Muito lenta redução, é o melhor para a retirada dos antidepressivos

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Um novo artigo na revista Lancet Psychiatry descobriu que a redução mais lenta dos SSRIs é melhor para prevenir os efeitos de abstinência de antidepressivos.

Não é nenhum segredo que as pessoas têm dificuldade em sair de seus medicamentos antidepressivos. Os efeitos de abstinência de antidepressivos, conhecidos como síndrome de descontinuação, podem ser debilitantes o suficiente para que as pessoas sintam que não têm escolha a não ser continuar tomando antidepressivos, mesmo que as drogas não estejam funcionando ou as pessoas já tenham melhorado.

Agora, uma nova pesquisa publicada este mês na revista Lancet Psychiatry descobriu que a diminuição gradual dos ISRSs  (inibidores seletivos da recaptação de serotonina, como Prozac e Zoloft) é o modo mais provável de prevenir os sintomas de abstinência de antidepressivos. Os autores também descrevem os processos biológicos que tornam mais lenta a redução como sendo a opção melhor. O artigo foi escrito por Mark Horowitz do Hospital Prince of Wales, em Sydney, na Austrália, e por David Taylor, do King’s College London.

Os pesquisadores sugerem que a diminuição gradual dos ISRSs ao longo de vários meses tem maior probabilidade de prevenir os sintomas de abstinência, em vez do cronograma de 2-4 semanas que a maioria das diretrizes recomenda.

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ISRSs agem para manter a serotonina nas lacunas entre as sinapses, o que, em geral, eleva os níveis de serotonina. No entanto, o corpo humano tende a compensar mudanças químicas como essa para criar homeostase. Essa adaptação compensatória pode reduzir a quantidade de serotonina produzida nessas áreas.

Devido aos efeitos neurobiológicos dos ISRSs, é necessária uma redução da dose ‘hiperbólica’ para evitar sintomas de abstinência. Ou seja, a dose precisa ser reduzida por incrementos menores e menores. Uma redução de dose hiperbólica é quase exponencial. A dose é reduzida pela metade, depois novamente pela metade e assim por diante. Os autores dão o exemplo desta redução de dose para o citalopram (Celexa):

“Um regime de redução gradual que produziria reduções de aproximadamente 10% na ocupação dos receptores de serotonina com cada redução de dose de citalopram seria: 20 mg, 9 mg, 5, 4 mg, 3,4 mg, 2,3 mg, 1,5 mg , 0 · 8 mg, 0 · 4 mg e 0,00 mg. ”

As diretrizes de tratamento reconhecem o potencial para sintomas de abstinência e recomendam a redução gradual ao se interromper os antidepressivos. No entanto, eles recomendam redução de até 4 semanas, diminuindo a dose em grandes quantidades. Eles também geralmente sugerem que os sintomas de abstinência durarão apenas por um curto período de tempo e que muitas pessoas não experimentam nenhum sintoma de abstinência.

Infelizmente, as evidências da pesquisa sugerem o contrário. Um estudo randomizado de práticas de descontinuação descobriu que uma redução de 2 semanas não era melhor em prevenir sintomas de abstinência do que uma redução de três dias – nem a prática era longa o suficiente para prevenir a abstinência.

Uma pesquisa com pessoas que tentaram parar de usar um antidepressivo no Reino Unido no ano passado descobriu que 84,6% apresentavam sintomas de abstinência. Os sintomas comuns de abstinência incluem ansiedade, choro, dor, dormência, zaps cerebrais – que são descritos como “choques elétricos”-, sintomas semelhantes aos da gripe, náusea, vômito e diarreia, tontura, fadiga, insônia, pesadelos, problemas sexuais, confusão e amnésia.

De acordo com Horowitz e Taylor, os sintomas de abstinência logo após a interrupção de um antidepressivo também estão associados a um aumento de 60% nas tentativas de suicídio.

Na pesquisa do Reino Unido, os sintomas não passaram rapidamente. Dos que tomavam antidepressivos, 38,6% tinham sintomas de abstinência que duravam mais de um ano. Daqueles que tomavam múltiplas drogas (geralmente incluindo antidepressivos e benzodiazepínicos), mais da metade (56,6%) apresentava sintomas de abstinência que duravam mais de um ano. Quando solicitada a avaliar a gravidade desses sintomas, a classificação média foi nove em dez.

Outro estudo do ano passado (veja o relatório MIB  aqui ), descobriu que ‘tiras de afunilamento’ personalizadas podem ser usadas para interromper lentamente os medicamentos antidepressivos. Cerca de três quartos dos participantes do estudo conseguiram parar de usar os medicamentos com sucesso, o que foi especialmente notável porque mais de 60% já haviam sido testados no passado, mas não puderam ser interrompidos devido a sintomas graves de abstinência. As tiras permitem pequenas alterações na dose, o que possibilita que as pessoas descontinuem lentamente ao longo de meses, em vez de diminuir pela metade a dose e, em seguida, interrompê-la abruptamente.

Nesse estudo, o tempo necessário para descontinuar esteve relacionado ao período de tempo que uma pessoa tomava o medicamento – quanto mais tempo a pessoa o tomava, mais tempo demorava para ser suspenso. Em média, as pessoas levaram cerca de dois meses para interromperem o uso das drogas.

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Horowitz, MA e Taylor, D. (2019). Afunilamento do tratamento com ISRS para atenuar os sintomas de abstinência. Lancet Psychiatry. Publicado online em 5 de março de 2019. http://dx.doi.org/10.1016/ S2215-0366 (19) 30032-X (Link)

A Ameaça “técnica” da Indústria da Loucura

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Publicado na Radis.  Paulo Amarante, Psiquiatra, Pesquisador da Fiocruz e Presidente de Honra da Associação Brasileira de Saúde Mental, escreveu um artigo a respeito da Nota Técnica emitida em fevereiro pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

“As resoluções propostas abrem totalmente as portas para os interesses da ‘indústria da loucura’, empresas proprietárias de hospitais psiquiátricos e de ‘comunidades terapêuticas’ — onde se incluem as instituições religiosas —, para a indústria de medicamentos e de equipamentos médicos. Aspectos considerados muito delicados, como a liberação para a internação de crianças e adolescentes, a suspensão da política de redução de danos (e consequentemente da eleição exclusiva da internação integral e compulsória das pessoas que fazem uso abusivo de substâncias), a adoção da eletroconvulsoterapia (ECT) como política pública, inclusive com financiamento pelo SUS, dentre outras medidas, respondem aos anseios dos empresários que atuam no setor.”

Paulo Amarante entende que a chamada nova política de saúde mental do governo Bolsonaro faz parte da estratégia de desmonte do SUS.

“A nota é parte de uma estratégia consciente e bem determinada de desmonte do SUS e da reforma psiquiátrica e de restauração e ampliação dos interesses privados que atuam na saúde pública. Vai ser preciso continuar insistindo nas políticas de bases comunitárias, participativas, inclusivas e efetivamente voltadas para as pessoas com sofrimento mental e não para aquelas que as exploram.”

Leia o artigo na íntegra →

Corrupção Institucional na Colaboração Cochrane

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A Colaboração Cochrane é uma das instituições sem fins lucrativos mais importantes do mundo que visa ajudar as pessoas a tomar decisões informadas sobre intervenções de saúde. Uma boa decisão pode significar a diferença entre a vida e a morte, ou, na psiquiatria, a diferença entre ser permanentemente incapacitado pelas drogas e viver uma vida normal. Portanto, é de suma importância que as avaliações dos métodos de diagnóstico e de tratamento sejam tão imparciais quanto possível, tanto quanto analisar como a pesquisa original foi feita e é resumida em revisões sistemáticas – como são as revisões feitas da Cochrane.

A ciência prospera quando as pessoas têm tanta liberdade quanto possível. Ao longo de meus 25 anos na Cochrane, lutei para manter nossa liberdade e ideais, e para manter a estrutura da Cochrane como uma organização de base de luta por ideais, livre de conflitos comerciais de interesse.

No entanto, o idealismo tende a murchar com o tempo. Um colega escreveu-me que, com base em observações pessoais de mais de 35 anos, todas as ONGs, ao atingir um determinado tamanho, começam a operar de maneira diametralmente oposta à sua carta original de princípios.

O declínio moral na Cochrane começou em 2011 e foi acelerado quando um novo CEO, Mark Wilson, foi contratado em 2012, quem parece não entender o que é ciência, mas se concentra em ‘marca’ e ‘negócios’, ao em vez de tomar como foco uma ciência correta e a promoção do livre debate científico. Ele é favorável à censura científica e, infelizmente, foi apoiado por uma maioria do Conselho Diretor da Cochrane quando fui expulso pela Diretoria em setembro de 2017 e, posteriormente, demitido de meu trabalho como chefe do Centro Nórdico Cochrane em Copenhague. Nosso acesso a documentos na Dinamarca por meio da Lei de Liberdade de Informação revelou que o CEO exigira minha demissão, embora ele não tivesse mandato para fazer tal exigência.

Em meio a toda a turbulência após a minha expulsão, Bob Whitaker publicou um artigo em que esboçou que a principal razão para minha expulsão ter sido as minhas críticas à psiquiatria e às drogas psiquiátricas. Ele falou de um caso em que eu queria saber mais sobre as mortes em um estudo de longo prazo sobre pacientes psicóticos, e “o CEO da colaboração, ao em vez de achar que a busca valeria a pena de ser feita, encontrou razões para julgar que isso poderia ser motivo para a minha expulsão”.

Como membro do conselho eleito democraticamente, com o maior número de votos dos 11 candidatos, embora eu fosse o único que criticava a liderança da Cochrane, era meu dever apontar para o restante do conselho a má administração do CEO e do co-presidente da colaboração que eu havia notado e documentado.

No entanto, isso definiu entrarem em movimento ‘processos’ ímpares. Uma série de pequenas queixas levantadas contra mim pelo CEO da Cochrane, Mark Wilson, acabaram se transformando em um ataque em grande escala contra mim. Cochrane contratou um escritório de advocacia que realizou a chamada investigação independente, mas a revisão do advogado não foi de forma alguma independente. Ele sabia que o CEO – e, portanto, também o conselho, que é controlado pelo CEO, embora não devesse ser assim – tinha a intenção de me expulsar. Ele, portanto, com muita dificuldade conseguiu uma folha de parreira para esconder o que se passava, e assim se distanciou completamente do que planejava fazer. Está claro que ele não queria participar de nenhuma ação disciplinar.

O advogado me exonerou totalmente das acusações contra mim. Isso não significou nada, no entanto. Os copresidentes do conselho foram inescrupulosos e invocaram uma desculpa espúria para me expulsar. O melhor que conseguiram foi me acusar de “mau comportamento”, que eles não definiram, nem mesmo quando perguntados. Sem justificativa, meu destino foi selado e eu fui expulso de Cochrane. Outros 4 dos 13 membros do conselho de administração renunciaram em protesto.

Cochrane entrou em controle de danos. Passou as semanas seguintes justificando suas ações, emitindo declarações mentirosas e difamatórias contra mim durante eventos públicos cuidadosamente encenados. Isso desencadeou uma reação em cadeia de protestos de cientistas e membros do público. Mais de 10.000 pessoas assinaram uma petição lançada por um dos membros demitido do conselho ao Ministro da Saúde de que eu não deveria ser demitido; mas sem sucesso.

Cochrane reagiu da maneira como qualquer business como uma liderança desonesta reagiria. Escondeu-se atrás de cláusulas de confidencialidade e continuou a difamar-me, enganando milhões de pessoas, incluindo os seus próprios membros, sobre o que realmente aconteceu naquele dia em Edimburgo.

Eu escrevi um livro Death of a whistleblower and Cochrane’s moral collapse, que documenta a verdade, apoiado por gravações de salas de diretoria que foram vazadas, bem  como e-mails privados e depoimentos de cidadãos preocupados.

Sou amplamente conhecido por meu trabalho e integridade, talvez até mesmo a pessoa mais conhecida na Colaboração Cochrane, e ninguém jamais foi expulso desde que ela começou, em 1993. Minha história é, portanto, muito maior do que eu. Não se trata apenas dos custos pessoais de falar a verdade ao poder, defender a liberdade científica, que está constantemente sob ataque em um sistema de saúde dominado pela indústria farmacêutica e outros interesses econômicos, e cheia de falsas crenças, não menos importante na psiquiatria.

Esta é uma história sobre corrupção institucional e uma das piores investigações demonstradas na academia que vocês possam imaginar. Um líder errado pode destruir rapidamente o que milhares (na ciência) ou milhões (na política) de pessoas construíram pacientemente ao longo de muitos anos. Por conseguinte, essa história deve ser contada.

Eu deixei tudo para trás e vou lançar um Instituto para a Liberdade Científica , hoje, no dia 9 de março em Copenhague, que tem essas seguintes visões:

  • Toda ciência deve se esforçar para estar livre de conflitos financeiros de interesse.
  • Toda a ciência deve ser publicada o quanto antes e tornar-se livremente acessível.
  • Todos os dados científicos, incluindo protocolos de estudo, devem ser livremente acessíveis, permitindo que outros façam suas próprias análises.

Há um enorme interesse nesta iniciativa, o que é um bom sinal. O Instituto contribuirá para o desenvolvimento de melhores cuidados de saúde, onde mais pessoas serão beneficiadas e menos serão prejudicadas pelas intervenções que receberem. Nosso objetivo é dar uma contribuição substancial à evidência médica confiável de tal modo a que a nossa sociedade valorize e atenda às suas necessidades, e defendemos o debate científico aberto e pluralista, o acesso aberto aos dados e à publicação aberta.

Como se livrar dos Antidepressivos: muito lentamente, os médicos dizem

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Os pacientes que gradualmente reduziram sua dose diária de antidepressivos ao longo do tempo, após anos de uso, tiveram menor probabilidade de apresentar sintomas de abstinência.CreditCreditJoe Raedle / Getty Images

Publicado no The New York Times, em 6/3/19matéria do jornalista Benedict Carey. Reunindo evidências sólidas, dois psiquiatras acabam de publicar um artigo em The Lancet denunciando as diretrizes padrão empregadas pela Psiquiatria para ‘desmamar’ os pacientes dos medicamentos para a depressão (os chamados antidepressivos).

“Milhares, talvez milhões, de pessoas que tentam abandonar drogas antidepressivas experimentam sintomas pungentes de abstinência que duram meses a anos: insônia, surtos de ansiedade, até mesmo os chamados zaps cerebrais, sensações de choque elétrico no cérebro.

 Mas os médicos têm descartado ou minimizado tais sintomas, frequentemente atribuindo-os à recorrência de subjacentes problemas de humor. “

Os pacientes que gradualmente reduziram sua dose diária de antidepressivos ao longo do tempo, após anos de uso, tiveram menor probabilidade de apresentar sintomas de abstinência.CreditCreditJoe Raedle / Getty Images

O procedimento padrão empregado pelos médicos é o de considerar que os sintomas apresentados pelos usuários de antidepressivos não sejam ‘sintomas de abstinência’, mas que sejam sintomas do próprio “transtorno psiquiátrico” para ao qual a droga foi prescrita.

“O impressionante contraste entre a experiência dos pacientes e o julgamento de seus médicos tem provocado um debate acalorado na Grã-Bretanha, onde no ano passado o presidente do Royal College of Psychiatrists negou publicamente as alegações de duradouros problemas de abstinência para a ‘grande maioria dos pacientes’.

Grupos de defesa dos pacientes exigiram uma retratação pública; psiquiatras, nos Estados Unidos e no exterior, vieram em defesa do Royal College. Agora, uma dupla de proeminentes psiquiatras britânicos quebrou as barreiras de defesa, chamando a posição defendida pelo establishment como sendo muito equivocada e o conselho padrão sobre o ‘desmame’ como totalmente inadequado.”

Os autores argumentam em seu artigo que qualquer regime de abstinência que seja responsável deve fazer com que o paciente reduza a medicação ao longo de meses ou até de anos, dependendo do indivíduo, e não em quatro semanas, conforme é o conselho padrão.

Um fato importante: Dr. Horowitz e seu co-autor, Dr. David Taylor, professor de psicofarmacologia no King’s College e membro do South London e Maudsley N.H.S. Foundation Trust, decidiram abordar o tópico em parte por causa de suas próprias experiências com medicamentos.  Eles experimentaram na pele os ‘sintomas de abstinência’ ao fazerem uso das diretrizes oficiais para o ‘desmame’. Horowitz disse que ele teve sintomas graves de abstinência depois de 15 anos de uso de antidepressivos. O Dr. Taylor já havia escrito anteriormente sobre suas próprias lutas tentando diminuir a medicação.

A matéria do NYT é concluída fazendo referência a Laura Delano, já conhecida por nós, tendo estado conosco no I e II Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizados na ENSP/FIOCRUZ.

“Laura Delano, diretora executiva da Inner Compass Initiative, uma organização sem fins lucrativos que administra o The Withdrawal Project e se concentra em ajudar as pessoas a aprender sobre o uso de drogas psiquiátricas de formas mais seguras, disse: ‘Eu não sabia sobre os benefícios da redução lenta quando saí de cinco remédios em cinco meses, e tive um momento muito difícil nesse processo de retirada’.

O novo artigo, ela acrescentou, ‘fala sobre o quão difícil é levar essa informação ao mundo clínico. Nós, leigos, temos dito isso há muito tempo, e está dizendo que os psiquiatras precisaram eles próprios experimentar o processo de desmame para que essa informação fosse finalmente ouvida’”.

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Para ler o artigo na íntegra, clique aqui →

A Prevalência do Uso de Benzodiazepínicos no Brasil

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O estudo Prevalence of and pathways to benzodiazepine use in Brazil: the role of depression, sleep, and sedentary lifestyle (Prevalência e caminhos para o uso de benzodiazepínicos no Brasil: o papel da depressão, sono e estilo de vida sedentário) realizado pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas (INPAD), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do Prevention Research Center – Oakland, CA, USA e publicado pela Revista Brasileira de Psiquiatria, determina a prevalência do uso de benzodiazepínicos (BZD) e investiga os efeitos diretos e indiretos do consumo de álcool, estilo de vida sedentário (SL), sintomas depressivos (DS) e insatisfação com o sono (SD) no uso de BZD.

O II LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas foi utilizado para selecionar 4.607 indivíduos de 14 anos ou mais, incluindo uma amostra de 1.157 adolescentes (entre 14 e 18 anos). A metodologia para a seleção amostral foi a de amostra probabilística estratificada em 3 estágios: seleção de 149 municípios usando o método probabilidade proporcional ao tamanho (PPT); seleção de dois setores censitários para cada município, totalizando 375 setores, também usando PPT; e dentro de setor censitário, oito domicílios foram selecionados por amostragem aleatória simples, seguido pela seleção de uma pessoa dentro de cada domicílio para ser entrevistado, usando um questionário estruturado.

Os resultados mostram que aproximadamente um em cada dez brasileiros fizeram uso de BZDs em algum momento da vida, ademais o consumo depois dos 60 anos foi menor do que pessoas entre 49-59 anos, sendo um fato surpresa para os pesquisadores. Também foi constatado um menor uso entre adolescentes (2,7%) do que o previamente relatado em outro estudo brasileiro (5%) e um estudo europeu (5,6%). Já a prevalência do uso de BZD quando considerado o gênero, é maior entre as mulheres.

O artigo alerta que os BZDs são amplamente usados no tratamento de desordens do sono. Quando tratamentos não farmacológicos não são providenciados, o risco do uso indevido é uma preocupação comum. Os autores do artigo afirmam que os profissionais de saúde deveriam encorajar abordagens não farmacológicas para desordens do sono, tais como atividade física.

Por último, os pesquisadores estimam que existam mais de 13 milhões de usuários de BDZs no Brasil. E concluem  que a combinação da falta de políticas efetivas para combater o excesso de prescrição, o mercado ilegal de BDZs e os insuficientes esforços para educar a população sobre os riscos associados ao BDZs poderiam ter um importante papel nesse cenário.

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MADRUGA, Clarice S. et al . Prevalence of and pathways to benzodiazepine use in Brazil: the role of depression, sleep, and sedentary lifestyle. Braz. J. Psychiatry,  São Paulo ,  v. 41, n. 1, p. 44-50, Feb. 2019. (Link)

O Cemitério dos Vivos

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Cemitério dos Vivos é um romance inacabado de Lima Barreto, baseado nas anotações feitas num Diário quando o escritor esteve internado no Hospício da Praia Vermelha. As “Anotações para o Cemitério dos Vivos” [1] foram sugeridas por meu editor, e aceitas imediatamente, como complemento do meu livro “Ouvindo Vozes” por dois motivos: compartilhar os escritos de Lima Barreto para os jovens estudantes de hoje; e – o que encantou meu editor – mostrar as semelhanças de um hospício no século XXI e àquele de quase cem anos atrás.

Uma das características do hospício é anular o tempo e o espaço. Quando começava minha jornada, ainda na Colônia Juliano Moreira, aplicando um censo aos internos, no início dos anos oitenta do século passado, observamos que os pacientes respondiam com uma idade discrepante à observação de seus rostos. Diziam ter a idade muito pouca para rostos marcados. Foi fácil perceber que a idade dada correspondia ou estava muito perto da data da internação naquele cemitério de vivos. Como se o tempo tivesse ali parado para sempre. As “anotações” de Lima Barreto, feitas em 1919, mostravam enfermarias e pacientes semelhantes às minhas próprias descrições de um hospício que minha equipe tentava mudar. Quase cem anos depois a impressão é que estamos no mesmo momento temporal.

Quanto ao espaço, basta viajarmos para outros lugares e países. São muito iguais. Disposição panóptica, celas, grades, banheiros sem privacidade, refeitório sem talheres. Roupas iguais de cores semelhantes. Eu mesmo as nominei de “azul hospício” ou “cinza manicômio”, aquelas roupas de brim impessoal. Em comum as grades de ferro que aferrolham o tempo e o espaço no manicômio.

Mas desde o final da década de 1980, um movimento se opôs ao velho, longevo e perverso manicômio. O movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, que aprendeu com o movimento da Reforma italiana de Basaglia. Seu lema: “por uma sociedade sem manicômio”. O movimento visava a ultrapassagem do hospital psiquiátrico.

Foram criados dispositivos substitutos do manicômio na intenção de sua superação. Um passo cuidadoso para não provocar desassistência. E em trinta anos de teorias, práticas, acertos, desacertos, temos a certeza de que o manicômio pode ser substituído por dispositivos comunitários que mostraram sua eficácia e eficiência. Podemos afirmar que foram criadas novas formas de tratamento e de assunção ao tratamento pelos usuários e familiares, que transformou a prática hospitalar obsoleta. Digo hospitalar porque os CAPSs, as RTs [2],  as Unidades de Acolhimento, Leitos no Hospital Geral e outros dispositivos de trabalho e lazer deram provas de substituir com vantagens o hospital psiquiátrico especializado.

Aqui se encontra o nó. O calcanhar de Aquiles da Reforma Psiquiátrica. Na radicalidade da Reforma o hospital psiquiátrico deve ser dispensado. Primeiro por que os dispositivos reformistas devem ser substitutivos e não alternativos ao hospital especializado. Segundo por que o hospital psiquiátrico especializado com facilidade se transforma em manicômio. Terceiro por que a Reforma é dA Psiquiatria e seu locus fundador – o hospital . E não uma Reforma dos métodos usados nA Psiquiatria.

Basaglia mostra que não é o manicômio que deforma a psiquiatria, mas a psiquiatria que produz o manicômio. A partir do hospital psiquiátrico especializado de “boas intenções”. Ele cataloga, segrega, separa da comunidade e da família, aplica o saber sobre a doença sem considerar o sujeito que adoeceu. E o hospital psiquiátrico subordina qualquer outro saber sobre a loucura ao saber médico hegemônico.

O fenômeno da loucura é por demais complexo para que seja explicado apenas pela medicina. Não pode ser reduzido a uma doença catalogada nos manuais diagnósticos em que sintomas são agrupados pela subjetividade do examinador. Há algo muito além disso. Outros saberes são chamados ao campo da loucura para, minimamente, chegar perto da compreensão possível. A transdisciplinaridade é uma abordagem científica que visa a unidade do conhecimento. Ela procura estimular uma nova compreensão da realidade articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de compreensão da complexidade. A Reforma se faz assim. É pré-requisito.

Mas voltando ao nosso calcanhar de Aquiles, a medicina nunca foi totalmente convencida disso, apesar de ter acolhido a reforma e dela ter se apropriado, sempre tentando a hegemonia do seu saber e mantendo o hospital psiquiátrico ao qual alternava os dispositivos da reforma. Nunca aceitou o fim do hospital psiquiátrico. Poucos centros de formação médica escapam a essa crítica, apesar da existência de muitos médicos reformistas radicais, dentre os quais me incluo, sem que nada dessa visão transdisciplinar diminua nossa atuação. Pelo contrário. Sentimo-nos mais seguros de usar nossos conhecimentos e aprendemos muito mais sobre o sujeito, antes apenas um doente portador de uma enfermidade.

Essa sedição psiquiátrica, já existente dentro do movimento da reforma, criou uma fissura, por onde se alimentou a reacionária Associação Brasileira de Psiquiatria e o atual governo proto-fascista para ressuscitar o hospital psiquiátrico e seus métodos antigos, às vezes travestidos de modernidade, negando que os dispositivos da reforma sejam substitutivos. Essa simples negativa destrói a construção da Reforma Psiquiátrica. A medicina volta a colocar o hospital no centro da atenção e aceita tratar os casos mais leves nos dispositivos comunitários. Isso é a morte da Reforma e a volta ao modelo que ela tentou superar.

Daí ao retorno do manicômio é apenas uma questão de tempo, como sempre aconteceu na história. Além de que os manicômios religiosos – que tentam juntar ciência e fé – para o tratamento de usuários de drogas serão o absurdo piorado do manicômio: a mistura de drogas psiquiátricas e penitências involuntárias (que são apenas métodos de tortura) funcionarão como corretivos perversos em nome da fé. Verdadeiros campos de concentração.

Não duvidamos que um pouco mais no futuro – se essa tendência não for detida – o romance de Lima Barreto poderá ser terminado. O “Cemitério dos Vivos” ressurgirá como a vitória do proto-fascismo em nossa sociedade.

Referências bibliográficas: 

[1] Ouvindo Vozes, Vieira & Lent, RJ, 2009.

[2] CAPS – Centro de Atenção Psicossocial (um turno, dois turnos ou 24 horas, para transtornos mentais e uso abusivo de drogas em adultos e crianças). RT – Residência Terapêutica para pacientes moradores de hospitais psiquiátricos.

Tratamento com Choque Elétrico é controverso para depressão grave

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Publicado em Daily Mail: a violência do eletrochoque.

Entre as medidas tomadas pelo Ministério da Saúde do governo Bolsanaro, há o retorno da terapia eletroconvulsiva (ECT) como prática oficial no sistema de saúde pública. Afinal de contas, como os atuais gestores das políticas de saúde mental no país dizem: hoje, com o Governo Bolsonaro, não há mais lugar para “formas terapêuticas substitutivas”. Portanto, assim como os “hospitais psiquiátricos”, o eletrochoque passa a fazer parte da saúde pública.

E há muitos os que defendem a ECT.  Mad in Brasil já publicou várias matérias demonstrando que muito pouco de científico há na ECT. O que as inúmeras evidências científicas acumuladas têm mostrado é que a ECT causa danos cerebrais, frequentemente irreversíveis, sem levar em consideração os danos psicológicos e sociais.

Mais uma matéria (internacional) a respeito.

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Novo livro desconstrói a ideologia da terapia cognitiva-comportamental (TCC)

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Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo de treinamento para o Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações como facilitador e consultor. Até recentemente, ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.

Autor e psicoterapeuta, Dr. Farhad Dalal, publicou recentemente um livro que critica as bases filosóficas e científicas da Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC). Frequentemente defendida como uma alternativa às drogas psiquiátricas, a TCC, segundo a investigação de Dalal, é derivada dos mesmos entendimentos científicos e filosóficos falhos, menos preocupada com as origens do sofrimento e mais propensa a reduzir o sofrimento a explicações medicalizadas e a tratamentos institucionais.

O livro, intitulado CBT: The Cognitive Behavioural Tsunami (‘CBT: O Tsunami Cognitivo-Comportamental’), examina as influências da ideologia do gerenciamento (managerialism) dos problemas em saúde mental, da política e da ciência corruptas que endossam pontos de vista e respostas particulares ao sofrimento humano. A introdução do livro apresenta a seguinte declaração:

Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo de treinamento para o Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações como facilitador e consultor. Até recentemente, ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.

“A ascensão da TCC foi fomentada pelo neoliberalismo e pelo fenômeno da Nova Gestão Pública. O livro não apenas critica a ciência, a psicologia e a filosofia da TCC, mas também desafia a mentalidade gerencialista e sua compreensão hiper-racional de ‘eficiência’, ambos as quais são comuns na vida organizacional hoje em dia. “

“O livro sugere que essas são formas perversas de pensamento, que foram institucionalizadas pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica e de Saúde (NICE) e pelo IAPT, e usadas por essas instituições para gerar narrativas das proezas da TCC. Ele afirma que a TCC é um exercício de redução de sintomas, que exagera enormemente o grau de redução dos sintomas, a durabilidade da melhora e o número de pessoas que ajuda.”

Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo do Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações enquanto facilitador e consultor. Até recentemente ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.

A questão central abordada por Dalal é: “A TCC é tudo o que afirma ser?” Em resposta a isso, Dalal descreve vários argumentos que ilustram as falsidades subjacentes ao apoio à TCC. Primeiro, ele argumenta que a TCC surgiu de um encantamento com a hiper-racionalidade e com uma noção muito restrita do que está incluído sob o guarda-chuva da ‘ciência’. A tentativa da TCC de entender o sofrimento humano é modelada a partir da noção de que tudo deve ser mensurável com precisão, para contabilizar, e, além disso, que tudo deve ser documentado para ser legítimo.

“A atividade da ciência é supostamente a produção de conhecimento objetivo por meios racionais”, escreve ele. “Os ‘meios’ em si são uma mistura de observação (evidência empírica) e argumento lógico. A TCC afirma produzir conhecimento científico dessa maneira e, com base nisso, afirma que suas reivindicações são racionais, objetivas e livres de valor. Em suma, que falam a verdade.

Desta forma, a TCC é apresentada de uma forma que nega a inserção cultural. No entanto, Dalal transmite a conexão entre essa abordagem e uma cultura de eficiência promovida pelo capitalismo neoliberal. Instituições e estruturas neoliberais promovem eficiência, por meio de formas tais como medidas de austeridade, e que na prática resultarão efetivamente em maiores níveis de sofrimento. Por conseguinte, o sofrimento humano passa assim a ser conceituado enquanto doença, por meio de uma estrutura de TCC e, como tal, as mesmas políticas culturais que contribuem para o sofrimento são aquelas que passam a oferecer a TCC enquanto uma solução.

Dalal expande seu enquadramento da TCC entendendo-a como uma terapêutica baseada na hiper-racionalidade:

“A palavra de ordem da hiper-racionalidade é ‘comando e controle’; sua expectativa é que devemos ser capazes de controlar tudo: não apenas o mundo, não apenas o funcionamento das organizações, mas nossas próprias formas de ser ”.

O embasamento da TCC em um quadro científico positivista dita as condições pelas quais a TCC é estudada e promovida, argumenta Dalal. Ele afirma que a narrativa da TCC é aquela que aceita sem crítica a existência de ‘transtornos mentais’ no DSM. A TCC, como tratamento, é estudada e promovida juntamente com a reificação dos transtornos mentais. Ele afirma:

“Com base nisso, os tratamentos para transtornos mentais são testados em condições controladas pelos cientistas. Isso produz evidências científicas sobre se o tratamento realmente funciona ou não (a base de evidências) ”.

Uma vez que essas evidências sejam estabelecidas e interpretadas como convincentes, os órgãos institucionais que regulam as recomendações de tratamento, como o NICE, desenvolvem diretrizes para a disseminação de tratamentos semelhantes.

Contudo, Dalal diz ser muito preocupante a explícita ausência de uma visão crítica e o baixo nível das evidências usadas para a promoção da TCC. Seu principal argumento envolve examinar e questionar os fundamentos ideológicos desse processo. Ele escreve:

“Leituras ideológicas eliminam as reviravoltas, assim como as complexidades, contradições e lutas de poder para fazer parecer que eles nunca estiveram lá em primeiro lugar. O fato é que a narrativa da TCC sobre si mesma é uma narrativa política que se disfarça como sendo científica ”.

O livro de Dalal se concentra em desconstruir essa leitura ideológica. Ele discute a influência da filosofia utilitarista na popularização da TCC, ou o que ele chama de “tsunami da TCC”. Isso envolve a necessidade de uma exploração mais cuidadosa das compreensões convencionais do que é felicidade.

Além disso, ele desconstrói a política de formação de identidade. Isso se refere às maneiras pelas quais as psicodisciplinas (psicologia, psiquiatria e psicoterapia) exercem o positivismo para medicalizar e individualizar o sofrimento. Ao fazer isso, o que fazem é aceitar os quadros diagnósticos de sofrimento enquanto transtornos individuais.

Dalal prossegue explicando a gênese do cognitivismo e sua conexão com a economia neoliberal. Ele relata um exemplo disso, descrevendo a conceituação de angústia (enquadrada como depressão) como a incapacidade para trabalhar. Os órgãos governamentais não conseguem ver as maneiras pelas quais esse ‘fardo’ é resultado de medidas de austeridade. A solução lógica para este problema, quando enquadrado dessa maneira, é, de acordo com Dalal:

“Trate a doença e as pessoas voltarão ao trabalho.”

“Por trás disso, novas categorias de diagnóstico aparecem em discursos e artigos emanados do Departamento do Trabalho e Pensões (DWP), por exemplo, a ‘resistência psicológica ao trabalho’. O DWP está hoje oferecendo contratos lucrativos para os que fornecem tratamentos para ‘doenças mentais’ desse tipo.”

A ligação entre o cognitivismo e a economia neoliberal é representada também no ‘vamos fornecer à população’ a TCC , afirma ele. Nesse processo, a tarefa de examinar as evidências e a base científica dos tratamentos é repleta de corrupção e ilusão, na medida em que um enquadramento terapêutico particular é incentivado, sem o reconhecimento de sua inserção cultural, nem tampouco o seu plano de fundo de natureza ideológica.

Dalal assume a postura de que o apoio à TCC é amplificado por generalizações, distorções, e mentiras (‘fake news’), tudo isso enraizado na objetivação da subjetividade. A pesquisa é restrita e os resultados são impulsionados pelo desejo dos pesquisadores, e não pela realidade clínica propriamente dita:

“Quando despojado do jargão”, escreve ele, “o tratamento com TCC é pouco mais do que a injunção: pense diferente, e você se sentirá diferente”.

Ele continua:

“Essas práticas não apenas terminam atendendo a pacientes que mudam rapidamente na sua forma de pensar, diluindo significativamente a intensidade e a duração dos tratamentos aos quais têm direito, mas também colocam os praticantes sob níveis insuportáveis ​​de estresse. Mas a arte do gerencialismo é a de fazer parecer que nenhuma dessas coisas está acontecendo e que a instituição está cumprindo todos os seus objetivos e metas ”.

Em sua conclusão, Dalal adverte contra a terceira onda da TCC, que inclui a promoção da Terapia Cognitiva Baseada na Atenção Plena (MBCBT). Embora a evidência dessa abordagem enquanto um remédio eficaz para a depressão tenha sido adotada pelo NICE e pelo IAPT, o autor aponta que não é essa história de sucesso real da TCC que à primeira vista pode parecer.

Em vez disso, ele analisa esses estudos para demonstrar as maneiras pelas quais as manobras estatísticas e a ofuscação linguística criam uma história que combina com uma narrativa da TCC. Dalal conclui que a TCC em si é uma ilusão, reforçada e sustentada por crenças, sistemas e estruturas gerencialistas circundantes:

“A ilusão cognitivista é exatamente isso: a ilusão de que os seres humanos modernos são essencialmente seres cognitivos, de tomada de decisão racional. A ilusão continua: os pensamentos precedem as emoções e são separáveis ​​delas … Uma vez corrigida, uma vez que a cognição combina com a realidade, então a vida emocional se alinha e a pessoa está em recuperação. Isso é prontamente possível com qualquer coisa que cause sofrimento, e bastam entre seis a vinte sessões.”

***

Vídeo de Dalal apresentando como é a venda ao público da base de evidências da TCC: https://www.youtube.com/watch?v=T2OsehrTKTA

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Dalal, F. (2018). CBT: The Cognitive Behavioural Tsunami: Managerialism, Politics and the Corruptions of Science.

Convite à ação: próxima Greve de fome contra a Terapia Eletroconvulsiva (eletrochoque)

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A proclamação anti-eletrochoque

Nós que nos importamos, 
Nós que estamos comprometidos com a decência 
Nós que contemplamos com horror o desrespeito pela vida humana ao nosso redor, 
Nós que estremecemos com o conhecimento 
De que mulheres cuja memória foi transformada em brasas e cinzas, 
De famílias brutalmente rasgadas por ondas de impulso ou ondas senoidais, 
Dos idosos, cuja recompensa final de vida é a eletrocussão, 
Nós que possuímos esse assustador conhecimento não podemos mais calar. 
LEGISLADORES, a esse respeito, nesta semana do Dia das Mães, responsabilizamos vocês diretamente e pedimos que vocês retirem sua autorização para eletrochoque. 
CIDADÃOS COMPANHEIROS que acham que esta ‘prática’ parou há décadas, nesta semana do Dia das Mães, 
nós lhes dizemos que a carnificina continua e que vocês também são responsáveis.
Neste dia antecede o Dia das Mães, 20 de maio, como sobreviventes e aliados, nos reunimos para levantar nossas vozes em protesto, 
E prometemos retornar, 
retornar, 
e voltar novamente 
Até que esta abominação 
não exista mais. (Burstow, 2004 ) [1]

O objetivo deste blog é fornecer a vocês algumas informações críticas contra-hegemônicas. Além disso, o artigo constitui um apelo à ação. Mais especificamente, é um chamado à ação contra uma das atrocidades psiquiátricas mais terríveis dos dias atuais – o horror eufemisticamente conhecido como ‘eletroconvulsoterapia’.

Os contextos para este artigo e para essa chamada de mobilização – e os contextos são importantes não apenas como contexto, mas também em si mesmos – são os seguintes:

  1. O eletrochoque (ECT) continua a crescer, embora tenha sido demonstrado conclusivamente ser ineficaz e prejudicial ao cérebro. Além disso, como os profissionais e os sobreviventes da ECT têm demonstrado há muito tempo, a ECT destrói a memória e deixa rotineiramente a vida das pessoas em frangalhos (ver Ross, de 2006, [2] Burstow, 2015, [3] e Andre, 2009 [4]).
  2. Embora a ECT seja inaceitável e seja um ato de violência, independentemente de quem esteja sendo submetido a ela, a ECT é desproporcionalmente violenta contra as mulheres. [5] Notem a este respeito, apesar da impressão errônea criada por filmes como Um Estranho no Ninho, em cada época em que o choque foi dado e em cada jurisdição na qual a ECT prevalece, duas a três vezes mais mulheres do que homens são submetidas a esse tratamento prejudicial ao cérebro – uma realidade ainda mais hedionda quando, como mostra o maior estudo da história da ECT, o estudo de Sackeim, [6] as mulheres são consideravelmente mais danificadas por esse ‘tratamento’ do que os homens. Somado a isso, a ECT é desproporcionalmente dada aos idosos. Consequentemente, à luz dessas estatísticas, há mais de uma década várias organizações vem no dia anterior ao Dia das Mães se manifestando contra o choque, junto com o grupo radical que iniciou a tradição – a Coalition Against Psychiatric Assault (CAPA) – que usa o slogan “ Parem de dar choques em nossas mães e avós. ”
  3. Um romance que torna real a dinâmica envolvida – The Other Mrs. Smith – foi recentemente selecionada para um prestigiado prêmio literário. O que aumentam as chances de esse livro ser colocado em mais e mais mãos, estimulando assim um despertar do público.
  4. Graças a uma ação coletiva na Califórnia, houve um avanço impressionante graças contra os fabricantes das máquinas de choque elétrico (sim, as máquinas usadas na Califórnia são idênticas àquelas usadas em todos os locais do mundo e, de fato, são produzidas e comercializadas pelas mesmas empresas.). Como o psiquiatra Dr. Peter Breggin – um perito que atuou no caso – nos informa, o processo da ação contra os fabricantes de máquinas de choque da Califórnia produziu exatamente o que os peritos críticos da ECT já tinham previsto – em essência, a determinação de que sim, “um júri razoável poderia descobrir que o fabricante de dispositivos ECT causou danos cerebrais aos queixosos ao deixar de avisar. . . da lesão cerebral, ou, alternativamente, por não investigar e relatar à FDA alegações de danos cerebrais e perda permanente de memória, para que as informações sejam disponibilizadas ao público.”  À luz desse desenvolvimento, um acordo foi fechado para a compensação dos demandantes.

E, sim, a propósito, essas são as mesmas máquinas e procedimentos que, ano após ano, a indústria tem assegurado ao público desavisado como sendo algo novo, melhor, seguro e eficaz – sobretudo para que os profissionais saiam por aí a repetir isso! E pensar que a maioria da mídia ainda se apaixona por tal propaganda! Dito isto, por esta conquista, precisamos agradecer ao escritório de advocacia DK Law Group, que levou o caso adiante, bem como aos demandantes corajosos, e aos vários profissionais honestos – e houve legiões deles- que forneceram dados que desmentiam a linha oficial da indústria e / ou que deram seu testemunho. Contudo, acima de tudo, eu gostaria de reconhecer a coragem de uma mulher que sobreviveu a choques, cuja visão desencadeou essa ação de classe e foi quem fez uma quantidade gigantesca de trabalho para que isso viesse a acontecer: a ainda desconhecida heroína Deborah Schwartzkopff! Eu adicionaria que você em breve poderá esperar haver processos similares em todos os locais do mundo. Do mesmo modo, se você mesmo for uma vítima da ECT em qualquer Estado, eu o(a) encorajaria a escrever para [email protected]

O contexto final – e particularmente atraente – é uma decisão pessoal que foi tomada há alguns meses por uma outra mulher corajosa sobrevivente de choque – Connie Neil, residente em Ontário. Tendo sido profundamente prejudicada pelos choques e havendo sido testemunha e militante durante anos, Connie se aproximou da Coalition Against Psychiatric Assault (CAPA) anunciando a sua intenção de fazer uma greve de fome contra o eletrochoque e pedindo à CAPA para organizá-la. Depois que ela recebeu a aprovação do seu médico e conselhos sobre como fazer uma greve de fome com segurança, a resposta da CAPA foi um retumbante sim! E que outra resposta poderia ser concebível !!?

Peço licença ao leitor para esticar esse meu blog para relatar a grande importância do que aconteceu aqui. No momento em que a sociedade está finalmente fazendo avanços contra a ECT, o que Connie nos deu é nada menos que sensacional. Montar uma greve de fome está alinhado com o melhor do ativismo louco (mad activism) – notem, a esse respeito, o Fast for Freedom Hunger Strike of 2013, a greve de fome contra a Associação Americana de Psiquiatria (APA).  Esse episódio dramatiza, torna concreto e, no processo, tem a chance de atrair a atenção do público em geral. Observem, adicionalmente, que o mestre da resistência não-violenta, que é o próprio Gandhi, enfatizou a importância do simbolismo na ação não-violenta – e observem igualmente que o que Connie está nos dando aqui é um símbolo enormemente poderoso: nada menos que uma sobrevivente de choque de 80 anos de idade que foi a uma greve de fome para tentar impedir que o horror que foi visitado por ela continue a ser visitado por outros. Um símbolo como esse cai no colo uma vez na vida. E como cidadãos informados, temos o dever de aproveitar ao máximo.

Daí que a CAPA irá ampliar a sua atuação durante a semana do Dia das Mães daqui a alguns meses. Trata-se, portanto, de um apelo à solidariedade – um chamado à ação.

Então, o que exatamente é o planejamento da CAPA para 2019? A agenda evoluiu e é a seguinte:

  1. No dia 10 de maio próximo, ao meio-dia, uma conferência de imprensa será realizada em Toronto. Nela, membros da CAPA, incluindo Connie e o ex-MPP Cheri DiNovo, falarão contra o choque – o financiamento público e a própria existência da própria terapêutica do choque – e esclarecerão o que CAPA estará fazendo e por quê.
  2. No dia 11 de maio, em aliança com várias organizações diferentes que estão co-patrocinando ou endossando, a partir do meio-dia haverá uma enorme manifestação pública anti-choque realizada em frente da prefeitura de Ontário, completada com discursos, testemunhos e canções de protesto.
  3. Em 12 de maio, em um local ainda a ser determinado, a greve de fome de vários dias começará. Connie estará presente, acompanhada por apoiadores. Idealmente, ela também será acompanhada por mulheres e homens em greve de fome com ela. Os dias da greve de fome serão igualmente repletos de discursos e depoimentos, e esperamos que haja uma interação frequente com a mídia. A pièce de la résistance, é claro, será a própria Connie. Quem pode simplesmente dispensar uma sobrevivente de choque de oitenta anos tão comprometida como ela e essencialmente colocando seu corpo frágil na linha de frente?

Então o que você pode fazer? Ou, em outras palavras, como você pode se envolver?

Se você pertence a alguma organização, exemplos de coisas que você pode fazer são os seguintes:

  • Ajude CAPA a divulgar o evento
  • Concordar em co-patrocinar ou endossar
  • Ajudar a reunir imprensa simpática
  • Organize uma ação paralela, possivelmente a sua própria greve de fome
  • Envie declarações e depoimentos para serem lidos
  • Pressão sobre seus próprios legisladores para retirar o financiamento público ou melhor ainda não permitir o eletrochoque
  • Trazer um contingente de pessoas para Toronto para participar como grevistas de fome e/ ou apoiadores da ação.

Indivíduos podem participar de forma semelhante.

Qualquer pessoa ou organização que deseje se envolver, seja assumindo uma ou mais dessas sugestões, ou de qualquer outra forma, você pode começar enviando um e-mail para a Coalizão em [email protected].

Concluindo, eu encorajaria o maior número possível de pessoas e grupos a participar desta ação e / ou criar um protesto anti-ECT. Resumindo: é hora de as mentiras sobre a ECT pararem. E além disso, é hora de parar o uso da ECT.

O que temos aqui é uma questão de justiça social. O que temos aqui é uma questão feminista. Apesar da sobreposição “pseudo-médica”, o que temos aqui é um crime contra a humanidade. Além disso, o momento está conosco.

E o “tempo para atacar” é agora.

Notas de rodapé:

  1. Burstow. B. (2004). The Anti-Electroshock Proclamation (written for a demo and used every year—please feel free to spread far and wide and to use as needed)
  2. Ross, C. (2006). The sham ECT literature. Ethical Human Psychology and Psychiatry, 8, 7-16
  3. Burstow (2015). Psychiatry and the business of madness. New York: Palgrave
  4. Andre, L. (2009). The doctors of deception: What they don’t want you to know about shock. Chicago: Rutgers University Press
  5. Burstow, B. (2006). Electroshock as a form of violence against women. Violence Against Women, Vol. 12, No. 4, pp. 372-392
  6. Sackeim, H. et. al (2007). The cognitive effects of electroconvulsive therapy in community settings. Neuropharmacology, 32, 245-255.

O Uso de Maconha para o Controle da Depressão

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Publicado no jornal The Intercept Brasil.  A matéria nos traz a história de V. de 59 anos. Quando os efeitos dos remédios psiquiátricos pareciam não fazer mais efeito, ela conheceu o extrato de maconha. Segundo ela a cannabis sativa a fez dormir e a acordar tranquila pela primeira vez depois de anos. Porém, a importação do extrato pode chegar a custar R$ 7 mil reais por mês aqui no Brasil. Foi então que a sra. V. conseguiu na justiça a autorização do cultivo caseiro.

A matéria traz ainda detalhes sobre o caso, além de explicações do reconhecido neurocientista brasileiro, Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro, sobre a possibilidade de tratamento de doenças com o auxílio da maconha.

Leia a matéria completa → (Link)

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