In Memoriam: Birgitta Alakare

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Em 19 de Fevereiro de 2021, o mundo perdeu Birgitta Alakare, a antiga psiquiatra chefe do Hospital Keropudas em Tornio, Finlândia, e pioneira no desenvolvimento do Diálogo Aberto. Médica e terapeuta de família de renome, foi autora de muitos artigos profissionais e científicos e ensinou e deu palestras em todo o mundo. Era venerada e amada por muitos que trabalharam com ela e aprenderam com ela.

Conheci a Dra. Alakare pela primeira vez quando viajei para Tornio em 2012 para a 17ª Conferência Internacional sobre o Tratamento da Psicose. Eu tinha tomado conhecimento do Diálogo Aberto (DA) através da Anatomia de uma Epidemia de Robert Whitaker e o meu foco inicial era a aparente desconfiança na farmacoterapia como um componente essencial do tratamento psiquiátrico. Cheguei sozinha àquela pequena cidade, naquela que parecia ser uma parte extremamente remota do mundo. Fiquei profundamente emocionada com o que encontrei e partilhei as minhas reflexões na época. Foi uma experiência transformadora. Apercebi-me que o uso de drogas psiquiátricas, embora importante, era apenas uma parte da história. Aprendi sobre uma forma de cuidar das pessoas que é profundamente humana.

Durante o meu primeiro encontro com a Dra. Alakare, conheci uma mulher de fala mansa. Ela era uma especialista internacionalmente reconhecida na sua área, rodeada de admiradores, que tratava todos com amabilidade e apreço. Durante a minha carreira na medicina, a minha experiência tem sido que este tipo de humildade é raro, especialmente entre os da sua estatura. Eu era uma psiquiatra americana, recém-chegada a esta forma de trabalhar, viajando de outra pequena cidade do outro lado do globo. Durante esta e subsequentes visitas, a Dra. Alakare abraçou-me como a todas as pessoas que encontra na prática clínica e no domínio profissional: com todo o respeito e calor humano.

Fiel à prática do DA, a Dra. Alakare dizia pouco, mas quando ela falava, eu me sentia inclinada e a ouvi-la atentamente. O que ouvi ficou comigo. Naquela primeira conferência, ela sugeriu que tivéssemos uma discussão sobre “o que queremos dizer quando usamos a palavra ‘esquizofrenia'”. No meu diário, escrevi que ela falou sobre o significado deste rótulo para as pessoas e discutiu a nossa obrigação de tentar compreender as afirmações das pessoas, mesmo que as suas palavras não pareçam, no início, fazer sentido. Uma marca do DA é que durante os encontros clínicos os praticantes se voltam uns para os outros e refletem sobre o que ouviram. Perguntaram-lhe se os médicos alguma vez têm conversas entre si quando a pessoa ou família não está presente. Esta é uma pergunta comum, uma vez que muitos de nós pensamos que vamos perder alguma coisa por não termos tais discussões entre colegas. Embora não me lembre das suas palavras exatas, o que me lembro é que ela disse algo sobre não se sentir confortável com a natureza do discurso que ocorre quando os clínicos falam entre si. Nos anos que se seguiram, pensei nas horas de reuniões de equipas clínicas em que tenho participado ao longo dos anos. Mesmo entre pessoas bem-intencionadas, é fácil assumir um tom de julgamento. Ser obrigado a encontrar uma linguagem que possa ser partilhada com todos leva as pessoas não só a falar, mas também a pensar de uma forma mais respeitosa. Em vez de se perder algo, muito se ganha.

Viajei até Tornio pensando que iria aprender sobre o seu uso de drogas psiquiátricas, mas este não era um foco da reunião. No entanto, tinha muitas perguntas e no último dia, invoquei a coragem de me aproximar dela. “Mas e o lítio?” perguntei eu. Esta é uma droga que eu pensava ser útil para alguns e nos EUA é um pilar fundamental no tratamento da mania. Ela respondeu que raramente tinha encontrado a necessidade do seu uso. Eu sabia que ainda havia muito para aprender.

Embora as nossas práticas diferissem em muitos aspetos, existiam algumas semelhanças. Éramos mulheres médicas que entraram para a medicina quando éramos poucas em posições de liderança. Ambas terminámos as nossas carreiras como chefes de psiquiatria nas nossas organizações, situadas em regiões rurais, do Norte dos nossos respectivos países. No meu papel, embora tenha tido muitos colegas que me apoiaram e ajudaram, muitas vezes faltaram-me – embora tivesse ânsia – mulheres como modelos. Embora nunca tivesse a audácia de sugerir que existem mais do que estas características superficiais partilhadas entre nós, sei que em cada oportunidade fiz tudo o que pude para passar tempo com ela e ela foi invariavelmente e infalivelmente amável e generosa. Vi-a pela última vez, em 2018, novamente em Tornio, numa reunião da mesma organização em que nos conhecemos pela primeira vez. Estou eternamente grata por ter feito tudo o que pude para estar em salas com ela, para absorver a sua sabedoria e a sua delicada forma de cuidar.

O Diálogo Aberto é uma forma de trabalho em que todas as vozes são respeitadas. É fundamentalmente transparente e democrático. A humildade é fundamental para a prática. Em ambientes mais tradicionais, os clínicos são os peritos que concluem as suas avaliações a fim de fazer um diagnóstico ou formulação. Nas clínicas de saúde mental, e especialmente nos hospitais, é ao psiquiatra que é concedida a maior autoridade. Um psiquiatra que abraça o DA deve estar disposto a partilhar o poder. Embora os médicos não neguem a sua formação e conhecimentos médicos, reconhecem que existem muitos tipos de competências e que todas são valorizadas. Esta atitude pode ser transformadora e curativa para um jovem que luta com a psicose pela primeira vez e que é tratado como estranho pela maioria de todos.

Cheguei a acreditar que o Diálogo Aberto não teria avançado em Tornio sem a Dra. Birgitta. O DA exigia um líder psiquiátrico que estivesse disposto a compartilhar a autoridade. Durante a minha mais recente visita a Tornio, tive o prazer de observar um painel de discussão entre aqueles que tinham introduzido o DA no Hospital de Keropudas. Este painel incluiu não só o Dra. Birgitta, mas também Jaakko Seikkula, o psicólogo líder, bem como enfermeiros e outros membros da equipe do hospital na época. Foi uma discussão fascinante durante a qual o respeito de uns pelos outros – independentemente da sua posição ou educação – era evidente. Isso não poderia ter acontecido com um psiquiatra que insistisse no tipo de estrutura hierárquica que continua a ser comum na maioria dos hospitais. Os psiquiatras não precisam de estar na sala para que ocorram reuniões eficazes de DA, mas os psiquiatras podem usar a sua autoridade para desprezar a prática e esmagar o seu desenvolvimento. É o psiquiatra que muitas vezes tem autoridade exclusiva para prescrever – ou optar por não prescrever – as drogas. A evolução e crescimento do DA envolveu muitas pessoas notáveis; sem a Dra. Birgitta, porém, parece pouco provável que tivesse crescido da forma como cresceu.

Como o DA continua a expandir-se para além de Tornio, espero que os meus colegas psiquiátricos mais jovens, novatos neste tipo de prática, notem o papel que esta corajosa mulher desempenhou no seu desenvolvimento. Enquanto aqueles sem poder podem forçar a sua entrada, a transformação é grandemente facilitada quando os que estão no poder estão dispostos a abrir portas. Birgitta Alakare exemplificou esse princípio. Com um coração pesaroso, apresento as minhas condolências à sua família, amigos e colegas.

***

Nota do editor: Em 2020, a Fundação JAEC, em colaboração com a SO-PSY, a Sociedade Suíça de Psiquiatria Social, apresentou a candidatura da Dra. Birgitta Alakare ao Prêmio de Genebra para os Direitos Humanos na Psiquiatria. Você pode ouvir aqui uma palestra que ela deu em 2016.

‘Desajustamento criativo’: Uma Entrevista com Donzaleigh Abernathy

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The Abernathy Family marching with Dr. Martin Luther King, Jr., and Coretta Scott King on Day 4 of the Selma to Montgomery March for the Right to Vote. Donzaleigh Abernathy is the child on the left side of the front row.

A atriz, cantora, escritora e ativista dos direitos civis Donzaleigh Abernathy é afilhada do Reverendo Dr. Martin Luther King, Jr., e filha do Reverendo Dr. Ralph David Abernathy, o melhor amigo e parceiro de King no movimento dos direitos civis – que foi cofundador da Conferência de Liderança Cristã do Sul [Southern Christian Leadership Conference] e se tornou presidente da mesma após o assassinato de King a 4 de Abril de 1968. A sua mãe, Juanita Abernathy. era a ativista dos direitos civis.

Quando criança, Abernathy testemunhou alguns dos momentos mais inspiradores e formativos do movimento dos direitos civis – e alguns dos mais sóbrios. Ela também cresceu conhecendo e amando o homem a quem chamou Tio Martin, cujas posições contra o racismo, a pobreza e a guerra permanecem tão relevantes hoje como quando ele as exprimiu pela primeira vez. Também são relevantes os seus apelos ao ‘desajustamento criativo’, ou seja, a recusa de se ajustar aos muitos males da sociedade.

Donzaleigh Abernathy

Abernathy é a autora de Partners to History: Martin Luther King, Ralph David Abernathy and the Civil Rights Movement. Ela também contribuiu com o trabalho do Smithsonian Institute’s In the Spirit of Martin.

Como atriz, é conhecida pelos seus muitos papéis em filmes – tais como o drama da guerra civil Gods e Generals – e muitas séries, incluindo o drama Any Day Now e a série The Walking Dead, e séries zombie-apocalypse. Além disso, é a solista principal de uma nova peça coral, The Listening, composta por Cheryl B. Engelhardt  para o The Voices 21C em Nova York. Trata-se uma peça inspirada por um discurso antiguerra que King proferiu precisamente um ano antes da sua morte, e foi lançada enquanto um single e um vídeo.

A transcrição abaixo foi editada para maior compreensão e clareza do conteúdo. Ouça aqui o áudio da entrevista. A tradução não é a íntegra do conteúdo. Quem puder, o melhor é mesmo ouvir a entrevista para mais detelhes.

Nós brasileiros temos muito a agradecer os companheiros do Mad in America.

Amy Biancolli: Vamos começar, se não se importa, voltando no tempo à sua infância. Pelo que li, recordo que a sua família e a família King eram um grupo muito unido.

Donzaleigh Abernathy: Crescemos juntos, e papai e tio Martin eram grandes amigos. Eles conheceram-se quando o meu pai estava na Universidade de Atlanta, obtendo o seu mestrado em sociologia, e o tio Martin era um estudante universitário – e o avô King convidou o meu pai e um grupo de outros jovens ministros ouvindo o tio Martin pregar o seu sermão que ficará para a história. E o tio Martin era, sabe, maravilhoso. Assim, no final do serviço, o meu pai aproximou-se dele e apertou-lhe as mãos para o elogiar. E havia química entre os dois. Eles gostaram um do outro instantaneamente.

Algumas semanas mais tarde, o meu pai teve um encontro com esta jovem. Ele telefonou-lhe bem cedinho nesse domingo para combinar um encontro, e ela disse que tinha uma constipação, que não podia ir ao encontro.

Assim, ele foi ao concerto sozinho – e debaixo da árvore, ele viu Martin Luther King. Ao se acercar do tio Martin, ele vê o braço do tio Martin enrolado em volta da árvore. E eles falam durante alguns minutos – e depois o meu pai apenas seguiu o braço, e do outro lado do braço estava a mulher que havia dito ao meu pai que estava doente. Ela deixou-o à espera para que fosse a um encontro com o tio Martin – e literalmente, foi assim que a amizade deles começou, por causa desta jovem senhora.

Biancolli: Compreendo que, enquanto menina, você se lembra dos Cavaleiros da Liberdade [Freedom Riders] que vêm à sua casa – ou da marcha de Selma para Montgomery. Há algum momento crítico, em particular, no movimento dos direitos civis que lhe vem à mente?

Abernathy: Oh, meu Deus. Lembro-me da passeata em Washington, que foi absolutamente tremenda – e, sabem, a tal ponto a formar uma corrente humana.

E depois participamos na marcha de Selma a Montgomery. E depois fomos a Chicago para os protestos pela habitação, porque queríamos uma habitação justa e integrada. E eles lançaram-nos coisas. Essa foi a única vez em que realmente fomos vítimas de violência, foi em Chicago. As pessoas atiravam-nos coisas. Então, eles levaram-nos para uns carros, e lembro-me de estar no carro com o papai e o tio Martin enquanto tentavam tomar a decisão sobre o que fazer.

The Abernathy Family marching with Dr. Martin Luther King, Jr., and Coretta Scott King on Day 4 of the Selma to Montgomery March for the Right to Vote. Donzaleigh Abernathy is the child on the left side of the front row.

Biancolli: E também tem outras memórias de momentos mais sombrios. Pelo que li, o Ku Klux Klan chamou repetidamente a sua família, tanto no Alabama como depois em Atlanta.

Abernathy: Todas as noites.

Biancolli: Todas as noites.

Abernathy: É isso mesmo. Todos os dias. Todos os dias, sem falta, à hora do jantar. Todos os dias.

Biancolli: Quando criança, isso deve ter sido muito aterrador para você.

Abernathy: Isso era aterrador. Era incrivelmente aterrador, bem como o correio de ódio que eles enviavam e diziam que o meu pai era selvagem por natureza, e que ele era um embaraço para a sua raça e que nós estávamos melhor aqui na América vivendo em segregação do que como animais na África. Era simplesmente repugnante, mas a questão é que, quando telefonavam à noite, diziam que nos iam matar. E assim comíamos o resto do nosso jantar em silêncio.

A minha mãe, você sabe, ela – nós – sabíamos quando a ligação viria, e permanecíamos praticamente em silêncio durante o resto da noite.

Depois a outra coisa era, não se sabia se se ia sobreviver à noite, porque eles já haviam bombardeado a nossa casa antes.

Biancolli: Eu ia perguntar sobre isso. Você estava literalmente in utero, certo?

Abernathy: Exato, e quando nasci, acordei tremendo. Saí literalmente do ventre da minha mãe tremendo, eu despertei. É, acho eu – o nascimento é um despertar. E depois tremi durante seis meses. Acho que tenho ansiedade de separação. Sei que todas as segundas-feiras de manhã, quando o meu pai tinha que sair, eu chorava antes de ir à escola, porque não sabia se o voltaria a ver.

Biancolli: Ele tinha-lhe dito que poderia ser assassinado, certo? Ele tinha tido essa conversa com você?

Abernathy: Mm-hmm. Sim, ele disse. Assim, em 1963, quando Medgar Evers foi assassinado na entrada da sua casa em frente dos seus filhos, e [a sua filha] Reena Evers disse-me, ou ela disse-me que – oh, foi horrível. Ela e os seus irmãos, queriam ir lá fora, mas a mãe não os deixava sair por medo de que o tipo voltasse a disparar. E o pai delas está ali deitado, morrendo.

Assim, o papai tinha que nos explicar isso – e eu sei que o tio Martin tinha de ter essa conversa com os seus filhos.

Biancolli: Quanto disto você conseguiu processar quando era criança? Ou é uma destas coisas em que se olha para trás, e se vê todo o trauma, e se diz, está bem, eu posso dar sentido a isso neste contexto? Quero dizer, será que alguma vez conseguirá dar sentido ao que se passou?

Abernathy: Bem, tinha de fazê-lo, e assim fiz. Foi o que eu fiz nesse momento. Eu sabia que a vida era preciosa. O papai e o tio Martin queriam que compreendêssemos que a vida é preciosa. Portanto, o tempo que passaram conosco em casa como uma família foi sagrado, mas tinham que processar o que estava acontecendo, porque estava aacontecendo à sua volta, e a segregação era algo com que tínhamos que lidar. E sabíamos que eles estavam a lutar pela nossa liberdade, e que tínhamos suportado, sabe, 344 anos de perseguição, segregação – e 244 foram anos foram de escravatura.

Mas de uma forma ou de outra, coloquei isso no passado da minha mente e segui em frente de qualquer forma. Era apenas um fato da vida para nós, mas isso é um trauma. Sem dúvida, é um trauma – e todos lidam com o trauma de forma diferente. O meu pai costumava dizer: “É melhor decidires se você será o seu melhor amigo ou se será o seu pior inimigo”.

Biancolli: Então, voltando a esta canção, a esse trabalho coral, The Listening. Você apresenta-se como solista. É uma obra inspirada no discurso de Martin Luther King de 1967, um discurso antiguerra chamado Beyond Vietnam (Para além do Vietnam): A Time to Break Silence (Um Tempo para Quebrar o Silêncio), que ele proferiu como sermão na Igreja de Riverside (Riverdside Church).  Em seu solo, você canta – maravilhosamente.

Abernathy: Muito obrigado.

Biancolli: “Viro as costas quando me coloco em minha língua. Não posso ficar calada. Não posso ficar de braços cruzados e deixar estas palavras sem ser cantadas. Não posso ficar calada.” Você sente isso como um imperativo – que você não pode ficar em silêncio?.

Abernathy: Claro que sim. Tenho a certeza que sim. Por vezes, gostaria de poder desligar as minhas emoções e o cérebro, e a boca – mas, sim, falo alto, e sinto que tenho uma obrigação moral de falar alto, porque muitas pessoas não o fazem. E quando se vê um erro, é preciso corrigi-lo, e quando se vê uma injustiça, é preciso falar contra ela. E eu faço isso naturalmente. Foi o que me ensinaram e foi assim como me educaram, e estou tão feliz que foi isso que o tio Martin e o meu pai fizeram.

Quando Rosa Parks foi presa, foi o meu pai quem emitiu o primeiro apelo para a criação do movimento dos direitos civis – e ele puxou o tio Martin para dentro. Ele disse: ” Escuta, temos de fazer isto”, e o tio Martin disse: “Não sei”, e depois o papai disse: “Sim”. Você vai fazer isto comigo, e eu vou buscá-lo todas as noites, e você vai comigo nestas reuniões de massa. Temos de fazer isto”. E assim o meu pai liderou isto e começou essa acusação – e assim ele caminhou com o tio Martin durante todo o caminho, e nunca desistiu, e mesmo depois da morte do tio Martin, o meu pai ainda lá estava, pressionando para uma ação afirmativa e depois para o programa de refeições gratuitas que as crianças de baixa renda recebem hoje em dia nas escolas, bem como de vales de alimentação.

Biancolli: Num discurso anterior de 1966, chamado Don’t Sleep Through the Revolution, o seu tio Martin defendeu um “desajustamento criativo”. Ele disse: “Todos procuram apaixonadamente ser bem ajustados . . . Há algumas coisas neste mundo a que os homens de boa vontade devem ser desajustados”. E ele disse: “A salvação humana está nas mãos dos desajustados criativamente desajustados“.

O que você está descrevendo não é apenas uma pessoa sendo criativamente desajustada – mas muitas pessoas do movimento dos direitos civis que foram desajustadas. Será esse o caso? Será que fala consigo e fala com as suas memórias do seu pai e do seu padrinho?

Abernathy: Sem dúvida. Nunca tinha ouvido o tio Martin dirigir-se a ele dessa forma, mas lembro-me de os ouvir dizer que quando os homens bons se calam, é quando o mal circula – e que as pessoas fazem vista grossa.

E assim acontece com o desajuste de que o tio Martin fala no seu sermão. Nessa altura, quando ele falava sobre isso, eu sabia que ele apelava aos brancos.

Biancolli: Também fala da importância e validade de ser diferente do que a sociedade reconhece como “normal”?

Abernathy: Correto. É isso aí.

Biancolli: No sistema de saúde mental, e nos males da sociedade incluindo o racismo estrutural, existe esta ideia em toda a cultura que diz, oh, é preciso ser “normal” com um N maiúsculo. Mas não será o contrário, ser não-conformista, o verdadeiro caminho para a mudança social? Haverá mesmo algum tipo de poder, para se ser desajustado?

Abernathy: Absolutamente. Existe definitivamente poder nele – e a força. E é preciso coragem, mas não se pode concordar com a norma se a norma disser: “Oh, o imperador está vestido com todas estas roupas”, quando se pode ver muito claramente que o imperador está nu. Portanto, é preciso ser suficientemente forte para dizer: “Aquele imperador está nu – ele não tem nada vestido”.

E se isso for desajustado, então acho que preciso de ser desajustado, porque quero ser capaz de ver o mundo claramente – e acho que é isso que todos precisam realmente de fazer, é ver a sociedade claramente, ver a situação claramente, ver as falhas que existem numa sociedade ou num governo.

Biancolli: Há um livro de 2011 do psiquiatra Nassir Ghaemi – chama-se A First-Rate Madness. O livro analisa os muitos líderes mundiais visionários que lutaram contra a depressão e outras dores psicológicas, e ele fala sobre o King.

Abernathy: O tio Martin não sofria de nenhum tipo de depressão que eu saiba. Ele era engraçado. Ele era engraçado como Eddie Murphy. Tinha uma persona diferente que apresentava ao público. Ele pensava que os brancos não precisavam de nos ver a rir e a continuar como quando a porta estava fechada. E o tio Martin podia imitar as pessoas.  Ele podia ouvir alguém falar e imitar a sua voz, o seu gesto, e tudo. Ele era realmente dotado e carismático, e convincente, mas ele não queria que as pessoas vissem esse lado tolo dele, especialmente num fórum público. Então, talvez fosse assim que alguém pudesse chegar à ideia de que ele se encontrava deprimido.

Sei que nesses últimos anos, o movimento mudou, e depois tornou-se a luta pelo poder negro. Houve uma luta pelo poder no seio da comunidade negra para que outras pessoas se levantassem. Stokely Carmichael veio, e quis tomar a cena. Antes disso, Malcolm X esteve lá.

E assim penso, para o tio Martin, isso pode ter sido um pouco deprimente e triste. No entanto, ele estava a trabalhar na campanha dos pobres, que foi emocionante e maravilhosa, e dizia ao meu pai: “Vamos reanimar a alma da América”, você sabe.

Sei que houve um pouco de transição e uma pequena tristeza, mas não sei se houve toda essa tristeza.

Biancolli: Há uma entrevista entre o seu padrinho e o jornalista Martin Agronsky, e é citada nesse livro que mencionei, A First-Rate Madness. Ele estava falando sobre o complexo de culpa no sul. Ele fornece uma espécie de psicanálise do racismo estrutural. Vê este tipo de disfunção na sociedade, este tipo de racismo sistêmico, como uma forma de doença?

Abernathy: Concordo com o tio Martin. Uma outra faceta é que o tio Martin era licenciado em filosofia – e sempre olhou para o mundo de uma forma muito analítica, e o meu pai, obteve o seu mestrado em sociologia. Eles quebrariam os padrões de comportamento na sociedade e a norma – e vendo como as pessoas faziam parte de um grupo e se controla esse grupo. Portanto, há aquele complexo de culpa que levaria à redenção.

E assim tem feito, especialmente agora, desde esta insurreição [6 de janeiro do Capitólio]. Mas há outras pessoas que são apanhadas e varridas, e apesar de serem culpadas, continuam a seguir esse caminho num padrão destrutivo.

Biancolli: Então se este é um exemplo de manifestação deste tipo de doença – e se considerarmos o racismo estrutural como uma doença, a supremacia branca como uma doença, e a devastação e a pobreza como doenças – qual é o caminho para a recuperação?

Abernathy: Acho que é redenção criativa, e o coração humano, ser capaz de – honestamente, do seu coração – olhar claramente para uma situação. E ver a injustiça, e depois ter a coragem de se erguer. No início, admitir para si próprio que isso está errado, e isso é injustiça. E depois, ter a coragem de dar esses pequenos passos. E é isso que as pessoas da América profunda vão ter de fazer agora mesmo.

Biancolli: Na sua ânsia de mudar o mundo, será ele o Martin Luther King que veneramos hoje por causa das suas lutas, por causa de tudo o que ele teve de passar e do seu desajustamento?

Abernathy: Sem dúvida. Sem ambiguidade. Ele era muito sensível – e era isso que eu adorava no Tio Martin. Ele era incrivelmente sensível, e era um herói relutante. Ele não queria ter de fazer isto. O meu pai decidiu que era isto que eles iriam fazer, mas o tio Martin tinha este dom para falar, e ele percebeu que era um dom. Depois de aprender a não-violência com Glenn Smiley e de se aperceber que foram colocados nessa circunstância, o papai costumava dizer – e o tio Martin também dizia – “Somos homens vulgares colocados em circunstâncias extraordinárias, e apenas nos levantamos perante a ocasião”.

Então, sentimo-nos como se tivéssemos o peso do mundo sobre os nossos ombros – e foi assim que aconteceu. Houve momentos em que teriam querido desistir, mas perceberam que não podiam, porque ninguém tinha sido bem-sucedido até agora em 344 anos para os Negros na América. Por conseguinte, tinham a obrigação moral de continuar e de completar este curso em que estavam até sermos todos livres.

Eles acreditavam que estavam a fazer a vontade de Deus, e foi isso que os impulsionou.

Biancolli: Como é que ele a inspira hoje?

Abernathy: Oh, meu Deus.

Biancolli: É uma pergunta muito complicada, eu sei, mas…

Abernathy: Não faz mal, porque agora falo sobre isso. Escrevi esse livro de história. Escrevi outro livro de história, do qual só preciso para fazer a última revisão. Escrevi uma peça de teatro, um roteiro.

Biancolli: O que é isso? O que é o segundo livro?

Abernathy: É de 1619 a 1955. É a cronologia histórica da raça na América, e contém todos os principais incidentes que ocorreram entre 1619 e 1955, até [o linchamento de] Emmett Till.

E depois tenho de contar a história sobre o papai e o tio Martin, sobre a qual escrevo regularmente – a minha perspectiva de uma criança – porque quero que as pessoas saibam quem eram e o que faziam. E quero que compreendam que a mãe e a tia Coretta não eram apenas esposas estúpidas. Eram muito espertas, pensando em mulheres que estavam igualmente empenhadas neste movimento – mas não lhes foi permitido estar na linha da frente, porque eram as esposas.

Mas sim, eles queriam, e eu sinto que estão nos meus ombros, observando-me.

O mais assustador foi durante uma insurreição, vi o homem sentado no escritório de Nancy Pelosi com os pés em cima da secretária – e algo apenas disse: “Olha para a esquerda”. E olhei para a esquerda, e havia uma fotografia do papai e do tio Martin com o congressista John Lewis, marchando em Montgomery, a pedir direitos de voto. Vi a cara do meu pai, e senti-me violada.

Biancolli: Trauma é uma palavra demasiadamente forte?

Abernathy: Não. Trauma é muitíssimo – trouxe de volta tudo desde os dias do movimento dos direitos civis. Tudo. E eu estava ansiosa. Estava aborrecida. Estava a pensando que, ó meu Deus, talvez tivéssemos de ir para a guerra. Haveria uma guerra civil, e eu sou uma pessoa não-violenta, mas o que faria eu?

Por isso, sim, tudo isto voltou a vir a pressas para mim. Foi de partir o coração. Então, há o medo de que, quando esse momento chegar, estaria disposta a sacrificar a vida na luta por algo maior? Tem essa pergunta. Pelo menos, eu fiz. E a resposta é sim, eu faria esse sacrifício. Sei que essa pergunta me veio quando era criança. Estaria eu disposta a fazer esse sacrifício pela nossa liberdade? E sim.

Biancolli: Quantos anos tinha? Quando era criança, que idade tinha quando teve esse pensamento?

Abernathy: Cinco

Biancolli: Uau. Então, a sua compreensão do trauma, a sua relação com ele: é, como o seu padrinho, criativamente desajustado? E nós estamos traumatizados como nação – e devemos responder sendo criativamente desajustados?

Abernathy: Sim, estamos traumatizados como nação, e sim, temos de responder sendo desajustados. Temos de o fazer. A nossa nação foi fundada sobre a escravatura, que é um princípio que é horrível, e ainda não calculámos isso até aos dias de hoje. Há pessoas que ainda estão em negação, e depois há pessoas que estão zangadas por causa disso.

Portanto, sim, precisamos de lidar com isso. Temos de lidar com isso – e a nossa nação está traumatizada.

Biancolli: Lembro-me apenas, enquanto fala, dos “castelos de escravos” em Gana – estas fortalezas que alojavam e despachavam através dos mares todas estas pessoas roubadas, os escravizados. Ficamos dentro delas, e podemos sentir a sua dor. É uma tal recordação do trauma que enraíza a fundação da nação.

Abernathy: Tem razão. Não se pode deixar de o sentir. O primeiro filme ou espetáculo em que trabalhei foi Raízes, e colocaram-nos em câmaras de escravos reais. Éramos muito pouco vestidos. Quase não tínhamos roupa, e depois trancaram aqueles portões para filmar a história, porque lá fora, havia o bloco do leilão e podia-se sentir uma energia dos escravos – de como era para eles. E podia-se sentir a dor.

Não conheço outra forma de descrever a situação, mas é muito tangível e real.

Biancolli: Tudo aquilo de que você tem falado, e também tudo o que o King falou – foi de que temos de enfrentar a dor. Isso faz parte de estarmos criativamente desajustados, certo? Seja pessoalmente ou sistemicamente, temos de nos mover através dela e usar a dor para empoderar. Será que isso faz sentido?

Abernathy: Sim, é verdade. Realmente e verdadeiramente faz sentido. É preciso encontrar uma forma de a atravessar. Sei que quando o anterior presidente foi eleito para o cargo, vi-me a chorar durante três dias seguidos, e isso desenterrou todo o meu medo e ansiedade que eu tinha – ansiedade não resolvida do movimento de direitos civis. Tive literalmente de trabalhar comigo mesma, e penso que foi isso que aconteceu. Foi por isso que todas aquelas mulheres saíram à rua e marcharam na Marcha das Mulheres que aconteceu logo a seguir – porque precisavam de abrir caminho através do movimento.

Depois as pessoas continuaram, jovens, a trabalhar através do movimento “Black Lives Matter” – e também, quando os jovens tomaram as ruas em toda a América, exigindo legislação de controle de armas. É assim que se trabalha através do movimento. Independentemente do que se faça, trabalha-se através dele. É necessário, se se espera curar.

Biancolli: Há um movimento pelos direitos do paciente, um esforço para reformar o sistema de saúde mental e validar, dar voz, às pessoas que são demasiadas vezes marginalizadas. Haverá lições a tirar do movimento de direitos civis?

Abernathy: O movimento dos direitos civis, foi enraizado no amor. Portanto, a primeira coisa que um paciente precisa de fazer é amar a si próprio. Por muito imperfeitos que pensem que são, todos nós somos imperfeitos. E amar a pessoa que se é – por mais imperfeita que seja – e saber que se está bem da maneira que se é. Então, abraçar-se a si próprio. Depois, para tentar trabalhar dentro do quadro da sociedade – e se for injusta e desigual, então deve pronunciar-se contra o que é injusto e desigual. Para que as suas necessidades sejam satisfeitas, e para que as suas necessidades sejam resolvidas. Para que se sintam ouvidos e validados.

Recentemente, o meu marido e eu vimos este filme, O Rei Pescador [The Fisher King], e a personagem de Robin Williams estava a ajudar outros – e ao ajudar outros, ele ajudou a si próprio. Penso que é isso que temos de fazer como seres humanos, uns para os outros. Sei que é decepcionante quando as pessoas gostam de chamar-me de nomes ou são intolerantes para comigo, mas tenho de encontrar uma forma de mostrar compaixão para com elas, e de lhes mostrar amor – e de as ajudar. Ao fazê-lo, penso que posso mudar as suas vidas e melhorar a qualidade das suas vidas.

George Wallace era o governador do Alabama e era um segregacionista convicto que dizia: “Segregação agora, segregação hoje, segregação para sempre”. De qualquer modo, no final da sua vida, foi baleado e paralisado, e estava em uma cadeira de rodas. Ele telefonou e pediu ao meu pai para ir vê-lo, e eu disse: “Papai, não vai ver George Wallace”. O meu pai me disse: “Ele chamou por mim. Eu vou vê-lo. É provavelmente uma das coisas mais importantes que eu poderia fazer”. E quando o meu pai foi vê-lo, George Wallace disse-lhe que o melhor amigo que tinha no mundo era este negro que tomava conta dele, que demonstrava amor por ele – quando tudo o que George Wallace havia dado todos estes anos, durante décadas, tinha sido o ódio racial.

E depois o mais bonito é que eu voltaria a estar ligada por intermédio de John Lewis, o Congressista John Lewis, a Peggy Wallace Kennedy, que era a filha mais nova de George Wallace – que tinha vindo e falado e pedido perdão pelo seu pai

Ao ouvir Peggy falar, tudo o que pude fazer foi lembrar-me do trauma e do medo que tinha experimentado ao ir para a cama todas as noites – e apenas me pus a chorar. Chorei incontrolavelmente, e no final do seu discurso, fui ter com ela e abracei-a. E tornámo-nos queridos amigos, porque eu não consigo avançar, e ela não consegue avançar, num lugar de ódio. Tivemos de encontrar um ponto em comum. Tivemos de encontrar um amor, e na raiz de tudo está o perdão.

Portanto, é isso que estou a pedir à América para fazer agora mesmo – e era isso que o tio Martin estava a pedir – é boa vontade criativa e redentora no trabalho com o coração humano. É disso que precisamos.

E temos de encontrar o perdão. E depois temos de ser capazes de nos sentar e ouvir uns aos outros, e fechar os olhos e dar as mãos, e deixar o amor trabalhar através de nós para que possamos criar um mundo melhor e uma sociedade melhor, e melhores relações humanas, e uma melhor psique dentro dos cérebros e dos corações e mentes de cada indivíduo aqui na América, e em todo o mundo.

Biancolli: É assim que a cura pode acontecer?

Abernathy: É assim que a cura, creio eu, acontece. Pelo menos foi assim que aconteceu para mim.

Biancolli: Finalmente, o que você quer que as pessoas se lembrem da mensagem de King? O que devemos tomar das suas palavras e da sua vida?

Abernathy: Que um dia, todos nós nos encontremos, como ele disse no final da marcha em Washington. Homens negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, todos se unirão e cantarão nas palavras de uma antiga canção [spiritual] negra: “Livre finalmente, livre finalmente, livre finalmente”. Graças a Deus Todo-Poderoso, somos finalmente livres“.

A sua mensagem era que para nos juntar a todos, raça e religião – e para nos amarmos uns aos outros, para nos sentarmos juntos. E que devemos ter um círculo de liberdade de cada lado da montanha. É isso que eu quero que as pessoas se lembrem.

Biancolli: Donzaleigh Abernathy, muito obrigado por ter tido tempo para partilhar hoje os seus pensamentos e memórias. Muito obrigado.

Abernathy: Obrigado, Amy. É um prazer estar aqui, e é uma honra – e espero, se puder ajudar apenas uma pessoa a sentir-se melhor, então é só isso que importa.

[trad. e edição de Fernando Freitas]

Investigadores estudam porque é que as pessoas permanecem no Facebook

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Porque é que muitos de nós continuamos a utilizar o Facebook apesar dos numerosos estudos e reportagens nos meios de comunicação social que expõem as suas práticas perniciosas e nocivas? A pesquisa empírica sobre o que os usuários australianos do Facebook consideram significativo e valioso na plataforma identifica o impacto emocional, as influências sociais e de relacionamento, e as possibilidades de autoexpressão que mantêm as pessoas a regressar. A pesquisa foi liderada por Deborah Lupton e Clare Southerton do Centro de Investigação Social em Saúde e Política Social da UNSW, Sydney.

Há numerosas questões na interseção da saúde mental profissional e dos meios de comunicação social. Por um lado, os investigadores de psicologia estão tendo uma dificuldade incrível em determinar como a utilização das redes sociais tem impacto na saúde mental e no bem-estar. O Facebook, em particular, tornou-se um motor para rastrear, monitorizar e analisar os dados dos usuários, e a manipulação destes dados pode aumentar a coerção na prestação de tratamento.

Fora da saúde mental, os críticos colocam questões ainda mais ousadas, como por exemplo se o Facebook é uma ameaça estrutural à sociedade livre. É evidente que devemos refletir sobre a razão pela qual, como sociedade, parecemos insistir na utilização destas tecnologias.

Lupton e Southerton realizaram 30 entrevistas por telefone semiestruturadas com atuais ou antigos usuários adultos do Facebook na Austrália no final de 2018, após a notícia de última hora sobre o escândalo de dados Facebook-Cambridge Analytica. Perguntaram aos participantes sobre a sua utilização habitual, avaliaram o seu conhecimento sobre as práticas de coleta de dados da empresa, e perguntaram se os participantes estavam preocupados com a privacidade.

As sete vinhetas apresentadas pelos autores demonstram que o que os usuários obtêm da plataforma “pode gerar uma multiplicidade de forças afetivas e conexões relacionais”. Descrevem o “poder-coisa” do “assemblage” humano-não-humano do Facebook como gerando uma gama diversificada de novas capacidades de ação.

Os sentimentos dos participantes sobre o Facebook parecem ter emergido dos encontros emocionais que vivem diariamente enquanto utilizam a plataforma. As pessoas sentem-se menos influenciadas pelas perspectivas e preocupações dos outros em relação à privacidade e à coleta de dados.

Os participantes descreveram o estabelecimento de fortes ligações relacionais com uma série de pessoas, incluindo membros da família e amigos já estabelecidos, mas também aqueles que partilham interesses especiais ou que envolvem conteúdos relacionados com o trabalho. Estas ligações foram ativamente geridas e tratadas através das preferências e interesses individuais das pessoas relacionadas com o tipo de relação e conteúdo com que pretendiam relacionar-se.

Porque as pessoas estão cada vez mais dispersas geograficamente dos seus entes queridos, e porque as empresas dependem cada vez mais da presença e envolvimento online, os autores afirmam, “as conexões relacionais com outras pessoas foram um elemento chave para motivar os nossos participantes a continuar a utilizar o Facebook”.

Todos os estudos de caso expressaram “sentimentos de pertença, alívio da solidão, manutenção e nutrição de relações estreitas, e benefício de contatos relacionados com o trabalho”. Estes foram também acompanhados pela irritação sobre as opiniões controversas dos amigos do Facebook e a preocupação sobre a partilha excessiva e o envolvimento excessivo no próprio Facebook. Alguns participantes pareciam gostar e apreciar a intimidade da plataforma, enquanto outros utilizavam táticas para limitar a sua utilização, sentindo-se ameaçados, sobrecarregados, ou distraídos em relação a outras coisas.

Em particular, os autores descobriram que as “meta-narrativas” sobre o Facebook (por exemplo, afirmações sobre a sua natureza apresentadas tendo em conta o escândalo da Cambridge Analytica) não têm impacto nas experiências de uso quotidiano como sendo comuns.

Os participantes descrevem o sentimento de se abrirem novas capacidades: a facilidade de conexão através da plataforma e a dificuldade de sair por medo de perder os convites e as conversas. A percepção da facilidade do Facebook, descrevem eles, faz com que outras formas de comunicação pareçam mais pesadas. Estas também reduzem as capacidades:

“Os nossos participantes descreveram estes momentos, por vezes tateando para que a língua capte o seu desconforto e frustração em resposta, não ao próprio Facebook, mas aos conteúdos ou comportamentos de outros usuários.”

Levando em conta a extensão de como Facebook está incorporado na vida social dos utilizadores, os autores sugerem que as atitudes sobre o seu uso ou má utilização não são de modo algum simples. Em vez de sermos rápidos a julgar a utilização “excessiva” da plataforma, devemos lembrar que a utilização só pode ser compreendida no contexto da vida de uma pessoa e como esta consegue aumentar a sua capacidade de afetar e ser afetada através das redes sociais.

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Lupton, D., & Southerton, C. (2021). The thing-power of the Facebook assemblage: Why do users stay on the platform? Journal of Sociology, 144078332198945. https://doi.org/10.1177/1440783321989456 (Link)

A Eletroconvulsoterapia: uma prática possível?

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Vanessa C Furtado – Profa do Dpto Psicologia da UFMT

 

 

 

Paulo Wescley Maia Pinheiro – Prof Depto de Serviço Social da UFMT

 

Desde 2017 assistimos a série de medidas da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde que visam o desmonte de uma política construída coletivamente, calcada nos princípios democráticos e, principalmente, em práticas de atenção às pessoas em sofrimento psíquico pautadas no cuidado humanizado e em liberdade. Estas sempre foram bandeiras inegociáveis no movimento de Luta Antimanicomial, incluindo debates e estudos acadêmicos que respaldam a eficiência dessa forma de cuidado em detrimento das práticas de aprisionamento, super medicalização, contenções mecânicas (quem aqui, hoje em dia é capaz de olhar para uma “camisa de força” sem associá-la a um instrumento de tortura?).

Nessa esteira, a nomeação do novo coordenador de saúde mental, ocorrida no dia 18 de fevereiro de 2021, concretiza mais um ato de aprofundamento dos ataques dentro da política de saúde mental, avançando a desumanização naturalizada que referenda o projeto político em curso. A medida não é menos grave, mas muito capciosa, se pensarmos que uma de suas principais defesas é relativizada por parte de setores críticos ao modelo manicomial.

Esta nomeação que fora noticiada pela mídia hegemônica destacando que o novo coordenador é defensor da prática de Eletroconvulsoterapia – ECT – causou, por um lado, não apenas uma grande discussão e movimentou os coletivos da Luta Antimanicomial, como era de se esperar. Mas, por outro lado, levantou o debate da e-fi-cá-cia da ECT. E qual não foi nossa surpresa ao vermos companheiras/os da luta em defesa dessa eficácia? Pessoas que historicamente estiveram ativamente defendendo a Luta Antimanicomial, as práticas de Redução de Danos e todas as bandeiras do movimento.

Diante da situação, o sentimento imediato foi de consternação, mas lá no fundo fomos mesmo abatidos pela sensação da progressiva falência das possibilidades de luta.

Desculpem o aparente fatalismo pelo qual esse texto se envereda, mas, por vezes, é preciso boa dose de fatalismo para levantar das entranhas do cansaço que o árduo cenário político do Brasil tem nos imposto, para buscarmos as raízes desse derrotismo. Para isso, é fundamental reconhecer a situação em que se encontra o processo da Luta Antimanicomial brasileira para além do campo das aparência. Tomado como exemplo, o que este debate sobre ECT tem nos mostrado, é que não basta apenas creditar este retrocesso ao Golpe de 2016 somado à ascensão do bolsonarismo, mas é estratégico que possamos nos questionar “Como chegamos até aqui?”.

O debate residual do nosso tempo histórico tende às defesas obtusas de lados de uma mesma moeda, onde o racionalismo moderno confronta o irracionalismo contemporâneo, ambos sendo produtos e catalisadores de uma lógica que referenda diferentes formas de conhecimento para a manutenção dessa sociabilidade contraditória, desigual e violenta. O reacionarismo no senso comum e o formalismo de uma ciência abstrata silencia as possibilidades de conhecimento científico socialmente referenciado e eticamente emancipatório. Assim, o debate da ETC é revelador dos nossos limites e possibilidades.

Os setores intelectuais do campo crítico que discursam dentro do cientificismo mercadológico perdem a capacidade de construir e defender conhecimento substantivo e radical, enquanto naturalizam o mito de um “conservadorismo humanizado” frente ao reacionarismo mais perverso.

O pressuposto de que o conhecimento científico é oposto a ideologia é falso! Se cabe ao senso comum o espaço privilegiado da reprodução ideológica, a ciência também é produzida com base, sentido e direção que expressa a hegemonia da sociedade, os interesses fundamentais burgueses e também suas contradições. É preciso muito cuidado para não cair em caminhos científicos que cheguem em lugares muito similares para onde apontam aqueles que se apoiam no falseamento da realidade e na manutenção de práticas naturalizadas, ainda que sob o argumento da eficácia comprovada.

O avanço mais jocoso e caricatural das formas reacionárias no espaço público é apenas a ponta de lança de um tempo histórico que rebaixa todos os níveis de debate. É assim que o combate ao negacionismo científico apresenta vozes de intensificação do positivismo e o fortalecimento do irracionalismo pós-moderno. O que tem protagonizado discursos e práticas que desconectam as possibilidades radicais de superação das formas conservadoras, assumindo o pragmatismo, o minimalismo e o possibilismo.

É fenomenal – de se resumir ao epifenômeno – como o hiperfoco reducionista de causa e efeito ainda protagoniza defesas científicas imediatamente críticas mas essencialmente conservadoras. E apontam, de forma explícita, os limites do liberalismo.

É nesse sentido que se fundamenta o argumento de validação do ETC dentro de um marco regulatório supostamente humanizado, sob a alegação experimental de alguma eficácia, deixando de lado todas os prejuízos – imediatos e históricos – e mais, deixando de lado que há outros tratamentos eficazes e eficientes sem o caráter agressivo.

Para alargarmos a caricatura nesse fatalismo recorrente e instrumentalização casuística, pensemos para além do tema em si: imaginemos que após anos de lutas e debates sobre violência, passássemos a aceitar novamente castigos físicos em crianças, defendendo que eles sejam realizados sem excesso e assumindo a dificuldade de eliminar tal prática de nossa cultura. Afinal, também neste tema podemos atentar testemunhas experimentais de eficácia, com um monte de gente que diz que teve eficiência com o método, além de, também, ter como instrumentalizar teorias de reforçamento comportamental para essa direção. O absurdo pode ser normalizado quando os argumentos apontam para onde o vento hegemônico vai.

Enfim, sucumbir ao processo de normalização de formas não somente ultrapassadas, mas historicamente marcadas como tortura, só expressa que a decadência ideológica atingiu os setores críticos da ciência que, agora, demonstram sua incapacidade de enfrentar as coisas pelas suas raízes, à revelia das vozes dos movimentos sociais de luta.. E, ao nosso entender, para fazer frente à aceleração da contra-reforma psiquiátrica brasileira, é fundamental compreender que a Luta Antimanicomial não se faz apenas de pautas imediatas, mas coaduna com um ideal de sociedade, calcado em uma ciência que expressa a práxis essencialmente revolucionária. Isto quer dizer que, é necessário, por mais óbvio ululante que seja, compreendermos os sentidos sociais ligados não apenas à “loucura”, como também, às práticas de atenção às pessoas em sofrimento psíquico, como por exemplo a ECT.

No que diz respeito ao processo de sofrimento psíquico, basta olharmos quem são as pessoas consideradas “loucas” em nossa sociedade. Uma rápida lida no relatório das inspeções realizadas nos manicômios brasileiros em 2019, apontam que a esmagadora maioria dessa população é negra e pobre. E, não se pode perder de vista que, as estruturas sociais do modelo de sociedade baseada no padrão burguês (cis, heteronormativo, branco e masculino) são a régua que se mede a normalidade em nossa sociedade!

Isto posto, normalizar uma prática historicamente ligada à tortura, pelas nuances do discurso científico de uma dita eficácia, como é o caso da ECT, é o mais puro suco do caldo ideológico mercadológico no qual se afunda o processo de produção do conhecimento e a ciência, que se descola das pautas de luta e desprezam a história. É desconsiderar, por exemplo, que lá quando a Liga de Higiene Mental Brasileira passou a adotar modelos eugênicos baseados na medicina alemã (nazista), todas aquelas práticas eram cientificamente comprovadas e eficazes.

Agora, nunca é demais lembrar que, coube a uma mulher alagoana, comunista, que no último dia 15 de fevereiro completaria 116 anos, questionar essa medicina eugênica e higienista e demonstrar uma forma essencialmente nova de atenção e cuidado sem choques, que poderia chocar muito mais a vida das pessoas em sofrimento psíquico. Sua eficácia foi transformar essas vidas, essas pessoas e revolucionar a história da psiquiatria brasileira! Suas armas foram, não apenas pincel, tinta e tela, mas também, a certeza e orientação político-ideológica de construção coletiva de uma nova forma de sociabilidade. Pois, mais do que nunca, é preciso presentifixar aquelas/aqueles que ousaram lutar por uma sociedade sem manicômios e livre de torturas!

Quando perdemos nosso horizonte e o chão da história, tendemos a enxergar apenas o que está diante dos olhos e rastejar nossas perspectivas nos farelos do imediatismo. Quando perdemos a referência da construção possível do essencialmente novo, passamos a nos contentar em administrar o velho e nos animar com as novidades obsoletas. Não por acaso, tratamentos que tem como base teorias neurocientíficas localizacionistas e o mito do desequilíbrio químico prevalecem em voga.

Quando se acirram as contradições da sociedade e o horizonte de luta se rebaixa, o processo de reflexão teórica e política tende a refletir tal e qual a mediocridade do status quo. A ciência que se limita a causa e o efeito, sem pensar a essência da coisa em si, é a mesma que se afasta da vida e se aproxima da mercadoria.

Quando perdemos a capacidade de chocarmos as estruturas que direcionam aquilo que impacta nossa vida, sucumbimos na naturalização dessas estruturas e menosprezamos nossa possibilidade de ir além, de criar algo essencialmente novo.

Não se trata de voluntarismo, trata-se, sim, de pensar que ciência, eficácia, eficiência, forma e conteúdo, princípios, meios e fins, tudo tem base histórica e direção política. O que hoje é tido como absurdo ontem foi normalizado e contemporizado como excelente. Amanhã, quando ultrapassarmos essa forma social de desumanização, pautada na mercantilização e na razão formal e abstrata, qual o choque histórico será daqueles que olharão para trás e, percebendo a escolha coletiva da sociedade em defender formas de tratamento com práticas agressivas, invasivas, questionadas teoricamente, em detrimento de alternativas radicalmente distintas, onde seus defensores assumiram argumentos científicos similares daqueles que toleraram tantos outros meios de opressão, num outro passado mais distante?

Quando o “mais ou menos”, o “pelo menos” e o “mal menor” tomam de conta do discurso crítico é por que sua essência já foi ocupada pelas raízes conservadoras e o reacionarismo regozija sua eficiência. Ontem, a desigualdade impôs ao oprimido uma condição patologizada e a violência como tratamento. Hoje, observando a persistência dessas amarras, precisamos nos chocar e, como diria o poeta, não sucumbir, pois, “haja hoje para tanto ontem”.

Saudações antimanicomiais! Tortura nunca mais!

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Mad in Brasil recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão-psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as dos próprios escritores.

Medicina Insana, Capítulo 7: Mercados de psicoterapia industrializada da Psicologia Popular Ocidental

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Group Of Businesspeople Holding Dartboard In Front Of Face

Nota do editor: Ao longo de vários meses, Mad in Brasil está publicando uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Insane Medicine [Medicina Insana]. A parte 1 deste capítulo foi publicada há quinze dias. Na Parte 2, ele contrasta as marcas registradas de psicologia popular como TCC e McMindfulness com quadros de empoderamento como o Diálogo Aberto e o Power Threat Meaning Framework. Ás quartas-feiras, quinzenalmente, uma nova parte do livro é publicada, e todos os capítulos são arquivados aqui.

As marcas registradas das terapias ocidentais são extensões da psicologia popular ocidental

Tal como na psicologia em geral, as “tecnologias” que estruturam modelos de psicoterapia são essencialmente construções culturais que foram desenvolvidas num contexto cultural ocidental específico e pesquisadas em sociedades predominantemente ocidentais, levantando questões sobre a sua adequação quando se trabalha com comunidades que vêm de outras origens.

Praticamente todos os modelos que utilizamos foram desenvolvidos em contexto ocidental. Alguns podem traçar as suas origens a culturas não ocidentais, por exemplo, a “mindfulness”[“atenção plena“], mas para se tornar uma “psicoterapia” tem de ser McDonaldisada. Mais sobre isto mais adiante.

A elevada taxa de abandono dos tratamentos de saúde mental para certos grupos, tais como os de baixa origem socioeconômica ou minorias étnicas, pode refletir um desajustamento entre os sistemas de significados empregados pelos profissionais de saúde mental e os mais comumente detidos por esses grupos.

Na verdade, chamar a estas psicoterapias “tecnologias”, está a conferir-lhes mais legitimidade do que merecem. Não tem havido avanços ou inovações que tenham melhorado os resultados da terapia. Na realidade, a maioria são simplesmente versões da psicologia popular ocidental. São basicamente o que constitui a ideia de senso comum da burguesia ocidental, com uma linguagem e regras exclusivas (para criar uma corporação com fronteiras) e a fachada para depois chamar seu modelo de “científico” (bem, elas têm que o fazer, a fim de se adaptarem à visão de mundo dominante do Ocidente.

Tomemos o rei das terapias, TCC. Procure no Google TCC e obterá algo como: “A Terapia cognitivo-comportamental (TCC) explora as ligações entre pensamentos, emoções e comportamento. É uma abordagem diretiva, limitada no tempo e estruturada, utilizada para tratar uma variedade de transtornos de saúde mental. O seu objetivo é aliviar o sofrimento, ajudando os pacientes a desenvolverem cognições e comportamentos mais adaptativos“.

A TCC concentra-se basicamente nos padrões de pensamento, e os pacientes são encorajados a analisar como o seu pensamento afeta os seus sentimentos e depois o seu comportamento. Procura exemplos de pensamentos “disfuncionais”, que resultam em piorar o sentimento do paciente e depois comportar-se de uma forma que não ajuda. Assim, se você estiver deprimido, pense em como as coisas não funcionam e repare em coisas que saem mal e interprete a maioria das coisas negativamente, o que confirma o quão mal se sente, e por isso se sente desesperado, e porque se sente desesperado não faz coisas que o possam fazer sentir-se

O tratamento, então, envolve ensinar-lhe a reconhecer estes pensamentos “disfuncionais” e desafiá-los. Retire todas as fantasias, linguagem, e rituais e isso resume-se a “parar de se concentrar no negativo“.

Mais do que isso, contém certas ideias populares concentradas no Ocidente. Considera as emoções como algo suspeito, a ser gerido e controlado através da promoção de uma abordagem racional, lógica e científica do pensamento, que pode depois ser utilizada para controlar as nossas emoções e o nosso comportamento. Melhorar o seu pensamento e lógica é como recuperar o controle dessas emoções irritantes e irracionais. Tem também um sabor gerencial, com a ideia de analisar os componentes do problema (os pensamentos) e essencialmente usar o seu poder de vontade para aplicar um melhor pensamento à situação.

Agora não há nada de errado, por si só, com a TCC. Como disse, as provas mostram que não é melhor nem pior do que outras terapias, mas os aspectos técnicos têm um impacto insignificante nos resultados. No entanto, não há nada mais do que uma forma “arrumada” de senso comum ocidental.

Tomemos outro exemplo popular – a terapia comportamental [behaviour therapy]. Esta é usada para medos, fobias, fenômenos obsessivos compulsivos, e outras ansiedades. Tal como a TCC, existem versões da mesma para a maioria das condições psiquiátricas. Se tiver uma fobia de cães, por exemplo, então duas formas de terapia comportamental poderiam ser usadas.

Uma chama-se “dessensibilização graduada (ou “sistemática”)” e envolve expor a pessoa a coisas a fazer com cães em etapas graduais, começando talvez com imagens, depois cães de brinquedo, depois olhando para um cão à distância, depois mais perto, até que se acaricie primeiro um pequeno cão tranquilo, etc. Cada passo no “tratamento” aproxima-se cada vez mais do objeto temido, de modo a adaptar-se gradualmente.

A outra abordagem é chamada “inundação”. Nas inundações, procura-se essencialmente tudo de uma só vez, expondo a pessoa ao objeto temido (neste caso um cão) e apoiando a pessoa para ficar ao redor do cão o tempo que for necessário para que o seu nível de medo desça. A terapia do comportamento, em poucas palavras, é um tratamento que não é mais profundo do que a frase comum “enfrente os seus medos“.

O aconselhamento envolve uma escuta empática. Muitas terapias têm uma ideia de catarse – uma extensão do confessionário. Despojadas do seu essencial, as nossas terapias mais usadas são apenas versões extravagantes da psicologia popular ocidental. Não contêm nada de especial. Não é, portanto, surpreendente que, nestes dias de terapia de massas, não estejamos assistindo nenhum avanço particular que mude radicalmente os resultados.

Isto leva-nos a “atenção plena” [mindfulness]. Não será este um exemplo de uma abordagem psicoterapêutica popular que vem da filosofia oriental? A “atenção plena” refere-se ao treino da mente para se distanciar do pensamento (como acerca do passado e do futuro) e, em vez disso, concentrar-se em atender plenamente à experiência do aqui e agora.

Como abordagem terapêutica, tornou-se popular como tratamento autônomo, como parte da promoção do “bem-estar”, como tratamento para o stress laboral, e como componente do que é referido como “terceira onda” TCC e outros modelos terapêuticos formais. Alega-se que foi pesquisada e considerada “eficaz” e “revolucionária” pelos seus defensores.

Qualquer coisa que ofereça sucesso na nossa sociedade injusta sem tentar mudá-la não é revolucionária. Pode ajudar algumas pessoas a lidar com isso, mas também pode, acidentalmente, piorar as coisas para outras. A “atenção plena” diz implicitamente que as causas do sofrimento estão desproporcionalmente dentro de nós e, como tal, junta-se ao mercado de reparadores da mente, alimentando a besta que nos implora que aceitemos que somos disfuncionais na forma como reagimos às nossas circunstâncias.

Não é que a prática da “atenção plena” não possa ajudar alguns. Ajustar a ruminação mental pode ajudar a reduzir o stress e permitir que as pessoas se sintam mais calmas e potencialmente mais amáveis. No entanto, na prudência, vemos o que acontece quando ideias que vêm de outra cultura são expropriadas. A mindfulnes deriva do budismo, mas tem sido despojada dos ensinamentos sobre ética, filosofia, e a espiritualidade que encarna que promove o propósito libertador de dissolver o apego a um falso sentido de si mesmo, ao mesmo tempo que decretando compaixão por todos os outros seres.

A mindfulness não existe como uma prática isolada no budismo, mas na sua forma terapêutica ocidental foi extraída das suas origens, foi-lhe dado um rótulo para permitir a marca registrada, e embalada numa forma fácil e discreta de ingerir “McDonaldised” e comercializada com fins lucrativos para permitir ao consumidor individual viver melhor. Nesta forma, nutre e refresca o ego individualista, em vez de o dissolver.

Ao praticar a mindfulness, a liberdade individual é supostamente encontrada dentro da “consciência pura”, não distraída por influências corruptoras externas. Tudo o que precisamos de fazer é fechar os olhos e observar a nossa respiração. Com o recuo para a esfera privada, a consciência torna-se uma religião do “eu”.

Ao contrário do ideal holístico budista de expandir o nosso sentido de conexão com o mundo em que estamos inseridos, a versão ocidental da “mindfulness” encoraja-nos a ser compassivos para com o nosso eu individual. A ocidentalização esvazia uma prática budista, separa-a das suas raízes, e coloca-a num paradigma da psicologia popular ocidental que enfatiza o indivíduo e desvaloriza o seu contexto e mundo social. A consciência, como muito da psicologia positivista e da indústria da felicidade em geral, despolitiza o stress.

O termo “McMindfulness” foi cunhado por Miles Neale, um professor budista e psicoterapeuta, que descreveu “um frenesi crescente de práticas espirituais que fornecem nutrição imediata, mas nenhum sustento a longo prazo” para descrever esta crassa mercantilização ocidentalizada de uma prática oriental.

É o último exemplo de como as tradições das culturas não ocidentais, particularmente asiáticas, têm sido sujeitas à colonização e mercantilização desde o século XVIII, produzindo uma espiritualidade altamente individualista perfeitamente acomodada aos valores culturais dominantes e não exigindo nenhuma mudança substantiva no estilo de vida. Uma espiritualidade tão individualista está ligada à agenda capitalista neoliberal da privatização, especialmente quando mascarada pela linguagem exclusiva e mística utilizada na literatura de “mindfulness”.

De acordo com a investigação, a mindfulness será melhor do que outras terapias, ou será que melhora os resultados quando adicionada como componente de outras terapias (como a CBT)? Não!

Os profissionais da saúde mental são guias filosóficos

A ciência diz-nos que os resultados da psicoterapia não melhoraram nas muitas décadas de investigação sobre a sua eficácia. Na verdade, alguns estudos descobriram que em ensaios formais de resultados de tratamentos, as terapias populares como a TCC tiveram melhores resultados nos experimentos realizados há várias décadas do que mais recentemente.

Na maioria dos campos da saúde, é possível ver uma melhoria gradual, e por vezes repentina, nos resultados. Há algumas décadas, cerca de metade das pessoas que sofriam um ataque cardíaco morriam no espaço de poucos dias. Hoje em dia, apenas cerca de 10% morrerão nestas fases iniciais, graças a uma maior compreensão da fisiologia, o que leva a melhores tratamentos. Os anos médios de sobrevivência ao câncer melhoraram para a maioria dos cânceres, e os programas de vacinação reduziram a prevalência e letalidade de muitas doenças. É o que acontece quando os aspectos técnicos dos cuidados são centrais para os resultados.

Os resultados em psicoterapia – na realidade, os resultados de todas as apresentações psiquiátricas – não melhoraram como resultado de avanços ou inovações técnicas. Uma interpretação razoável desta conclusão é que os tratamentos de saúde mental não devem ser construídos como pertencentes ao domínio da técnica. Por conseguinte, o diagnóstico, orientações de tratamento e normalização de processos encontrados no resto da medicina não é uma base racional ou baseada em provas sobre a qual conceber serviços para condições que rotulamos como saúde mental.

Então, o que estamos de fato a fazer quando “tratamos” aquilo a que chamamos problemas de saúde mental? Se os modelos que utilizamos não podem ser considerados técnicos, mas sim extensões da psicologia popular, que papel têm os profissionais da saúde mental a desempenhar?

No início deste capítulo propus que a psicologia não pertencesse ao campo das ciências naturais, mas sim à filosofia. A filosofia é geralmente definida como o estudo de questões gerais e fundamentais sobre a existência, conhecimento, valores, razão, mente e linguagem. Não será esta uma definição razoável daquilo em que aqueles de nós que trabalham no campo da saúde mental se empenham quando se deparam com uma pessoa que experimenta angústia mental ou mudança de comportamento?

Dado que não temos avanços técnicos que nos permitam ver o mecanismo da mente em ação e por isso não podemos empiricamente captar nada do que acontece entre o input (estímulos ambientais) e o output (comportamento e funcionamento), então tudo o que temos é a interpretação do que pode estar a acontecer e como a mudança pode acontecer. Tudo o que temos são estruturas de produção de significados.

Portanto, a forma mais apropriada de pensar sobre o que fazemos como profissionais da saúde mental é, na minha opinião, que agimos como guias filosóficos. Os nossos modelos de tratamento são estruturas de criação de sentido que usamos para interpretar a experiência de um doente e um sistema simbólico para imaginar como a mudança pode acontecer. Diferentes sistemas de criação de significados têm diferentes implicações.

Os sistemas filosóficos comuns que utilizamos, como a TCC, o modelo médico, e a mindfulness, são derivações de psicologias populares ocidentais carregadas com os pressupostos dessa filosofia, tais como individualização, racionalização, suspeita das emoções, controle das emoções, bem como significados superficiais. Estas abordagens moldam a investigação realizada e as terapias que fornecemos. Estão perfeitamente incorporadas numa economia de mercado orientada para as mercadorias. São boas para algum alívio a curto prazo, mas, como a maioria dos consumíveis “McDonaldisados“, proporcionam pouco sustento a longo prazo.

Uma economia de mercado requer uma contínua venda para se sustentar. Precisa que os consumidores se sintam um pouco melhor, mas não de uma forma sustentada, por isso continuam a voltar para mais. As terapias de psicologia popular ocidental fazem bem esta função. O mercado de medicamentos, psicoterapias, e produtos de bem-estar em geral, continua a expandir-se sem provas de melhorias sustentadas em toda a população. Isto é perfeito para mercados geradores de lucro.

Eu disse a maior parte das psicoterapias. Nem todos os sistemas filosóficos que utilizamos terapeuticamente estão em conformidade com as versões McDonaldizadas que descrevi.

As abordagens psicanalíticas mergulharam na psique humana, abrindo os grandes dramas em jogo no universo para além da nossa consciência quotidiana.

O pensamento psicanalítico influenciou a nossa cultura mais do que o contrário, sensibilizando-nos para camadas de significado que se podem se desenvolver à medida que os nossos instintos animais se chocam com as restrições impostas pelas nossas civilizações através dos nossos cuidadores, dando origem a conflitos e tensões internas.

Estas camadas mais profundas de significado são reveladas através da nossa linguagem, dos sonhos noturnos e diurnos que temos, e dos lapsos de linguagem que fazemos. As nossas primeiras relações e a nossa interpretação pessoal destas primeiras relações criam um “plano” que se situa para além da nossa consciência diária, mas que posteriormente estrutura os nossos sentimentos para com os outros e, consequentemente, os nossos pensamentos e comportamentos.

A terapia envolve uma profunda consciência de como estes dramas interpessoais, presentes desde a infância, continuam a repetir-se nas relações posteriores, incluindo a relação com o terapeuta. Como modelo filosófico, o trabalho é lento, possivelmente pontuado por epifanias (muitas podem ser falsas epifanias), envolvendo um “trabalho através” destes conflitos profundos a fim de desenvolver uma melhor percepção que lhe permita ter relações mais duradouras.

Onde eu poderia tropeçar com alguns psicanalistas é que, como todos os outros, eles não têm acesso especial ao funcionamento interior da mente. Trata-se de uma filosofia como qualquer outra, embora mais interessante do que as versões da psicologia popular ocidental.

A outra área da teoria que foi além da psicologia folclórica é a filosofia sistêmica. Começando nos finais dos anos 50 e influenciada pela antropologia, as teorias sistêmicas colocaram o sujeito humano num nexo de relações circunvizinhas que se deslocaram da família para as comunidades e sociedades. Influenciada por várias posições filosóficas, incluindo o construcionismo social, o marxismo e o pós-modernismo, estimulou vários modelos terapêuticos que têm em conta a influência do poder, do gênero, da raça, da sexualidade, e da política de forma mais ampla.

A teoria sistémica sugeriu que os sistemas de conhecimento que utilizamos são relativos e provêm daqueles que têm o poder em qualquer sociedade de influenciar as narrativas sociais comuns. Compreende que somos um produto das nossas amplas circunstâncias, desde o âmbito pessoal, à família, até às histórias e práticas comunitárias mais vastas. Isto significa que temos formas finitas de dar sentido às nossas experiências através das histórias que as nossas culturas nos proporcionam como veículos de criação de sentido.

Uma tal postura filosófica ressoa fortemente para mim, com a minha compreensão da evidência e uma ética que me parece apropriada, humana e capaz de se situar com a diferença. Nesta forma de imaginar, “tratamento” pode envolver ajudar os pacientes a olhar para além de um modelo consumista de cuidados ou cura que podem inadvertidamente encurralá-los na condição de pacientes, o que requer um consumo infinito de saúde mental. Também sensibiliza os profissionais para ajudar os doentes a localizar os males como sendo externos a eles e encoraja o envolvimento de uma rede social para ajudar a apoiar a melhoria.

Não tenho provas que sugiram que alguma das minhas filosofias preferidas melhore mais os resultados do que outras. Infelizmente, a própria teoria sistêmica tem sido transformada em “terapia familiar” ou “terapia sistêmica” e as formações específicas produzem “terapeutas familiares” que depois montam clínicas de terapia familiar, ou os pacientes recebem uma oferta de terapia familiar como uma marca da mesma forma que lhes pode ser oferecida a ” TCC”. A “terapia familiar” de marca não faz melhor ou pior na investigação do que outras terapias de marca.

Bem, talvez. Há uma exceção.

As Alternativas

O “Diálogo Aberto” é um modelo de cuidados de saúde mental que envolve uma abordagem de rede familiar e social onde o tratamento é realizado através de reuniões de todo o sistema/rede que incluem sempre o doente. É simultaneamente uma abordagem filosófica/teórica às pessoas que enfrentam uma crise de saúde mental e às suas famílias/redes, e um sistema de cuidados.

Foi desenvolvido pela primeira vez na Lapônia Ocidental, na Finlândia. Na década de 1980, os serviços psiquiátricos na região da Lapônia Ocidental estavam em mau estado – de fato, tinham uma das piores incidências de “esquizofrenia” na Europa. A equipe de saúde mental de lá, recorrendo a um modelo escandinavo de terapia narrativa, desenvolveu uma abordagem envolvendo toda a equipe para ajudar aqueles que se apresentavam em sofrimento mental, incluindo aqueles considerados como tendo uma apresentação psicótica.

Todos os membros da equipa: psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e terapeutas, adotaram a filosofia de ver as experiências das pessoas através do prisma do humano e não dos desafios técnicos. O diagnóstico não era utilizado, os medicamentos eram utilizados com parcimônia e a maior parte a curto prazo, e a rede social significativa estava envolvida desde cedo no cuidado do paciente. A maioria das reuniões permitiu uma exploração aberta dos possíveis significados que surgiram das histórias contadas pelos pacientes e por aqueles que os rodeavam, para criar um esforço de colaboração para dar sentido ao que tinha acontecido e ao que poderia ajudar.

Após 20 anos de funcionamento do seu serviço regional de saúde mental utilizando estes princípios, documentaram os melhores resultados para a psicose no Mundo Ocidental. Por exemplo, cerca de 75% das pessoas com psicose tinham regressado ao trabalho ou ao estudo no espaço de dois anos e apenas cerca de 20% ainda estavam tomando medicação antipsicótica no acompanhamento de dois anos.

O que é particularmente único no Diálogo Aberto é que não é uma alternativa aos serviços psiquiátricos convencionais ou uma novidade (tal como ter uma clínica de Diálogo Aberto), é precisamente o serviço psiquiátrico na Lapônia Ocidental. Isto tem proporcionado uma oportunidade única de desenvolver uma abordagem abrangente com serviços de internamento e ambulatório bem integrados.

Trabalhando com as famílias e redes sociais, tanto quanto possível nas suas próprias casas, as equipas de Diálogo Aberto ajudam os envolvidos numa situação de crise a estarem juntos e a empenharem-se no diálogo. Tem sido a sua experiência que se a família/equipe puder suportar a emoção extrema numa situação de crise, e tolerar a incerteza, então, a seu tempo, pode surgir um significado compartilhado que seja útil para todos. Não há nenhuma tentativa de ensinar esta ou aquela estratégia didática e, por conseguinte, um risco muito menor de desmotivação do paciente e das suas famílias.

O incrível sucesso do Diálogo Aberto resultou na sua exportação com um portfólio crescente de formação e investigação em desenvolvimento em muitos países. Prevejo com confiança que não reproduzirão os resultados e o sucesso encontrados na Finlândia. Isto porque o Diálogo Aberto está a tornar-se uma marca registrada, e por isso as pessoas estão criando clínicas de Diálogo Aberto para receberem encaminhamentos ou serem pesquisadas. Não estão sendo criadas como um serviço. Não estão sendo criadas da mesma forma que na Lapônia como um serviço, de propriedade e autoria do pessoal desse serviço e com uma filosofia diferente do modelo de diagnóstico técnico que domina outros serviços de saúde mental.

Outra filosofia que vale a pena mencionar: O “Power Threat Meaning Framework”, publicado em 2018, foi desenvolvido ao longo de cinco anos por um grupo de psicólogos seniores e usuários dos serviços de apoio, com base no Reino Unido, para servir de alternativa aos modelos baseados no diagnóstico psiquiátrico.

O PTMF resume e integra uma grande quantidade de evidências sobre o papel de vários tipos de poder na vida das pessoas, os tipos de ameaças que o abuso de poder nos coloca, e as formas como aprendemos a responder a essas ameaças. O PTMF pode ser usado como uma forma de ajudar as pessoas a criar narrativas ou histórias mais esperançosas sobre as suas vidas e as dificuldades que enfrentaram ou ainda enfrentam, em vez de se verem a si próprias como censuráveis, fracas, deficientes, ou “doentes mentais”.

Realça e clarifica as ligações entre os fatores sociais mais amplos como a pobreza, discriminação e desigualdade, juntamente com traumas como o abuso e a violência, e o consequente sofrimento emocional ou comportamento perturbado que por vezes pode então emergir. Mostra também porque é que aqueles de nós que não têm uma história óbvia de trauma ou adversidade ainda podem lutar para encontrar um sentido de autovalorização, significado e identidade.

Como tal, é uma filosofia que se afasta radicalmente de abordagens medicalizadas e consumistas, criando significados que não são reduzidos a “sintomas” ou ” transtornos”. Em vez disso, procura compreender como fazemos sentido destas experiências e como as mensagens da sociedade em geral podem aumentar os nossos sentimentos de vergonha, autocondenação, isolamento, medo e culpa.

Há outras que criaram modelos de serviços abrangentes e viáveis que utilizam uma filosofia de orientação mais contextual e humano-relacional como alternativa às abordagens individualizantes e técnicas dominantes. Por exemplo, alguns serviços baseados no feedback, como o desenvolvido por Bob Bohanske no Arizona ou Birgit Valla na Noruega, eliminaram o diagnóstico e, em vez disso, utilizam um modelo que incorpora o feedback contínuo dos pacientes e famílias que encontram, para que o processo terapêutico seja constantemente coconstruído como um esforço conjunto entre o paciente, a sua rede, e o(s) seu(s) terapeuta(s).

Existem alternativas. As evidências estão aí. As filosofias técnicas de diagnóstico não funcionam na saúde mental. Elas tornam as coisas piores. Encurralam os doentes para se tornarem consumidores a longo prazo. Chegou a hora de as eliminar. Totalmente.

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[trad. e edição Fernando Freitas]

Do Sujeito ao Dado

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Não há mais como voltar à Terra.

Não temos mais como pousar e repousar no que poderia ter sido nosso paraíso em vida, do qual viemos fugindo nas últimas décadas.

Conforme já utilizei, um dos argumentos de H. Arendt no prefácio de sua mais densa obra (A condição Humana) [1], a saída do planeta, umas das mais definidas constituições da nossa condição humana, não se deu como a grande pensadora temia, rumo ao espaço sideral. Mas, definitiva e irrevogavelmente, se consumou com a entrada no universo virtual.

Transitar nesse novo mundo, no entanto, pode ter suas consequências indesejáveis. Tanto podemos cair de volta ao solo da realidade material de forma não esperada, como podemos não definir mais onde nos encontramos e permanecer perdidos no espaço.

Sendo uma opção incontornável, é preciso então atenção na abordagem das questões da revolução digital que chega de forma assustadoramente veloz, principalmente na nossa área da saúde. Refugá-la, nos colocaria no mesmo patamar do obscurantismo militante que se afastou do conhecimento da revolução tecnológica das ciências médicas no final do século passado, já caracterizado como uma ressaca de arrependimento pós-iluminista com a ciência [2].

Em paralelo a isso, as discussões sobre o processo de saúde e doença, sua determinação social, a crítica ao modelo de medicina preventiva e a ampliação do conceito da luta sanitária não resolveram nosso modo de pensar ontologicamente o que é a doença, ou a saúde. A dificuldade em sua definição e demarcação permanece a mesma desde os tempos do lançamento de O Normal e o Patológico [3], e avança atualizada no debate entre o naturalismo e normativismo [4]. Nesse ponto, entretanto, para o campo da saúde mental, a distinção ontológica entre doença e sofrimento é fundamental. Embora ambas as situações sejam antagônicas à concepção de saúde, a não distinção ontológica entre doença e sofrimento é que instaura o equívoco para o que se propõe com a atuação da medicina. Nesse sentido, é evidente que a força heurística do programa de pesquisa da medicina tente, a todo tempo, neurologizar o que é mental.

Mas a questão da saúde mental não encontra o mesmo substrato ontológico para sediar o processo de transtorno ou doença. Saindo da anatomia patológica, o ampliado conceito de sujeito necessita de outra abordagem [5]. Toda a questão da Reforma Sanitária na Saúde Mental e na luta antimanicomial teve sucesso pelo acertado questionamento ontológico de doença na área da mente [6].

A discussão que aqui se coloca diz respeito ao sujeito, que pode ser abordado em uma concepção ampliada normativista, ou na sua redução, ao menos conceitual, no modelo objetivo do naturalismo. Embora, não por acaso, Boorse deixe reservas quanto à aplicação do seu modelo nesse campo [7], a psiquiatria mainstream mantém sua caminhada pelo objetivismo das sinapses, dos neurotransmissores e agora procura apoiar nas bases moleculares da genética seus códigos classificatórios e demarcadores de qualquer essência que seja possível para o transtorno mental.

Quando olhamos para a medicina clínica, em paralelo, percebemos que saímos de uma época onde ainda não havíamos ultrapassado o modelo que nos dava o clássico Canguilhem, quando dizia que “é a própria vida […] que introduz na consciência humana as categorias de saúde e doença. Essas categorias são biologicamente técnicas e subjetivas e não biologicamente científicas e objetivas” [8]. Ou seja, postulava-se um saber técnico-profissional, estruturado a partir do aprendizado teórico e da experiência empírica, que deixava ao médico, como sujeito da relação ou equação médico-paciente, o poder de decidir a condução do seu agir. Mesmo que, no avançar das acomodações da relação trabalho-capital do final do século XX, a transformação da medicina liberal em medicina socializada [9] tenha dinamizado novos mecanismos de controle e coerção sobre a autonomia tanto do profissional quanto do paciente.

Mas atualmente, com a transformação epistemológica que possibilitou a medicina digital, onde o dado científico passou a ocupar o lugar da anatomia patológica, o acesso semiológico a esse substrato exclui, por definição, o intangível da subjetividade. Agora sim, a cientificação plena da biologia na sua redução à objetividade dos dados coloca a metafísica definitivamente fora da medicina e, neste sentido, a sede ontológica para o sujeito da saúde mental, abordado pelo dado objetivo, estará nas raias da neuropsiquiatria.

Até mesmo na discussão ampliada dos determinantes sociais, a leitura pelo foco da objetividade procura abarcar a realidade do sujeito através de sua decodificação em dados. E o mundo do convívio virtual das redes sociais tornou-se um dos campos possíveis para a observação clínica [10]. Nessa busca, ou garimpo de dados e indicadores, estão sendo definidos os processos e protocolos de percepção e cuidado, mas também de vigilância e controle [11]. Assim, não há exatamente mais um conflito com o modelo biomédico, mas apenas críticas aos moldes de realidade que se busca construir na racionalização dos algoritmos. Então, o que seria mais importante – a questão da redução da realidade ao dado – passa despercebida na aceitação prima facie da evidência tangível. Nesse contexto, a psiquiatria digital caminha na mesma trilha da medicina baseada em evidência, que capturou a prática médica na virada do século XX; e, como componente estrutural desta, as práticas da gestão em saúde e da cultura corporativa no ambiente financeiro da economia, a condução para a medicina baseada em valor é o passo seguinte. Tanto condição sine qua non, quanto consequência da redução ao dado.

Nesse ponto, em uma pequena revisão dos fundamentos que justificam esse modelo, vamos rever o que desenvolveu K.M.V. Fulford [12], a partir do campo filosófico original da discussão moral sobre o valor. Saindo da ótica consequencialista que privilegia a observação de resultados para a tomada de decisão, Fulford vai recuperar a reflexão a partir da divisão clássica entre fatos e valores, ponto importante da filosofia moral, que ressurgiu no final do século XX com o impulso que o desenvolvimento tecnológico deu ao debate bioético.

De forma simplificada, sua proposta trata do entendimento de que todos nós baseamos as nossas escolhas a partir de fatos e valores. Seu argumento nos esclarece a situação ao demonstrar, como exemplo, que ninguém iria se opor ao pronto-atendimento com uma sutura de uma ferida que estivesse sangrando em uma lesão traumática; pois, em cima desse fato, sem perceber, todos nós faríamos um juízo de valor – de que aquilo tem o risco de comprometer a vida humana e que tal abordagem seria justificada. Nessas situações “tais juízos de valor só agem em segundo plano, pois há quase um acordo universal sobre eles” [13].

O problema é que o avanço tecnológico e as múltiplas opções disponíveis para o cuidado moderno diminuíram o acordo universal sobre determinados valores e aumentaram as distâncias entre as múltiplas possibilidades que esse avanço nos trouxe, numa sociedade cada vez mais heterogênea. Não menos importante, para o caso da Atenção Primária, seria a mudança de foco na assistência sanitária, com maior ênfase se direcionando do tratamento para a prevenção, e da abordagem hospitalar para dentro da comunidade, onde encontramos as mais amplas variações no estilo de vida e de práticas cotidianas, onde o autor destaca ainda o comportamento de consumidor assumido pelo paciente [14].

Fulford descreve como a abordagem das teorias sobre o valor na prática da medicina já se iniciava ao longo da década de 1990, com as primeiras reflexões da Medicina Baseada em Evidência (MBE). Nesse sentido, um dos princípios propostos seria o compartilhamento de decisões que fossem centradas nos pacientes [15]. Esse avanço na consideração do tema se dará até o destaque sobre a Medicina Baseada em Valor (MBV) refletindo as ideias do texto seminal de Brown e Sharma [16]. O esclarecimento teórico de Fulford está na explanação das situações nas quais devemos considerar distintamente dois pontos: quando estamos lidando com fatos – as instâncias para as quais as orientações da MBE seriam uma resposta à crescente complexidade desses fatos relevantes, ou quando estamos lidando com valores – nesse ponto, a MBV seria a abordagem também para uma crescente complexidade, mas dos valores relevante [17].

Fica evidente, ao nos depararmos com esta definição teórica mais precisa, que as disposições apresentadas pela corrente norte-americana da MBV [18] – notadamente atrelada às questões financeiras do mercado de saúde – consideram como valor uma outra composição de dados, que, na verdade, são ainda fatos. Ou seja, as concepções de MBV que tratam o valor como meta objetiva de resultados estão lidando ainda com fatos. Sem partir de princípios, mas ainda observando as consequências, são dados objetivos, de projeção prospectiva a partir de resultados retrospectivos, mas agora tanto clínicos quanto financeiros que estarão dispostos como opção para a escolha de decisões. Esse formato de MBV seria, de um ponto de vista filosoficamente mais teórico, um avanço no ajuste contábil das mesmas métricas técnicas da MBE. E poderíamos ainda observar um agravante: se pensarmos no peso que os custos representam para as medidas de saúde pública, e no reforço epistêmico que essa influência tem sobre os resultados científicos esperados pelos protocolos da MBE, fica a dúvida de qual espaço restaria para as escolhas individuais, ou mesmo de pequenas comunidades, baseadas realmente em seus valores como princípios.

O modelo proposto por Fulford torna-se distintamente evidente na área da psiquiatria, na qual percebemos que as grandes diferenças de abordagem sugerem um caráter pouco científico ao aporte do tratamento psiquiátrico. O autor nos faz perceber que isso se dá justamente pela natureza mais carregada de valor da relação entre a saúde mental e o transtorno psíquico. Assim, como

na MBE, nossa primeira ligação é informação objetiva, ou seja, informação o mais livre possível da perspectiva subjetiva particular deste ou daquele indivíduo ou grupo, […] as informações derivadas de meta-análises de pesquisa de alta qualidade estão no topo da ‘hierarquia de evidências’ [19].

O que a sua abordagem de MBV traria a esse ponto seria não a referência a uma regra que prescreve um resultado ‘correto’, mas a processos projetados para apoiar um equilíbrio de perspectivas”, pois os “valores humanos não são, meramente, diferentes, mas legitimamente diferentes” [20].

No seu rol de princípios da MBV, além da fundamental necessidade de distinção entre fato e valor, notamos que esses se tornam mais claros justamente nas situações de conflito, que são cada vez mais frequentes com os avanços tecnológicos e de serviços. A legitimidade da perspectiva individual ou de um grupo; a necessidade de aprimoramento da linguagem para a informação adequada dos pacientes e reconhecimento de seus valores pelos profissionais; a abordagem da MBV mais focada no processo do que no resultado; a liberdade para pensar no dissenso e não obrigatoriedade do consenso dão corpo a um modelo que redefine novamente o foco da decisão. Tal modelo não mais privilegia as deliberações entre clínicos e pesquisadores [21], mas centraliza novamente na relação médico-paciente, em uma recuperação original do ethos profissional da medicina.

Fulford e seu grupo passam a aplicar o seu método no ensino e na prática a partir do programa implantado no Warwick Medical School e demonstram seus próprios modelos de resultados [22]. Neste texto, afirmando que a razão pela qual “as coisas dão errado nas interações entre médico e paciente por uma falha na prática baseada em valores, não uma falha na prática baseada em evidências”; eles seguem sem se deter no controle dos números como guia para os valores, nem em “número necessário para tratar”. No lugar disso,

histórias da vida: exemplos de boas práticas na tomada de decisão baseada em valores ilustrados pelas histórias de pessoas individuais – clínicos, pacientes, famílias e outras pessoas – que lidam com as complexidades apresentadas pelas contingências das situações práticas particulares em que se encontram [23].

E como que recuperando o enquadramento que aqui fizemos, logo ao abrir o texto, com a premissa de Canguilhem sobre a subjetividade das ciências da saúde, concluem que “a prática essencial baseada em evidências […] é científica e geral. A prática essencial baseada em valores é humana e individual” [24].

Temos, então, a possibilidade de caminhar neste mundo ampliado pela realidade virtual, a partir do juízo prévio de valores que nos dizem respeito, que ampliem as possibilidades dos sujeitos e suas opções de vida, na comunidade de afetos que desejam construir, para além de métricas utilitaristas. É preciso deixar espaço para as intuições, para as percepções intangíveis e talvez, até mesmo, para os riscos da fé.

É possível e necessário, ainda que seja na expectativa de estarmos habitando um novo espaço, sem delimitações territoriais, mas ao mesmo tempo tão cercado, parametrizado e quantificado, insistirmos em manter nossa perspectiva de lidar com o humano na compreensão de que nossa vida estará além do dado.

 

* Argumentos e parte deste texto foram extraídos do livro O Ocaso da Clínica. A Medicina de Dados – Editora Zagodoni, 2021.

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[7] BOORSE, C. Health as a theoretical concept. Philosophy of Science, v. 44, n. 4, p. 542-573, 1977

[8] CANGUILHEM, 2002, p.72

[9] No nosso meio, ver textos seminais que avaliam essa transição: seja do ponto de observação da década de 1970 (DONNANGELO, M. C. F.; PEREIRA, L. Saúde e sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976.), seja no auge dessa transição na década de 1990 (SCHRAIBER, L. B. O médico e seu trabalho. Limites da liberdade. São Paulo: Hucitec, 1993.).

[10] ABNOUSI, F & cols. Social Determinants of Health in the Digital Age. Determining the Source Code for Nurture. JAMA Published online December 20, 2018 https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2719583

[11] BEMME, D; BRENMAN, N; SEMEL, B. The subjects of digital psychiatry. Somatosphere. October 13, 2020. http://somatosphere.net/2020/subjects-of-digital-psychiatry.html/

[12]Professor de filosofia e saúde mental na Faculdade de Medicina da Universidade de Warwick, da Universidade de Oxford e do King’s College de Londres. Editor do Philosophy, Psychiatry, & Psychology e coautor do Oxford Text book of Philosophy and Psychiatry.

[13]FULFORD, K. M. V.; DALE, J.; PETROVA, M. Values-based practice in primary care: easing the tensions between individual values, ethical principles and best evidence. British Journal of General Practice, v. 56, n. 530, 2006, p.704

[14] Idem.

[15] EVIDENCE-BASED MEDICINE WORKING GROUP. Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. JAMA. v. 268, n. 17, p. 2420-2425, 1992.

[16] BROWN, G. C.; BROWN, M. M.; SHARMA, S. Health care in the 21st century: evidence-based medicine, patient preference-based quality, and cost effectiveness. Qual Manag Health Care. v. 9, n. 1, p. 23-31, 2000.

[17] FULFORD, K. M. V. Ten principles of values-based medicine. In: RADDEN, J. (ed.) The philosophy of psychiatry: a companion. New York: Oxford University Press, 2004. p. 205-234

[18] Nos referimos aos modelos baseados na proposta teórica de Porter, principal articulador desta visão da MBV. (ver PORTER, M. E.; TEISBERG, E. O. Redefining health care: creating value-based competition on results. Boston: Harvard Business School Press, 2006; PORTER, M. E. What is value in health care? N Engl J Med. v. 363, n. 26, p. 2477-2481, 2010.)

[19]FULFORD, 2004, p. 210

[20] FULFORD, 2004, p. 210

[21] CHANG, S.; LEE, T. H. Beyond evidence-based medicine. N Engl J Med, 2018: Nov v. 379, n. 21, p. 1983-1985, 2018.

[22] FULFORD, K. M. V.; PEILE, E.; CARROLL, H. Essential values-based practice: clinical stories linking science with people. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

[23]IDEM, p.48

[24]IDEM, p. IX

[Artigo postado no blog ObMed →]

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Mad in America recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão-psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as dos próprios escritores.

Kit de Sobrevivência em saúde mental e retirada dos medicamentos psiquiátricos, CAP 2/parte 7

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Nota do Editor: Por permissão do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis em um arquivo aqui

Esta é a parte 7 do capítulo 2. Gotzsche apresenta minuciosamente orientações de como proceder com segurança o processo de retirada, através de técnicas de afilamento da dose do medicamento.

O comitê de ética em pesquisa matou o nosso projeto de retirada

Eu tive sete estudantes de doutorado em psiquiatria que produziram incomparáveis resultados de pesquisa com grande benefício para os pacientes, mas os nossos resultados foram praticamente todos desprezados pelos líderes psiquiátricos e outros médicos igualmente aprisionados na mitologia da psiquiatria.

Houve bloqueios desde o início, quando queríamos percorrer a paisagem psiquiátrica. A minha primeira estudante de doutorado em psiquiatria, Margrethe Nielsen do Conselho Dinamarquês do Consumidor, mostrou em seu doutorado que tínhamos repetido os mesmos erros com as novas pílulas da depressão que havíamos feito anteriormente com as benzodiazepinas, e antes delas com os barbitúricos. Eu citei os seus estudos em capítulos anteriores. Eles eram sólidos, mas não bem aceitos por dois dos seus examinadores, que tinham motivos para se autodefender. [6 ] Um, Steffen Thirstrup, trabalhou para a agência dinamarquesa de regulação de medicamentos, o outro, John Sahl Andersen, era clínico geral.

Eles queriam rejeitar a tese dela sem haver uma razão aparente, e o terceiro examinador, o professor psiquiatra David Healy, discordou deles. Esta era uma situação delicada, e um funcionário da universidade me chamou para discutir o que deveríamos fazer. Concordamos em tratar as rejeições, que foram totalmente pouco convincentes, como se tivessem sido revisões pelos pares. Margrethe respondeu aos comentários e reescreveu um pouco a sua tese, e depois de ter apelado para a universidade, ela a defendeu com sucesso. Se não houvesse um terceiro examinador, ela poderia não ter obtido o seu doutorado, o que teria sido uma grande injustiça, pois a sua tese é consideravelmente melhor do que muitas que eu vi.

Anders e eu decidimos que ele deveria orientar 30 pacientes consecutivos que se dirigiam a nós para pedir ajuda na retirada, não importando quais drogas tomavam, e escrever sobre isso porque não havia um único artigo desse tipo na literatura. Raciocinamos que seria melhor lidar com esta ideia “herege” – à qual a psiquiatria dominante se oporia veementemente – com o máximo de cuidado e, portanto, escrevemos um protocolo de pesquisa que submetemos ao comitê de ética em pesquisa.

Consideramos fazer um ensaio randomizado porque isto é o que normalmente se necessita para convencer as pessoas de que elas devem seguir os seus conselhos quando as retirarem. Mas não podíamos ver o que deveríamos fazer aleatoriamente. Intervalos curtos ou longos entre as reduções da dose? Não é relevante, pois é altamente individual o quão rápido se pode afilar. Reduções da dose de 10% ou 20% de cada vez? Poderíamos haver feito isso e talvez isso tivesse dado resultados interessantes. Mas como não achávamos provável, submetemos um protocolo sem randomização que descrevesse o que planejávamos fazer com todos os pacientes.

Muito fácil e direto pensamos, mas nos deparamos com um formidável bloqueio de estrada. O comitê respondeu que, embora dois psiquiatras experientes estivessem envolvidos com o nosso projeto, o principal investigador, Anders, era um psicólogo e não havia uma descrição clara de quem seria o responsável pela retirada de drogas, o que, por razões de segurança do paciente, precisava ser um psiquiatra.

Uma observação interessante é considerar que um membro do comitê era um psiquiatra trabalhando no hospital psiquiátrico de Copenhague aonde, em um curto intervalo de tempo, matou dois pacientes com neurolépticos porque os psiquiatras eram incompetentes.31 Ambos caíram mortos de repente no chão. O primeiro morreu bem na frente do segundo, Luise, que contou à sua mãe: “Eu serei a próxima”. Luise sabia que os psiquiatras iriam matá-la. Ela sobreviveu por um tempo, porque tolerou a overdose de neurolépticos vomitando a maioria deles. Finalmente, eles quebraram o seu mecanismo de defesa com uma injeção letal de uma droga de depósito. Isto foi chamado de “morte natural”. Tanto ela quanto a sua mãe haviam avisado à unidade assistencial sobre a dose muito alta, mas os psiquiatras as ignoraram.

No dia em que mataram a sua filha, todos os anos há uma manifestação em frente ao hospital, com faixas organizadas pela organização “Morto em Psiquiatria”, que a sua mãe Dorrit Cato Christensen iniciou. Às vezes, há cerca de 20 parentes de pacientes psiquiátricos mortos da mesma maneira.

O livro de Dorrit sobre a sua filha é uma longa história de horror com as malfeitorias na psiquiatria. Nem mesmo após a morte houve justiça. Dorrit reclamou, mas a arrogância do sistema foi inacreditável, tanto antes quanto depois da morte. Foi-lhe dito que o tratamento tinha correspondido ao padrão profissional em psiquiatria, o que infelizmente não está muito longe da verdade, pois o padrão é horrível em todos os lugares. O prefácio, escrito pelo anterior Primeiro Ministro Poul Nyrup Rasmussen, começa com: “Mãe, você não vai dizer ao mundo como somos tratados?”.[31] Este foi o último pedido da filha feito à sua mãe antes de ser morta.

Assim, não podíamos de forma alguma ver por que, por razões de segurança do paciente, um psiquiatra precisava ser responsável pela retirada de drogas em nosso projeto. Além disso, não se trata de uma exigência legal.

A fim de avaliar se a pesquisa era segura para os pacientes, o comitê solicitou que realizássemos uma revisão bibliográfica sobre o risco de tentativas de suicídio e suicídio entre esses pacientes. Esta foi também uma observação interessante, pois as drogas aumentam o risco de suicídio e que não existem drogas que reduzam o risco.

Foi-nos pedido que explicássemos em detalhes como garantiríamos que somente os sujeitos que tolerassem a retirada de drogas seriam retirados das drogas na pesquisa. Este foi um ardil-22 que matou o nosso projeto, pois ninguém – inclusive psiquiatras – seria capaz de garantir isto. Haveria que usar ensaio e erro.

As outras exigências eram igualmente irracionais. O comitê queria que os critérios de inclusão e exclusão fossem mais específicos e solicitou uma explicação de quais parâmetros usaríamos e se nossos questionários foram validados e possibilitariam tirar conclusões confiáveis. O estágio final da pesquisa era se o paciente havia ficado livre de medicamentos, o que não exige que os questionários validados sejam confiáveis.

Também nos foi solicitado que fizéssemos muitos acréscimos às informações do paciente. Pense sobre isso. Quando um comitê de ética em pesquisa acredita que é tão perigoso ajudar pacientes que querem sair de suas drogas, então por que diabos as drogas foram aprovadas em primeira linha? Elas não são perigosas demais para serem usadas? Creio que esta deve ser a conclusão lógica, mas com a assistência em saúde não se trata de lógica; trata-se de poder.

Depois que o comitê matou o nosso projeto, chamei uma advogada que trabalhava para o comitê e lhe disse que poderíamos simplesmente retirar os pacientes como o planejado, sem chamar a isso de pesquisa. Ela não teve bons argumentos contra isso, então foi isso o que fizemos.

Estão sendo realizados ensaios clínicos que randomizam os pacientes para a retirada abrupta e para a que é feita gradualmente. Esses estudos são altamente antiéticos, pois metade dos pacientes é prejudicada desnecessariamente. Por diversão acessei clinicaltrials.gov e procurei por depressão [depression] e afilamento [taper]. A primeira experiência que encontrei foi totalmente antiética, para todos os pacientes. A pesquisa compara um afilamento de duas semanas com um afilamento de uma semana (ClinicalTrials.gov Identifier: NCT02661828): “Como a cessação abrupta de medicamentos antidepressivos pode causar sintomas angustiantes (incluindo e não se limitando à piora do humor, irritabilidade/agitação, ansiedade, tonturas, confusão e dor de cabeça), o objetivo deste estudo é comparar a tolerância de dois regimes de afilamento com a hipótese de que a afilação da dose de antidepressivo durante duas semanas produzirá menos sintomas de descontinuação do que um regime de afilação de uma semana”. Esta pesquisa foi patrocinada pela Emory University, famosa por um enorme escândalo de corrupção (ver Capítulo 2).[6] Não preciso dizer mais nada. A psiquiatria é uma loucura, mas não tanto por causa dos pacientes.

Dicas sobre a retirada

Anders reuniu uma coorte consecutiva de 30 pacientes que nos contataram para obter ajuda. Não estabelecemos limitações quanto ao tipo de droga, diagnóstico, duração da ingestão de drogas, gravidade dos sintomas atuais, tentativas anteriores de retirada, ou a avaliação do psiquiatra clínico sobre se a descontinuação poderia ser recomendada.

Cerca da metade dos 30 pacientes tinha tomado drogas por 15 anos ou mais; a maioria deles tinha tentado se retirar várias vezes sem sucesso; e todos os tipos de drogas psiquiátricas estavam envolvidos. Apesar das altas probabilidades, Anders percorreu um longo caminho e retirou a maioria dos pacientes, em seu tempo livre e sem pagamento.

O trabalho de Anders é impressionante, e seus pacientes são imensamente gratos pela sua ajuda altruísta. Eles fazem consultas ad hoc com ele de acordo com as suas necessidades e ele organiza reuniões de grupo quatro vezes por ano, onde compartilham as suas experiências. Eles têm o seu número de celular e podem ligar para ele a qualquer momento. Isto é importante do ponto de vista psicológico e tem colocado um fardo extra sobre ele. Muitos têm usado esta possibilidade, o que ilustra que é muito exigente ajudar as pessoas a se retirarem. Os pacientes preenchem três questionários:

  1. Uma entrevista qualitativa estruturada antes da primeira redução da dose, o que inclui a sua história e a experiência com a psiquiatria, detalhes sobre as tentativas anteriores de abstinência, as suas próprias opiniões sobre os seus sintomas e a condição, detalhes sobre o que lhes foi dito pelos seus psiquiatras, e medos e esperanças para a tentativa de uma abstinência planejada.
  2. Depois de haver se tornado livre das drogas, uma entrevista qualitativa sobre as experiências deles de passar pela retirada e a recuperação da psicopatologia, as orientações sugeridas para outros pacientes, quais foram as barreiras e o que os ajudou especificamente.
  1. Um questionário sobre qualidade de vida (Q-les-Q) antes da primeira redução da dose e seis meses depois de ter se tornado livre das drogas.

Uma vez por ano, todos os pacientes e os seus parentes mais próximos são convidados para uma noite de informação onde os princípios básicos da retirada das drogas e da recuperação da psicopatologia são explicados em detalhes e perguntas podem ser feitas. O objetivo é fortalecer a função de apoio dos parentes e evitar ter parentes que se oponham à escolha dos pacientes pela retirada, o que muitas vezes é um problema.

Foi criada uma rede de apoio entre pares onde os pacientes podem compartilhar informações e apoiar uns aos outros fora das reuniões oficiais.

A terapia envolve ajudar os pacientes a superar as dificuldades que eles experimentam. Isto inclui o tratamento dos sintomas de abstinência – como eles são, como minimizá-los, como lidar com eles psicologicamente e como evitar que se desenvolvam em uma ansiedade destrutiva e em desistência da retirada. Também envolve lidar com a ansiedade e com as emoções na medida em que elas voltam à vida (cessou o embotamento emocional), o retorno à sociedade e às relações sociais, a crise de perceber o quanto a psiquiatria biológica roubou a sua vida e como fazer uso de um tratamento genuíno e não medicamentoso da doença, se ela ainda estiver presente após a retirada bem-sucedida.

Sem uma abordagem sistemática e apoio durante a retirada, é provável que o resultado seja muito menos positivo do que o que Anders obteve. Dos 250 adultos com doenças mentais graves que queriam parar os medicamentos psiquiátricos, os quais 71% deles haviam tomado por mais de nove anos, apenas 54% atingiram o seu objetivo de descontinuar completamente um ou mais medicamentos. [32,33 ] Eles usaram várias estratégias para lidar com os sintomas de abstinência, que 54%classificaram como graves. A autoeducação e o contato com amigos e com outras pessoas que haviam parado ou reduzido os medicamentos foram citados com mais frequência como sendo úteis. Apenas 45% classificaram os médicos como úteis durante a retirada; 16% começaram o processo contra o conselho do seu médico, e 27% não disseram ao médico, pararam de consultar o médico ou procuraram um novo médico. Dos entrevistados que tiveram sucesso, 82% estavam satisfeitos com a sua decisão.

Na Holanda, o ex-paciente Peter Groot e o professor psiquiatra Jim van Os tiveram uma iniciativa notável. Uma farmácia holandesa produz tiras afiladas, com doses cada vez menores do medicamento, facilitando a retirada dele. Seus resultados também são notáveis: em um grupo de 895 pacientes em pílulas da depressão, 62% haviam tentado se retirar sem sucesso, e 49% destes haviam experimentado sintomas graves de retirada (7 em uma escala de 1 a 7).33 Após uma mediana de apenas 56 dias, 71% dos 895 pacientes haviam retirado o seu medicamento. Cada tira cobre 28 dias e os pacientes podem usar uma ou mais tiras para regular a taxa de redução da dose. Há um site dedicado a isto onde informações atualizadas podem ser encontradas: taperingstrip.org.

Venlafaxine pode ser uma droga particularmente difícil, mas Groot e van Os mostraram que 90% dos 810 pacientes que começaram com a dose mais baixa disponível, 37,5 mg, fizeram a afilação em três meses ou menos.[21] Alguns precisavam de mais de meio ano, pois sofriam de sintomas graves de abstinência, e muitos dos que tiveram sucesso em apenas três meses teriam se beneficiado de um período mais longo de retirada, pois os sintomas de abstinência podem ser acentuadamente reduzidos se a afilação levar mais de seis meses.[34]

No entanto, existe um problema de seguro. As seguradoras de saúde holandesas se recusam a reembolsar os medicamentos afilados por tanto tempo porque “não há provas na literatura” de que a retirada tão lenta seja necessária. O Instituto Nacional de Saúde Holandês tem estado do lado das seguradoras de saúde em todos os casos em que os pacientes emitiram uma reclamação oficial, mesmo quando os seus médicos tinham atestado a gravidade dos sintomas da retirada.[21]

1 ADVERTÊNCIA! As drogas psiquiátricas são viciantes. Nunca as interrompa abruptamente, porque as reações de abstinência podem consistir em sintomas emocionais e físicos graves que podem ser perigosos e levar ao suicídio, violência e homicídio.6

2 Nunca tente proceder o afilamento da medicação em um paciente que não tem um desejo genuíno de estar livre de drogas. Isso não vai funcionar.

3 É da maior importância que VOCÊ seja o responsável pela retirada. Não vá mais rápido do que você pode.

4 Encontre alguém que possa acompanhá-lo de perto durante a retirada, pois você mesmo pode não notar se você ficar irritável ou inquieto, que são alguns dos sinais de perigo.

5 A retirada pode ser a pior experiência de sua vida. Portanto, você precisa estar preparado para isso. Você não deve começar se estiver trabalhando demais ou estressado, o que poderia piorar os sintomas da retirada.

6 Lembre-se sempre, especialmente se for difícil, que do outro lado existe uma vida sem drogas que é melhor e que você a merece.

7 Não é culpa sua se você se sente miserável. A culpa é do seu médico que lhe prescreveu os medicamentos. Não perca a esperança ou a sua autoconfiança.

8 Não acredite nos médicos que lhe dizem que você se sente miserável porque a sua doença retornou. Este é muito raramente o caso. Se os sintomas vêm rapidamente e você se sente melhor em poucas horas após aumentar novamente a dose, é porque você tem sintomas de abstinência, não porque a sua doença regressou.

Em 2017, Sørensen, Rüdinger, Toft e eu escrevemos um pequeno guia para a retirada de medicamentos psiquiátricos, com dicas sobre como dividir comprimidos e cápsulas, e fizemos uma tabela de abstinência. Atualizamos as informações em 2020 em meu site, deadlymedicines.dk, onde há também uma lista de pessoas de vários países que estão dispostas a ajudar as pessoas a se retirarem, e links para vídeos de nossas palestras sobre a retirada em 2017.[35]

Vou ampliar essas informações mais abaixo. Fui inspirado por muitaspessoas, além de numerosos pacientes e dos profissionais já mencionados, particularmente pelos psiquiatras Jens Frydenlund e Peter Breggin cujo livro sobre a retirada de medicamentos psiquiátricos é muito útil. [36]

Há uma enorme sobreposição de sintomas de abstinência entre as diferentes classes de drogas e, embora existam diferenças importantes, é mais fácil seguir a orientação se ela for a mesma para todas as drogas. Como é altamente variável a experiência de pessoas diferentes, mesmo quando elas se retiram da mesma droga, isto também fala para manter os conselhos gerais. Portanto, você pode usar os meus conselhos se estiver tomando neurolépticos, lítio, sedativos, pílulas para dormir, pílulas da depressão, drogas parecidas com a velocidade ou antiepilépticos.

Antes de iniciar um processo de retirada, você deve se preparar com muito cuidado. Familiarize-se com o tipo de sintomas de abstinência, na forma de sintomas físicos e sentimentos e pensamentos inesperados, que você possa experimentar. Leia o folheto informativo do seu medicamento e assegure-se de ter um bom apoio de pessoas próximas a você. Você deve estar determinado a sair de sua droga, pois isso pode não ser fácil.

Os sintomas de abstinência são positivos, pois significam que o seu corpo está prestes a se tornar normal novamente. Eles não significam “eu sem drogas”, mas “eu na minha saída das drogas”. Durante um afilamento lento, os sintomas de abstinência desaparecerão na maioria das pessoas após alguns dias ou 1-2 semanas.

Como já observado, os sintomas de abstinência podem reaparecer repentinamente após um período sem sintomas, por exemplo, se você ficar estressado.36 Isto é normal e não significa que a sua doença tenha voltado.

É importante que você tenha um começo com sucesso. Portanto, muitas vezes é melhor remover a droga iniciada mais recentemente, [36] pois a retirada se torna mais difícil quanto mais tempo você estiver consumindo uma droga.[33,36 ]Também é importante retirar os neurolépticos e o lítio logo no início, pois eles causam muitos danos.36 A abstinência pode causar problemas de sono, o que é uma boa razão para que os auxiliares de sono sejam removidos por último.

Não é aconselhável retirar mais de uma droga de cada vez, pois isso torna difícil descobrir qual a droga causa os sintomas da retirada. Raramente é uma boa ideia substituir um medicamento por outro,mesmo que o novo medicamento tenha uma meia-vida mais longa e, portanto, seria mais fácil trabalhar com ele. Alguns médicos fazem isso, mas uma troca pode levar a problemas de abstinência ou, ao contrário, de sobredosagem, pois é difícil saber quais as doses devem ser usadas para as duas drogas durante a fase de transição. Mas pode ser necessário, por exemplo, se o comprimido ou a cápsula não puder ser dividida (ver abaixo).

Geralmente não é aconselhável introduzir um novo medicamento, por exemplo, um comprimido para dormir, se os sintomas de abstinência dificultarem o sono. Se os problemas se tornarem insuportáveis, é melhor aumentar um pouco a dose antes de tentar reduzir novamente, desta vez por uma quantidade menor ou com intervalos mais longos, ou ambos.

Você decide, pois é o responsável pela retirada de seu medicamento; todos os outros são seus ajudantes.

Quão lento você deve ir? Como a maioria dos pacientes está consideravelmente sobredosada, talvez seja tentador dar um grande passo na primeira vez e reduzir a dose em 50%. Mas é melhor ir devagar desde o início, não só porque faz você sentir que pode lidar com a retirada, mas também porque pode dar errado com um grande primeiro passo. Isto pode ser porque todas as drogas não são específicas. Elas têm efeitos sobre muitos receptores,[34] e não conhecemos as curvas de ligação para todos estes receptores. Talvez você já esteja na parte íngreme da curva para um dos receptores quando inicia, ou talvez você esteja em regiões particulares do cérebro.

A retirada NÃO é um exercício acadêmico que pode ser derivado da teoria ou de ensaios randomizados, é um processo de ensaio e erro para cada um dos pacientes. O ritmo depende do medicamento, em particular de sua meia-vida, que é o tempo que leva para que a concentração sérica seja reduzida pela metade. A variação de paciente para paciente é enorme e varia geneticamente, em termos de quão rapidamente cada um metaboliza um fármaco. Anders encontrou cinco ensaios randomizados, mas todos eles são problemáticos. Mais importante ainda, a afilação foi muito rápida no grupo afilado, por exemplo, apenas duas semanas. Estes ensaios levaram à alegação errônea de que não haveria vantagem significativa de uma afilação lenta em comparação com uma descontinuação abrupta! [21

A redução da dose deve seguir uma curva hiperbólica (ver abaixo). Isto parece complicado, mas não é. Significa apenas que você reduz a dose toda vez que você faz a afilação, removendo a mesma porcentagem da dose anterior. Assim, se você reduzir a dose em 20% cada vez, e você tiver reduzido para cerca de 50%, então você deve remover 20% novamente da próxima vez, o que significa que você agora desce para 40% da dose inicial. Você pode precisar de uma lima de unhas para fazer isto e uma balança para que você possa pesar as quantidades. Consulte a farmácia para dividir comprimidos ou abrir cápsulas; ela vende um divisor de comprimidos.

Curva hiperbólica para reduções de dose quinzenais

As recomendações oficiais não são assim. Elas podem recomendar que você reduza a dose pela metade toda vez, o que significa que, começando com 100%, que é a sua dose habitual, você desce para 50%, 25% e 12,5% de sua dose habitual em apenas três etapas, o que é muito rápido demais.

Utilizando o método percentual, que é 20% de cada vez, será assim após três etapas: 100%, 80%, 64% e 51%.

Você pode tentar um intervalo de duas semanas entre as reduções de dose. Se funcionar bem, você pode diminuir este intervalo, por exemplo, para dez dias. Você também pode precisar ir mais devagar do que 20%, pois você pode se sentir melhor reduzindo apenas com 10% de cada vez, ou você pode precisar de um intervalo de quatro semanas.[34]

A comunidade leiga de retirada descobriu que o menos perturbador é quando se reduz a dose em apenas 5-10% por mês.[23] Entretanto, se você reduzir em 10% por mês, levará dois anos até que você desça para 8% da dose inicial, portanto, se você estiver tomando quatro medicamentos, pode levar oito anos para se tornar livre de medicamentos. É preferível ir mais rápido que isso, suportando o que vem, e obter uma nova vida mais rápida,

também porque quanto mais tempo você tomar uma droga, maior o risco de dano cerebral permanente, e mais difícil é sair da droga.

Continue na sua própria velocidade – de acordo com o que você sente. Não reduza novamente antes de se sentir estabilizado em relação à dose anterior. Você pode até mesmo querer fazer uma pausa em uma determinada dose se você se sentir estressado. Tente ficar confortável com o que você faz. Se os sintomas de abstinência forem ruins, tente suportá-los um pouco mais, sabendo que eles geralmente se tornarão menos intensivos e mais rápidos. Se você suportar os sintomas, isso pode lhe dar uma força interior e acreditar que você pode fazer isso até o final e não

cairá de volta na armadilha da droga. Mas se se tornar muito difícil, volte para a dose anterior e reduza o ritmo de retirada.

Certifique-se sempre de ter um ou dois amigos ou familiares com os quais você possa discutir a sua saída e que possam observá-lo. Você pode não notar se você se tornou irritável ou inquieto, o que pode ser sintomas de perigo.

Não é raro que as pessoas não percebam o progresso que estão fazendo, e podem tender a se concentrar nos desagradáveis sintomas de abstinência. Seja paciente e aguente. Faça algo de bom para si mesmo. Um dia, você pode perceber que as aves estão cantando, pela primeira vez em anos.

Então, você sabe que está no caminho certo para a cura.

O último pequeno passo pode ser o pior, não só por questões físicas, mas também por razões psicológicas. Você pode se perguntar: “Eu tomei esta pílula por tanto tempo; atrevo-me a dar o último pequeno passo? Quem sou eu quando não tomo a pílula?” Não ajuda se seu médico rir de você e lhe disser que é impossível que você possa ter quaisquer sintomas de abstinência quando a dose é tão baixa.37 Se seu médico estiver envolvido

em sua abstinência e se comportar como um homem “sabichão”, então deixe o seu médico. Tendo chegado tão longe, é provável que você saiba muito mais sobre a abstinência do que o seu médico. É prudente descer a uma dose muito baixa antes de parar. O Citalopram, por exemplo, é recomendado para ser usado em dosagens de 20 ou 40 mg diariamente, e surpreenderá qualquer médico saber que mesmo em uma dose tão baixa quanto 0,4 mg, 10% dos receptores de serotonina ainda estão sendo ocupados, [34] o que significa que você ainda pode experimentar sintomas de abstinência quando passar daquela pequena dose para nada. O

psiquiatra Mark Horowitz admitiu que se os pacientes tivessem vindo até ele antes dele ter experimentado os sintomas de abstinência, ele provavelmente não teria acreditado neles quando disseram que tinham problemas reais ao tomar um comprimido da depressão. [37] Se falhar não tome isso como uma derrota; apenas tente novamente em outra ocasião. Diga a si mesmo que você merece ter uma boa vida e estar determinado a consegui-la.

Lista de sintomas de abstinência que você pode experimentar

Esta lista não está completa, e não pode ser completa, pois há tantos sintomas de abstinência diferentes, mas nós reunimos os mais típicos. Algumas pessoas sentem muito claramente os sintomas de abstinência, outras mal os percebem. Eles podem ser piores do que qualquer coisa que você já tenha experimentado antes; podem ser sintomas completamente novos; podem ser semelhantes à condição para a qual você foi tratado, o que fará com que a maioria dos médicos conclua que você ainda está doente e que precisa da droga, mesmo que este seja raramente o caso; podem ser sintomas que farão com que os psiquiatras lhe deem diagnósticos adicionais; e podem ser os mesmos para drogas muito diferentes, por exemplo, mania.

No processo de retirada, você e seus familiares podem ficar surpresos de que os pensamentos, sentimentos e ações possam mudar. Isto é normal, mas pode ser desagradável. Você pode não perceber se você se tornou emocionalmente instável; na verdade, é bastante comum que os pacientes não percebam isso.

Abaixo estão os sintomas mais importantes que você pode experimentar. Alguns deles podem ser perigosos, veja as advertências na bula do medicamento que você está afilando. Se você não a guardou, você pode encontrá-la na Internet, por exemplo.

Sintomas semelhantes aos da gripe

Dores nas articulações e músculos, febre, suores frios, nariz escorrendo, olhos doloridos.

Dor de cabeça

Dores de cabeça, enxaquecas, sensações de choque elétrico/zaps de cabeça.

Balanço

Tonturas, desequilíbrio, caminhar instável, “ressaca” ou uma sensação de enjoo de movimento.

Articulações e músculos

Rigidez, entorpecimento ou sensação de ardor, cãibras, espasmos, tremores,

movimentos bucais incontroláveis.

Sentidos

Formigamento na pele, dor, baixo limiar de dor, pernas inquietas, dificuldade para se sentar quieto, visão vermelha embaçada, hipersensibilidade à luz e ao som, tensão ao redor dos olhos, zunido nos ouvidos, zumbido, fala arrastada, mudanças de paladar e

cheiro, salivação.

Estômago, estômago e apetite

Náusea, vômitos, diarreia, dor abdominal, inchaço, aumento ou diminuição do apetite.

Humor

Mudanças de humor, depressão, choro, sensação de inadequação, falta de

autoconfiança, euforia ou mania.

Ansiedade

Ataques de ansiedade, pânico, agitação, dor no peito, respiração rasa, sudorese, palpitações.

Percepção da realidade

Sentimento de alienação e irrealidade, estar dentro de uma redoma, alucinações visuais e auditivas, delírios, psicose.

Irritabilidade e agressão

Irritabilidade, agressão, explosões de raiva, impulsividade, pensamentos suicidas, automutilação, pensamentos sobre prejudicar os outros.

Memória e confusão

Confusão, má concentração, perda de memória.

Dormir

Dificuldade para adormecer, insônia, acordar cedo, sonhos intensos, pesadelos às vezes violentos.

Energia

Baixa energia, inquietude, hiperatividade.

Abaixo disponibilizo para você um gráfico de abstinência onde você pode registrar os sintomas de abstinência que você experimenta e a sua gravidade.

A função principal dele não é tanto rastrear os sintomas diários, mas lembrá-lo de quais são os sintomas de abstinência que provavelmente você terá, dizendo-lhe assim que o que você está experimentando é totalmente normal. Portanto, você não deve se preocupar, ruminar ideias ou entrar em pânico com esses sintomas, mas aceitá-los, a menos que sejam perigosos e aumentem o risco de suicídio e violência, caso em que um aumento temporário da dose pode ser necessário. Não recomendamos que você faça isso todos os dias, pois isso implicaria em um foco interno exagerado e um controle constante de si mesmo. Você deve tentar se concentrar no mundo exterior, dizendo a si mesmo que é aqui que você quer estar, em vez de ser drogado longe dele.

Existem outros problemas com os registros diários. Você não tem nenhum ponto de referência quando inicia o processo. Alguns pacientes classificarão os sintomas de abstinência das primeiras reduções da dose como de máxima gravidade, pois é a primeira vez que experimentam algo tão horrível. Mais tarde, se os sintomas piorarem ainda mais, não há categoria de gravidade para isso.

Ajuda algumas pessoas escrever em um diário sobre os seus pensamentos, considerações e sentimentos. O que importa é que você se sinta seguro com o que faz. Portanto, você deve evitar pessoas e situações que possam lhe estressar e evitar assumir tarefas que não sejam estritamente necessárias.

Após a retirada, pode lhe faltar energia por um tempo e pode não se sentir como você mesmo. Isto é normal. Faça algo que você gosta de fazer, seja bom para si mesmo e tenha orgulho do que você realizou. Você pode precisar de psicoterapia para ajudá-lo a chegar à raiz do que é ou ao que foi que o aprisionou às drogas psiquiátricas.

Fique de olho em seu estado de espírito. Pode levar muito tempo até que você esteja totalmente estabilizado em sua nova vida sem drogas. Se você se sentir tenso, talvez você precise aprender técnicas de relaxamento.

Tabela de abstinência de medicamentos psiquiátricos (Anders Sørensen e Peter C. Gøtzsche, 4 de janeiro de 2019)

Todas as drogas psiquiátricas são viciantes e podem causar sintomas de abstinência quando uma dose habitual é reduzida. Use o quadro todas as noites para lembrar a si mesmo e a seus familiares que o estado de abstinência é temporário; é “eu na saída das drogas”, não é “eu sem as drogas”, que é algo completamente diferente e melhor do que estar na saída das drogas. Você pode escrever a gravidade dos sintomas que você tem a cada dia (1 a 5, onde 5 é o pior), mas não se verifique muito; os sintomas desaparecem mais rapidamente se for permitido a eles “cuidar de si mesmos”. “Observe a nova dose abaixo do dia em que você a reduz. Você pode acrescentar sintomas adicionais nas linhas em branco.

 

Alguns dos sintomas podem ser perigosos; veja o folheto informativo.

Mês: ____________ Ano :______

 

Data do mês:

Dose:

Ansiedade/ pânico

Depressão/ tristeza

Chorando

Mudanças de humor

Sentimento de estar dentro de uma redoma

Irritabilidade/agressão/ explosões de raiva

Sintomas semelhantes aos da gripe

Problemas de estômago, náusea, falta de apetite

Falta de energia/ exaustão

Insônia, dificuldade em adormecer

Sonhos vívidos/ pesadelos

Agitação e inquietação/ não poder ficar parado

Tontura

Confusão/ dificuldade de concentração

Eu não sou eu mesmo(a)

Pensamentos suicidas

Sensações de choque elétrico/zaps na cabeça

Dor de cabeça

Zumbidos

Movimentos involuntários/ pernas inquietas

Tremor/ estremecimento

Rigidez muscular ou dores musculares

Problemas de equilíbrio

Suor

Palpitações

Sentimento de picada ou formigamento

Coceira ou ruborização

Sensação de pegajoso/queimadura

O cheiro ou a degustação mudaram

Hipersensibilidade à luz ou ao som

Problemas de memória

Distúrbios sexuais

Visão embaçada

Mania ou hipomania/ euforia

Psicose/ilusões

  

Dividindo comprimidos e cápsulas

Infelizmente, nossos reguladores de medicamentos permitiram que as empresas farmacêuticas colocassem medicamentos no mercado, sem ter que investigar se podem ocorrer problemas quando os pacientes deixam de usá-los e sem desenvolver soluções se esse for o caso.[21] A psiquiatria acadêmica também está em falta. Ela tem dedicado muita atenção à eficácia a curto prazo de novos medicamentos e para iniciar o tratamento, mas praticamente nenhuma para parar o tratamento. Não foi a psiquiatria, mas os pacientes que chamaram a atenção para o número muito limitado das dosagens dos medicamentos. A prática clínica foi adaptada ao que as empresas farmacêuticas vendiam e não ao que os pacientes precisavam.

Os pacientes tinham razão em criticar por que as empresas não forneceram as dosagens de que tanto precisavam e porque as associações médicas e os comitês de orientação não pediram às empresas farmacêuticas que o fizessem. Nós não usamos todos o mesmo tamanho de sapato ou grau em nossos óculos, e os cães são dosados de acordo com o seu peso, em contraste com os humanos.

Neste vácuo, precisamos ser criativos. Os farmacêuticos Rüdinger e Toft prepararam algumas dicas sobre como tomar menos do que a dosagem mínima fornecida pelos fabricantes.[35]

Advertência: A caixa e a bula sempre descreverão o seu tipo de medicamento. Se forem comprimidos ou cápsulas com revestimento entérico, eles são fabricados de tal forma que a substância ativa não entre em contato com o ácido gástrico. Portanto, eles não devem, em nenhuma circunstância, ser partidos ou divididos porque o ácido gástrico destruirá o princípio ativo.

Você pode sempre consultar a sua farmácia sobre se seu medicamento pode ser dividido em unidades menores. Aqui estão algumas regras principais:

Tabletes

A maioria dos comprimidos são regulares, e o ingrediente ativo é distribuído uniformemente por todo o comprimido. Se uma ranhura passar pela superfície da pastilha, é fácil dividi-la. Isto permitirá que você obtenha metade das pastilhas. Os comprimidos também podem ser divididos em quatro e oito partes, o que muitas vezes é necessário no final do período de retirada.

Os comprimidos podem ser cortados com uma faca afiada, mas você também pode comprar um divisor de comprimidos ou uma guilhotina de comprimidos na farmácia.

Se por acaso você dividir as pastilhas em tamanhos irregulares, você pode ordená-las de acordo com o tamanho, começando com os maiores e terminando com os menores pedaços.

Pastilhas de liberação sustentada

Alguns comprimidos são projetados para permanecer no corpo por um longo tempo, e muitas vezes são fabricados de forma a permitir que o ingrediente ativo seja distribuído gradualmente por todo o corpo. Estes comprimidos têm um acréscimo ao seu nome, por exemplo, depósito, liberação prolongada e retardada. Basicamente, eles não podem ser divididos.

Se a pastilha de liberação prolongada tiver uma ranhura, você pode quebrar a pastilha ao longo dela, mas não a divida mais.

Muitos medicamentos estão disponíveis tanto como comprimidos de liberação prolongada quanto como comprimidos de liberação não-prolongada, e se você precisar dividir um comprimido de liberação prolongada, consulte o seu médico para mudar para comprimidos normais.

Cápsulas

As cápsulas são feitas de gelatina com a finalidade de manter o pó reunido. Elas podem ser abertas, e o pó pode ser dissolvido em água. A água não estará clara, no entanto pronta para beber. É possível preparar a solução de água em uma seringa de plástico com divisões de ml, e desta solução pode-se retirar a quantidade correta de acordo com a dose necessária.

Use uma seringa de 10 ml, adicione o pó à seringa e aspire a água até a linha de 10 ml. Vire a seringa de cabeça para baixo ou sacuda-a algumas vezes para dissolver o pó. Um ml corresponde a 10%, dois ml a 20%, etc.

Despeje o conteúdo necessário em um copo e beba-o.

Cápsulas de liberação prolongada

As cápsulas de liberação prolongada contêm partículas grandes ou grânulos destinados a serem liberados lentamente no corpo durante um longo período. Na maioria dos casos, essas cápsulas podem ser quebradas e os grânulos podem ser contados. Parte do conteúdo pode ser polvilhada em iogurte ou dissolvida em água com uma seringa, como mencionado acima.

Substituição do medicamento para permitir a retirada

Em alguns casos, a retirada não é possível com o medicamento prescrito porque o comprimido não pode ser dividido, ou o conteúdo da cápsula não pode ser reduzido. Portanto, você pode precisar substituir o seu medicamento por um outro com efeito semelhante, disponível em dosagens menores. Você precisará consultar o seu médico.

Referências Bibliográficas da parte 7 

6 Caplan PJ. They say you’re crazy: how the world’s most powerful psychiatrists decide who’s normal. Jackson: Da Capo Press; 1995.

21 Adult ADHD Self-Report Scale-V1.1 (ASRS-V1.1) Symptoms Checklist from WHO Composite International Diagnostic Interview; 2003.

31 Kingdon D, Sharma T, Hart D and the Schizophrenia Subgroup of the Royal College of Psychiatrists’ Changing Mind Campaign. What attitudes do
psychiatrists hold towards people with mental illness? Psychiatric Bulletin
2004;28:401-6.

32 Demasi M, Gøtzsche PC. Presentation of benefits and harms of antidepressants on websites: cross sectional study. Int J Risk Saf Med 2020;31:53-65.

33 Kessing L, Hansen HV, Demyttenaere K, et al. Depressive and bipolar disorders: patients’ attitudes and beliefs towards depression and antidepressants. Psychological Medicine 2005;35:1205-13.

34 Christensen AS. DR2 undersøger Danmark på piller. 2013; Mar 20.
https://www.dr.dk/presse/dr2-undersoeger-danmark-paa-piller.

35 Ditzel EE. Psykiatri-professor om DR-historier: ”Skræmmekampagne der kan koste liv.” Journalisten 2013; Apr 11. https://journalisten.dk/psykiatri-professorom- dr-historier-skraemmekampagne-der-kan-koste-liv/.

36 Gøtzsche PC. Death of a whistleblower and Cochrane’s moral collapse. Copenhagen: People’s Press; 2019.

37 Sterll B. Den psykiatriske epidemi. Psykolognyt 2013;20:8-11.

Como a Noruega está oferecendo tratamento sem drogas a pessoas com psicose

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Matéria publicada pela BBC NEWS, em 19 de fevereiro, feita pelas jornalistas Lucy Proctor e Linda Pressly. Dada a importância que o máximo possível de pessoas ao conteúdo da matéria, o MIB apresenta a matéria quase que integralmente traduzida. Quem quiser ter acesso à matéria original e na íntegra, basta clicar aqui.

É da maior importância que aqui no Brasil seja fortalecido o debate sobre o direito de as pessoas em tratamento psiquiátrico terem assistência sem o uso involuntário dos medicamentos psiquiátricos. O MIB já publicou uma matéria sobre essa revolucionária iniciativa da sociedade norueguesa. Assim como publicou uma matéria mostrando que mesmo em um hospital psiquiátrico particular é possível tratamento não involuntário e livre de drogas psiquiátricas.

A realidade é que a maioria das pessoas com psicose toma drogas poderosas para manter as ilusões e alucinações à distância. Na Noruega, uma abordagem radical é agora oferecida através do sistema nacional de saúde para pacientes que querem viver sem drogas.

Malin tinha 21 anos quando a sua vida começou a desfazer-se. Ela tinha lutado contra uma depressão severa e baixa autoestima desde a adolescência. Então uma voz dentro da sua cabeça começou a dizer-lhe que ela era gorda e sem valor – e que deveria suicidar-se. “Fiquei muito zangada. Isolei-me, de certa forma, por causa de ter muito poder. Eventualmente também comecei a ver coisas, como que tentáculos saindo das paredes“, diz ela.

Malin deixou a sua pequena cidade natal próxima dos fiordes do norte da Noruega e partiu para a universidade. Mas não demorou muito a ter uma ruptura completa que a deixou incapaz de sair da cama. A sua família veio buscá-la e logo ela foi internada em uma unidade psiquiátrica onde permaneceu durante um ano. Foi a primeira das várias longas estadias em enfermarias de hospitais psiquiátricos, onde a poderosa medicação antipsicótica era o único tratamento disponível.

Eu estava tão cheia de drogas, que a minha mente era apenas um borrão. Simplesmente ficava ali passivamente sentada a ver a minha vida passar, sem qualquer ligação com as minhas emoções ou sentimentos. E foi sempre a mesma coisa. Procurava ajuda e o que eles me podiam dar era medicação. E na realidade nada melhorava.” (…)

(..) Na Noruega, as preocupações sobre o benefício integral destes medicamentos são agravadas por um problema de longa data com o tratamento forçado, que é mais comum aqui do que em muitos outros países, de acordo com o número limitado de comparações internacionais que existem. O Comité Contra a Tortura da ONU destacou o uso da Noruega do isolamento forçado em instalações de saúde mental como algo que tem de mudar.

Tal como Malin, Mette Ellingsdalen recebeu medicamentos antipsicóticos durante um período de 13 anos, quando sofreu depressões graves – como resultado do transtorno bipolar – e era incapaz de cuidar de si própria (…)

Tive uma grande crise que me introduziu no sistema, coisas da minha infância com as quais me debati fortemente. Os medicamentos entorpeceram alguns dos sintomas, mas também entorpeceram o meu próprio poder e a minha própria capacidade de lidar comigo mesma. De alguma forma perdi a minha própria história“, diz ela.

Finalmente, após cinco anos de tentativas, mas não conseguindo viver sem medicação, conseguiu afilar com sucesso os seus medicamentos e em 2005 juntou-se ao movimento para mudar o sistema de saúde mental da Noruega e é agora presidente do grupo de usuários da psiquiatria, o We Shall Overcome [Nós Devemos Superar].

(…) Anos de trabalho de defesa por pessoas como Mette valeram a pena em 2016, quando o ministro da saúde regional Bent Hoie ordenou que as autoridades de saúde regionais passassem a oferecer enfermarias de tratamento sem medicamentos. Embora o tratamento sem medicamentos esteja disponível em alguns outros países, a Noruega tornou-se o primeiro país do mundo a incorporá-lo como uma opção no sistema de saúde mental estatal.

Na época, o Dr. Magnus Hald era o diretor de saúde mental e abuso de substâncias no Hospital Universitário do Norte da Noruega, sediado em Tromso, a porta de entrada da Noruega para o Ártico. Ele tinha trabalhado durante anos em unidades onde muitas drogas eram usadas e estava ansioso por explorar um tratamento alternativo – por isso assumiu a tarefa de dirigir o novo departamento do hospital sem drogas.

Para mim, o mais importante é que as pessoas possam experimentar diferentes tipos de possibilidades“, diz ele. “É preciso dizer a verdade ao paciente sobre como funciona a medicação e o que se sabe sobre ela. E parece que, em cooperação com a indústria farmacêutica, eles dizem às pessoas coisas que não estão completamente corretas sobre como os medicamentos funcionam e quais são os riscos. Por exemplo, existe um mito de que existe algum tipo de desequilíbrio químico no cérebro de pessoas com problemas mentais graves [e] na realidade não há nenhuma investigação que realmente apoie isto“.

Muitos dos pacientes da unidade de Tromso estão afilando os medicamentos, o que leva tempo e cuidados. “Para a maioria dos pacientes que temos, funciona”, diz Hald. “Alguns pacientes nunca mais voltarão a usar qualquer tipo de drogas. E alguns pacientes poderão voltar a usar drogas após algum tempo e alguns pacientes poderão apenas reduzir as suas doses.

Malin, agora com 34 anos, é um paciente da unidade. Ela passa várias semanas de uma só vez em Tromso e depois vai para casa durante meses no intervalo, de volta para o seu cão, Jarek. Não é fácil – ela vive sozinha e tem pouco apoio mental nas proximidades, por isso o seu progresso é lento – e a voz que ela ouve não desapareceu completamente. Malin agora usa principalmente medicação para a tranquilizar durante a noite. Ela está a passar por terapia intensiva quando está na unidade, uma opção que diz nunca lhe ter sido oferecida enquanto tomava medicação. A arte tem sido central para a sua recuperação.

(…), mas o tratamento sem medicamentos é controverso na Noruega. Para muitos pacientes, os antipsicóticos são vitais. Claudia (não o seu verdadeiro nome) agora na casa dos 20 anos, tornou-se pela primeira vez suicida e delirante na adolescência. Parte da sua doença era acreditar que os antipsicóticos que lhe eram oferecidos estavam envenenados. Assim, foi internada em um hospital e forçada a tomá-los – e melhorou. “Mas depois de um período de stress, mais uma vez, fiquei realmente doente, e tive de recomeçar. E agora, de certa forma, cheguei à conclusão de que preciso de medicação para pelo menos manter a minha cabeça acima da água.Não gosto muito da palavra ‘normal’, mas sinto-me muito bem quando estou a tomar medicação. Sinto que consigo dar conta dos meus estudos, e sair com amigos e coisas do gênero, enquanto quando estou fora deles, a minha funcionalidade está apenas em declínio e sinto-me mais estressada e caótica e estranha“.

Os críticos dizem que o movimento sem medicamentos é impulsionado mais pela ideologia do que pela evidência. O Dr. Jan Ivar Rossberg, um psiquiatra que vive e trabalha em Oslo, compara-o às experiências fracassadas nas décadas de 1960 e 70, quando era dado rédea solta aos pacientes nas comunidades terapêuticas, encorajados a tomar LSD e a regressarem à infância. Esta metodologia foi denominada ” anti-psquiatria”.

A história tem-nos mostrado que esta abordagem não funciona, por isso deixamos de a utilizar. Não temos abordagens de tratamento comprovadamente eficazes sem medicação“, diz ele. Ele aponta para provas que mostram os melhores resultados para as pessoas com psicose, envolvendo medicamentos durante a fase aguda inicial, quando os delírios e alucinações são mais fortes, e permanecer com os medicamentos durante cerca de dois anos antes de tentar reduzir a dose para uma dose mais baixa.

Magnus Hald não está convencido disso. Ele está prestes a iniciar um projeto de investigação para rastrear os pacientes nos anos após terem estado na unidade sem medicamentos em Tromso. Não tem havido suicídios entre os seus pacientes livres de medicamentos, mas até agora a abordagem carece de uma forte base de evidências.

A ideia de medicina baseada em evidências é difícil dentro da saúde mental como um todo, embora seja obviamente um objetivo que devemos ter“, diz ele. “Ao mesmo tempo, sabemos que os diagnósticos em psiquiatria são apenas um sistema de classificação. Mesmo que se dê a uma pessoa um diagnóstico de esquizofrenia, não se vê qualquer disfunção no cérebro para além do que se experimenta ao iniciar uma conversa com a pessoa. Não se pode ver nada na tomografia ou nas imagens de ressonância magnética“.

Há também controvérsia sobre como o programa sem medicamentos poderia desenvolver-se no futuro.

Até agora, os pacientes na fase aguda da psicose não podem ser encaminhados para unidades sem medicamentos. Os grupos de usuários esperam mudar isso, argumentando que esta fase passa muitas vezes por si só se as pessoas puderem estar num local seguro e de apoio enquanto resistem à tempestade. Mas o Dr. Tor Larsen, especialista em psicose aguda, preocupa-se com esta ideia. Ele assinala que a maioria dos pacientes com psicose não tratada não se apercebe que está doente, pelo que não concordará em ser tratada com ou sem drogas – e as unidades sem drogas funcionam numa base voluntária. “É quase que por definição se ter alucinações ou delírios em que não se pensa estar doente, se se está em contato com Deus ou se se pensa ser o renascido Napoleão”, diz ele. “Assim, nos casos em que as pessoas têm psicose devastadora, pode ser importante dar-lhes tratamento mesmo numa base involuntária“.

(…), Hakon Rian Ueland, 54 anos, um dos militantes que ajudou a trazer tratamento sem medicamentos para a Noruega, acredita que esta conversa sobre o perigo esconde uma agenda para proteger a sociedade do comportamento muitas vezes desafiador das pessoas que passam por psicose. “Estão apresentando uma agenda para sedar as pessoas”, diz ele, acrescentando que os sintomas que alarmam as pessoas neurotípicas podem ser importantes para a pessoa que os experimenta. “Quando se passa por psicose, pode ser muito dramático“.

(…), Psiquiatras e doentes de todo o mundo estão observando o que acontece na Noruega, onde o governo tomou medidas decisivas para tentar melhorar a vida das pessoas psicóticas, dando-lhes mais poder sobre as suas vidas. A nível mundial, há uma reavaliação da forma como as pessoas com doenças mentais são tratadas e uma vontade de reduzir a coerção.

O tratamento sem medicamentos pode ser apenas mais uma moda terapêutica – ou pode ter o poder de mudar de vez a psiquiatria.

Matéria na íntegra →

[trad. e edição por Fernando Freitas]

Ouvir a Voz do Paciente: A Experiência de Retirada de Antidepressivos

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Embora os sintomas graves de abstinência sejam documentados há mais de 30 anos, a orientação para os médicos tem geralmente rejeitado estas queixas e sugerido que os sintomas de abstinência são leves e limitados a uma ou duas semanas. Contudo, após investigações recentes terem documentado sintomas de abstinência graves e a longo prazo, o NICE do Reino Unido e o Royal College of Psychiatrists finalmente reconheceram que os sintomas de abstinência podem durar meses – ou mesmo anos.

Sintomas de abstinência tornou-se agora um fato mais aceito:

“Há um consenso geral de que a abstinência afeta pelo menos um terço ou metade dos pacientes que param os antidepressivos”, e que “em cerca de metade dos casos de abstinência, os sintomas experimentados serão graves, sendo que a gravidade também está relacionada com a duração da sua utilização.”

Parte desta aceitação deve-se ao trabalho incansável por parte dos investigadores e usuários de serviços que têm defendido nos últimos anos a mudança de políticas. Uma petição dirigida ao governo escocês em 2017 e ao governo galês em 2018 trouxe à atenção do público em geral e dos responsáveis pela elaboração de políticas histórias poderosas sobre as experiências dos com a retirada das drogas psiquiátricas.

Agora, os líderes por detrás de ambas as petições uniram-se a um investigador acadêmico sobre a retirada de antidepressivos para apresentar as suas conclusões sobre as experiências de retirada dos usuários de serviços.

O Estudo

O estudo, publicado em Therapeutic Advances in Psychopharmacology, foi da autoria de Anne Guy, Marion Brown, Stevie Lewis, e Mark Horowitz.

Anne Guy é psicoterapeuta e coordenadora do secretariado do Grupo Parlamentar para a Prescrição de Medicamentos no Reino Unido; Marion Brown é uma psicoterapeuta aposentada e cofundadora do grupo de apoio aos doentes do Reino Unido “Recuperação e Renovação”. Stevie Lewis representa o grupo “Lived Experience of Prescribed Drug Dependence” (Experiência Viva de Dependência de Drogas Prescritas).

Mark Horowitz é um psiquiatra e pesquisador que estuda a retirada de antidepressivos no University College London. Horowitz foi anteriormente entrevistado pelo Mad sobre o seu trabalho.

Brown era o líder da petição escocesa, e Lewis era o líder da petição dos galeses.

Os autores resumem o seu estudo:

“Relatamos aqui uma amostra de pacientes que foram significativamente afetados pela retirada de medicamentos antidepressivos (e outros psicotrópicos prescritos) e que consideraram a resposta do sistema de saúde à sua condição inadequada e angustiante. Esta resposta inadequada levou a diagnósticos errados, investigações e tratamentos adicionais, e fez com que muitos dos respondentes perdessem a fé no sistema de saúde e procurassem ajuda em serviços não regulamentados liderados por pares.”

Um dos elementos do estudo avaliou que opções foram dadas às pessoas no seu primeiro encontro com um médico para relatar sofrimento. Os investigadores descobriram que os medicamentos eram, de um modo geral, o único tratamento oferecido, com psicoterapia quase não oferecida a ninguém:

“Um total de 97% dos que responderam receberam uma prescrição na sua consulta inicial com um médico, 5% relataram ter recebido uma terapia de conversação, e 0,6% receberam conselhos sobre o estilo de vida (com alguns pacientes a oferecerem mais do que uma opção).”

De acordo com os investigadores, “0% [dos inquiridos] reportaram ter sido avisados” sobre os efeitos secundários ou a possibilidade de sintomas de abstinência.

Um respondente descreveu a experiência típica da seguinte forma:

” Os médicos de clínica geral e psiquiatras nunca me avisaram dos efeitos secundários [da Venlafaxina] ou das dificuldades que eu poderia enfrentar na retirada. Todos eles, no entanto, têm estado muito interessados em aumentar a dose e dar-me alta.”

Como reagiram os médicos aos relatos de efeitos secundários apresentados pelos doentes?

“Quando os pacientes relataram efeitos secundários ao seu médico, a resposta do seu médico variou muito: 32% tentaram um medicamento alternativo, 35% adicionaram outro medicamento, 28% ajustaram a dosagem, e em 21% dos casos o médico descartou a ideia de que os efeitos secundários estavam relacionados com o medicamento prescrito.”

Experiências de Retirada

O estudo incluiu as experiências de retirada de 158 pessoas que assinaram uma das duas petições. As perguntas eram muito abertas, pelo que podiam fornecer todas as informações que desejassem sobre as suas experiências de retirada. De fato, a petição escocesa não incluía quaisquer perguntas, em vez de permitir que os peticionários apresentassem as suas experiências da forma que desejassem. A petição galesa incluía quatro grandes perguntas sobre a experiência de retirada e os apoios que tiveram – e como melhorá-la.

Os investigadores encontraram os seguintes temas comuns:

– “Falta de informação dada aos doentes sobre os riscos da retirada de antidepressivos.

– Médicos que não conseguem reconhecer os sintomas de abstinência.

– Os médicos estão desinformados sobre o melhor método de afunilamento dos medicamentos prescritos.

– Pacientes a serem diagnosticados com uma recidiva da condição de base ou doenças médicas diferentes da abstinência.

– Pacientes que procuram aconselhamento fora dos principais serviços de saúde, inclusive a partir de fóruns online.

– Efeitos significativos no seu funcionamento para os que sofrem de abstinência..

O elemento central que une a maior parte das experiências dos pacientes é uma falha de informação dentro do sistema médico. Os médicos não estão conscientes da prevalência ou dos sintomas comuns de abstinência; os médicos não compartilham informações sobre os riscos com os seus pacientes; os médicos não sabem como descontinuar os medicamentos. Esta falta de informação leva os pacientes a procurar conhecimentos médicos noutros locais, tais como fóruns em redes sociais.

Os investigadores concluem que estas experiências têm algumas implicações profundas para os tratamentos médicos.

Mais importante ainda, os médicos e os responsáveis pela elaboração de políticas precisam de ser capazes de ouvir melhor os doentes. Os pacientes têm vindo a descrever estas experiências de retirada há décadas, mas só no último ano ou dois é que estas experiências foram incorporadas nas diretrizes do Reino Unido. As diretrizes estadunidenses ainda estão atrasadas.

Se os médicos fossem melhores na escuta dos seus pacientes, não ignorariam estas experiências nem as enquadrariam como uma recaída de sintomas anteriores. Experiências de abstinência comuns como sintomas semelhantes aos da gripe, zaps cerebrais, e movimento muscular involuntário são obviamente muito diferentes dos sintomas que compreendem a “depressão”, por exemplo. Não há explicação para como os médicos podem enquadrar estas experiências como “recaídas”.

Os investigadores escrevem:

“Para além dos custos desnecessários para o sistema de saúde, muitos pacientes salientaram nos seus relatos o quão invalidante e angustiante era não se acreditar nos seus médicos enquanto experimentavam sintomas incapacitantes e graves”.

Os investigadores sugerem que as diretrizes devem incorporar esta informação para que os médicos estejam mais conscientes das questões. Os médicos também precisam de receber formação sobre a mais recente investigação – informada pelas experiências dos doentes – para que os antidepressivos sejam lentamente afilados para uma descontinuação bem sucedida.
Finalmente, os investigadores sugerem que as abordagens não farmacológicas à angústia, como a psicoterapia, devem ser expandidas para que os pacientes não sejam desnecessariamente expostos aos danos dos medicamentos antidepressivos.

Os sociólogos propõem mudanças para o Paradigma “Neuroecossocial” da Saúde Mental

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Um artigo recente publicado em Theory, Culture & Society propõe uma abordagem “neuroecossocial” para compreender a saúde mental. O sociólogo Nikolas Rose do King’s College London, entrevista publicada por nós no MIB, e os coautores Rasmus Birk e Nick Manning exploram formas alternativas de compreender a relação entre a “experiência vivida” pessoal e coisas como “determinantes sociais da saúde”. Eles buscam uma teoria integrativa que poderia ir além de uma ênfase reducionista no cérebro, no sentido de compreender a experiência das pessoas no contexto dos seus ambientes ou “nichos ecológicos”.

“Chegou o momento de os que se preocupam com a teoria social se voltarem a se envolver com questões de ‘saúde mental’. Há meio século atrás, as análises críticas da saúde mental estavam no centro da nossa compreensão do mundo social – quer no trabalho de Erving Goffman, Michel Foucault, R.D. Laing, Frantz Fanon, Dorothy Smith, Phyllis Chessler, Elaine Showalter, Thomas Scheff…” escrevem os autores.

“Poder e exclusão social, controle social e resistência; identidade, gênero, raça e estigmatização; eu, subjetividade e subjetivação; normas, normalidade e normalização; conhecimento e sua autoridade – estes não eram apenas noções centrais para a nossa compreensão do que era denominado doença mental, mas também para a reforma das práticas sociais para com aqueles que eram ‘diferentes’ e a compreensão compreender da injustiça social”.

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As críticas continuam a centrar-se na importância dos “determinantes sociais da saúde” em oposição ao modelo biomédico. Assim como há um apelo para novos entendimentos sobre as relações entre o pessoal e o social, o econômico e o ecológico que evitem as armadilhas da divisão mente-corpo.

O presente artigo oferece uma nova compreensão teórica das formas específicas que as ” vias neurológicas, ecológicas e sociais” vêm a influenciar a experiência de vida do ser humano. Os autores recorrem a vários conceitos diferentes da teoria social e da biologia para criar uma “caixa de ferramentas” para o desenvolvimento de uma abordagem integradora da compreensão da saúde mental de forma não reducionista.

Os autores observam que há investigações significativas que demonstram a relação entre certas situações sociais – por exemplo, viver numa grande cidade, ser um migrante e sofrer desvantagens sociais e econômicas – e o sofrimento psíquico. As pessoas que sofrem destas situações tornam-se mais vulneráveis a uma série de dificuldades, desde experiências associadas à esquizofrenia e à desordem bipolar até à ansiedade e depressão.

No entanto, escrevem que falta uma “teoria epidemiológica ecosocial” que “[…] integre efetivamente a compreensão social e biológica da saúde, da doença e do bem-estar””.

Pela sua própria contribuição, descrevem vários conceitos da teoria social e da biologia que podem orientar uma compreensão mais holística.

O primeiro destes conceitos é “nicho ecológico”. Os autores explicam:

“Precisamos de ir além das amplas correlações da epidemiologia social para nos concentrarmos nas experiências reais daqueles que vivem as suas vidas naquelas circunstâncias adversas que foram identificadas como determinantes sociais – pobreza, habitação precária, poluição, stress financeiro, abuso doméstico, racismo, estigma, trauma”.

Servindo como “fundo” do mundo de qualquer pessoa ou grupo de pessoas é o seu nicho ecológico. Isto pode ser resumido como a “zona de vida no interior de um meio que pode ser ocupada por um determinado organismo com o seu modo de existência, dieta, variação de temperatura, necessidades reprodutivas etc.”.

Como exemplo da aplicação deste conceito à análise social, discutem a investigação de Greg Downey sobre o nicho ecológico (ou múltiplos nichos) das crianças de rua no Brasil. Num determinado dia, estas crianças poderiam ter “navegado no tráfego perigoso, escolhido os seus caminhos através de favelas não mapeadas, evitado a polícia e a segurança privada, e organizado a si próprias para segurança pessoal e resolução de conflitos”.

Os autores salientam que estas crianças não existem simplesmente dentro de um nicho pré-estabelecido, mas constroem e reconstroem ativamente os seus nichos através da sua própria atividade.

O segundo conceito aqui é o de possibilidades. Um nicho ecológico proporciona certas possibilidades – por outras palavras, oportunidades e obstáculos para diferentes tipos de atividade.

Um exemplo dado pelos autores:

“Para as crianças de rua brasileiras que vivem em São Paulo, as calçadas da Avenida Paulista podem permitir dormir, oferecer as bolsas dos turistas com as compras que se vê nas suas vitrinas, oferece as lixeiras fora dos restaurantes para serem vasculhadas e assim por diante. Mas para as mulheres paulistas abastadas, que vivem grande parte das suas vidas em condomínios fechados, elas nada desfrutam quando se aventuram a sair pelas ruas sob pontes e calçadas, exceto a possibilidade de serem assaltadas ou agredidas; muitas se sentem sufocadas pela ansiedade e pela vulnerabilidade e o melhor é evitar as ruas por completo.”

Os nichos ecológicos estão cheios de todo o tipo de possibilidades para diferentes atividades, modos de vida e experiências

Desenvolvendo ainda mais esta linha de pensamento, os autores discutem um conceito chamado Umwelt. Um Umwelt, inspirado no biólogo Jakob von Uexküll, é a ideia de que espécies diferentes e mesmo seres humanos diferentes habitam mundos de experiência diferente. O que é “saliente” para um ser humano – aquilo que aparece na experiência, aquilo a que se presta atenção – pode não ser saliente para um gato, embora possa haver sobreposição.

Como os autores notam, muitas das características salientes da “Umwelten” humana dependem da cultura e da história. O monumento de Abraham Lincoln em Washington, D.C. não teria o mesmo significado para as pessoas do Reino Unido que para muitas nos Estados Unidos, que poderiam experimentar um sentido de “dever cívico ou orgulho” perante tais estátuas e em locais historicamente significativos. Além disso, os autores observam que este tipo de monumentos pode envolver uma tentativa de gerir a emoção e o sentimento público.

Eles ampliam estes argumentos, discutindo “atmosferas e localidades biológicas”. Aqui, salientam que os nichos ecológicos podem proporcionar possibilidades para diferentes emoções e sentimentos, e mesmo influências biológicas. Ao discutir a “toxicidade” experimentada pelas crianças de rua brasileiras, eles escrevem:

“Os nichos habitados pelas crianças de rua brasileiras são tóxicos, não apenas devido à luta diária para satisfazer as necessidades da vida contra uma ameaça de violência generalizada por parte de outras pessoas, porque a sua vitalidade é constantemente ameaçada pela exposição aos agentes patogênicos e parasitas com os quais compartilham as suas vidas.”

O objetivo aqui é começar a compreender como os nichos ecológicos interagem e se abrem a certos tipos de desenvolvimento psicológico, emocional e biológico, uma vez que, como a investigação dos determinantes sociais indica, os cérebros e os corpos não se desenvolvem no vácuo.

Os autores listam vários métodos de investigação que poderiam ajudar a mapear estes efeitos com mais detalhe, tais como a etnografia antropológica que analisa a experiência vivida pelas pessoas dentro de nichos ecológicos, as “técnicas de mapeamento mental” de Stanley Milgram, aplicativos para smartphones que poderiam ajudar a compreender como locais específicos podem ser geralmente associados a determinadas emoções, entre outros métodos.

Propõem que este tipo de investigação poderia informar os esforços de política pública para combater a desigualdade social e econômica e os efeitos deletérios para a saúde mental que podem resultar de tais ambientes “tóxicos”.

Os autores concluem:

“O conhecimento das formas como os seres humanos com diferentes habilidades e capacidades habitam os seus nichos poderia informar estratégias para criar ‘cidades saudáveis, seguras e sustentáveis’ através da arquitetura e design urbano, habitação e gestão de mobilidades – algo já conseguido em certa medida, e em alguns lugares, para aqueles ‘diferentemente capazes’ nos seus corpos ou sentidos”.

“Até certo ponto, tais preocupações já são estratégias motivadoras para a gestão de ambientes biofísicos, desde micróbios à qualidade do ar, embora raramente para os mais desfavorecidos. Ao desenvolver esta abordagem, nós sugerimos, transformaríamos questões como a justiça urbana ou o “direito à cidade”, relacionando-os com as consequências dos nichos desiguais que contornam e constrangem a existência vital daqueles que os habitam”.

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Rose, N., Birk, R., & Manning, N. (2021). Towards neuroecosociality: Mental health in adversity. Theory, Culture & Society(Link)

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