre de “esquizofrenia”. O psiquiatra informa que ela deve se manter em medicação antipsicótica para o restante de sua vida, que ela “não tem esperança de voltar a ter uma vida normal”, que ela “nunca funcionará”, “nunca melhorará ou se recuperará”, e que não deve mais dirigir o seu carro. É dito que isso será comunicado à autoridade responsável pela habilitação de motoristas, com o objetivo de remover a sua licença, já que ela não mais pode ser autorizada a dirigir um automóvel.

A paciente protesta que necessita do carro para levar seus filhos à escola. “O que eu irei fazer”, ela pergunta, “Como irei conseguir lidar com isso sem o meu carro? “.  Tento conversar com ela, para lhe dar apoio. Eu explico que as vozes que ela ouve dizem respeito ao abuso que sofreu quando criança. Que há maneiras de ajudá-la a entender o significado das vozes e a gerenciar a audição de vozes, e que isso é possível sob uma perspectiva psicológica.

No entanto, os seus protestos e as minhas explicações são absolutamente em vão. Nossas vozes não são ouvidas. A única voz que conta ali é a do psiquiatra. Ele informa à paciente e à equipe de que eu estou errada – a história do abuso infantil é irrelevante e não está relacionada com as dificuldades apresentadas pela paciente. Em vez disso, ele nos diz enfaticamente, o que se passa é que ela na verdade está sofrendo de “uma doença cerebral incurável chamada esquizofrenia”, e que por isso ela “deve tomar medicamentos antipsicóticos durante toda a sua vida”.

Desta forma começa outro dia na vida do psicólogo de “loucos”.

Pelo menos desta vez, o psiquiatra responde à formulação que acabo de fazer, embora seja descartada completamente. É com muita frequência que eu sou ignorada quando levanto a questão do abuso e do trauma infantil. Ao longo da minha carreira profissional, encontrei muito poucos psiquiatras que compreenderam a importância do trauma, seja ele experimentado na infância ou na idade adulta, e os danos que o trauma pode fazer às pessoas. Os psiquiatras não conseguem levar isso em consideração, porque não foram ensinados a compreender. Em vez disso, eles foram treinados para considerar o sofrimento relacionado ao trauma como evidência de alguma patologia subjacente – processos de doenças biológicas, distúrbios cerebrais e/ou genes defeituosos.

É muito raro se ver um psiquiatra questionar um paciente sobre a natureza das vozes que ouvem. No que diz respeito à maioria dos psiquiatras, assim que um paciente responde “Sim” à pergunta “Você ouve vozes?”, eles começam a diagnosticar a “esquizofrenia”. A experiência de que ouvir vozes seja variada e significativa tem muitas evidências científicas (Romme e Escher, 1993[1]; Romme et al., 2009[2]; McCarthy-Jones, 2012[3], 2017[4]; Longden, 2013[5] e 2016[6]; McCarthy-Jones e Longden, 2013[7]; Corstens et al., 2014[8]). Não obstante, tais evidências são rotineiramente descartadas e ignoradas. Não há uma busca por compreender que ouvir vozes seja um fenômeno que ocorra sempre em um contexto significativo, e que frequentemente seja um fenômeno que se relaciona com as experiências de vida das pessoas, em particular com experiências de abuso e trauma. Os psiquiatras são treinados para trabalhar com uma lista para a verificação de sintomas, que visa diagnosticar as pessoas com “doenças mentais” de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM). No entanto, esta é uma maneira muito inválida para se compreender e se apoiar pessoas em sofrimento psíquico.

Como eu sei o que está acontecendo com essa pessoa? Como posso entender o link entre o ouvir vozes e o histórico de abuso infantil? Certamente não é porque eu tenha aprendido o link que há entre audição de voz e trauma durante meu treinamento em saúde mental, ou porque é assim que o sistema entende essas experiências. Muito pelo contrário. Eu sei por que essa ou aquela paciente está ouvindo vozes e como elas se relacionam com suas experiências de vida, porque eu sou ouvinte de voz, e também pela minha experiência ao longo dos anos trabalhando e aprendendo com muitos outros ouvintes de voz.

A paciente é severamente repreendida pelo psiquiatra, como se ela fosse uma criança; e ela escuta – em termos inequívocos – que não deve dirigir o seu carro, porque “está sofrendo uma recaída” e que está “muito mal”. Contra a vontade dela, a dose da medicação é novamente aumentada, e fala-se da possibilidade de ECT – se as vozes não desaparecerem. Ela é repreendida e colocada em seu lugar, humilhada na frente da equipe, através da abordagem punitiva e julgadora do psiquiatra.

O psiquiatra não faz ideia de que a colega que tem estado sentada em frente dele todos esses anos, que dirige o seu carro para o trabalho todos os dias, que trabalha em tempo integral e não toma drogas psiquiátricas, que ela também ouve semelhantes vozes angustiantes, e por motivos similares. Não sou capaz de compartilhar essa informação, mesmo em particular, de colega para colega. Não tenho dúvidas de que, se eu fizesse isso, imediatamente o psiquiatra me diria que partisse dali.

Na vez seguinte em que esta paciente foi vista, o psiquiatra lhe perguntou novamente se ela estava ouvindo vozes. Desta vez, ela relatou que não. Quando ela saiu da sala, o psiquiatra felicitou-se, dizendo que a medicação havia tido “um grande sucesso”. Ele desconhecia completamente o fato de que as dificuldades da paciente não melhoraram de forma alguma. Na verdade, as dificuldades pioraram com o aumento das drogas. Ela mentiu sobre as vozes haverem cessado, como ela depois me contou; porque ela queria evitar que as dosagens das drogas fossem mais fortemente aumentadas. Para me dizer tudo isso, é porque ela confiou o suficiente em mim, colocando-me em uma posição difícil, embora eu entenda por que ela escolheu fazer isso. Na verdade, o que ela queria era encontrar em mim um apoio junto ao seu psiquiatra, para evitar novos aumentos nas drogas, bem como a possibilidade de ECT, e ela esperava obter de volta a sua carteira de motorista. Eu entendo as suas preocupações sobre o ECT, tendo eu visto isso haver sido feito ao longo dos anos contra a vontade dos pacientes e haver testemunhado o prejuízo considerável que isso pode provocar neles[9].

Como muitas pessoas ao longo dos anos, essa paciente foi forçada a ficar encurralada, sentindo que o único caminho a seguir nessas circunstâncias seria mentir, jogar o jogo para manter o médico satisfeito. É claro que os psiquiatras não são os mais sábios, porque geralmente eles não têm como saber sobre as dificuldades dos pacientes, além do que os pacientes escolhem o que dizer ou não dizer, como este caso é bastante ilustrativo. Nesse sentido, como de muitas outras maneiras, a prática da psiquiatria não é científica; não há formas objetivas de verificar os relatos de pacientes.

O modelo médico prevalecente significa que a maioria dos psiquiatras atribuem problemas e soluções aos fatores biológicos. Se alguém está angustiado, então ele/ela precisa de mais drogas; se melhora, isso se deve aos efeitos das drogas e / ou ECT, independentemente do que aconteceu ou está acontecendo na vida das pessoas. Este modelo impede que os psiquiatras compreendam os contextos mais amplos da vida das pessoas, incluindo o impacto do abuso, trauma e das adversidades.

Eu mordo meus lábios e sufoco minha raiva e minha dor.  Passo a falar sobre um próximo paciente …  Ela é outra pessoa com história de abuso infantil, com sintomas semelhantes aos meus. Novamente é alguém diagnosticado pelo psiquiatra com “esquizofrenia”. Ela e sua família são informadas de que ela “nunca funcionará”, que ela “estará em medicação para o resto de sua vida” e que ela “nunca melhorará ou se recuperará”. ”

Ao longo dos meses, eu fico sentada ao seu lado e a vejo caindo em um estado de desesperança, desamparo, abandono e institucionalização. Eu fico sentada ao seu lado e observo como ela é cada vez mais afetada pelos efeitos adversos do coquetel de drogas psiquiátricas. A força da vida, a energia, o entusiasmo e o zelo pela vida que ela já teve, são gradualmente eliminados. Esse ser humano, outrora vibrante, cheia de vida, interessada e interessante – uma pessoa que se envolvia ativamente com a vida, que tinha esperanças, sonhos e objetivos, mas que estava com profunda dor e angústia – é hoje uma sombra do seu antigo eu, estando agora sufocada, embaralhada e padecendo de espasmos. E mais uma vez eu posso fazer muito pouco para ajudar.

Confiando nos psiquiatras, ela aceita o que lhe dizem, toma sua medicação obedientemente como “uma boa garota”. Apesar de ser uma mulher adulta em seus trinta anos, o médico até a chama de sua “boa garota”, quando ela segue seus conselhos médicos. Na medida em que ela continue a fazer o que lhe é dito, ela será considerada “boa paciente” e será notada como “tendo uma visão de sua condição”. O médico sabe melhor …  Aparentemente.

Acompanhem-me para a próxima paciente. Esta é alguém que se automutila, que se corta nos braços e nas pernas. Ela também tem uma história de abuso grave quando criança. Ela é trazida para a sala, aonde estão diferentes profissionais de saúde mental, a fim de se discutir os detalhes de sua autoagressão. É novamente uma experiência degradante, humilhante e intimidante. Numerosas questões pessoais intrusivas são disparadas contra ela. No entanto, o psiquiatra não parece notar a sua angústia óbvia. Os demais profissionais de saúde mental estão ali, não sabendo o que falariam se a eles fossem feitas perguntas semelhantes. Como inúmeros outros pacientes ao longo dos anos de minha experiência, essa paciente é repreendida pelo psiquiatra por seus comportamentos automutilantes nos termos mais fortes possíveis, com um discurso feito para que ela se sinta envergonhada e sem valor, tratando-a como uma criança estúpida, travessa e desobediente. Sobre o seu autocontrole, o que lhe é dito é: “Páre logo com isso”, “Páre de se cortar”, “Deixe de ser tão boba”.

É uma experiência extremamente assustadora e humilhante, e me sinto muito preocupada com o bem-estar dessa paciente quando ela sai da sala. Eu me preocupo que ela possa se matar por causa da abordagem cruel e punitiva do psiquiatra, que acredita que o paciente está sendo “manipuladora e buscando a atenção dos outros”; e há a experiência degradante e traumatizante de ser interrogada e repreendida diante de uma sala cheia de profissionais.

Eu decidi arriscar-me a falar porque estava preocupada com o bem-estar imediato desse paciente. Seu bem-estar agora havia se tornado mais importante para mim do que a raiva que sei que meus comentários iriam provocar. Tentei defender uma abordagem mais compassiva, respeitosa e solidária em relação à assistência que estava sendo a ela dada. Estava muito preocupada que, se eu não fizesse isso, a paciente deixaria a sala tão em baixa, sentindo-se tão inútil e sem valor (e ela já se sentia assim normalmente, sentimentos que estão ligados ao abuso e seus comportamentos autodestrutivos), sendo assim julgada, culpabilizada e mal interpretada, que ela se machucaria seriamente até ao ponto da morte, ou que sofreria de uma overdose letal.

Passei a explicar que não há dúvida de que ela não era autodestrutiva porque queria, mas que estava lutando com sentimentos difíceis ligados a experiências de trauma. Disse que poderíamos trabalhar juntas para entender seus sentimentos, dificuldades e necessidades, que eu poderia ajudá-la a considerar a possibilidade de outras estratégias de enfrentamento.

Eu podia sentir o que a paciente estava sentindo nessa situação.

Mas o psiquiatra estava ali alheio de tudo disso e acrditando que o que ele fazia com ela era o certo. Lembro-me da citação de C. Lewis: “De todas as tiranias, uma tirania exercida sinceramente pelo bem de suas vítimas pode ser a mais opressiva”[10]

Também estava ciente do que o Dr. Z iria pensar essa situação e reagir como um desafio, como uma flagrante inversão da sua autoridade absoluta enquanto chefe da equipe.

Mais tarde, inevitavelmente, eu sou levada para um canto e repreendida no escritório do psiquiatra nos termos mais fortes possíveis, por “questionar o parecer do médico em frente ao paciente e à equipe”. Não me arrependo de ter falado e me tornado impopular frente ao médico. Só me arrependeria se a paciente houvesse deixado a sala sem ter se sentido ao menos apoiada e entendida – se ela tivesse se prejudicado ainda mais por causa disso, ou tivesse tirado a própria vida.

Infelizmente, isso é exatamente o que aconteceu com uma outra paciente alguns meses depois, quando eu não estava mais trabalhando no hospital e com esse psiquiatra. O paciente, outro sobrevivente de abuso infantil, saiu da reunião e foi para casa para se matar. Mais tarde, alguns dos pacientes do hospital se aproximaram de mim e disseram que gostariam que eu estivesse presente no momento, pois eles acreditam que eu poderia ter prevenido a morte dessa pessoa.

Estou firmemente posta em meu lugar … O médico sabe melhor e se eu soubesse o que é melhor para mim, então eu deveria manter a minha boca bem e verdadeiramente fechada! E seria o melhor para a equipe multidisciplinar. Depois de todos esses anos, eu deveria já ter aprendido que a Equipe Multidisciplinar (EMD) realmente não representa uma Equipe multidisciplinar, mas sim “Equipe Médica Dominada”. Foi o psiquiatra Ronald Laing, que exclamou: “Estou ainda mais assustado com o poder destemido nos olhos de meus colegas psiquiatras do que pelo medo impotente nos olhos de seus pacientes “[11].

Eu também deveria saber, depois de todos esses anos, que essas reuniões em que os pacientes são supostamente cuidados são muitas vezes experiências degradantes, humilhantes e prejudiciais para as pessoas envolvidas. São também experiências muito dolorosas e difíceis para mim. O abuso regular e implacável dos pacientes pelo sistema é extremamente doloroso de se assistir, especialmente quando há muito pouco o que você pode fazer.

A psicóloga Dorothy Rowe comentou, em conexão com as entrevistas de pacientes para estudos de casos: “O que é tão terrível com relação à crueldade (e por que eu escrevo sobre isso) é que achamos ser muito difícil ver a crueldade que está bem diante de nossos olhos. Enfermeiros e administradores, que ficariam horrorizados com uma imagem de televisão de soldados batendo contra um civil indefeso, não veem nada cruel em um psiquiatra humilhando e castigando um paciente, como acontece todos os dias as entrevistas. Não é por nada que Goffman, em seu estudo de asilo, chamou de cerimônias de degradação as entrevistas dos pacientes feitas em equipe”[12].

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Eu estou sentada em uma reunião de equipe, quando um paciente – cujas dificuldades eu avaliei como relacionadas ao abuso grave que sofreu quando criança – é diagnosticada com “transtorno de personalidade”. Minha opinião é completamente desconsiderada, a história do abuso foi descartada, e essa paciente e a equipe são informadas de que ela está, de fato, “sendo difícil”, que ela está “buscando atenção e que é extremamente manipuladora”.

Esta mulher tem comportamentos graves de autoagressão – em relação ao abuso grave que sofreu nas mãos de seu pai e outros membros de sua família, quando era criança. Ela tem dificuldades em relação ao apego, a autoestima, às fronteiras, aos relacionamentos e de se vitimizar. Ela desenvolveu padrões de comportamento em torno do “permitir-se” ser usada sexualmente pelos homens (em muitos aspectos, sendo uma reedição do abuso que sofreu, durante o qual ela experimentaria a única “proximidade”, “calor” e “carinho”, por ela recebido quando criança). Ela acabou de chegar à seção hospitalar para acidentados, onde trabalho, após uma overdose e se automutilado cortando os braços, já que ela se sentia tão enojada por haver sido usada por esses homens, agora e no passado. Ela mostra ter um sentimento extremamente frágil de si mesma, ela está em um forte estado confusional e dissociada, e narra haver sido abusada das formas mais horríveis que se pode imaginar, de modo que nós nunca poderíamos pensar, e muito menos experimentar.

Como o psiquiatra não perguntou sobre a história dessa paciente, ele não está ciente de que ela tem uma história de grave abuso de criança. Ele não está ciente dos fatores motivadores por trás de suas dificuldades e comportamentos. Como a grande maioria dos psiquiatras, ele nem sequer pensaria em investigar e considerar essas questões como sendo de alguma maneira relevantes para entender as dificuldades presentes na paciente. Eu fiquei ciente. Mas o poder do psiquiatra esteve mais uma vez acima de qualquer outra racionalidade.

Ao longo dos anos, vi muitas pessoas, tanto do sexo feminino como do sexo masculino, rotuladas inadequadamente com “transtorno de personalidade”. Isso pode acontecer quando os psiquiatras não conseguem entender o impacto e os efeitos posteriores de uma história de trauma grave. Também pode ser aplicado como uma “categoria binária” punitiva aos pacientes que eles não gostam, para punir os pacientes que não obedecem às suas orientações, que reclamam, questionam ou desafiam suas autoridades. A aplicação inadequada do diagnóstico a sobreviventes e pessoas em geral já foi discutida (Lewis e Appleby, 1988[13]; Shaw e Proctor, 2005[14]; RITB, 2016[15]), e muitas pessoas descrevem sentir-se profundamente infelizes com o rótulo.

Quando eu escrevo um relatório detalhado e explico ao psiquiatra e à equipe que o paciente tem história de abuso infantil grave, juntamente com a minha formulação psicológica de suas dificuldades e necessidades de tratamento, essa informação e minha contribuição como psicóloga são completamente descartadas, em favor de uma narrativa psiquiátrica das suas dificuldades.

Chamadas telefônicas são feitas e cartas enviadas pelo psiquiatra (chamado de “Diretor Médico Responsável”) ameaçando aqueles que possam cometer “o erro” de oferecer a esses pacientes compreensão, apoio e cuidados no Departamento Hospitalar para Acidentados, se os pacientes continuarem a se envolver em comportamentos automutilastes ou de overdose, e se voltarem ao Hospital pedindo socorro. A equipe do Hospital é instruída pelo psiquiatra que, em nenhuma circunstância, este tipo de paciente deve receber qualquer tipo de apoio ou cuidado. Ela é “um paciente extremamente difícil e manipuladora que está fazendo isso de propósito e para chamar a atenção”. Ela deve, portanto, ser tratada da maneira a mais dura possível, para que ela “saia” dessa “busca ridícula, manipuladora e para chamar a atenção “.

Ridículo do ponto de vista deste psiquiatra, talvez, mas não tão ridículo para aqueles entre nós que estiveram submetidos a graves abusos quando crianças.

Felizmente, apesar do extenso abuso que ela experimentou ao longo do tempo nas mãos do sistema, esta paciente da qual há pouco falava ainda está viva e está fazendo progresso. Infelizmente, muitos outros não foram tão afortunados.

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Mais uma vez, estou eu testemunhando um cenário perigoso, durante o qual o bem-estar de um companheiro de sobrevivência está sendo posto em perigo pela abordagem geral da psiquiatria e do sistema de saúde mental, e, mais uma vez, estou em uma posição na qual eu sou impotente. Naquela noite, não pela primeira vez ou pela última vez, eu vou para casa em profunda aflição. Eu deito no chão e choro. Um amigo tenta me consolar, sugerindo que, mesmo que eu não possa ajudar algumas pessoas o tempo todo, isso valerá a pena. No entanto, permaneço pouco convencida. Ajudar algumas pessoas uma vez ou outra não parece suficientemente bom. Eu tenho me sinto sobrecarregada pela enormidade do problema contra o qual tenho lutado, pela enormidade da crueldade, da desumanidade e do abuso que assisto regularmente, e que está sendo repetida regularmente em instalações de saúde mental, não só no Reino Unido, mas em muitas outras partes do mundo também. Com uma grande angústia, pego meu livro de oração e leio algumas orações. No dia seguinte, volto ao trabalho.

Foi-me pedido que avalie uma paciente que tinha um histórico de abuso e trauma grave de criança e que tinha algumas ideias incomuns, que o psiquiatra descreveu como “delirantes”. No meu relatório de avaliação, com o consentimento da paciente, descrevo a natureza do grave abuso que ela sofreu nas mãos de diferentes membros de sua família quando criança. Eu também descrevo os efeitos secundários do abuso em sua saúde mental. Ela ouve vozes que são relacionadas ao abuso, experimenta visões que são relacionadas ao abuso, e criou um mundo de fantasia para si mesma como uma criança, como forma de lidar com a dolorosa realidade de sua vida. O psiquiatra descartou a história do abuso, descreveu o mundo da fantasia como “delirante” e está usando isso como evidência para o diagnóstico de “esquizofrenia”. Eu, por outro lado, sei a partir de minha própria experiência, bem como da de muitos outros, como e por que esse pensamento incomum pode se desenvolver. Descrevo as crenças da paciente, como uma estratégia de proteção protetora que foi útil e adaptável para ela. Essas crenças ajudaram a levantar seu humor, ajudaram-na a sobreviver ao impensável e a impediram de se matar. Estou ciente de como esse chamado “pensamento delirante” pode ser protetor e até salvador de vidas. Mas o sistema não vê isso dessa forma.

Apesar do meu relatório ser claro, detalhando a extensão do abuso que sofreu e os efeitos secundários associados, incluindo a natureza, desenvolvimento e função do mundo da fantasia, a equipe e o paciente são informados pelo psiquiatra que eu estou errada. A paciente sofre de “esquizofrenia” e “transtorno de personalidade”, e como tal será tratada.

Ela está traumatizada por esses diagnósticos, pela rejeição de suas experiências de abuso infantil, bem como a descrição de seu mundo de fantasia como sendo “delirante”. Tendo passado um bom tempo construindo uma boa relação de trabalho com ela, como de costume eu estou sozinha para combater os danos que lhe estão sendo feitos em nome de “cuidados de saúde mental”.

Multipliquem este exemplo por muitos outros mais – é muito doloroso e desmoralizante trabalhar em um papel que, em grande parte, envolve tentar ajudar as pessoas a curar-se dos danos que o próprio sistema produz nelas em nome de estar lhes dando ajuda.

Reitero o que já afirmei aqui várias vezes. Perdi o número de vezes que testemunhei que os psiquiatras não acreditam e descartam relatos de abuso infantil, dos pacientes, de mim e de outras pessoas, atribuindo como sendo problemas de doenças mentais, não conseguindo entender o vínculo entre traumatismo e problemas de saúde mental. Os perigos inerentes e possíveis danos associados a essa posição não podem ser sobrestimados.

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Estou sentada em uma reunião com um psiquiatra e outros profissionais que estão discutindo o caso de uma paciente que foi diagnosticada pelo psiquiatra com “esquizofrenia paranoica”. Trata-se de uma mulher que ouve vozes e às vezes alucina. Eu sei, porque eu a avaliei antes, que as vozes que ela ouve são as dos membros adultos de sua família que abusaram dela ao longo de sua infância. Eu também sei que as visões, as assim chamadas alucinações que ela experimenta, são flashbacks para o abuso que sofreu. Esses fenômenos tendem a ocorrer mais frequentemente à noite e envolvem figuras sombrias ao redor de sua cama. A discussão da equipe é em torno de aonde esta senhora deve ser alojada, desde que seu casamento foi rompido por violência doméstica. Ela solicitou que não voltasse à sua família de origem, pois membros de sua família estavam envolvidos no abuso original. Quando eu discuto minhas descobertas com a equipe, elas são descartadas pelo psiquiatra como “irrelevantes e pouco confiáveis”, já que “ela sofre de esquizofrenia e não se pode confiar que ela forneça informações confiáveis sobre sua vida”.

A despeito de tudo, eu pedi que ela fosse colocada em um ambiente de moradia que fosse seguro, longe de sua família, até que opções de habitação mais permanentes ficassem disponíveis. No entanto, com a insistência do psiquiatra, ela foi forçada a retornar ao ambiente familiar abusivo, pois ele considerava que isso seria “o mais favorável para o seu bem-estar frente às circunstâncias”. Não é surpreendente que ela rapidamente venha se tornado ainda mais angustiada e que tenha tentado suicídio. Felizmente, ela sobreviveu, e graças à minha insistência ela foi realojada. Como de costume, minha opinião profissional foi descartada e, como sempre, passei por uma situação extremamente dolorosa e angustiante ao testemunhar tudo aquilo.

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Eu estou lendo o prontuário de uma paciente que tem um histórico de abuso infantil e cujas dificuldades eu sei estarem relacionada a isso, apenas para descobrir que ela, como tantas outras pessoas, recebeu inúmeros diagnósticos e coquetéis de drogas nocivas ao longo dos anos. Os diagnósticos incluíram: esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, depressão maníaca / transtorno bipolar, transtorno da personalidade aditiva, paranoia, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de personalidade limítrofe, ansiedade severa, depressão grave, depressão psicótica e transtorno de personalidade masoquista. Todos esses assim chamados de “distúrbios” dizem respeito aos efeitos secundários do abuso.

A leitura do seu prontuário revela que nada de positivo resultou de qualquer um desses diagnósticos e drogas diferentes, ao longo dos anos. Sem surpresa, depois de mais de 15 anos, essa paciente ainda está, como tantos outros, andando e rodeando pelo sistema, não melhor do que era quando entrou pela primeira vez – de fato muito pior do que estava inicialmente. Não se menciona no seu prontuário o fato de que ela teve uma infância extremamente abusiva e traumática, período durante o qual sofreu tortura severa, crueldade e negligência em uma escala que a maioria de nós nem sequer pôde imaginar.

Ao ir para a sala de espera para receber meu próximo paciente, encontro outra paciente, com quem trabalhei há alguns meses, agachada no chão do corredor, extremamente angustiada e chorando incontrolavelmente. Como é de se esperar, estou muito preocupada. Ela é outra sobrevivente de abuso infantil, nas mãos de seu pai. Peço-lhe que entre no quarto de meu consultório. Uma vez dentro, ela me diz que ela acabou de se encontrar com o psiquiatra, e que ele lhe disse que ela tinha “esquizofrenia”, sem chances de ela fazer algum progresso ou recuperação. Ela me pergunta se eu também achava que ela era “louca” (eu digo a ela que não!). Ela então me diz que, como resultado desse encontro com o psiquiatra, ela entrou no banheiro do hospital e se auto agrediu, cortando-se. Eu examino suas feridas. Ela explica que ela já perdeu toda a esperança e está planejando ir diretamente para casa para se matar. Felizmente, depois de passar algum tempo com ela, consegui conversar com ela e continuamos trabalhando juntas.

Mais uma vez, encontro-me na situação dolorosa, ridícula e desconfortável de ter que tentar fazer o meu melhor para reparar o grande dano que está sendo feito pelo sistema para os sobreviventes vulneráveis vítimas de abuso infantil.

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Uma paciente que foi abusado em casa por seu pai e que, na escola, por alguns de seus professores, ela foi diagnosticada com “esquizofrenia paranoica”. Ela está lutando contra os efeitos posteriores do abuso, incluindo ouvir vozes, depressão, ansiedade, ansiedade social, Sentimentos e comportamentos suicidas. Ela fez várias tentativas de suicídio ao longo dos anos, e em nenhuma das quais foi “bem-sucedida”. Surpreendentemente, o psiquiatra conta que é inevitável que eventualmente acabará se matando. Eu me recuso a acreditar ou endossar esta predição ultrajante e inútil. Passei a trabalhar com ela sobre os efeitos secundários de abuso contra os quais ela está lutando (que incluem suicídio e automutilação). Tenho o prazer de informar que sua vida e sua saúde mental melhoraram e que ela agora trabalha na comunidade. Há anos ela não fez nenhuma tentativa de suicídio e promete nunca mais fazê-lo. No entanto, como muitos outros, o seu progresso ocorre, apesar da psiquiatria e o sistema e sem a psiquiatria e o sistema.

Ao longo dos anos, trabalhei com muitas pessoas que passaram tempo em salas psiquiátricas como pacientes internados. Muitos são sobreviventes de trauma na infância e / ou adultez. No entanto, raramente são questionadas sobre histórias de abuso e trauma. Se eles divulgarem, essas experiências são consideradas irrelevantes e / ou delirantes. O reducionismo biológico que permeia o sistema atribui todo o sofrimento às “doenças mentais” biológicas e à patologia endógena. O foco é em pílulas em vez de pessoas, em estigmatizar as vítimas com rótulos de culpa em vez de compaixão e apoio.

Muitas das práticas em salas de atendimento psiquiátrico reproduzem experiências anteriores de abuso, trauma e violência e podem ser profundamente re-traumatizantes para pessoas: falta de compaixão e apoio, coerção, compulsão, controle, restrição, reclusão, privação de liberdade, droga forçada e ECT. Não ter as experiências de abuso consideradas, são experiências que podem replicar o silêncio e a vergonha que muitos experimentaram anteriormente. Não ter tempo para falar sobre seus problemas, não receber bondade, compaixão, compreensão e apoio, são experiências que podem exacerbar sentimentos de desesperança, desamparo, alienação e desespero. Tendo seus desejos de não tomar drogas psiquiátricas sistematicamente negados, sendo mantidas pelo pessoal e injetadas por força, são experiências que podem refletir e replicar experiências anteriores de serem estupradas e abusadas. Ser forçado a tomar drogas por via oral também pode espelhar o abuso anterior. Muitas pessoas relatam sentir-se desumanizadas e abusadas, descrevendo o sentimento de ficarem pior após a admissão do que antes de entrar no hospital. No entanto, o sistema falha consistentemente em entender e responder a tais preocupações.

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Um paciente do sexo masculino, abusado física, sexual e emocionalmente por seus pais, passou mais de trinta anos no sistema sendo tratado por “esquizofrenia paranoica”. Ele recebeu medicamentos antipsicóticos, injetados à força em seu abdômen, durante todos esses anos. Ele nunca viu um psicólogo ou recebeu uma avaliação psicológica. Ao me ver, eu avalizo suas dificuldades como resultado do grave abuso que sofreu quando criança. Como de costume, escrevo relatórios e discuto minhas descobertas com colegas.

Pela primeira vez, sou ouvida por um psiquiatra. Escusado será dizer que estou impressionada! Com sua ajuda, a medicação antipsicótica desse paciente é gradualmente reduzida e, finalmente, eliminada completamente. Ele não sofreu “recaída”, como é normalmente previsto, e, em vez disso, tem feito bons progressos. Ele ainda ouve vozes e experimenta outros efeitos posteriores de abuso. No entanto, estes gradualmente se tornam menos intensos e ele é capaz de encontrar novas maneiras de lidar com eles, com a ajuda de um grupo de sobreviventes, de um grupo de ouvidores de vozes e de terapia psicológica.

À medida que o tempo se move, as principais preocupações deste cavalheiro dizem respeito aos benefícios (dinheiro) que ele deve receber do Estado por esses últimos trinta anos, por ter sido diagnosticado com “esquizofrenia paranoica”, sendo dito que “nunca iria se recuperar, ” nunca sairia da medicação” e que “nunca seria capaz de estudar ou trabalhar “.

Ele se pergunta, “agora que benefícios reivindicar”?  Já é tarde demais para ele pensar em estudar ou ter uma carreira profissional? Ele é um homem inteligente, com muito a oferecer. O que ele pergunta é o que ele vai fazer com o resto de sua vida, já que ele está se aproximando da idade de aposentadoria? Ele se sente irritado com todo o tempo e anos desperdiçados, acreditando, como foi dito, que ele estava sofrendo de “uma doença cerebral incurável e incapacitante chamada esquizofrenia, de onde não há recuperação” e sendo constantemente informado de que ele estava “muito doente”, “para estudar ou trabalhar “.

Muitas vidas desperdiçadas e tanto talento desperdiçado, tantas perdas, tantas mortes evitáveis, tanto dano sendo feito a tantas pessoas vulneráveis de muitas maneiras diferentes!!! Tão pouca compaixão, compreensão e humanidade. Quando e como o sistema vai mudar?

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Os exemplos incluídos aqui referem-se a muitas pessoas com quem trabalhei e aprendi ao longo de diferentes configurações, durante tantos anos. Muitas pessoas deram sua permissão para que eu viesse usar suas experiências para educar e informar a outros. Em alguns casos, pequenos detalhes foram alterados para proteger a identidade das pessoas.

O Dr. Z é um termo composto para muitos psiquiatras, homens, mulheres e de diversas origens, com quem trabalhei ao longo dos anos. A maioria desses médicos, por mais bem-intencionados que tenham sido, fizeram muito mal aos pacientes, embora tenha havido algumas exceções notáveis.

 

Bibliografia:

[1] Romme, M. and Escher, S. (1993) Accepting Voices. London, UK: Mind.

[2] Romme, M., Escher, S., Dillon, J., Corstens, D. and Morris, M. (2009) Living with Voices: 50 Stories of Recovery. Ross, UK: PCCS Books.

[3] McCarthy-Jones, S. (2012) Hearing Voices: The Histories, Causes and Meanings of Auditory Hallucinations. New York: Cambridge University Press.

[4] McCarthy-Jones, S. (2017) Can’t You Hear Them? The Science and Significance of Hearing Voices. London and Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers.

[5] Longden, E. (2013) Learning from the Voices in my Head. TED Books. https://www.ted.com/talks/eleanor_longden_the_voices_in_my_head TED Talk

[6] Longden, E. (2016) The Voices in my Head. Mad in America Continuing Education. http://education.madinamerica.com/p/voices-head

[7] McCarthy-Jones, S. and Longden. E. (2013) The voices others cannot hear. The Psychologist, 26, 570-575.

[8] Corstens, D. Longden, E., McCarthy-Jones, S, Waddingham, R and Thomas, N. (2014) Emerging perspectives from the hearing voices movement: implications for research and practice. Schizophrenia Bulletin, 40, 285-94.

[9] Read, J. and Bentall, R. (2010) The effectiveness of electroconvulsive therapy: a literature review. Epidemiologia e Psichiatria Sociale, 19(4), 333-47.

[10] Lewis, C.S. (1970) God in the Dock: Essays on Theology and Ethics. Michigan: Eerdmans Publishing Company, p.292

[11]  Laing, R.D. (1985) Wisdom, Madness and Folly: The Making of a Psychiatrist 1927-1957. London: Macmillan, p.16.

[12] Rowe, D. (1988) In: Masson, J.M. Against Therapy: Emotional Tyranny and the Myth of Psychological Healing. London: Atheneum, p. 12

[13] Lewis, G and Appleby, L. (1988) Personality disorder: the patients psychiatrists dislike. British Journal of Psychiatry153, 44-49.

[14] Shaw, C. and Proctor, G. (2005) Women at the margins: a critique of Borderline Personality Disorder. Feminism and Psychology. 15(4), 483-490.

[15] Recovery in the bin (RITB) (2016) A simple guide to avoid receiving a diagnosis of ‘personality disorder’. https://recoveryinthebin.org/2016/02/20/a-simple-guide-to-avoid-receiving-a-diagnosis-of-personality-disorder/

 

Pode a Psicanálise tratar a Psicose?

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Uma gravação em vídeo da Segunda Conferência Anual da Lambeth e Southwark Mind, realizada em conjunto com BLOCK336, e que está agora disponível. Nessa palestra, Dorothée Bonnigal-Katz, fundadora do Projeto de Terapia de Psicose, faz uma reflexão sobre os últimos quatro anos de vigência desse Projeto, cuja prática é a terapia da palavra, a longo prazo, com a abordagem psicanalítica desenhada para pessoas com psicose.

Uma iniciativa em busca de alternativas ao tratamento hegemônico da Psiquiatria: psicofarmacológico e a longo prazo.

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O vídeo.

 

Como o FDA tem Evitado Admitir Suicídio Induzido por Antidepressivos em Adultos

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pbregginOs médicos costumam dizer aos pacientes que os antidepressivos só podem causar comportamento suicida em crianças e não em adultos. Muitas publicações também fazem a mesma afirmação. A alegação falsa baseia-se na bula dos “tarja preta” aprovado pelo FDA para antidepressivos que adverte sobre um aumento da taxa de suicídio em crianças, jovens e adultos jovens que estão tomando antidepressivos, mas não faz o mesmo com relação aos adultos com mais de 24 anos. A advertência  explicitamente diz: “Em adultos com mais de 24 anos, estudos de longo prazo não mostraram um aumento no risco de suicídio com antidepressivos em comparação com o placebo . ”

Os estudos aos quais o FDA recorreu sobre os efeitos de antidepressivos para adultos com mais de 24 anos de idade são cheios de falhas e não confiáveis em comparação com aqueles utilizados em crianças. De acordo com a FDA nas audiências de 2006:

“Devido ao grande número de sujeitos na análise de adultos, quase 100.000 pacientes, o processo de adjudicação foi deixado como responsabilidade dos patrocinadores e não foi supervisionado ou verificado pelo FDA. Isto está em contraste com a análise de comportamento suicida pediátrico em que o FDA foi ativamente envolvido na adjudicação (p.14). “

Além disso, o FDA também anunciou nas audiências de 2006, sobre suicídio de adultos induzido por antidepressivos, que não exigia um método uniforme de análise por cada empresa farmacêutica e nem um avaliador independente, conforme o exigido com a amostra pediátrica.

Assim, o FDA estava comparando maçãs um pouco boas (os estudos pediátricos) com maçãs podres (os estudos com adultos), ao mesmo tempo em que as faz parecer comparáveis. Os estudos com crianças mostraram que os antidepressivos podem causar comportamento suicida – os estudos do adulto (após a idade 24) não mostraram nada, à exceção da cooperação ilegal do FDA com as companhias farmacêuticas auto-beneficiadas. Como descrevi em meus livros e artigos científicos, as empresas farmacêuticas rotineiramente manipulam seus dados sobre suicídio para evitar qualquer conexão causal à sua droga (veja, por exemplo, meu artigo de 2006 sobre GSK e Paxil).

No caso de Eli Lilly, estão aqui dois memorandos do empregado Claude Bouchey (páginas 2 e 3 do original) enviados à hierarquia da empresa nos quais ele expressa a culpa e a vergonha por haver mudado os relatórios oficiais sobre a tentativa de suicídio induzida pelo Prozac – enganando a investigação fazendo emprego de termos como “overdose” ou “depressão”.

Ironicamente, o FDA controlou e monitorou os estudos pediátricos originais, precisamente porque as empresas farmacêuticas por conta própria não conseguiam encontrar qualquer risco de suicídio induzido por antidepressivos em qualquer faixa etária. Por que a FDA assumiria que essas mesmas empresas farmacêuticas deixadas por conta própria começariam espontaneamente pela primeira vez a realizar estudos honestos sobre a capacidade de seus produtos de causar suicídio em adultos?

Além disso, mesmo nos estudos das maçãs podres em adultos, apesar das manipulações da companhia farmacêutica, o Paxil (paroxetina)  mostrou causalidade associada ao aumento de comportamentos suicidas em adultos deprimidos – em uma revisão interna feita pelo FDA dos dados disponíveis na agência. Como resultado, em 2006, o FDA, em seguida, forçou o fabricante do Paxil, a GlaxoSmithKline (GSK), a escrever uma carta “Caro Doutor (a)” – enviada a todos os prestadores de cuidados de saúde – confirmando a associação entre Paxil e comportamento suicida em adultos.

Em abril de 2006, o FDA também fez a empresa farmacêutica colocar um aviso na bula sobre o risco de Paxil causar comportamentos suicidas em adultos com depressão; mas a GSK convenceu o FDA a abandoná-la nos anos seguintes. O aviso apareceu no Manual de Referência aos Médicos ( Physician’s Desk Reference) apenas uma vez em 2007.

Enquanto isso, há muitos estudos mostrando que os antidepressivos causam impulsos suicidas e suicídio em adultos.

Na próxima vez que você ouvir alguém dizer que os estudos do FDA mostram apenas aumento de comportamentos suicidas em crianças e adultos jovens em oposição aos adultos, lembre-se que os estudos em adultos, ao contrário dos estudos pediátricos, não foram controlados, monitorados ou validados pelo FDA. Este é mais um exemplo dos extremos aos quais o FDA é capaz de ir para proteger as empresas farmacêuticas e seus produtos, o que muitas vezes é letal.

Foi difícil fazê-los aceitar que os antidepressivos causam suicídio em crianças. As companhias farmacêuticas e seus asseclas se queixaram veementemente. O FDA e as empresas farmacêuticas não iriam permitir uma repetição de estudos suficientemente imparciais que pudessem concluir que os adultos também são vulneráveis ao suicídio induzido por antidepressivos.

Como uma Tradição Antiga de Canto Ajuda as Pessoas a Lidar com Trauma

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Na Revista Yes: o canto de lamento, uma tradição antiga, observada para fins espirituais durante funerais, casamentos e tempos de guerra, está agora sendo reavivada na Finlândia. As pessoas estão se dando conta que lamentar cantando é uma forma de terapia musical para ajudar a processar traumas e perdas.

Canto de lamento

Exemplo de canto de lamento:

“Eu tomei comprimidos para minha depressão

Apenas para sufocar minhas emoções.

Os médicos disseram que eu precisaria deles,

Mas aprendi a chorar sem eles.

Então eu parei de tomar os comprimidos,

Então eu deixei meus sentimentos se erguerem

Para minha mãe quando ela se foi,

Para o meu casamento quando ele me abandonou,

Me deixou como mãe solteira

Com um trabalho difícil e sem fins de semana.

Agora eu choro sem tomar pílulas,

Ainda me sinto muito irritada,

E a fúria parece bem fundamentada,

Mas os sentimentos não me machucarão “.

Leia o artigo na íntegra.

 

 

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