O trauma da infância deve ser tratado como uma crise de saúde pública?

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De NPR : “O estudo [publicado no Jornal da Associação Médica Americana ] é “provavelmente o teste mais rigoroso que temos até hoje da hipótese de que o trauma na primeira infância tem esses efeitos fortes e independentes sobre os resultados adultos “[William Copeland, professor de psiquiatria da Universidade de Vermont] diz.

Para Copeland, os impactos abrangentes do trauma exigem soluções políticas de base ampla, além de intervenções individuais.”Tem que ser uma discussão a ser feita em nível de política de saúde pública”, diz ele. […]

“Eu acho que deveria se acabar com qualquer tipo de especulação sobre o trauma da primeira infância e as dificuldades da vida posterior”, [ Kathryn Magruder , epidemiologista e professora de psiquiatria da Universidade de Medicina da Carolina do Sul] diz.

Embora a ligação tenha sido mostrada em pesquisas anteriores, Magruder diz que este novo estudo pode ajudar a direcionar futuras pesquisas e políticas. “Por que estamos revisitando isso? Porque é hora de pensar em prevenção ”, diz ela. O trauma é um problema de saúde pública, acrescenta, e deve ser tratado com uma abordagem de saúde pública.

O psicólogo  Marc Gelkopf  concorda. Em  um editorial  publicado junto com o estudo, ele escreve: “Se os males de nossas sociedades, incluindo o trauma, devem ser enfrentados seriamente, então a injustiça deve ser responsabilizada”. […]

Propostas de lei como o SUPPORT Act são compartilhadas pelo bipartidarismo nosso estadunidense e são um começo promissor, diz Purtle – mas  ainda não vão longe o suficiente. Para realmente reduzir os traumas e mitigar seus efeitos, diz ele, os formuladores de políticas devem buscar políticas e investimentos comunitários, como leis de salário mínimo, que reduzam a pressão econômica sobre as pessoas que estão com dificuldades.

“É mais do que apenas” endurecer e lidar com isso “”, diz ele. “Muito disso se resume a pessoas que não deveriam viver suas vidas em um estado de estresse crônico e constante”.

Artigo →

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‘Antidepressivos em Xeque’

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imagesA revista Radis de nº 195 traz a matéria ‘Antidepressivos em Xeque’, referente ao 2º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: As Evidências Científicas para a Desmedicação Segura e Eficaz, que ocorreu em outubro deste ano na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/Fiocruz, quando o  pesquisador Irving Kirsch, Professor de Harvard e diretor do Programa de Estudos do Placeborelata que são poucas as evidências demonstrando a eficácia dos antidepressivos, o que não sustentaria a crescente indicação desses medicamentos. A matéria também cita Laura Delano, militante do movimento de ex-usuários e sobreviventes da psiquiatria, quem luta pela autonomia e singularidade dos pacientes psiquiátricos.

Matéria Completa aqui → ‘Antidepressivos em Xeque’

A retirada dos antidepressivos: uma entrevista na BBC Radio 4

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Os antidepressivos são um tratamento útil para muitos, mas algumas pessoas têm problemas quando param de tomá-los. Uma revisão recente das evidências sobre os sintomas de abstinência de antidepressivos descobriu que mais pessoas podem vivenciar vários sintomas por mais tempo do que se pensava até hoje; e não são poucas as pessoas que descrevem esses sintomas de ‘abstinência’ como sendo graves. E, o mais importante: não são hoje aqueles sintomas da suposta doença que justificaram originalmente seu tratamento psicofarmacológico com antidepressivos.

Não obstante, esse estudo que aqui está em tela – e que você poderá ter acesso – tem sido objeto de críticas a respeito dos dados analisados, e pelo fato de que os sintomas de abstinência também podem variar de acordo com o tipo de antidepressivo.

Então, o que isso significa na prática? Eis aí uma questão de interesse público.

Claudia Hammond, da BBC radio 4, entrevistou o autor da pesquisa, John Read, professor de Psicologia Clínica da Universidade de East London, e o Dr. Sameer Jauhar, pesquisador sênior do King’s College London.

John Read foi um dos nossos convidados internacionais do 2 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, evento realizado recentemente no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), na última semana de outubro.

O estudo aqui tomado como referência foi apresentado ao Parlamento Britânico:  “Retirada dos antidepressivos: um levantamento da experiência dos pacientes pelo Grupo Parlamentar de Todos os Partidos para a Dependência Prescrita de Drogas.”  Por conseguinte, não se trata de ‘fake news’!

Fora do Brasil, há um crescente movimento que busca obrigar à ‘medicina’ – aos prescritores de antidepressivos – comunicar aos seus pacientes sobre os riscos do uso a médio e longo prazos das drogas por eles prescritas.

No Brasil, muito poucas informações a respeito chegam ao público sobre dependência química aos antidepressivos. Aqui os pacientes começam a tomar antidepressivos, por uma razão ou outra – em termos de eventos adversos da vida -, e os prescritores não costumam informar que tal tratamento psicofarmacológico deva ser, necessariamente, por um ‘prazo delimitado’ de uso.

Levando em consideração que o Brasil é um dos países aonde há o maior número de pessoas em tratamento com antidepressivos no mundo, o que há de dependentes químicos de antidepressivos é certamente o que coloca o Brasil entre os campeões mundiais de dependentes químicos de antidepressivos. Com graves consequências para a saúde pública, e muito em particular para o SUS.

Para ter acesso ao documento apresentado ao Parlamento Britânico e tomado como referência, clique aqui.

E para ouvir a entrevista na íntegra basta clicar no link abaixo:

BBC radio 4

Não são os transtornos emocionais realmente transtornos do amor?

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Peter BregginAgora sabemos o suficiente sobre a evolução biológica humana para entender que nossa natureza social é construída em nosso núcleo biológico instintivo. Nós não somos entidades separadas vagamente conectadas; somos por nossa própria natureza moldados e motivados pela mutualidade, cooperação e amor.

Ao contrário da maioria das criaturas, nós humanos nascemos com um cérebro essencialmente fetal, o que nos deixa totalmente dependentes dos outros e que dobra de tamanho durante o primeiro ano de vida. Esse crescimento enormemente rápido do tamanho e da complexidade assegura que nosso cérebro se desenvolva fora do corpo de nossa mãe como um órgão social, um órgão cuja estrutura e função são formadas pelas influências socializadoras que o cercam.

Nós humanos somos literalmente feitos um do outro, fisicamente, psicologicamente e socialmente. A socialização nos primeiros anos de vida orienta o desenvolvimento e expressão de nossa natureza social e o nosso poder como espécie para sobreviver e prosperar; e a falta desse cuidado leva a prejuízos psicológicos e sociais. Mas nós não somos seres desamparados à mercê da natureza e da criação; podemos fazer escolhas e aprender a superar quaisquer emoções legadas negativas que trazemos da nossa evolução biológica e da socialização infantil.

Amor e empatia são fundamentais para nossa natureza social. Através dos espectros psicológicos, espirituais e políticos, muitas pessoas conscientes concluíram que o amor e sua expressão como empatia são os princípios centrais de uma vida boa e produtiva.

Historicamente, a importância do amor e da empatia teve sua expressão inicial e talvez ainda mais plena no ensino de Cristo: amar a Deus, amar uns aos outros e seguir a Regra de Ouro – tratar os outros como gostaríamos que eles nos tratassem. O Antigo Testamento, o Budismo e muitos outros documentos religiosos também expressaram variações na Regra de Ouro.

A surpreendente verdade sobre Charles Darwin e Adam Smith

Ao contrário da crença comum, o grande cientista evolucionista Charles Darwin não colocou ênfase na sobrevivência do mais apto, mas sim na ajuda mútua e no amor como a chave para o sucesso humano como indivíduos e como espécie. Darwin descreveu o conceito de um Deus amoroso e a Regra de Ouro como a mais alta conquista da história humana, emanando em parte de nossos instintos sociais embutidos, mas que, em última análise, requeriam raciocínio consciente:

Fazer o bem em troca do mal, amar o inimigo, é o auge da moralidade à qual se pode duvidar se os instintos sociais, por si mesmos, nos levariam. É necessário que esses instintos, juntamente com a simpatia, tenham sido altamente cultivados e ampliados pela ajuda da razão, da instrução e do amor ou temor de Deus, antes que qualquer regra de ouro fosse alguma vez pensada e obedecida.

Adam Smith, autor de A riqueza das nações e grande defensor da liberdade econômica no século XVIII, queria mais do que um mercado livre de cães e gatos. Em seu grande trabalho sobre a Teoria dos Sentimentos Morais , ele via a empatia e o amor como sentimentos sociais necessários para temperar a cobiça. Ele elogiou o “sentimento de companheirismo” humano e os “princípios em sua natureza, os interesses do homem pela sorte de outros, e tornam a felicidade dos demais necessária para ele”. Ele escreveu “É o primeiro preceito amar o Senhor nosso Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa alma e com todas as nossas forças, assim como é o segundo amar o próximo como amamos a nós mesmos…”

Apesar da importância que Charles Darwin e Adam Smith deram ao amor e à cooperação no sucesso individual e social, esses temas recebem pouca ênfase na maioria das discussões do trabalho deles. A maioria de nós foi enganada pela nossa educação e pelos escritores contemporâneos a acreditar que o Darwin e Smith defendiam a competição e a sobrevivência dos mais aptos. As pessoas ficam surpresas ao saber que suas respectivas teorias da evolução e da economia enfatizam o amor, a empatia e a cooperação.

Amor e Empatia em Psicologia e Psiquiatria

A ênfase no amor e na empatia é abundante em fontes aparentemente divergentes dos temas do judaísmo e do cristianismo, nos quais Darwin e Smith estavam imersos. Uma das análises mais ricas do papel do amor na vida humana é a obra The Art of Loving, de Erich Fromm . Fromm, um psicólogo e humanista secular de tendências marxistas, estava aparentemente tão distante quanto se poderia pensar de homens como Charles Darwin e Adam Smith; mas isto não foi assim com relação à centralidade do amor.

Fromm descreveu o amor como “a resposta para o problema da existência humana”. Ele declarou:

A consciência da separação humana, sem reunião pelo amor, é a fonte da vergonha. É ao mesmo tempo a fonte da culpa e da ansiedade. A necessidade mais profunda do homem, então, é a necessidade de superar sua separação para deixar sua prisão de solidão. O fracasso absoluto para alcançar este objetivo significa insanidade …

RD Laing, o psiquiatra crítico mais lido na década de 1960 e uma inspiração contínua para a reforma psiquiátrica, colocou o amor no centro das qualidades curativas do terapeuta. Laing estava se referindo ao papel do terapeuta na reintegração do “eu dividido”, um aspecto da psicose e da chamada esquizofrenia, quando escreveu:

“O principal agente em unir o paciente, ao permitir que as peças se juntem e formem um todo, é o amor do médico, um amor que reconhece o ser total do paciente e o aceita, sem amarras.”

E se isso fosse verdade?

E se os ensinamentos de tantos observadores sábios fornecerem um conceito holístico direto para o sucesso e fracasso pessoal, emocional ou psicológico? Será que o bem-estar psicológico e espiritual do ser humano está em se tornar uma fonte crescente de amor e em aceitar o amor mais profundamente, enquanto o mal-estar psicológico e espiritual está em vários graus de ser incapaz de amar e de ser amado?

Poderia toda a gama de categorias de diagnóstico psiquiátrico, na medida em que eles têm alguma validade, ser expressões do fracasso em amar e aceitar o amor? Poderia a ampla gama de psicoterapias bem sucedidas realmente funcionar por meio da capacidade do terapeuta de encorajar as pessoas a experimentarem o amor através de quão positivamente ele se relacionam com elas?

Focando mais no amor

Comecei a pensar e a tentar implementar esses conceitos como estudante universitário (1954-1958) como voluntário em um hospital psiquiátrico estadual. Eu os explorei em dois dos meus primeiros livros, A Psiquiatria Tóxica: Por que terapia, empatia e amor devem substituir as teorias de drogas, eletrochoque e bioquímica da “nova psiquiatria” (1991) e Além do conflito: da auto-ajuda e psicoterapia à pacificação (1992).

Agora quero resumir o papel do amor em nossas vidas em uma simples observação: quase todo o sucesso pessoal ou emocional humano depende de ser capaz de dar e aceitar o amor, e quase todo fracasso humano reflete uma incapacidade de fazê-lo.

Minha própria definição de trabalho de amor é “consciência alegre” – a experiência da felicidade sobre a existência de algo ou alguém, incluindo o que quer que seja que nos inspira, da família e dos amigos à natureza e à Deus. Do experimentar amor romântico ao admirar heróis que elevam nossos ideais; do apreciar os pássaros que voam sobre nós em nosso quintal ao ver crianças ou animais a brincar – o amor é um compromisso entusiasmado com a vida. Quando amamos pessoas e animais de estimação, assim como Deus, nos tornamos capazes não apenas de dar amor, mas também de recebê-lo.

E se focássemos a terapia em ajudar nossos clientes e pacientes a dar e aceitar o amor mais plenamente? Poderíamos ajudá-los a ver a importância do amor e como eles podem superar seus entrincheirados medos e dúvidas em dar e receber? Suponha que nós mesmos tenhamos feito isso em nosso cotidiano, tentando, quando possível, dar e receber amor, juntamente com qualquer outra atividade que estivéssemos compartilhando?

Como membros de família, como terapeutas ou médicos, e se nunca mais promovêssemos ou prescrevêssemos drogas enquanto um “tratamento”, porque elas enfraquecem nossos lobos frontais e, consequentemente, nossa capacidade de amar? Poderíamos descartar todos os nossos diagnósticos feios, pré-fabricados e desamorosos – TDAH, transtorno de conduta, transtorno obsessivo-compulsivo, TEPT? Poderíamos, ao contrário, ajudar os outros a descobrir onde o envolvimento amoroso deles com a vida foi desencorajado ou perdido e como revivê-lo ou mesmo experimentá-lo pela primeira vez?

Na minha vida e na minha prática clínica, essas questões não são conjecturas abstratas. Desde meus primeiros dias como estagiário em um hospital psiquiátrico até hoje, tentei guiar as pessoas para um envolvimento mais amoroso com as pessoas básicas em suas vidas e com a própria vida. Eu também tentei me guiar da mesma maneira, muitas vezes com passos vacilantes e até mesmo fracassados.

Aqui está a formulação do que ficou cada vez mais claro para mim:

Quase todos os distúrbios emocionais são distúrbios do amor, e nos curamos desses distúrbios na medida em que aprendemos a dar e a aceitar o amor.

Esta é uma formulação inicial do que espero compartilhar com vocês em mais detalhes e com maior clareza nos próximos meses e anos através de meus escritos, cursos, conferências, programas de rádio, vídeos e filmes.

Medicalização da Vida e TDAH

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CAMILAO diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem atingido cada vez mais a população infanto-juvenil em diversos continentes, sendo a principal opção de tratamento o uso de metilfenidato (Ritalina).

Nesse contexto, a pesquisadora Fernanda Martinhago, pós-graduanda da Universidade Federal de Santa Catarina, lançou recentemente o artigo TDAH e Ritalina: neuronarrativas em uma comunidade virtual da Rede Social Facebook, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva. O artigo surge como resultado de uma pesquisa realizada por Martinhago, cujo objetivo, é compreender como os conteúdos das redes sociais influenciam os familiares, membros dessas comunidades virtuais, em seu entendimento sobre o TDAH e seu tratamento, bem como lidam com seus filhos que apresentam suspeita ou que já receberam tal diagnóstico. A pesquisa no campo virtual ocorreu no período de maio de 2015 a setembro de 2016.

A metodologia utilizada foi a etnografia virtual, desenvolvida na perspectiva da Antropologia Médica. A etnografia é um método da Antropologia, seu intuito segundo Polivanov (2013 ) [1], é a criação de descrições de práticas sociais de indivíduos ou redes de indivíduos (coletividades), com o propósito de entender diferentes aspectos de uma cultura. Já a Antropologia médica é uma perspectiva que considera a saúde e o que se relaciona a ela (conhecimento de risco, ideias sobre prevenção, ideias de tratamentos adequados, etc.) como fenômenos culturalmente construídos e culturalmente interpretados. (Uchôa &Vidal, 1994) [2].

O Artigo aponta para um discurso neurocientífico e biomédico presente em nossa cultura e nos meios de comunicação, que privilegiam explicações sobre disfunções cerebrais do sofrimento humano, sem levar em consideração as dimensões sociais que atravessam estas aflições, fenômeno conhecido como medicalização da vida. Neste contexto, demarcado pela ‘cerebralidade’, surge uma epidemia de transtornos mentais. A autora faz referência ao jornalista Robert Whitaker, que através de seu estudo investigativo, demonstrou uma verdadeira epidemia de transtornos mentais. 

“Por exemplo, nos Estados Unidos, em 1955, uma em cada 468 pessoas sofria de algum transtorno mental. Em 1987, uma em cada 184 pessoas estava diagnosticada com um transtorno mental. Em 2007, o número passou a ser um diagnosticado para cada 76 estadonidenses.”

Mas não acaba por aí, Martinhago ressalta que essa epidemia se expandiu a tal ponto, que crianças e adolescentes também começaram a fazer parte destas estatísticas, isto se devendo às últimas versões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). O diagnóstico mais comum dado à crianças e adolescentes é o de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). O diagnóstico desse transtorno é clínico, já que não existem exames laboratoriais que comprovem a patologia. Assim sendo, a possibilidade de qualquer pessoa receber facilmente este diagnóstico, e como consequência, uma prescrição para tratamento medicamentoso, é muito grande.

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O que Martinhago percebe através desta pesquisa é que apesar do medicamento controlado causar angústia aos pais, cientes dos malefícios causados pela medicação – dependência física ou psíquica -, eles irão preferir o tratamento medicamentoso aos riscos citados pelo DSM – 5 do não tratamento do TDAH, dentre eles o posterior desenvolvimento de transtornos por uso de substâncias. Dessa forma, a adesão do tratamento medicamentoso pelas mães é reforçada por outras mães da comunidade virtual.

Diversas mães também queixaram –se das reações adversas da Ritalina, mas mesmo assim os demais membros apoiam a insistência com o uso do medicamento.

“Não fique lendo bula de remédio, faz a gente surtar. ”  (LES)

 “Faça o tratamento, é melhor vc se arrepender de ter tentado do que pagar o preço pra ver o resultado na adolescência. ” (CPJ)

“Minha filha tem TDAH e transtorno de humor, ela toma Ritalina, 4 comprimidos de 10mg, toma Risperidona e toma Lítio, mas continua muito ansiosa, não consegue aprender nada na escola, ela tem 10 anos. ” (CPJ)

 Dessa forma, a autora observou que a comunidade virtual interage para que os pais aceitem a medicação, superando suas angustias relativas à mesma. Parecem acreditar que somente com o uso da medicação seus filhos conseguirão ter êxito na escola, bem como a crença de que a medicina e os medicamentos são meios de intervenção divina. Mas o fato é que a Ritalina causa efeitos adversos, e alguns depoimentos e relatos de mães são verdadeiros pedidos de socorro para o estado crítico de saúde de seus filhos, originados pelos medicamentos. É possível notar como a medicalização da vida, a tutela da infância e adolescência, juntamente com o controle dos corpos, fenômenos percebidos através desta pesquisa, podem causar graves consequências às crianças e aos adolescentes diagnosticados com TDAH e seus familiares.

Martinhago conclui que há um grande descaso com relação às consequências que estes medicamentos podem causar nas crianças, tanto por parte dos familiares como dos profissionais. Parece que há uma dificuldade dos pais lidarem com seus filhos, dessa forma recorrem aos diversos profissionais e técnicas para dar conta de uma função que, não faz muito tempo, era exercida naturalmente pelas famílias. Existe uma hiper patologiação dos percalços e dificuldades da vida.

Leia o artigo na íntegra → MARTINHAGO, Fernanda. TDAH e Ritalina: neuronarrativas em uma comunidade virtual da Rede Social Facebook. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 23, n. 10, p. 3327-3336,  out.  2018 .

[1] POLIVANOV, Beatriz. Etnografia virtual, netnografia ou apenas etnografia? Implicações dos conceitos. Esferas, Ano 2, n. 3, jul- dez. 2013.

[2] UCHOA, Elizabeth; VIDAL, Jean Michel. Antropologia médica: elementos conceituais e metodológicos para uma abordagem da saúde e da doença. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 10, n. 4, p. 497-504,  Dec.  1994.

Força-tarefa mira irregularidades em hospitais psiquiátricos de todo o país

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Publicado em O Globo. Matéria da jornalista Helena Borges. “Considerado ultrapassado no tratamento de pacientes com distúrbios psiquiátricos , aparelhos de eletrochoque sem permissão para uso foram encontrados em uma operação de fiscalização que mirou 40 clínicas e hospitais em 17 estados de todas as regiões do país nos últimos três dias. Também foram encontrados casos de cárcere privado, pacientes amarrados em macas e outros tipos de contenções físicas – em geral, amarras feitas com lençóis – fora do protocolo, que são consideradas formas de tortura . Não há, no entanto, nenhum indício de que houve excesso contra pacientes nos lugares onde os aparelhos foram recolhidos.”

“A ação, liderada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério Público do Trabalho (MPT), Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), teve como objetivo identificar denúncias de maus tratos em hospitais e clínicas psiquiátricas de grande porte e alta taxa de ocupação, com denúncias de violação de direitos humanos, irregularidades, alto número de óbitos, ou com indicação de descredenciamento pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria).

“- Ao longo deste ano, usaram uma portaria para incluir os hospitais psiquiátricos, que funcionam segundo uma lógica manicomial de encarceramento dos pacientes, na Rede de Atenção Psicossocial. Ao mesmo tempo, cortaram em cerca de R$ 80 milhões o orçamento dos Centros de Atenção Psicossocial, que são alternativas com atendimento humanizado. – explica o psicólogo Lúcio Costa, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.”

Para ler a matéria na íntegra clique aqui →

Alguns suplementos à base de ervas podem conter produtos farmacêuticos perigosos

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Photo Credit: Pixabay

“Estes produtos eram comumente comercializados para aumento sexual, perda de peso ou ganho de massa muscular”, escrevem os autores.”Os adulterantes mais comuns foram sildenafil para suplementos sexuais, sibutramina para suplementos de perda de peso e esteróides sintéticos ou ingredientes semelhantes a esteróides para suplementos de construção muscular.

Os suplementos dietéticos são uma indústria em expansão: supostamente, mais de 50% dos adultos dos EUA recebem suplementos, e a indústria gera bilhões de dólares de receita por ano. Infelizmente, os suplementos não são testados pela FDA antes de serem colocados no mercado. Legalmente, eles são considerados “alimentos”, então eles não se enquadram nos regulamentos mais estritos para medicamentos, que devem demonstrar estudos de eficácia e efeitos colaterais antes de serem divulgados ao público. Suplementos podem ser comercializados junto ao público sem qualquer teste, embora a FDA os teste após a venda, assim como faz para alimentos.

Presumivelmente, a maioria das pessoas que tomam suplementos dietéticos está tomando-os como uma alternativa aos produtos farmacêuticos, acreditando que eles são um remédio “natural”. No entanto, sem o seu conhecimento, as pessoas podem estar ingerindo drogas perigosas – em alguns casos, drogas que foram recolhidas devido a sérios efeitos colaterais.

Por exemplo, pessoas que têm a impressão de estar aumentando a massa muscular com ingredientes naturais podem estar ingerindo esteróides sintéticos, conhecidos por causar ataques cardíacos, danos nos rins e danos ao fígado, além de alterações hormonais e acne.

Da mesma forma, as pessoas que tomam remédios à base de ervas para a perda de peso, elas podem estar ingerindo sibutramina – que, sob a marca Meridia, foi retirada dos mercados da UE e dos EUA em 2010 devido a seus conhecidos riscos de derrame e ataque cardíaco; (Meridia também foi encontrado como sendo apenas mais eficaz do que o placebo para perda de peso). Assim como o inibidor seletivo da recaptação da serotonina (ISRS) fluoxetina (comercializado como o antidepressivo Prozac), que igualmente foi detectado em suplementos de perda de peso; e os autores observam que isso pode levar a pensamentos suicidas, sangramento anormal e convulsões.

Além disso, os homens que acreditam estar tomando um remédio herbal para a disfunção erétil podem na verdade estar ingerindo sildenafil (nome comercial Viagra), que é um vasodilatador conhecido por causar ataques cardíacos, derrame cerebral, perda de visão e perda auditiva. Além disso, um ISRS não aprovado chamado dapoxetina também foi detectado nesses tipos de suplementos.

Segundo os autores, outros suplementos “foram comercializados para ajudar em várias condições, incluindo dor nas articulações, dor muscular, osteoporose, câncer ósseo, problemas de sono, gota e saúde da próstata”. Estes tipos de suplementos continham uma variedade de produtos farmacêuticos, porém mais comumente incluiu diclofenaco, que é um antiinflamatório não esteroidal, e dexametasona, um esteroide antiinflamatório.

O estudo atual descobriu que, entre 2007 e 2016, a FDA identificou 146 empresas diferentes que vendem suplementos de ervas com ingredientes farmacêuticos ativos, por isso não é apenas um incidente isolado ocorrendo em algumas empresas. Em vez disso, isso parece ser um problema generalizado – e os pesquisadores descobriram que na verdade está se tornando pior: mais produtos têm sido identificados nos últimos anos. Além disso, muitas das empresas foram advertidas repetidas vezes pela FDA quanto a essas violações – depois do que às vezes mudavam os ingredientes para um produto farmacêutico não aprovado diferente.

“Esses produtos continuam a ser vendidos e são potencialmente perigosos, mesmo após as advertências da FDA”, escrevem os autores.”

Os pesquisadores também descobriram que 157 dos suplementos continham mais do que um ingrediente farmacêutico, e alguns continham até 6 produtos farmacêuticos diferentes. Como esses ingredientes podem interagir uns com os outros, esse é um problema particularmente perigoso.

Mas quão perigosa é a adição de pequenas quantidades de ingredientes farmacêuticos?

De acordo com os pesquisadores do Departamento de Saúde Pública da Califórnia, “o uso de suplementos dietéticos foi associado com 23.000 visitas ao setor de emergência e 2.000 hospitalizações nos Estados Unidos a cada ano. Eventos adversos graves relatados com o uso de suplementos dietéticos incluem acidente vascular cerebral, lesão hepática aguda, insuficiência renal, embolia pulmonar e morte.

Em um comentário feito a pedido no JAMA Network Open , Pieter A. Cohen, MD, escreve que esse problema é “negligência do dever” por parte da FDA. Cartas oficiais de advertência foram enviadas para apenas sete das 156 empresas. Menos da metade dos suplementos identificados pela FDA estavam, na verdade, sujeitos a um recall, e mesmo isso era considerado um “recall voluntário” – significando que a FDA não o tornava obrigatório. A maioria dos suplementos permanece à venda sem um marcador claro que os identifique como potencialmente perigosos.

A equipe de pesquisa de Cohen identificou separadamente dois “estimulantes experimentais” em suplementos de perda de peso, e ele escreve que embora eles tenham informado a FDA, essa agência reguladora ainda tem que emitir advertências ou mesmo notificar o público.

Cohen pede que a FDA use mais agressivamente seus avisos e advertências ao público para informar a população e regular as empresas ofensivas. Ele também sugere que o Congresso poderia reformar a Lei de Saúde e Educação de Suplementos Alimentares de 1994, para que as empresas sejam obrigadas a registrar seus ingredientes na FDA antes de vender suplementos aos consumidores.

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Tucker, J., Fischer, T., Upjohn, L., Mazzera, D., & Kumar, M. (2018). Unapproved pharmaceutical ingredients included in dietary supplements associated with US Food and Drug Administration warnings. JAMA Network Open, 1(6), e183337. doi:10.1001/jamanetworkopen.2018.3337 (Link)

 Cohen, P. A. (2018). The FDA and adulterated supplements—Dereliction of duty. JAMA Network Open, 1(6), e183329. doi:10.1001/jamanetworkopen.2018.3329 (Link)

Pesquisadora da Fiocruz: Dr. Quirino esconde os dados objetivos do quadro da saúde mental no Brasil; os últimos foram publicados em 2015

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Publicado em VioMundo, artigo da Psiquiatra Ana Paula Guljor, pesquisadora do LAPS/ENSP/Fiocruz e diretora da ABRASME. Em uma matéria escrita pela jornalista Conceição Lemes, a política oficial do governo Temer de desmonte das estruturas da reforma psiquiátrica brasileira é analisada e denunciada. Está sendo revertida a lógica organizativa da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) ao serem privilegiados os leitos hospitalares psiquiátricos. Vem ocorrendo uma explícita guinada pró-empresas privadas de saúde e comunidades terapêuticas em detrimento do SUS. E recentemente, em 27/11, foi lançada a Frente parlamentar Mista em Defesa da Nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Hospitalar Psiquiátrica.  O que se pode esperar do governo Bolsonaro que começa no próximo janeiro? A seguir trechos do artigo da Dra. Ana Paula Guljor.

“(…) Assim, Dr. Quirino, o que posso dizer de seu pronunciamento, além de lamentar as informações inconsistentes sobre as pesquisas no campo da avaliação de resultados do processo de Reforma Psiquiátrica?

Acho que posso dizer que seu grupo — empresários da saúde, corporações ligadas a indústria de medicamentos, parlamentares financiados pela indústria da loucura e da doença — e seus projetos de destruição das conquistas sociais são parte de uma história que muitos de nós já viveram.

Me refiro aos que, lá atrás, construíram a Reforma Psiquiátrica, a Reforma Sanitária e o processo de retorno à democracia do Brasil.

Novas roupagens, antigos objetivos.

Mas, como a história evolui em ciclos, os avanços sociais seguirão.

Posso dizer, adaptando o poeta Mário Quintana: ‘Vocês passarão e Nós passarinho’.

Estamos entrando em uma era sombria, mas que é onde se agiganta a mobilização e a luta.”

Artigo na íntegra→

Deputados criam polêmica ao lançar frente pró-internação psiquiátrica

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O Globo

Publicado em O GLOBO:

“O lançamento, esta semana, de uma frente parlamentar para cobrar a criação de leitos de internação psiquiátrica reacendeu o debate sobre as políticas públicas para a saúde mental no país. Composta por 226 deputados e quatro senadores, a agremiação — batizada de Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Psiquiátrica — diz ser um contraponto em um debate que, segundo seus integrantes, foi “sequestrado pela esquerda”. O lançamento acontece dias depois de o futuro ministro da Saúde, o deputado Luiz Mandetta (DEM), criticar a atuação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dizer que pretende fazer mudanças nas políticas de tratamento de dependentes químicos.

— Criamos um sistema em que o paciente recebe cuidados nos Caps durante o dia, mas é devolvido para a família à noite. E essa família não tem condições de prestar a devida assistência — afirma o deputado Roberto de Lucena (Podemos), idealizador do grupo.”

— Tememos o retorno dos hospitais psiquiátricos. Lugares que cometiam violações aos direitos dos pacientes — afirma Marisa Helena Alves, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

“Desde o ano passado, o governo faz mudanças na Política Nacional de Saúde Mental. Em dezembro, anunciou alterações que incluíram a revisão nos valores pagos, pelo SUS, pelos leitos psiquiátricos existentes em hospitais gerais. O ministério da Saúde também passou a fazer repasses financeiros a comunidades terapêuticas: instituições, muitas vezes mantidas por grupos religiosos, onde pacientes que sofrem com problemas de dependência química são internados.”

A matéria na íntegra →

Trauma Fora da Caixinha: Como a Tendência “Informada pelo Trauma” fica aquém

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noelhunterCada vez mais está se tornando moda para as agências de saúde mental e profissionais se tornarem “informados sobre o trauma”. O alardeado é que isso é uma coisa boa. Mas o que está acontecendo na realidade está longe de ser o ideal.

Há uma necessidade premente de entender como coisas como abuso, pobreza, opressão, injustiça, racismo e outras adversidades afetam a nossa saúde mental e o bem-estar geral. O senso comum, é claro, nos diria que isso essencialmente ao longo de tempo leva uma pessoa a ficar louca. Mas hoje em dia o senso comum é percebido como juvenil ou que é menos do que a ‘ciência’.

Independentemente disso, é imperativo que qualquer pessoa ou sistema com a função de ajuda considere o contexto do sofrimento e o que aconteceu na vida de uma pessoa que a levou ao seu atual estado de espírito.

O problema é que isso é demorado, complexo, altamente subjetivo e individual – tudo contra o qual o sistema foi projetado.

O que parece acontecer na realidade quando uma organização ou um clínico individual torna-se “informado sobre o trauma” é que as fórmulas antigas simplesmente são misturadas com todos os ingredientes do trauma e check-boxes e sem nenhum significado real. Torna-se ainda uma outra maneira de progredir na própria carreira e de sentir-se bem consigo próprio, enquanto que na prática não faz nada diferente. É mais uma vez colocar os humanos em caixinhas.

Claro, isso não é universal – existem muitos programas genuínos dedicados a traumas e há profissionais trabalhando com traumas que ajudam a muitos. Este artigo não é sobre estes. Mas se você se sentir desconfortável ao ler isso ou se sentir na defensiva, talvez seja sobre você que eu esteja falando.

O que se segue é um vislumbre das inúmeras maneiras pelas quais os principais serviços e especialistas em traumas dentro deste mainstream estão perpetuando danos ao mesmo tempo em que se vangloriam por serem tão progressistas e conscientes.

Ignora o “trauma” invisível

Talvez uma das maneiras mais problemáticas que os estudos de ‘trauma’ impactaram a sociedade é a mensagem implícita de que se uma experiência não é considerada traumática pelo DSM, então não é “ruim o suficiente” para causar uma pessoa a sofrer intensamente e muito.

O DSM descreve especificamente o trauma como experimentar diretamente ou testemunhar algum evento com risco de vida, como por exemplo violência, guerra ou agressão sexual.

Testemunhar ou experimentar ameaças literais de morte é horrível. Mas o que é considerado risco de vida para uma criança de dois anos é muito diferente do que para uma criança de 22 anos. E o que ameaça nossa psique em um nível existencial nem sempre é tangível ou facilmente identificável.

O que sobrecarrega a capacidade do corpo de lidar ou o que deixa uma pessoa em um estado de estresse crônico pode não ser um evento evidente como é o caso de um assalto.

Tomemos o ostracismo, por exemplo. Ser ignorado, não ser querido ou ser deixado de fora, por mais sutil que seja, pode ser uma sentença de morte para alguns. Pode ser mais doloroso e mais prejudicial do que bullying ou abuso físico. No entanto, no mundo do DSM e dos profissionais de saúde mental, isso pouco importa. Não é ruim o suficiente.

Fumar cigarros é muito diferente do que ter uma arma sobre a minha cabeça. Mas ambos são susceptíveis de me matar em algum momento.

Nos anos 1960 e 70, terapeutas com orientação sistêmica em psicoterapia familiar pareceram entender muito bem os efeitos tóxicos e insidiosos de dinâmicas interpessoais camufladas, como gazlight , double-binds , e bodes expiatórios . Entendia-se que a disfunção psicológica tendia a existir dentro da família  ou no sistema social, e não dentro de qualquer indivíduo, mesmo que um indivíduo pudesse assumir os sintomas, por assim dizer, pelo todo.

Essa complexidade e visão holística foi perdida na idade do diagnóstico e da doença individual, mesmo dentro da terapia familiar. Como nenhuma dessas dinâmicas destrutivas contam como trauma e, certamente, são quase impossíveis de se medidas ou capturadas em um questionário, elas de alguma forma se tornam irrelevantes.

Os campos da saúde mental e do trauma chegaram a um lugar onde, essencialmente, se algo não pode ser facilmente identificável e mensurável, aparentemente isso não importa.

Questionários e tratamentos conforme manuais mercantilizam a experiência de vida

Só porque algo não pode ser resumido a uma pergunta simplista e medido em uma escala Likert de 5 pontos, não significa que não conte.

Ninguém pode realmente capturar experiências de opressão crônica, microagressões ou a luta da injustiça com uma escala de classificação arbitrária. Nem tudo pode ser quantificado. Isso não significa que não exista ou afete profundamente aqueles que experimentam tais adversidades.

O que acaba acontecendo é que se algo não pode ser convenientemente medido e estatisticamente manipulado, isso é visto como de alguma forma sendo inferior à ‘ciência real’ ou é totalmente ignorado.

A pesquisa qualitativa, que se baseia no subjetivo e tenta capturar narrativas com nuances, é previsivelmente criticada por aqueles que acreditam ser cientistas sérios. Em teoria, a pesquisa quantitativa deve ser objetiva, imparcial, demonstrando novas descobertas ao revés do senso-comum, confiável ou consistente entre estudos e pesquisadores, formalizada, generalizável e válida.

É isso que as ciências sociais valorizam – previsibilidade, falta de complexidade, falta de subjetividade ou emoção e em fórmulas robóticas.

No entanto, considere que o simples uso de diferentes procedimentos estatísticos pode determinar resultados muito diferentes usando os mesmos dados. Ou que milhões de dólares são gastos em pesquisas sobre o cérebro para que possamos entender descobertas totalmente inovadoras e fora do senso-comum , como a tristeza associada a áreas do cérebro ligadas a emoções (e nem mesmo o tempo todo!). Pensemos em como os pesquisadores tendem a encontrar apoio para a sua afiliação particular (farmacêutica, teórica, etc.) mais frequentemente do que não, ou que as descobertas negativas quase nunca são publicadas. Será que realmente precisamos de centenas de estudos para nos dizer que, quando coisas ruins acontecem, isso nos afeta e pode nos enlouquecer?

É divertido jogar com números e provar que estamos certos. Quem não gosta de estar certo? Também é super bom para a segurança da carreira. Mas isso não é ciência. E isso não ajuda.

Muito pelo contrário. Isso ameaça tomar a narrativa de vida pessoal e subjetiva de uma pessoa e inseri-la em uma caixa de fórmulas que, de alguma forma, leva a uma suposta explicação do motivo pelo qual as pessoas sofrem. Oh, você diz que nunca se sentiu sendo entendido dentro de sua família? Como se você fosse ruim ou não fosse bom o suficiente para a maior parte de sua vida? Você sentiu que não importa o quanto você tentasse, nada funcionou para ajudá-lo a progredir ou a encontrar validação e conexão com os outros? Bem, nenhuma dessas coisas está no meu questionário de trauma validado nem está incluída na escala do ACE. Então, nada aconteceu com você. Desculpe. Você só tem um desequilíbrio químico e precisa de tratamento especializado para sua doença mental genética.

Ditos modos compreensíveis versus não compreensíveis de reagir ao estresse

Mesmo que uma pessoa tenha a sorte de ter suas experiências de vida reconhecidas e validadas, ainda há o problema do que é aceitável em resposta a tais experiências. Se uma pessoa pode articular seu medo como diretamente relacionado ao evento identificável que um profissional de saúde mental considera ruim o suficiente para justificar uma resposta angustiada, então pode ser considerado compreensível. Se o medo se torna difuso ou simbolizado, ou não se liga diretamente a algum evento evidente, então a pessoa é paranoica ou delirante.

Se alguém sente dor e grita de modo a perturbar os outros, é quase certo que a pessoa será diagnosticada com um distúrbio não relacionado a trauma que insinua um defeito interno. Se a pessoa grita muito alto ou faz com que os outros sintam sua dor, diz-se que sua personalidade está desordenada. O que isso significa?

Isso é absurdo. Não é ciência.

Os diagnósticos são quase inteiramente baseados em como um determinado clínico individual entende a pessoa à sua frente. Uma das diferenças que definem, por exemplo, entre um distúrbio dissociativo e uma psicose, é a história que se coloca às experiências internas.

Se alguém sente que algumas forças do ‘não-eu’ estão controlando a mente ou o corpo e atribui isso a ‘alters’ ou a outras pessoas que vivem no corpo, bem, isso é compreensível e dito ser dissociação. Se o clínico acredita que os distúrbios dissociativos não existem, a pessoa é informada de que está inventando ou apenas buscando atenção.

Alternativamente, se, ao contrário, essa experiência possessiva é atribuída a alienígenas irradiando ondas de luz radioativas para o cérebro (o que pode-se argumentar ser o mais plausível), agora a pessoa tem uma doença genética do cérebro chamada esquizofrenia que requer drogas tóxicas para a vida.

Basicamente, se uma pessoa está em extrema angústia e procura ajuda de um profissional de saúde mental, as probabilidades de obter compreensão e cuidados informados sobre trauma são amplamente aprimoradas se você puder articular sua experiência e dor de uma forma que o profissional entenda, não seja perturbado por algo, e possa caber em uma caixa de seleção ou em uma escala validada.

As teorias do trauma tornaram-se, em grande parte, apenas mais um modelo de doença

Há muitas coisas que são úteis para entender os correlatos do que está acontecendo no cérebro com comportamentos ou sentimentos às vezes confusos. Quando uma pessoa está em estado de congelamento, por exemplo, o cérebro literalmente fica offline. Além de funções básicas para sustentar a vida, o cérebro está jogando morto. Tentar falar com uma pessoa ou forçar uma pessoa assim a falar quando em tal estado isso não passas de um esforço fútil, é como fazer a chuva voltar à sua nuvem. Técnicas não-verbais são prudentes neste caso – ficar com raiva e mais patologizar e culpar o paciente por ser difícil, é claro, são muito mais comuns.

Com certeza, há mudanças cerebrais distintas que parecem estar associadas ao abuso infantil, estresse crônico e a outras formas de adversidade. O hipocampo tende a encolher, o funcionamento executivo é alterado, as maneiras pelas quais as emoções são processadas são diferentes e os ventrículos tendem a ser ampliados. MAS, isso NÃO é igual a disfunção ou a doença!

O cérebro é um órgão incrível que se adapta ao seu ambiente. Um estudo que realmente analisou as diferenças cognitivas do ponto de vista da adaptação mostrou como um grupo que sofreu trauma teve dificuldade com a inibição (isto é, eles eram ‘impulsivos’). No entanto, por outro lado, eles também eram melhores em trocar tarefas rapidamente e trabalhar em situações de incerteza e estresse. Estas são pessoas que podem se tornar excelentes policiais, paramédicos, médicos de ER ou soldados. Ao mesmo tempo, elas podem ser excelentes bibliotecários.

Tudo o que ouvimos, no entanto, é como o trauma danifica o cérebro e prejudica a vítima.

E, claro, que uma vítima é uma vítima. Vivenciar o trauma e viver com a dor e o sofrimento não exime uma pessoa de responsabilidade por seus comportamentos. Todo perpetrador já foi uma vítima. Demasiadas vezes, porém, a responsabilidade é confundida com a culpa, na medida em que, se uma pessoa é considerada responsável pelos seus comportamentos, essa pessoa é de alguma forma culpada ou é má.

Vítimas são boas. Perpetradores são ruins. Pessoas que sofreram traumas são uma ou outra. Tudo é simples.

Pior, raramente há discussão de como o cérebro realmente se cura e pode se adaptar a ambientes novos, mais seguros e mais calmos ao longo do tempo e com um sistema de suporte saudável. Pode ser mais difícil superar as primeiras experiências que a pessoa mais velha tem e mais camadas de dor e adversidade são adicionadas ao longo dos anos, mas a possibilidade de cura está sempre presente.

Cura, no entanto, só pode significar algo diferente para a pessoa que sofre do que para o profissional que precisa consertar alguém ou se sentir bem por ser um ajudante e se livrar de sintomas e doenças como um médico de verdade faz.

Muitas coisas demonstraram alterar a função e a estrutura do cérebro : ioga, meditação, relacionamento, terapia, exercícios aeróbicos, nutrição e muito mais. E, para a maioria deles, nenhum profissional de saúde mental é necessário.

O trauma pode ser extremamente prejudicial, tóxico e difícil de superar. Mas não é uma doença nem uma sentença de vida.

Missionários Modernos: Intervindo onde você não é necessário ou desejado

Os profissionais de saúde mental adoram dizer ao mundo como devem ou não se comportar, o que são e o que não são comportamentos, crenças e emoções aceitáveis e como medicamentos e terapia são necessários em quase todas as situações. Mas o que eles amam ainda mais é mostrar como são úteis e necessários.

No início do século 20, os missionários cristãos voltaram seus esforços para a África subsaariana. Sem dúvida que eles foram benevolentes em seus esforços – acreditando totalmente no poder dos evangelhos e na bondade das palavras de Jesus, certamente eles queriam se doar aos outros compartilhando seus conhecimentos e crenças em terras distantes. O resultado desses esforços, no entanto, levou à erradicação de costumes africanos seculares e à eventual implementação do apartheid.

Da mesma forma, agora é amplamente reconhecido que, quando profissionais de saúde mental entram em outras culturas, especialmente após um desastre natural ou outro evento social trágico, eles pioram as coisas. A ideia de que alguém precisa ‘processar’ o evento traumático por meio de orientações específicas de terapia informadas sobre o trauma com um profissional tende a levar um sofrimento a ser mais prolongado e a piores desfechos em longo prazo do que aqueles que não contaram com esse tipo de ajuda.

O livro Crazy Like Us: A Globalização da Psique Americana , de Ethan Watters, descreve como a exportação da indústria de saúde mental americana levou à perda de costumes locais e de formas alternativas de entender e lidar com o sofrimento humano. E algumas dessas culturas estavam melhores antes que nossos missionários psiquiátricos se intrometessem em sua sociedade.

No final, qualquer ideologia corre o risco de se tornar polêmica e autoritária; a psiquiatria já cruzou essa linha. Quando os interesses de negócios e de carreira distorcem aqueles com uma forte identidade de ser o ‘bom rapaz  ou ‘ajudante’, então qualquer sugestão de que eles não são necessários ou estão fazendo mal não é ouvida e descartada. Esses indivíduos têm dificuldade incrível em manter a raiva, reconhecer quando estão errados, dizer “sinto muito” ou, melhor: “não sei”.

No processo, o ajudante corre o risco de se tornar um destruidor.

É hora de começarmos a abraçar a diversidade, a diferença, a complexidade e a humildade. Profissionais de saúde mental fariam bem em considerar que somos uma pequena partícula entre a história de curandeiros, crentes, contadores de histórias, filósofos, charlatões, vendedores de óleo de cobra, amantes, juízes e ideólogos. Nenhuma lista de verificação ou questionário mudará isso.

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